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N.º 16

SESSÃO DE 17 DE AGOSTO DE 1897

Presidencia do exmo. sr. José Maria Rodrigues de Carvalho

Secretarios - os dignos pares

Julio Carlos de Abreu e Sousa
Conde de Paraty

SUMMARIO

Leitura e approvação da acta. - Expediente. - A camara concede, a requerimento do sr. Antonio Candido, que se reuna á commissão de fazenda durante a sessão. - O sr. Luiz Bivar manda para a mesa uma representação da companhia das aguas. - Justifica as suas faltas o sr. Arthur Hintze Ribeiro. - O digno par o sr. Fernando Larcher refere-se aos extinctos conventos das Grillas e de Chellas, e, sobre a construcção de um novo arsenal, manda para a mesa um requerimento, que é lido e expedido. - Responde-lhe o sr. ministro da guerra. - Realisa a sua interpellação sobre o emprestimo de D. Miguel, o digno par o sr. Thomaz Ribeiro. - Mandam pareceres para a mesa os srs. conde de Macedo e Pereira de Miranda. - Responde ao sr. Thomaz Ribeiro o sr. ministro da justiça.

Ordem do dia. - Tratado de commercio com o Japão. - É approvado o parecer concernente, depois de fallarem os srs. Thomaz Ribeiro, Agostinho de Ornellas e ministro dos negocios estrangeiros. - Falla ainda sobre o emprestimo de D. Miguel o sr. ministro da fazenda. - Trocam-se explicações sobre a companhia dos tabacos entre o sr. Hintze Ribeiro e o sr. ministro da fazenda. - Fallam ainda sobre o emprestimo de D. Miguel os srs. Thomaz Ribeiro e ministro da justiça. - É encerrada a sessão.

Pelas duas horas e um quarto da tarde, verificando-se a presença de 28 dignos pares, foi aberta a sessão.

O sr. Presidente: - Convido o digno par o sr. conde de Paraty a vir occupar o logar de segundo secretario.

(Estavam presentes os srs. ministros dos negocios estrangeiros, da marinha e da guerra. Entraram durante a sessão os srs. presidente do conselho, ministro da justiça e das obras publicas.)

Foi lida e approvada sem reclamação a acta da sessão antecedente.

Mencionou-se o seguinte expediente:

Officio do sr. ministro dos negocios estrangeiros, datado de 14 de agosto corrente, remettendo a copia de uma nota, datada de 12 do corrente, em que o ministro de Hespanha transmitte, por ordem do duque de Tetuan, o profundo reconhecimento de Sua Magestade a Rainha Regente e do governo d'aquelle paiz pela homenagem prestada n'esta camara á memoria de Cánovas dei Castillo.

Para a secretaria.

Officio do sr. presidente da camara dos senhores deputados, datado de 12 de agosto corrente, remettendo a proposição de lei que tem por fim fixar as receitas e as despezas do estado na metropole, para o exercicio de 1897-1898.

Para a commissão de fazenda.

Officio do sr. presidente da camara dos senhores deputados, datado de 13 de agosto corrente, remettendo a proposição de lei que tem por fim reformar a classificação das praças de guerra e reorganisar o quadro do pessoal e almoxarifes das mesmas praças.

Para a commissão de guerra.

Officio do sr. presidente do centro commercial do Porto, datado de 12 de agosto corrente, enviando um protesto que aquelle centro publicou a proposito da attitude do banco de Portugal na conjunctura que o paiz atravessa e invocando a esclarecida attenção d'esta camara para tão importantissimo assumpto.

Para a secretaria para os dignos pares poderem tomar conhecimento do protesto.

O sr. Antonio Candido: - Peço a v. exa. que consulte a camara sobre se permitte que a commissão de fazenda se reuna e funccione durante a sessão, para tratar de um assumpto urgente.

Consultada a camara, foi concedida a licença pedida pelo digno par.

O sr. Luiz Bivar: - Tenho a honra de mandar para a mesa e de submetter á esclarecida apreciação d'esta camara, uma representação em que a direcção da companhia das aguas de Lisboa pede á camara uma providencia que regule a execução do contrato que celebrou com o governo em 29 de outubro de 1888. Parece-me que a pretensão da companhia das aguas é justificadissima; comtudo o que eu peço á camara é que adopte a resolução que entenda ser justa, mas que, em todo o caso e no sentido que for de direito e julgar conveniente, resolva com urgencia a reclamação da requerente.

O sr. ministro das obras publicas conhece perfeitamente este assumpto; eu confio no seu espirito recto e justiceiro e, se s. exa. estivesse presente, eu não deixaria de pedir toda a sua attenção para este negocio, recommendando-lhe que concorresse eficazmente, a fim de que o parlamento o habilitasse e auctorisasse, se de auctorisação carece, a resolver, pela fórma mais prompta e justa, a representação da companhia, e tanto mais que esta, á custa de enormes e graves sacrificios, emprehendeu e realisou um melhoramento importantissimo e util a esta capital, prestando aos seus habitantes valiosissimos serviços, pelo que se tornou digna e credora de toda a attenção e urbanidade dos poderes publicos.

Mando, pois, para a mesa a representação, e não peço, apesar de redigida em termos correctos e convenientes, a sua publicação no Diario do governo, não só porque, por experiencia, sei que estas publicações são muito dispendiosas, a dotação d'esta camara mal chega para pagar ao seu pessoal e despezas de expediente, da imprensa, mas tambem porque já na outra casa do parlamento foi apresentada uma representação identica, e lá foi resolvido que se publicasse na folha official do governo.

Limito-me portanto a rogar a v. exa. que a mande com brevidade ás respectivas commissões, que me parece serem as de fazenda e obras publicas.

O sr. Presidente: - Serão satisfeitos os desejos do digno par.

O sr. Thomaz Ribeiro: - Sr. presidente, pedi a palavra para quando estivessem presentes os srs. ministros, a quem dirigi um convite, aviso ou como melhor se lhe possa chamar.

Q sr. Arthur Hintze Ribeiro: - Pedi e palavra para.

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declarar a v. exa. e á camara que, por motivo de saude, não tenho comparecido ás ultimas sessões.

O sr. Presidente: - O digno par o sr. Thomaz Ribeiro pediu a palavra para quando estivesse presente...

O sr. Thomaz Ribeiro: - Na ultima sessão d'esta camara mandei para a mesa um aviso em que pedia a comparencia na sessão de hoje, se fosse possivel, dos srs. ministros da justiça, fazenda, estrangeiros e obras publicas.

O meu fim é conversar um pouco com s. exas. sobre um negocio em que estes srs. ministros são interessados, e eu igualmente. Como talvez hoje s. exas. não possam comparecer n'esta camara, eu rogava ao sr. ministro da guerra o favor de me dizer alguma cousa a este respeito.

O sr. Ministro da Guerra (Francisco Maria da Cunha): - Os meus collegas têem tenção de comparecer hoje á sessão.

O sr. Presidente: - Consta-me que o sr. ministro da justiça tenciona vir hoje a esta camara para responder ao digno par.

O sr. Thomaz Ribeiro: - N'esse caso, aguardo a chegada de s. exa.

O sr. Fernando Larcher: - Sr. presidente, achando-se presente o sr. ministro da guerra, aproveito a occasião para ter logar a conversa que n'uma das ultimas sessões annunciei desejar entreter com s. exa., ácerca do estado em que actualmente se encontra uma questão entre o cominando geral de artilheria e os superiores da missões ultramarinas, relativa á capella do extincto convento de Chellas.

Sr. ministro da guerra, v. exa. deve estar lembrado de que o extincto convento das Grillas pertenceu em tempo ao ministerio da guerra antes de ser transformado definitivamente em manutenção militar. Tinham-se ali estabelecido alguns serviços dependentes da mesma secretaria d'estado, entre os quaes o de dar asylo ou moradia a algumas senhoras, viuvas de officiaes do exercito, em precarias circumstancias, e que sem este auxilio, ajudado com o beneficio de uma pequena pensão do 3$000 réis mensaes, viveriam na mais negra e profunda miseria.

