152 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
e vigor; mas o que não póde é, repito, discutir a pessoa de s. exa.
O Orador: — Não estava a discutir apessoado sr. ministro do reino, se o fizesse, o seu tom seria outro. Seria de respeito e de admiração pelo seu caracter, pelas suas qualidades, renderia homenagem á sua honra e aos seus actos como chefe de familia, como cidadão e como homem. Mas não se encontrava n’esse campo.
Referindo-se ao regimen parlamentar, s. exa. dissera-o decadente; e uma das rasões em que se fundára para sustentar a decadencia do regimen, fôra a das arruaças havidas em 1894.
Não percebia, pois, a rasão por que ao sr. ministro do reino era permittido fallar n’essas arruaças, e elle, orador, não podia referir-se, por exemplo, ás de 1884. Parecia-lhe que tudo eram arruaças; e referindo-se a ellas não offendia o caracter de ninguem.
Era possivel até que as arruaças constituissem um capitulo de direito publico, e que partir esrteiras equivaleste, por exemplo, a uma moção de ordem.
Não insistiria, porém, sobre o assumpto; ficando entretanto bem assente, e era isso que o orador desejava dizer, que o sr. ministro do reino caíndo a fundo sobre a decadencia do regimen parlamentar, não tinha auctoridade, como politico e deputado, para o fazer, porque s. exa. tambem fizera arruaças, e tambem acceitára o systema pelo qual fôra eleito deputado.
Comprehendia-se que s. exa., eleito por aquelle regimen, viesse depois á camara renunciar o seu logar, declarando que o fazia por não ser legitimo representante do paiz.
S. exa., porém, viera á camara, tomara parte nos trabalhos parlamentares, e por esse processo chegara aos conselhos da corôa. Portanto, não tinha auctoridade para dizer que o systema era mau.
Affirmára o sr. ministro do reino que empregou todos os esforços para evitar as arruaças e a dissolução das camarás, sem ter podido conseguil-o. Era uma affirmação de s. exa., e contra ella era evidente que nada podia dizer. Acreditava piamente que, particularmente, s. exa. tivesse feito todos os esforços para evitar o que se dera; mas o orador assistira ás sessões da outra camara e vira nos registos parlamentares o que se tinha passado, e concluira que o regimento a que s. exa. se referira, fôra votado tumultuariamente.
O discurso pronunciado naquelle dia pelo sr. Beirão, era uma peça oratoria que honrava aquelle illustre deputado.
Appellava para a consciencia do sr. ministro do reino. Ninguem que se prezasse podia acceitar a fórma tumultuaria como aquelle regimento fôra votado.
Dados aquelles factos, dissera s. exa. que não haveria ninguem que não aconselhasse á corôa a dissolução. A isso já respondêra que se s. exa. tivesse convocado as côrtes para antes de outubro, nada teria havido.
Antes da demissão do gabinete ou da dictadura, havia, outro caminho: o da dissolução ou o do adiamento, se o governo entendesse que tinha a confiança da corôa.
Dissera tambem o sr. ministro do reino que no relatorio de dezembro o governo expozera claramente as suas idéas, e dera a maior publicidade a esse relatorio, para que todo o paiz, tendo conhecimentos d’ellas, se manifestasse.
Pouco antes s. exa. asseverára que o paiz não tinha, infelizmente, educação civica.
Um paiz que não tem educação civica está completamente indifferente a tudo que se passa.
Parece-lhe que s. exa. não tinha muita amisade aquelle argumento.
Que se importava o paiz com o que o governo fazia?
O paiz estava indifferente a tudo o que se passava, mas essa indifferença era o prenuncio de um grande cataclismo!
Não havia educação civica; por consequencia o governo podia fazer as reformas que quizesse, porque já tomara o pulso ao paiz e vira que elle estava indifferente a tudo. Assim fará todas as reformas que lhe convierem.
Era preciso reformar a camara dos pares? Reforma-se a camara dos pares. Emfim reformasse-se tudo o que fosse preciso, e mais alguma cousa.
«O que nós queremos é ir governando.»
Estas considerações fizera-as o sr. ministro do reino.
O sr. Ministro do Reino (Franco Castello Branco): — Se v. exa. me dá licença, essas não. O mais diga s. exa. o que quizer.
O Orador: — Fizesse o sr. ministro do reino o favor de as rectificar, porque estava sempre prompto a ouvir a sua palavra eloquente.
S. exa. começára por fazer a historia da camara dos pares, desde o seu inicio até 1878, e dissera que esta camara até á lei chamada das categorias se tinha collocado sempre na sua devida altura.
O sr. Ministro do Reino (Franco Castello Branco): — Eu disse que a camara dos pares, até uma certa epocha, não soffreu modificação alguma.
O Orador: — Mas a camara dos pares no seu procedimento até 1878....
O sr. Ministro do Reino (Franco Castello Branco): — Póde ser offensivo para alguem. Se fosse para mim não me offendia.
O Orador: — Parecêra-lhe ter ouvido dizer a s. exa. que até 1878 não tinha havido reforma nenhuma da camara dos pares, e que ella se tinha mantido sempre em uma attitude de correcção que a não tinha tornado necessaria.
O sr. Ministro do Reino (Franco Castello Branco): — Isso, sim.
O Orador: — O sr. ministro do reino, historiando a queda do ministerio Braamcamp, dissera que d’ahi viera ao partido progressista a intenção de reformar a camara dos pares. Essa reforma não dera o resultado que se queria, e fôra por isso que se procedera agora a outra reforma.
A hora ia adiantada e o orador não faria uma prelecção de direito publico ou constitucional; mas a camara não ignorava as diversas fórmas por que está organisado o parlamento nos diversos paizes.
Parecia-lhe que apenas dois paizes, a Servia e o Montenegro, tinham uma camara só; nos demais, não só na Europa, mas mesmo na America, havia duas camaras.
A constituição da camara alta variava nos differentes paizes; umas eram hereditarias, outras não; umas eram todas de nomeação regia, outras todas electivas; outras de systema mixto-regio e electivo. Alem d’isto, entre as que eram electivas, quer em parte, quer na totalidade, variava tambem o systema da eleição dos seus membros.
Pois, apesar de todas estas variedades, o que não havia em nenhum paiz era o systema apresentado agora pelo illustre publicista do novo direito constitucional, a quem lhe cabia a honra de responder; isto era, camara toda de nomeação regia e com numero fixo.
Por isso era sua convicção que a camara dos pares, votando esta sua reorganisação, morria por seu motu proprio.
Chamava muito particularmente a attenção do sr. ministro do reino para os conflictos a que podia dar logar o facto de ser fixo o numero dos membros da camara dos pares.
Era um facto grave.
O governo entendêra dever dar ao poder moderador a faculdade de resolver os conflictos que porventura surgissem entre as duas camaras.
A camara dos senhores deputados, porém, não concordara com esta disposição, e dissera: nós não queremos que a corôa resolva esses conflictos; nós é que temos o direito de os resolver»