SESSÃO N.° 16 DE 26 DE FEVEREIRO DE 1896 149
mara perdeu o seu caracter hereditario e a homogeneidade da sua constituirão.
Ao lado dos pares vitalicios, introduziu a nova lei a disposição da camara se constituir com mais cincoenta pares eleitos.
Dez annos se passaram sobre esta reforma, e, portanto, se não se fez d’ella larguissima experiencia, fez-se, a bastante, para que um homem, como o sr. conde de Thomar, dissesse hontem que a parte electiva d’estacamara era a guarda pretoriana dos governos, os pares electivos os seus granadeiros. E com igual verdade disse tambem o digno par, em harmonia com a observação dos factos, que a parte electiva da camara dos pares tomou a mesma feição e caracter da camara dos senhores deputados.
Esta camara deixou assim de ser um elemento valioso na confecção das leis, na vida politica e parlamentar da nação portugueza, para se transformar n’uma duplicação da camara dos senhores deputados. Querem uma prova de que é incontestavel a afirmação que acaba de fazer? A prova está no facto, sabido de todos, de um grande numero de pares vitalicios se absterem por uso, costume ou habito, de assistir ás sessões. Que resultava d’aqui? Resultava, e quem consultar o Diario das camaras póde verifical-o, que na maior parte das votações, as maiorias eram formadas pelos membros electivos d’esta camara.
É que as cousas são o que são, como dizia Fontes Pereira de Mello, e se não havia eleitores para deputados, como seria possivel encontral-os para pares?
Depois que imparcialidade, que desprendimento podiam elles ter no exame das medidas ou actos do governo, desde que não ha nada que mais possa turvar a consciencia do julgador do que ser juiz em causa propria?
A queda do governo significava a queda do elemento electivo da camara.
Emfim, tanto a camara dos pares com o elemento electivo, não passava de uma verdadeira duplicação da camara popular, que acontecia, como era sabido de todos, os mesmos homens politicos, serem pares electivos, quando o seu partido estava no governo, e deputados, quando na opposição. Os homens eram os mesmos, apenas mudavam o nome ou titulo, de pares em deputados, e vice-versa.
Foi, emfim, um pensamento generoso, porque se julgou por esse modo revivificar esta camara, que se considerava enfraquecida na sua propria tradição; mas os factos vieram demonstrar que todas essas aspirações, em aspirações ficaram, e que a pratica era muito o contrario d’aquillo que se esperava, ou d’aquillo em que muitos depositavam uma grande fé.
Não era a franca expressão da verdade tudo quanto estava dizendo? Melhor do que elle podiam avaliar os fructos d’aquella reforma, os membros da camara, que ali estavam no tempo em que essa assembléa se compunha de pares vitalicios e de pares electivos. Esses, pelo proprio conhecimento das cousas e pela propria observação dellas, tiveram durante dez annos o tempo preciso para formarem uma opinião verdadeira e exacta a tal respeito. Por outro lado, as condições politicas do paiz estavam naturalmente indicando que era indispensavel dar áquella camara uma situação em harmonia com o seu caracter, com a sua indole, e com o papel, que é destinada a representar no jogo das instituições representativas.
O caracter d’esta camara, como o de todas as camaras altas, é o ponderador, de revisão, sem iniciativa politica e, se ella tomasse a peito questões politicas, ou não tinha rasão de ser, ou então estava naturalmente indicado que as duas camaras se fundissem n’uma só.
Sendo assim, como devia o governo reorganisar esta camara?
Podia dar-lhe o caracter electivo, como durante muito tempo foi pedido, isto é, o caracter que tem o senado francez, que é todo electivo.
Podia, é certo, podia fazer-se a experiencia, se a que antes d’ella se realisou não tivesse produzido tão fracos resultados; mas dar-lhe simultaneamente o caracter vitalicio e electivo está provado ser cousa inutil no jogo das nossas instituições parlamentares, e diz isto sem intuitos de offensa para ninguem. Se déssemos a esta camara o caracter e a natureza do senado francez, não fariamos senão aggravar o mal de origem, que vinha impossibilitar este rama do poder legislativo de exercer o seu papel revisor e ponderador que lhe é destinado.
O que estava, pois, naturalmente indicado?
O que estava naturalmente indicado era o regresso ao systema da nossa carta constitucional; isto é, que esta camara se compozesse simplesmente de membros vitalicios, e diz simplesmente de membros vitalicios porque, como sabem, ella tinha tambem antigamente o caracter hereditario. Mas a sua opinião a tal respeito é que nem o modo de ser das nossas leis civis se coaduna hoje com a renovação do systema hereditario que esta camara tinha e que lhe foi facultado pelo Imperador quando em Portugal existiam os vinculos, e em fim todas as tradicções da antiga nobreza, nem se coaduna tambem com a má vontade que todos votam aos privilegios.
O nosso paiz tem cousas muito exquisitas e, em geral, é-se avesso a tudo o que são privilegios.
Não vale a pena insistir muito n’esta asserção; mas a verdade é que, em Portugal, a injustiça absoluta incommoda pouca gente, mas a injustiça relativa incommoda todo o mundo, e por outro lado, já dizia o padre Antonio Vieira que em Portugal mais se sofria da fortuna alheia, que da desgraça propria.
D’este modo, desde que as condições da nossa organisação social, existente em 1826, tinham sido modificadas, pela lei da iniciativa do illustre homem d’estado, o sr. conde de Valbom, acabando com os morgados, e depois pela decretação do codigo civil; e desde que, por outro lado, a indole do paiz era avessa a privilegios, elle entendia, e entende, que não deviamos de fórma alguma, nem nisso havia conveniencia, resuscitar o caractar hereditario que tinha esta camara, quando foi constituida pela Carta de 1826.
Assente, pois, que a camara devia ter, pelo regresso á vigencia da carta, o caracter puro e exclusivo de vitalicia, faltava decidir se a camara devia ser composta por um numero illimitado de membros ou se esse numero devia ser fixo.
Esta é a questão, mais difficil na reforma que o governo decretou, e no projecto que está tendo a honra de defender perante a camara.
A qualquer das soluções apresentadas podem apontar-se inconvenientes, mas em relação a uma dellas, são já conhecidos, e em relação á outra, não existem demonstrados, mesmo porque não tivemos ainda essa organisação. Alem disso, em seu modo de entender, se esses perigos existirem, ha meio facil de obviar a elles.
A solução já conhecida é a do numero illimitado de membros da camara.
Era esse o systema da carta. Mas foi exactamente o abuso que os nossos costumes politicos obrigaram a praticar, com as successivas nomeações de pares, a que o publico deu o nome caracteristico de — fornadas —; foi esse abuso que operou, lenta, mas forte e decisivamente, para que no acto addicional de 1885, o numero de membros desta camara ficasse preciso e determinado.
Ora, se os factos demonstraram que o numero illimitado, dado á camara dos pares, tinha-a levado, em parte, á perda do seu prestigio, pelo abuso que d’aquella funcção se havia feito, era necessario que os membros do actual governo fossem muito vaidosos para imaginar, ainda mesmo que só d’elles se tratasse, mas não se trata, porque outros muitos hão de vir substituil-os; para imaginar que seriam capazes, tendo a faculdade da nomeação illimitada,
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