Alem d'isso, o cominando geral de artilheria tinha mandado construir na cerca do convento os barracões necessarios, a fim de n'elles se guardar e abrigar o material do parque, dependente do mesmo cominando geral.

Se a memoria me não falha, em 1888 sendo ministro da fazenda o sr. Marianno de Carvalho, houve idéa de fazer construir um edificio proprio para uma manutenção do estado e destinado a prevenir e evitar no futuro qualquer facto grave para a ordem publica, resultante da mancomunação ou greve dos manipuladores de pão.

D'este proposito resultou ser nomeada uma commissão para escolher de entre os terrenos, nas circumvizinhanças da capital, aquelle que melhor satisfizesse ao fim desejado.

O parecer d'essa commissão concluiu pela escolha do terreno em que assenta o extincto convento das Grillas e a respectiva cerca, como satisfazendo as condições necessarias para a construcção de um estabelecimento d'esta ordem.

Em virtude do referido parecer, o ministerio da fazenda pediu ao da guerra a retrocessão d'aquelle convento e sua cerca aos bens proprios nacionaes.

Annuiu sem difficuldade o ministerio da guerra ao pedido do ministerio da fazenda, declarando, comtudo, que os serviços ali alojados não podiam ficar sem abrigo. Por essa rasão insistiu que, dentre os bens proprios nacionaes vaco s lhe fosse cedido qualquer edificio e terrenos sufficientes, onde podesse de novo installar os serviços primitivamente alojados no extincto convento das Grillas.

E foi assim, em satisfação d'este pedido, que veiu á posse do ministerio da guerra o convento, pertenças e cerca de S. Felix, de Chellas,

Vejamos agora por que rasão se achava n'essa data na posse da fazenda nacional o convento de Chellas.

Este convento tinha sido cedido anteriormente ás missões ultramarinas de Sernache do Bomjardim, para ali ser estabelecido um collegio filial dependente das mesmas missões.

Essa cedencia teve logar em virtude de carta de lei de 6 de junho de 1883, inserindo os dois diplomas a clausula de que voltaria de novo á posse da fazenda nacional o convento, suas pertenças, bem como a cerca annexa, toda a vez que elle não fosse applicado ao fim para o qual era cedido, ou se lhe d'esse outra applicação differente d'aquella expressamente indicada nos referidos diplomas.

Passaram-se sete annos e, não tendo tido o edificio a applicação estipulada na lei, um novo decreto do ministerio da fazenda, datado de 20 de dezembro de 1888, fez regressar á posse da fazenda nacional a cerca e convento de S. Felix, de Chellas, assim como as suas pertenças.

Pouco depois o ministerio da guerra recebia uma portaria do ministerio da marinha, participando a transferencia do convento da posse da fazenda nacional para a do ministerio da guerra e finalmente um officio da direcção geral do ultramar, datado de 6 de fevereiro de 1889, assignado pelo sr. conselheiro Costa e Silva, prevenia esta ultima secretaria d'estado de que podia tomar posse do convento, suas pertenças e da cerca, logo que assim lhe conviesse. Esta ultima legislação e correspondencia correu por intermedio da secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar, por d'ella ser dependente a instituição das missões ultramarinas.

O ministerio da guerra, n'estas circumstancias, procedeu como lhe cumpria e mandou que pela repartição competente, n'este caso o cominando geral de engenheria, se lavrasse o respectivo auto ou termo de posse do convento, pertenças e cerca, de S. Felix de Chellas.

Um delegado do cominando geral foi a Chellas e ali se lavrou o termo, do qual consta que a posse se effectuou pacificamente e sem resistencia.

Interpõe-se aqui uma circumstancia muito para attender, e indispensavel para intelligencia das considerações que se vão seguir.

Existia então no convento um empregado do collegio das missões ultramarinas. Depois de lavrado o termo de posse datado de 2 de fevereiro de 1889, o empregado representou ao delegado da engenheria allegando não lhe ser possivel remover de um momento para o outro toda a mobilia que se achava no convento pertencente ás missões ultramarinas; e d'ahi derivou o pedido ao delegado do cominando geral para lhe serem concedidas provisoriamente quatro ou cinco casas e o corpo da igreja a fim de provisoriamente tambem se conservar e guardar aquella mobilia.

O delegado da engenheria não encontrou inconveniente n'essa concessão, pois sabia que o ministerio da guerra não tinha absoluta e immediata necessidade de todo o convento para a conveniente installação dos serviços alojados até então no extincto convento das Grillas e que para ali seriam successivamente removidos.

Aqui tem v. exa. como, apesar da posse tomada pelo ministerio da guerra, ficaram ainda em poder do collegio das missões ultramarinas quatro ou cinco casas assim, como a capella do extincto convento.

Os serviços que estavam estabelecidos nas Grillas, foram a pouco e pouco transferidos para Chellas, e depois de se construirem na cerca os barracões e armazens necessarios para a arrecadação do material do parque de artilheria foi este para ali transferido.

Mais tarde reconheceu-se haver toda a conveniencia em mudar o archivo da administração militar das repartições onde se achava pessimamente alojado e embaraçando o serviço, para um local mais adequado á conservação de documentos. Recaíu ainda a escolha sobre o convento de

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Chellas e depois de se proceder ás obras precisas no antigo refeitorio e cozinha do convento, foi para lá removido aquelle archivo, ficando desde então magnificamente installado, e em melhores condições de alojamento de que outra qualquer repartição do mesmo genero, dependente do ministerio da guerra.

Abster-me-hei de produzir novamente as rasões que levaram Portugal a adoptar definitivamente no seu exercito a polvora chimica, mais vulgarmente conhecida pela designação generica de polvora sem fumo, depois d'este assumpto ter sido tão proficientemente tratado na ultima sessão pelo digno par, meu collega e amigo o sr. Rebello da Silva. O facto é ter-se reconhecido a necessidade de a adoptar sem demora, visto que a polvora preta ou physica já não satisfazia pelas suas más condições ás necessidades da guerra, principalmente depois da perfeição extraordinaria que attingiu nos ultimos vinte annos o fabrico das armas de fogo modernas.

Assente este ponto, conveiu-se em que seria conveniente construir as officinas necessarias ou mesmo uma nova fabrica destinada a produzir este novo explosivo.

Os terrenos e edificios da fabrica de Barcarena não se podiam prestar, pelo acanhado das suas proporções, ao bom estabelecimento das novas officinas, por isso o ministerio da guerra encarregou o cominando de engenheria de escolher um terreno adequado, onde se podesse construir a nova fabrica da polvora.

Recaíu ainda a escolha no convento de Chellas determinando o ministerio da guerra que o cominando geral de artilheria tomasse conta não só de todo o resto do convento, da parte da cerca, que ainda não estivessem occupados por outros serviços dependentes da mesma secretaria d'estado e aos quaes atrás me referi.

Por essa occasião teve o sr. commandante geral de artilheria conhecimento do pedido feito pelo empregado das missões ultramarinas e da rasão por que continuavam na sua posse as casas e o corpo da igreja.

Não sendo absolutamente necessaria para as primeiras obras a immediata entrega d'essas casas, e não insistindo s. exa. na sua entrega, as cousas continuaram no mesmo pé, até que mais tarde a grande quantidade de materiaes e de materias primas, que se íam amontoando assim como a chegada de varias machinas do estrangeiro, crearam a necessidade de se destinarem algumas casas para a sua armazenagem, dando então logar a que s. exa. intimasse o empregado das missões ultramarinas para entregar ao ministerio da guerra duas das maiores casas que estavam em seu poder para serem transformadas em armazens.

