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138 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

E se nós tivermos opinião contraria, teremos o direito de dizer ao soberano que se enganou?

A sua individualidade monarchica chegou até ao ponto de cobrir a sua opinião pessoal? E esta a situação deploravel a que nos levam as inconconveniencias d’este governo, querendo impor-nos o silencio em’ nome o á custa das opiniões do soberano.

Ora, contra isto protesto eu. Não contra o soberano, que não tem culpa dos erros dos seus ministros, mas contra um governo que arrasta o seu soberano até á téla dos debates pai lamentares e nos obriga a traduzir aqui os nossos protestos em defeza das nossas prerogativas.

O que fez a commissão em frente d’este grave assumpto? O mais absoluto silencio. Foi de uma reserva de considerações a meu ver, extremamente louvavel. Nem uma palavra diz, em resposta ás declarações do soberano relativas á sua apreciação pessoal, sobre a situação do exercito. Nem uma palavra.

E podia muito bem, por consideração e deferencia para com o soberano, referir-se á sua opinião, mas não o fez; e eu não teria assignado o projecto sem declarações, se a j commissão tivesse n’elle inserido qualquer palavra que directamente alludisse ás opiniões imprudentemente postas na bôca do soberano. Como a commissão não o fez e se limitou a passar em 1 silencio esse periodo, não fazendo a minima observação a: tal respeito, eu entendi que podia assignar o projecto sem! reservas.

Em outro ponto do discurso da corôa, diz o governo que tinha sido mantido o principio da auctoridade.

A este respeito devo dizer que não assignaria o projecto, sem que n’elle se declarasse expressamente que á camara ficava o direito de apreciar esse ponto, de modo a avaliar, por uma discussão ampla, so o respeito ao principio da auctoridade tinha sido ou não mantido.

Por isso declarei que não podia assignar o projecto, sem que se acrescentassem as palavras: a folgará a camara convencer-se de que o respeito devido ao principio da auctoridade foi mantido».

E V. ex.a comprehende perfeitamente que, se no projecto em discussão se affirmasse que o respeito ao principio da auctoridade tinha sido mantido, por quem tantas vezes o tinha violado, por quem tantas vezes o tinha arrastado em violencias sem nome, eu não o poderia assignar sem declarações.

Como a commissão se prestou a inserir as referidas palavras, não tive duvida, tambem n’esse ponto, cm assignar o projecto sem reservas.

Aqui tem V. ex.a as explicações que eu tinha a dar á camara e a todas as pessoas que, porventura, tivessem estranhado que eu assignasse, sem declarações, o projecto de resposta ao discurso da corôa.

Pelas rasões expostas, parece-me que todos me farão a justiça de crer que eu, apesar de adversario do governo, não podia nem devia deixar de fazer o que fiz.

Se no projecto ha alguma cousa que seja desagradavel, não o é de certo para a opposição.

Não ha uma só palavra, uma unica phrase ou periodo que mostre que se está de accordo com a politica ministerial.

Nos periodos para que especialmente chamei a attenção da camara póde verse censura aos actos do governo, o que não se vê de certo é applauso.

São estas as rasões, repito, por que assignei o projecto de resposta ao discurso da corôa, sem declarações.

Sr. presidente, podia limitar-me a estas observações, mas, na situação em que me encontro, preciso dizer mais alguma cousa á camara, e não só á camara mas tambem ao paiz.

Os acontecimentos que decorreram no intervallo parlamentar, os attentados extraordinarios contra a constituição do reino, foram de tal ordem, o interregno parlamentar foi

tão longo, que eu faltaria aos meus deveres politicos e aos da posição que occupo n’esta casa, se deixasse passar este momento sem dizer as rasões que tenho para manter a attitude de hostilidade contra o governo.

Em primeiro logar, declaro que não tratarei agora senão propriamente da questão constitucional, da questão politica. Não prescindo do direito de levantar o tratar as outras questões, na occasião mais propria, pois seria difficil empreza, e mesmo impraticavel proposito, pretender chamar agora a attenção da camara para tão variados assumptos.

Noto no discurso da corôa uma grave omissão. Não se faz n’elle nenhuma referencia á dissolução das côrtes, que é o ponto fundamental, o ponto de partida dos attentados do governo contra a constituição.

Porque seria, sr. presidente?

Considerar-se-ha tão insignificante este facto que o governo não se julgasse obrigado á menor allusão a elle?

Não sei. O que sei é que o governo guardou a tal respeito o maior silencio.

Ora, esse acto, sr. presidente, reputo-o eu inconstitucional, porque foi praticado em desharmonia com o espirito e letra da constituição, pois, segundo os bons principios constitucionaes, não deve fazer-se uma dissolução das camaras senão quando haja necessidade comprovada de o fazer. Segundo a propria letra da constituição, só se devo fazer a dissolução quando o bem do estado o exija. E o bem do estado não o exigia, por certo, pois que as côrtes não tinham deixado de prestar o seu apoio ao governo, e por isso o governo direito algum tinha de as dissolver.

Entretanto, para que se possa bem apreciar o procedimento ministerial, e quanto foi desnecessario, caprichoso e inconveniente tal procedimento, propondo ao Rei a dissolução das côrtes, eu quero remontar mais longe, quero contar o que se passou commigo, antes da dissolução.

Sr. presidente, começarei a minha exposição dizendo o que se passou em 1892 durante as eleições a que procedeu o sr. Dias Ferreira.

N’esse tempo, o partido a que tenho a honra de pertencer, collocou-se em aberta hostillidade ao ministerio Dias Ferreira, mas muito antes do acto eleitoral.

Logo que se abriu o periodo eleitoral o partido progressista entendeu dever entrar nas eleições sem accordo com o governo, e n’este sentido fiz as minhas declarações ao sr. José Dias Ferreira.

O partido regenerador, porém, procedeu de maneira inteiramente diversa. Entendeu que devia apoiar o governo, prestando-lhe todo o seu auxilio, entrando assim n’uma combinação com elle, e guerreando quanto possivel o partido progressista.

O que foi esse periodo todos nós sabemos.

N’essa occasião tudo eram lisonjas para o sr. ministro do reino, e o partido regenerador zelava e defendia os creditos e a honra do sr. José Dias Ferreira. Na sua imprensa a lucta era contra o partido progressista, nós os inimigos, os adversarios da causa publica, é que deviamos ser exterminados um a um.

Assim, d’este modo, o partido regenerador conseguiu fazer as eleições de accordo com o governo e trazer á camara uma representação superior áquella que o partido progressista trouxe á custa unicamente dos seus proprios esforços. O partido regenerador tinha conseguido os seus fins, trazer grande numero de deputados e illudido o governo.

O partido progressista teve de luctar na urna contra o partido regenerador e contra o governo.

Feitas as eleições tudo mudou, a transformação foi completa; os amigos da vespera tornaram-se adversarios intransigentes, a imprensa regeneradora rompeu logo contra o governo, que na vespera auxiliara.