Foi n'essa occasião que s. exa. recebeu a mais formal recusa, allegando aquelle empregado que nada podia resolver sem ordem dos seus directos superiores. Pouco depois, o superior das missões ultramarinas declarou, na secretaria do ministerio da marinha, que nada entregaria, porque, terminantemente o dizia, não reconhecia a legislação publicada posteriormente ao decreto de 23 de agosto do 1883, continuando as cousas n'estes termos ainda actualmente.

Passarei agora a tratar especialmente do corpo da igreja, que comquanto pareça não ter relação com o que acabo de referir, servirá no emtanto de base ao pedido que tenho a fazer ao sr. ministro da guerra, no fim d'estas considerações.

Existe no cominando geral de artilheria uma irmandade e monte pio sob a invocação do Senhor Jesus do Bomfim. S. exa. que foi um dos mais distinctos ornamentos da arma de artilheria e ainda, ha pouco tempo, commandante geral d'essa arma, sabe melhor do que eu da existencia da referida irmandade, que, por herança da extincta repartição do arsenal do exercito veiu a tutela do commando geral de artilheria.

Esta irmandade é composta pelos operarios pertencentes aos estabelecimentos fabris dependentes do commando geral de artilheria e dos empregados que servem no mesmo commando.

Bastante antiga na sua origem, esta irmandade como todas as suas congeneres do seculo passado, tem um caracter accentuadamente religioso, e como tal é obrigada pelo seu estatuto, regra ou compromisso, que é como, segundo creio, se denomina n'este caso o diploma por onde se rege a ter uma capella aberta ao culto publico.

Em cumprimento d'esse preceito, possue, effectivamente a irmandade uma pequenissima capella na calçada do Forte, onde se acha pessimamente alojada.

Por varias vezes dirigiu a irmandade ao commando geral de artilheria o pedido de lhe ser melhorada a accommodação logo que para isso houvesse ensejo.

Quando veiu ao conhecimento do sr. commandante geral de artilheria, o general Antonio Candido da Costa a quem muito respeito e considero e me honra com a sua amizade, que entre as edificações de Chellas a receber pelo commando geral, se incluia a capella do extincto convento, lembrou-se immediatamente s. exa. de satisfazer ao pedido tantas vezes reiterado da irmandade do Senhor Jesus do Bomfim e de conceder-lhe a igreja para sua séde sendo por fim, depois de reparada convenientemente aberta de novo ao culto.

Procedendo d'esta maneira, obtinha s. exa. duas grandes e manifestas vantagens. Consistia a primeira em satisfazer a irmandade que pelo estado prospero das suas finanças se achava habilitada a proceder aos concertos aliás despendiosos, para restituir a capella ao bom estado; segunda, satisfazer tambem os pedidos muitas vezes formulados dos povos de Chellas e suas circumvizinhanças, instando pela reabertura da sua igreja, considerada em grande devoção pela maioria d'esses povos.

Todos estes bons desejos ficaram, porém, inutilisados, em consequencia da obstinada recusa do collegio das missões ultramarinas de restituir aquillo que ha muito tempo devia ter entregue segundo a letra expressa do decreto de 20 de fevereiro de 1888.

E agora, já que fallei da igreja, permittam-me v. exa. e a camara que eu diga algumas palavras a respeito do estado actual da sua conservação, assim como das preciosidades que n'ella se encerram.

Esta igreja, uma das mais bonitas dos arredores de Lisboa, contem paineis de lindissimos azulejos de finissimo desenho e alem de algumas imagens de primeira ordem em belleza e esculptura; acha-se forrada de bons quadros pintados a oleo. Devido ao estado de desleixo e incuria em que ha muitos annos jaz. A ala norte do convento caíu em ruinas produzindo na abobada e parede mestra da igreja que lhe ficava encostada, a abertura de grandes fendas.

Veiu a chuva, e infiltrando-se por essas fendas aluiu e apodreceu os cachorros de madeira onde prendiam dois dos principaes quadros, os quaes vieram parar ao chão. Ali os vi eu, sr. presidente, jazendo em um dos coros da igreja, em molho, completamente abandonados como objectos inuteis e sem valor.

Veja, pois, v. exa. e a camara em que estado de abandono tudo aquillo se acha!

Antes de terminar tocarei ainda, mas de leve, nas verdadeiras preciosidades archeologicas, contidas no convento, que bem demonstram a importancia do templo, sob este tão interessante ponto de vista.

Logo ao entrar na igreja vê-se do lado esquerdo da porta uma lapide com a data do anno mil, isto é, do seculo XI, e do lado direito, fazendo-lhe symetria, encontra-se uma outra lapide com uma data tambem aberta, mas do XVI seculo, se bem me recordo.

A do lado esquerdo é manifestamente a melhor - pois é exactamente n'ella que se encontram signaes perfeita, mente visiveis de haver alguem que com um instrumento de ferro a quizesse arrancar da parede onde está embutida,

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naturalmente para possuir um tão precioso monumento, porque é certo não se encontrarem facilmente no paiz reliquias de seculos tão remotos. Alem d'esta, encontram-se no interior da igreja, no claustro e nas paredes dos corredores muitas outras lapides, algumas das quaes apesar de muito antigas, n'um bello estado de conservação.

Para dar á camara uma idéa perfeita, tanto quanto possivel, das preciosidades archcologicas encerradas no convento, citarei ainda um monumento de valor inestimavel; sem duvida um dos melhores, senão o melhor que o nosso paiz possue da epocha da dominação romana.

Forma este monumento uma pedra de finissimo marmore branco medindo approximadamente 2 metros de comprido, terminada era cada extremo por antigas mascaras de comedia.

Um outro motivo architectonico, uma cabeça de carneiro, se bem me recordo, divide a pedra em dois paineis, contendo cada um d'elles cinco ou seis figurinhas esculpidas em alto relevo representando scenas de theatros d'aquellas epochas. O estado de conservação do monumento é perfeito.

Pois este monumento foi ha poucos annos arrancado da parede onde estava embutido, e encaixotado para figurar em uma das exposições que ultimamente tiveram logar. Fez-se isto por ordem, não sei de quem, nem tão pouco sei que repartição do estado concedeu tal auctorisação; em todo o caso, sr. presidente, o monumento figurou na exposição e, o que é mais para admirar, por não ser commum em Portugal, é elle ter voltado ao sitio de onde saíra.

É certo, porém, que voltou, porque eu lá o vi no anno proximo passado mettido ainda no caixilho que se fez para a sua remoção.

Hoje não sei se ainda lá existirá!

São estas as considerações que tinha a fazer com respeito ao convento de Chellas, e, terminando, peço ao nobre ministro da guerra, com toda a instancia, que empregue toda a sua boa vontade e energia para que as quatro ou cinco casas que estão indevidamente na posse das missões ultramarinas passem para o ministerio da guerra como é letra expressa da lei, a fim de serem destinadas a depositos da nova fabrica da pólvora, e que igualmente seja entregue a igreja á irmandade do Senhor Jesus do Bomfim, para depois de convenientemente separada ser novamente aberta ao culto.

Aproveito a occasião de estar com a palavra e achar-se presente o sr. ministro da fazenda para lhe agradecer a fineza das respostas dadas por s. exa. a umas perguntas que eu tive a honra de lhe dirigir n'uma das anteriores sessões.

São duas as respostas:

Pelo teor da primeira, reconheci ter uma das commissões ultimado os seus trabalhos e entregue o respectivo relatorio no ministerio da marinha, em 15 de outubro de 1891.

Para boa intelligencia de v. exa. e da camara, passo a lel-a na integra: «Por decreto de 28 de novembro de 1889, foi nomeada uma commissão para apresentar um projecto do arsenal e suas dependencias: Esta commissão foi reconduzida por portaria de 2 de maio de 1890 e apresentou em l5 de outubro de 1891 as conclusões dos seus trabalhos, indicando os terrenos da Outra Banda entre o pontal de Cacilhas e a Margueira, para as installações do arsenal, que precisavam de uma area de 32 hectares, segundo a mesma commissão.

«Em portaria de 12 de novembro de 1895, foi enviada uma nova commissão para indicar as installações necessarias a fazer no local escolhido, para construcção e reparações de uma esquadra, nos termos do decreto de 20 de março de 1890, com o respectivo orçamento e periodo para a execução dos trabalhos.»

Sendo pois certo ter a commissão, a que me refiro, terminado os seus trabalhos, mando para a mesa um requerimento redigido da fórma seguinte:

«Requeiro que, pela secretaria d'estado dos negocios da marinha e do ultramar, seja enviada a esta camara, com a possivel brevidade, copia do relatorio, parecer e conclusões da commissão nomeada por decreto de 28 de novembro de 1889, reconduzida pela portaria de 2 de maio de 1890, e que foi encarregada da escolha de um local apropriado para a construcção de um novo arsenal de marinha, tendo sido os respectivos trabalhos entregues no ministerio da marinha em 15 de outubro de 1891.

o Sala das sessões da camara dos pares, em 17 de agosto de 1897. = Fernando Larcher, par do reino.»

Eis agora o teor da segunda resposta:

«Existe por conseguinte apenas a commissão de 12 de novembro de 1895 que ainda não concluiu os seus trabalhos; mas já procedeu aos primeiros estudos, isto é, fez executar um levantamento hydrographico abrangendo a superficie calculada necessaria, entre o pontal de Cacilhas e o Caramujo, e começou-se em seguida com a sondagem geodesica do que se fizeram uns quatro furos. Tendo-se approximado o inverno suspenderam-se os trabalhos, que ainda não recomeçaram, nem a commissão tem reunido por não ter presidente, que em tempo pediu a exoneração.»

Em consequencia das ultimas linhas d'esta resposta parece-me poder-se deprehender claramente ter o governo abandonado, por agora, pelo menos, a idéa da construcção de um novo arsenal de marinha capaz de responder ás necessidades do fabríco ordinario e grandes concertos de que por vezes carecem os navios modernos, de maneira que continuaremos a não ter no paiz um estabelecimento official onde se possam construir, nem ao menos concertar navios de guerra de ferro e aço.

A camara não ignora que ao nosso arsenal de marinha, á excepção do cruzador D. Amelia, cuja construcção está começando, nenhum navio de moderno systema se tem construido.

Nem para reparações de importancia ali ha proporções. Tudo encommendâmos ao estrangeiro, até as reparações dos navios. É d'isso prova irrecusavel terem chegado ha pouco de Inglaterra a corveta Affonso de Albuquerque e a canhoneira Rio Lima, tendo estes navios ali recebido o fabrico de que careciam.

E comtudo parece-me que com um pouco de boa vontade mesmo dentro das forças do nosso orçamento, nós podiamos ir tratando de construir a pouco e pouco um novo arsenal, que nos libertasse, pelo menos para os concertos, da tutela estrangeira tão pesada ás vezes de supportar.

Como já não vejo presente o sr. ministro da marinha, eu pediria que qualquer dos seus illustres collegas presentes me fizesse o favor de lhe transmittir estas minhas considerações.

Não cansarei mais a attenção da camara e termino, pedindo desculpa do tempo que lhe tomei.

Foi lido na mesa e expedido o requerimento mandado para a mesa pelo digno par e acima transcripto.

O sr. Ministro da Guerra (Francisco Maria da Cunha): - Sr. presidente, effectivamente por carta de lei de 6 de junho de 1882 foi o governo auctorisado a applicar o extincto convento de Chellas á fundação de um collegio filial das missões ultramarinas, para n'elle se ministrar o ensino primario e secundario aos alumnos que se propozessem a seguir os estudos superiores e ordenação ecclesiastica no collegio central das missões ultramarinas, havendo uma secção para ensino agronomico e de artes fabris dos individuos que pretendessem acompanhar os missionarios e ensinar aos indigenas as artes mechanicas.

Por decreto de 23 do agosto de 1883 foi de facto concedido aquelle edificio e suas dependencias ao collegio de Sernache do Bomjardim, com aquelle fim; como, porém, não fosse utilisada a concessão, havendo passado seis an-

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nos, foi, por decreto de 20 de dezembro de 1888, annullada, e postos á disposição do ministerio da guerra o referido convento e cerca, para deposito de material de guerra; tendo sido feita a entrega em 7 de fevereiro de 1889, a uma commissão de officiaes de engenheria, como delegada d'este ministerio, pelo guarda do extincto convento, auctorisado para este effeito pelo ministerio da marinha e ultramar. O citado decreto de 20 de dezembro do 1888 determinava a reversão sem clausula alguma, e no auto de entrega ao ministerio da guerra apenas se menciona que no edificio existiam varios objectos pertencentes ao collegio das missões ultramarinas, cujo inventario estava em poder do superior das mesmas missões.

Em officio de 6 de fevereiro de 1889 solicitava o ministerio da marinha:

1.° A conservação da igreja;

2.° A da parte rustica da cerca;

3.° A reserva das casas necessarias para a arrecadação de mobilia, de objectos sagrados, archivo, etc.;

4.° Legalisação e renovação do seguro do edificio.

Respondeu-se em 13 do dito mez, que não se podia prescindir da cerca nem da parte que andava arrendada, pedindo-se ao mesmo tempo para informar quaes os arrendamentos em vigor e a importancia de uma divida que se dizia haver ao banco de Portugal, por um emprestimo contrahido.

Pagou-se a divida ao banco; tem-se pago a uma senhora a pensão annual de 12$000 réis que lhe tinha sido concedida como indemnisação do valor de uma casa que possuia dentro da cerca e que havia cedido ao collegio das missões; têem-se feito ali importantes obras de reparação, por conta do ministerio da guerra está ali installada a fabrica de polvora sem fumo. Em 21 de agosto de 1896 recommendou-se ao commando de engenheria que tomasse providencias para que fossem removidos com brevidade para fóra do edificio os artigos que ainda ali tinha o collegio das missões, e bem assim para sair o guarda d'esses artigos e da igreja, e para isso dirigiu-se o inspector de engenheria na l.ª divisão militar ao ministerio da marinha e ultramar. Este ministerio, em officio de 29 de outubro de 1896, recorda a reserva que havia feito em 6 de fevereiro de 1889, da conservação da igreja e das casas necessarias para a arrecadação da mobilia, objectos sagrados, etc., e, implicitamente, do encarregado da guarda d'esses objectos, e envia a informação do superior do collegio das missões sobre o assumpto.

É curioso este ultimo documento. O referido superior diz não reconhecer a legalidade do decreto de 1888, que revogou a concessão que tinha sido feita por lei das côrtes geraes, como se a referida concessão não fosse feita tambem por um decreto, em que o governo usa da auctorisação; nem o termo de entrega, que foi feito sem audiencia sua, como se essa entrega não tivesse tido logar por ordem do ministerio da marinha.

Sr. presidente, o convento de Chellas está de facto na posse do ministerio da guerra, com excepção da igreja e das casas reservadas ao guarda d'esta. Considero indispensavel que estas dependencias passem tambem para a superintendencia do commando geral de artilheria, até porque não convem junto a uma fabrica de polvora intervenções diversas, porque é necessario fazer vedações, entre o edificio e a fabrica, etc.

Ha nos estabelecimentos fabris uma irmandade muito bem administrada pelos operarios, sob a invocação do Senhor Jesus do Bomfim, que exerce o culto n'uma pequena ermida na calçada do Forte; pede o commando geral de artilheria para que seja concedida a igreja de Chellas a esta irmandade, que cuidará da sua conservação e que manterá o culto, ficando assim todo o edificio sob a responsabilidade d'aquelle commando geral.

Parece-me inteiramente justo este pedido e vou empregar todos os esforços para que seja satisfeito; é o que posso garantir ao digno par, correspondendo assim ao seu empenho.

O sr. Ministro da Justiça (Veiga Beirão): - Pedi a palavra unicamente para declarar ao digno par o sr. Larcher que o meu collega o sr. ministro da marinha acaba de dizer-me que, reunindo-se hoje no seu ministerio a commissão do ultramar, da camara dos senhores deputados, não podia continuar a assistir aqui á sessão, mas virá gostosamente responder n'outro dia ás observações de s. exa.

O sr. Larcher: - Peço a palavra.

O sr. Presidente: - Se é para agradecimentos, dou a palavra ao digno par; mas se é para fazer mais largas considerações, não posso concedel-a; porque não desejo prejudicar outros dignos pares que estão inscriptos.

O sr. Larcher: - É unicamente para agradecerão sr. ministro da guerra as palavras que proferiu. Folgo muito de ver que s. exa. tem sobre o assumpto as mesmas idéas em que eu estou.

Manifestei ha pouco o desejo de que o sr. ministro empregasse toda a firmeza da sua boa vontade para se obter o resultado que pretendo.

S. exa. antecipou-se por assim dizer ao meu desejo, e só me resta repetir com insistencia o meu pedido de continuar s. exa. a empregor todos os esforços e influencia para conseguirmos um fiai tão util como aquelle que nos propozemos alcançar.

O sr. Presidente: - Como já está presente o sr. ministro da justiça, dou a palavra ao digno par sr. Thomaz Ribeiro.

O sr. Thomaz Ribeiro: - Agradeço a v. exa. a concessão da palavra, comquanto não veja ainda o sr. ministro da fazenda, cuja presença eu tambem desejava e pedi; mas como vejo na sala o sr. presidente do conselho, está o governo perfeitamente representado.

Para o que está no meu pedido, aviso ou convite, não era essencial a presença do sr. ministro da fazenda; entretanto desejava ouvir especialmente a opinião de s. exa. sobre um ponto importante.

Vou expor o que tenho a dizer e aguardarei a resposta, que de certo será cabalissima da parte dos srs. ministros.

Peço licença para ler de novo a minha nota de convite. Eu poderia-me dispensar d'isso, se ella não trouxesse inexactidões que parecem desprimores. Eu era incapaz de os dirigir, fosse a quem fosse, até aos meus declarados inimigos; podia combatel-os, mas não escrevia uma palavra que não fosse delicada e cortez.

Devo dizer a v. exa., que a imprensa reproduzindo-a, não teve culpa nenhuma.

A culpa foi da minha calligraphia extraordinariamente desconcertada, a ponto de se lerem n'elle e d'elle se publicarem cousas que eu nunca disse, nem queria dizer, nem escrever.

Em primeiro logar faço estas observações, para que não fique no animo de s. exas. a idéa de que não primo pela minha educação, e em segundo porque a nota contem em si as duas perguntas essenciaes que desejo fazer a s. exas.

A nota é a seguinte:

(Leu.)

Já v. exas. vêem que não escrevi: actor nem comparsas; escrevi: auctor e comparte, o que faz enorme differença. Caberia talvez, no caso, a ironia; mas eu não a escrevi.

(Continua a ler.)

Do emprestimo de D. Miguel, disse eu, porque dizem que foi o sr. D. Miguel quem o contrahiu e quem recebeu algum d'esse dinheiro.

(Continua lendo.)

Eu era o ultimo a ser incluido n'esta nota de censura. Nem era presidente do conselho, nem ministro do reino, e por isso não tinha as responsabilidades politicas directas;

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nem era ministro da fazenda, e não tinha por isso tambem, as responsabilidades directas provenientes do emprestimo. Eu era ministro das obras publicas.

Ministro da fazenda era então o actual sr. ministro das obras publicas, o sr. Augusto José da Cunha, meu muito amigo particular, e cuja probidade ninguem põe ou póde pôr em duvida, a não ser quem esteja sempre prompto a dizer mal de todos os homens publicos, fingindo-se eterno desconfiado.

É raro que se escape a este ferrete que se lança sobre todos os ministros, mas s. exa. escapa de certo.

Ora eu desejo uma resposta precisa a este respeito.

(Continua a ler.)

Como auctor e como parte, e não como actor e comparsa; já disse e repito.

Isto é que está na minha nota.

(Continua lendo.)

Aqui tem v. exa. as duas partes da minha nota.

Na primeira eu peço aos srs. ministros que me digam qual foi o resultado do inquerito a que procedeu o seu partido, por via dos seus representantes em côrtes; na segunda pedia-lhes que dissessem o que pensam das responsabilidades de Portugal em relação ao referido emprestimo.

Todos os dias apparecem reclamações a respeito do dinheiro que se deixou na mão do governo francez, (que a esse foi destinado), para liquidar como pedia essa eterna mofina com os seus famintos e incansaveis postulantes, de que elle importuna e inopportunamente se constituiu mandatario e solicitador.

Eu sei perfeitamente que a maior parte das vezes illudimos as questões com phrases sibyllinas que não dizem nada e nunca as liquidâmos; mas esta sobre todas desejo eu terminada de uma maneira clara; mas acabemos com isto.

A mim consta-me que está n'esta capital alguem, um particular, que se julga auctorisado a pedir esclarecimentos aos ministros de Portugal, a conhecer as intenções do governo, emfim a fiscalisar o que possa dizer respeito aos titulos, (que diz haver falsos uns e outros authenticos) do emprestimo de D. Miguel; e que parece até resolvido a fazer um inquerito, sem se lembrar que n'elle podia ser envolvido como parte syndicada.

Eu contesto o direito com que este senhor procede; elle e os do seu syndicato; parece-me que melhor faria deixando esses cuidados ao governo francez, uma vez que este se constituiu procurador dos portadores dos titulos d'esse emprestimo; ou, quando não, pedindo esses esclarecimentos ao sr. conde d'Ormenson, representante aqui acreditado da sua nação.

Em relação ao que se disse e ao que se diz de um acto da gerencia de um governo que, depois de se andar um mez a procurar formar ministerio, teve a condescendencia de tomar encargos tão desagradaveis, desejava que se não tentasse conspurcar a probidade de quem o compoz.

(Olhando para um papel, a proposta do sr. Beirão em 1893 para o inquerito, proposta que foi approvada).

Eu bem vejo que isto está bem escripto; mas tambem sei ler nas entrelinhas e posso dizer alguma cousa do que então se passou.

Um dia appareceu o sr. Fuschini na camara dos senhores deputados a ler um jornal francez, que se referia á eterna questão do emprestimo de D. Miguel, e aos pagamentos ou compra de titulos em Paris. Pouco depois appareceu o sr. Mattoso de Castro a dizer que era preciso saber-se quem tinha a responsabilidade d'esta questão; quem malbaratava os dinheiros da nação, etc., etc., etc. N'estes et coeteras ha muito que ver.

N'esta questão depois tomaram parte homens de todos os partidos, e o que menos nos offendeu foi o que se diz regenerador, já então no governo e do qual era leader na camara dos senhores deputados o sr. Arouca. E ainda assim não temos que agradecer-lhe, O sr. Arouca declarou que concordava, e que era preciso fazer-se luz n'este negocio. Ora v. exa. comprehende que isto não nos podia ser lisonjeiro, pois tinhamos e temos a pretensão de que tal luz não era precisa. Dissera mais, porque n'essa occasião estava representado o partido republicano; ainda não a nhã havido a abstenção. Tive o cuidado de copiar tudo; disse então o sr. Teixeira de Queiroz, e trago para aqui o seu nome, não para o censurar, mas porque elle tem auctoridade pela sua probidade, para se ver como estavam então os animos a nosso respeito, e trago para aqui este assumpto para varrer a minha testada e a dos meus collegas. Dizia elle n'essa occasião, representando o partido republicano, o seguinte:

«Esta proposta de inquerito justifica plenamente a campanha que ha muitos annos o partido republicano encetou contra a fraude, vidos, defeitos e obscuridades que precisam de ser plenamente esclarecidos.» Então n'essa contenda já revista, que mais grave, muito mais era o que se disse do que o que depois se publicou, foi mettida aquella gerencia na tão proclamada orgia governativa, fim de seculo. O sr. Teixeira de Queiroz proclamou bem alto a necessidade de que se esta investigação trouxesse a punição de alguem, isso servisse de exemplo para que se não repetissem feitos identicos. O sr. João Franco, ministro do reino, e o sr. Arouca declaravam esta questão, questão aberta, e pediam luz sobre o projecto, que aliás estava já entregue aos tribunaes, se me lembro bem.

Nas notas que encontro do sr. Beirão não vem isto, eu sou incapaz de attribuir a s. exa. cousas que se não possam provar no parlamento.

Aqui tem v. exa. como nós fomos universalmente tratados, na camara dos senhores deputados; lembra-me perfeitamente da impressão que isto causou aos meus collegas, e quanto elles ficaram realmente maguados, elles, que na maior parte tinham vindo do partido progressista; e tão maguados que alguns tinham duvidas de se sim ou não deviam ir ás camarás, emquanto durasse o inquerito. Disse-lhes que podiam vir ou deixar de vir como entendessem, eu é que viria todos os dias á camara dos pares, que não acceitava facilmente notas de suspeição, e vim.

Passou a sessão, outra e outra, e, francamente, tinha-me esquecido do inquerito e dos inquiridores, não como homens, - como juizes, até agora.

Quando se organisou o actuai gabinete, recordei-me, espantado de ver o sr. Beirão de braço dado com o sr. ministro das obras publicas, o meu prezado amigo o sr. Augusto José da Cunha, o sr. Beirão, o chefe dos syndicantes, com o mais directamente visado dos syndicados!

Acreditei que estava tudo dirimido, bem que aquella intimidade me parecia impossivel. E tanto estava dirimido, acreditava eu, que o meu illustre amigo o sr. Antonio Candido tinha entrado novamente para o partido progressista, e o proprio sr. presidente de conselho de então tinha feito pazes com esse partido; eu é que não tinha a fazer pazes porque não tinha tido nunca a honra de fazer parte desse agrupamento. Emendo assim a palavra - partido - porque - partidos -já não ha. Eu, porém, queria um documento publico e mais authentico do que os titulos do chamado emprestimo nacional de 1832.

Como não desejo violentar-me, pois a minha saude o não permitte e a medicina não o consente, vou resumir as minhas considerações, declarando que desejo saber: em primeiro logar do que é feito d'esse inquerito... Da sua probidade e da maneira por que hão de arranjar a sua vida, para effectuar este tristissimo emprestimo dos tabacos, que ainda nos ha de dar muito que fazer, porque, emfim, o tabaco tambem embriaga...

O sr. Agostinho de Ornellas: - E envenena.

O Orador: - Deus queira que não nos succeda isso.

O meu desejo era evitar a serie de todas as accusações miserandas que por ahi andam a atirar contra nós, os que dizem que respeitam tudo, mas não respeitam nada, e, por

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consequencia, que esta questão se liquide em honra do nosso paiz, como é de justiça.

Sr. presidente, é preciso acabar com isto, através de tudo.

A minha individualidade não vale nada; pois tenho pena d'isso, porque, se valesse, n'estas circumstancias, dava-me ao sr. presidente do conselho para s. exa. me vender, ajudando com o meu preço a pagar as nossas dividas a essa gente que não faz senão insultar-nos miserandamente e dizer-nos cousas que nunca se disseram a este paiz, que por muito tempo, na vanguarda dos povos, lhes abriu um caminho de luz para todos os emprehendimentos do futuro, vendo-se hoje, em vez de reverenciado, como devia ser, insultado por uns palhaços que nos mostram em caricatura nos circos... e até n'uma certa imprensa de Paris; e já nem só em París.

Ponhamos cobro a isto através de todos os sacrificios, todos!

A troco de tudo, da minha propria vida, eu quizera acabada esta questão, que nos traz enleiados, - e envergonhados, o que é peior ainda.

Liquidemos com a França, antes de tudo, as nossas contas.

Agora segue-se a questão de saber se devemos ou não alguma cousa á França. Visto que ella - ella sim, pois que entregou a causa á sua diplomacia. O sr. conde de Ormesson representa aqui a França; é por isso a França quem hoje nos persegue e nos avexa.

Á França devemos nós (não sou capaz de negar o que realmente se lhe deva), mas n'esta grande questão do emprestimo de D. Miguel, com toda a minha consciencia e estudo e com a maior e mais funda convicção, affirmo que não lhe devemos 5 réis, porque foi uma generosidade forçada aquella dos 2.500:000 francos, de eterna e desgraçada memoria, que caíram, não sabemos porque, nas mãos do Comptoir d'escompt. Nós, evocando o velho dictado portuguez, démos esse dinheiro ao diabo por amor de Deus.

Eu peço ao sr. ministro da fazenda que finalise os negocios com estes Comptoirs, que nos tem trazido as maiores desgraças e tristezas.

Foi elle que obrigou o partido progressista em 1879, a intentar uma acção desgraçadissima, pondo o Rei á frente de toda esta questão, resultando ser enxovalhado com isso, quando realmente isto não se deveria ter feito. Foi condemnado como um simples burguez, disse a imprensa d'aquella terra que se apregoa - da suprema urbanidade!

Tambem desejava ver aqui o sr. ministro da marinha, que era ministro por aquella occasião em que se mandou intentar aquelle tristissimo processo, de que nunca nós poderemos ser absolvidos; nós, quer dizer: o governo de então. A não ser isto, as minhas referencias ao partido progressista, em relação aos negocios com a França, são honras para elle. E já lh'o provei no meu livro: D. Miguel, a sua realeza e o seu emprestimo Outrequin & Jauge.

Nunca me esquecerei das palavras fidalgas do sr. duque de Loulé, quando aqui veiu esta honrada gente arrebatar-nos do Tejo um navio negreiro que tinhamos tomado em flagrante com todo o direito e justiça, e que lhe responderam, quando elle lhes disse que o pleito estava entregue aos tribunaes de justiça: «Não queremos saber da sua justiça para cousa nenhuma.

« - Ao menos vamos nomear uma commissão mixta, um tribunal arbitral...

« - Não queremos. O que queremos é levar já o navio e o capitão. Acceitâmos a tal commissão arbitral para avaliar as indemnisações que por esta tomadia nos deveis.

« - Não, lhes torna o nobre duque de Loulé, para isso não. Pois a tanto chega a vossa violencia, e visto não podermos responder á força pela força, ahi tendes os cofres do thesouro, levae o que vos aprouver!»

E metteram os braços nos cofres publicos d'esta nação, e levaram o que lhes aprouve, que, diga-se a verdade, podia ser mais do que foi.

Isto honra immensamente o partido progressista.

Eu mesmo, sem ter hoje partido algum, honro-me muito com este rasgo fidalgo de um homem que presidia ao governo da minha nação.

Continuemos; vou mostrar como elles têem levado muito dinheiro e muitos valores d'esta nação, que tem sido e parece continuar a ser verdadeira roupa de francezes, como diz o adagio portuguez. E deixo muito e muito de fóra do meu rol; faço isto sem prazer, mas como desforço a quem teve e tem a ousadia de nos alcunhar de bancarroteiros.

O processo que seguiram indevidamente é de tal ordem que tenho pena de escrever mal o francez, porque havia de publicar n'essa lingua umas memorias e mandal-as distribuir por lá, como fizeram os nossos calumniadores a todos os seus pasquins e opusculos, que os espalharam pela Europa, e com que nos tentaram asphyxiar.

Eu, se os possuo - os taes pasquins - devo-o á sua generosidade.

Ora, que devemos nós, aos que se dizem possuidores de titulos do emprestimo de 1832?

O sr. ministro da fazenda que está ali, que é um grande estudioso e talento distincto, diga-me onde encontrou já o decreto em que se funda este celebre emprestimo de 1832.

Eu não posso negar que esse emprestimo se fizesse ou se iniciasse, o que pergunto é que emprestimo foi este; se foi um emprestimo particular, em todo o caso secreto, se um emprestimo de guerra, contratado pelos revoltosos vencidos, e, n'este caso, se os vencedores são obrigados a pagal-o?

Dizem que existem titulos authenticos e titulos falsos, que authenticidade póde ser aquella?

O mais engraçado é que começaram por nos pedir 40.000:000 francos e agora allegam que só são authenticos 18:273 titulos. São falsos então 21:727?.. .

Vejam com quanto escrupulo de consciencia nos pediam antes o seu pagamento!

Mas não são só faltas de probidade na apresentação das suas contas, para haverem dinheiro denigrem-nos ou pretendem denegrir-nos na nossa honra; como não achassem o decreto com que pretendiam firmar-se, ousaram affirmar que o sr. duque de Loulé, em 1869, creio eu, tinha sonegado na nova edição da nossa legislação o decreto do governo do sr. D. Miguel para o levantamento do emprestimo!

Até onde chegou a audacia dos homens que nos insultam!...

O decreto a que esses taes se referem não existe, nem existiu; e a obrigação geral ou antes quitação geral falsissima em que o sr. D. Miguel confessa haver recebido a totalidade ou 40.000:000 francos, tem duas datas!

Valia a pena que se lhe tivesse mandado fazer um exame directo, e ver-se-ía que até ao artigo 13.° exclusive, a redacção era muito diversa da que se mostra do artigo 13.° por diante. Uma manta de remendos, manta do demonio! a tal que, se cobre de um lado, deixa sempre o outro a descoberto.

Isto foi tudo arranjado ad hoc, para se pagarem as despezas de transporte do general Bourmont e dos seus companheiros vendeanos e para a compra de uns navios de guerra que se mandaram comprar na Inglaterra e que de lá deviam vir, trazendo a bordo Elliot e trinta e tantos marinheiros tambem contratados na Inglaterra. Se alguem dividar, eu tenho-o aqui, no meu livro, provado com documentos authenticos, mas authenticos.

Nada d'isto chegou a tempo, especialmente o reforço maritimo, porque já tinha saído a esquadra para ser batida por Napier no Cabo de S. Vicente.

Bourmont, sim; veiu a tempo de ser batido no Porto, na batalha de 25 de julho de 1833, tendo entrado em Lis-

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boa o duque da Terceira a 24, na vespera; e para ser ainda alguns dias ministro da guerra. Como os grandes patriotismos cedem ás grandes necessidades!

O duque da Terceira encontrou no correio em Lisboa, e com destino ao visconde de Santarem, uma carta eloquente do conde da Ponte, vinda de París.

Deixemos factos secundarios e vamos aos principaes.

N'estas circumstancias, dizem elles (e é bom que esteja aqui o sr. ministro da fazenda para o ouvir): «Mas vós, que não quereis reconhecer este decreto e a validade d'este emprestimo, reconhecestes outros feitos pelo sr. D. Miguel».

E é verdade! E pagámos dois emprestimos; mas, d'esses, um fôra ainda votado pelas côrtes que viveram até 1828, outro era um emprestimo forçado sobre Portugal; vendo-se, alem d'isso, o sr. D. Miguel na necessidade de abrir uma subscripção publica para a qual até subscreveram as almas do purgatorio e o Santissimo Sacramento; e por fim obrigou todos os mercadores a darem umas tantas varas de linho para lençoes dos hospitaes militares e uns tantos covados de panno para cobertores.

Ora aqui está a situação em que se encontrava por 1832 e 1833 o sr. D. Miguel, tendo recebido 40.000:000 francos!...

E dizem elles: «Nas praias de Portugal é preciso terem cuidado os naufragos, pois se encontram com piratas!»

Isto não é da França, nação por que tenho e tive sempre muita admiração e sympathia, mas é preciso responder a estes insultos soezes! E é triste tambem que o governo francez tomasse procuração d'estes... embusteiros.

O certo é que nós não lhes devemos 5 réis.

Não sei o que sejam, portanto, os titulos authenticos e os não authenticos.

Se tal estrategia fosse reconhecida como direito, um rei contratava sonegadamente a venda ou a hypotheca do seu paiz e nós ficavamos vendidos! ou hypothecados, sem para tal ou de tal sermos ouvidos, nem de tal se nos dar parte.

Eu andei por todos os archivos, até á torre do Tombo; fui procurar (e procurei com toda a boa vontade) o tal decreto. Em nenhuma parte, porém, o encontrei. Li mesmo os primitivos exemplares da nossa legislação e nada encontrei.

Agora são dezoito mil e tantos titulos. Já é favor.

Se o governo podér, excogite tambem a que titulo, em 1797, nós nos obrigámos a entregar-lhes 10 milhões de francos dentro de um anno, parte em dinheiro, parte em diamantes e pau Brazil. Leia o tratado de 20 de agosto de 1797 e os seus artigos secretos que são curiosos; e diga-me, se póde, a que titulo, a não ser de naufragos em mãos de piratas, nós lhes demos aquelles 10 milhões. 10 milhões! quantos seriam elles, attentas as condições com que eramos obrigados a fazer as entregas. Cada artigo dos taes secretos era uma ratoeira.

Tambem desejava saber se pagaram as indemnisações que prometteram quando na Bahia (então portugueza) a sua esquadra nos aprisionou todos os nossos navios mercantes, a titulo de excederem a sua derrota. Foi por 1804.

Passarei em claro pelas degradações que aqui nos fez o barão Roussin, em navios e em dinheiro de contado, mas permittam-me que pergunte com que direito nos vieram roubar tres invasões successivas desde fins de 1807 até começo de 1811?

Na de 1809 durou o saque no Porto tres dias e tres noites. A primeira, commandada por Junot, entrou como amiga e como tal foi recebida.

Tambem peço a s. exas. que me digam com que direito lá têem os francezes a Guyanna.

Em 1814 fez-se um tratado em Vienna, pelo qual passava para a França a Guyanna portugueza.

Por occasião de se fazer esse tratado não foi presente um só diplomata portuguez, e quando se tratou de o ratificar, o sr. D. João VI, que era o mais macio dos réis, declarou que não o ratificaria.

E está sem ratificação.

Portanto, pergunto com que direito vêem chamar ladrões a nós aquelles que nos tratam por este feitio?

A Guyanna é nossa, de pleno direito; ou é do Brazil. Da França, não.

Ora tudo isto desejava eu dizer por causa d'este cacete (perdoem o brazileirismo), sob cuja acção vivemos. E para mostrarmos aos nossos eternos detractores que é bom attentarem nos seus telhados de vidro. De vidro, por transparentes; de vidro, por quebradiços.

E para que saibam que a historia se não fez só para elles (a d'elles é ad uzum). A França perdeu ha muito o direito (fallo dos seus filhos sem escrupulos) de entrar em questões de probidade e menos de lançar apodos injuriosos sobre a honra alheia.

Conheço a nossa imprensa. Este meu desforço é tempo perdido? De todo, não, que sempre é um desabafo individual.

«Cada qual segundo a si.»

Li ainda ha poucos dias n'um jornal uma carta de um d'esses senhores, o qual não tenho a honra de conhecer, nem desejo mesmo pronunciar o seu nome aqui onde elle não póde responder-me; aqui, porém, lhe fica uma resposta.

Com que direito vem elle perguntar ao governo o que pensa a este respeito?

O ministerio passado já lhe deu a devida resposta.

Deixo-lhe, porém, uma resposta a respeito do pagamento dos taes titulos, que elles dizem falsos ou authenticos, a seu prazer. Para nós são todos falsos.

O sr. conde de Burnay é um dos que mais conhecem esta, questão. Tenho pena de que s. exa. não esteja aqui, assim como todos aquelles a quem tenho de me referir.

O sr. Ornellas: - Se não estão aqui, podem, comtudo, pedir a responsabilidade do que aqui se diz.

O Orador: - Certamente; mas tenho pena de que não estejam presentes; falla-se mais desafogadamente.

(Interrupção do sr. Ornellas.)

Isso é uma questão particular, completamente separada e com que não tenho nada.

Mas a verdade do caso é que nós, se fizermos bem as contas, reconheceremos que em grande parte elles são nossos devedores, elles que todos os dias andam a dizer que Portugol está desacreditado e que não póde já levantar 5 réis de emprestimo, por ter perdido todo o credito, - os honrados! - os honrados, que nos pediam 40 milhões e agoram confessam que só dezoito mil titulos são authenticos!

Peço ao sr. ministro da fazenda que veja se arranja dinheiro em qualquer parte, até no inferno, mas fuja d'esses que em França nos calumniam.

(Aparte.)

Entregamos ao ministerio dos negocios estrangeiros em França este negocio. Pelo menos foi isto que se decidiu em conselho de ministros.

Agora é o governo francez quem trata com o governo portuguez. Está ahi o sr. conde de Ormesson, que é procurador d'aquelle governo.

Portanto, a questão hoje não é de banqueiros, mas da diplomacia.

Pois bem, é entre governos que tem de pleitear-se esta justiça. A que vem cá um particular intrometter-se?

Eu sei tambem o que se fez pela diplomacia.

Já n'uma occasião um ministro de Portugal disse a um diplomata inglez: «É verdade, vamos a contas; não basta que nos mostreis o rol dos nossos debitos, é preciso que nós vos mostremos os nossos creditos. É assim que se fazem contas. Ora vós tendes lá a cidade de Colombo com o seu porto que são nossos, vamos a ver quanto por isso nos deveis de indemnisações segundo os annos, já não pou-

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cos, que indevidamente os possuis». No dia seguinte era demittido este ministro sem que no decreto se dissesse serviu muito a meu contento. Isto fez-se já em Portugal; e eu, assim como me envergonho d'este facto, envergonho-me tambem de estarmos todos os dias a soffrer vexames inauditos, que um paiz, que se preza, não póde receber sem protesto e sem uma resposta condigna.

Este senhor diz que vem aqui de proposito para sabei o que o governo portuguez pensa a respeito da sua pretensão. Não tem direito a que o nosso governo lhe responda cousa alguma. Lá tem a sua diplomacia, que está encarregada pelo seu governo de tratar com o governo portuguez; essa é que é a via competente. Se quer algum esclarecimento, vá ter com o sr. Hanattem em París ou com o sr. conde de Ormesson, em Lisboa, que lh'o poderá dar. Mas vir elle tambem fazer perguntas ao nosso governo! Em que qualidade? Demitta o sr. conde de Ormesson, obtenha o diploma de ministro plenipotenciario da republica franceza em Portugal, faça-se então procurador em causa propria, e n'esse caso tem o direito de se entender directamente com os srs. ministros. Antes d'isso não tem.

Faça o sr. ministro da fazenda toda a diligencia para se libertar das garras dos francezes que dizem não poder Portugal levantar 5 réis de emprestimo em parte nenhuma. É preciso, é urgente com os nossos credores de França (ponho de parte estes de 1832 que o não são) liquidar e já as nossas contas. Estão já intoleraveis.

Quererem por força, até que nós paguemos os pasquins com que nos insultaram!...

E lá continúa em scena o côro de gaiatos...

A estes, porém, não temos nada que pagar.

E os 2.500:000 francos que lhes demos não foi a titulo de pagamento, foi pelo amor de Deus.

Emfim eu dou de conselho ao sr. ministro da fazenda que não se sujeite a isto; e que não responda cousa alguma.

Nós sempre temos, sempre! que aturar alguma cousa a certos individuos; eu sei mesmo que ha doenças fataes, ás vezes hereditarias, que atacam certas pessoas e que nós devemos dar desconto aos actos incongruentes que essas pessoas praticam e tratal-as como doentes, especialmente sendo nossos hospedes.

Alem d'isso nós, que todavia não somos uma nação incivilisada como pretendem os nossos diffamadores, temos ainda nas veias algum sangue arabe; e os arabes têem tanta contemplação pelos hospedes, por aquelles a quem elles dão agasalho nas suas casas ou tendas, que é para elles sagrado, até o inimigo; até o proprio assassino de seu pae, emquanto se acha ao abrigo do seu lar.

É pois da nossa indole e das nossas tradições poupar os nossos hospedes. Peço até ao governo que os convide, os mais encarniçados, para as festas do centenario. Não será preciso pedir-lh'o.

Repito muito a serio: é preciso acabarmos com isto; e na minha opinião, nós não devemos nada, nada d'esse tal emprestimo de 1832. (Apoiados.)

Liquidemos as nossas contas com a França, que tambem tem maus filhos.

Tenho concluido. Aguardo as respostas que pedi.

O sr. Conde de Macedo: - Mando para a mesa o parecer da commissão de fazenda sobre a lei das receitas e despezas do estado para o exercicio de 1897-1898.

Lido na mesa foi a imprimir.

O sr. Pereira de Miranda: - Mando para a mesa dois pareceres da commissão de fazenda e um da commissão de marinha.

Foram a imprimir depois de lidos.

O sr. Ministro da Justiça (Francisco Beirão): - Começa por declarar que não responde na qualidade de ministro porque os factos a que se referiu o digno par Thomaz Ribeiro não são respeitantes, nem ao exercicio nem á gerencia da pasta que lhe está confiada. Responde unica e exclusivamente pela muita consideração que tributa ao digno par e á camara.

Explica, pois, que dois deputados progressistas, os srs. Mattoso e José de Alpoim, propozeram que se nomeasse uma commissão de inquerito; mas entendeu-se que essa proposta não estava inteiramente de accordo com os intuitos que a tinham inspirado, porque, da sua redacção, se deprehendia, ou se dava já como assente, a existencia de irregularidades ou illegalidades na questão do emprestimo dos tabacos.

O orador substituiu aquella proposta por uma outra; mas declarou muito explicitamente que no seu espirito não entrava a menor sombra de desconsideração para com o sr. Augusto José da Cunha, e muito menos a mais pequena duvida sobre o seu caracter leal e honrado.

Como auctor da proposta fez parte da commissão, e teve a honra de ser seu presidente. A commissão trabalhou afincamente de maio de 1892 até dezembro de 1893, e dando por findos os seus trabalhos, entregou o que estava feito na secretaria da outra camara, porque, tendo sido dissolvidas as côrtes, entendeu que tinham cessado as funcções que lhe haviam sido commettidas.

Dadas, pois, estas explicações, não vê que exista qualquer obstaculo, politico ou pessoal, que se opponha á permanencia do sr. Augusto José da Cunha no actual gabinete.

(O discurso a que este extracto se refere será publicado na integra se s. exa. o restituir.)

O sr. Presidente: - Como a hora está muito adiantada e ha necessidade de se entrar na ordem do dia, comprometto-me a dar a palavra aos dignos pares que se acham inscriptos sobre este incidente, antes de se encerrar a sessão.

ORDEM DO DIA

Parecer n.° 8, que approva, para serem ratificados, o tratado de commercio e o respectivo protocollo, assignados em Lisboa aos 26 de janeiro de 1897, entre Portugal e o Japão.

O sr. Presidente: - Vae ler-se o parecer n.° 8.

Leu-se a seguinte

PARECER N.° 8

Dignos pares. - A vossa commissão dos negocios externos examinou attentamente o projecto de lei n.° 16, vindo da camara dos senhores deputados, o qual tem por fim auctorisar o governo de Sua Magestade a ratificar o tratado de commercio e de navegação, assim como o protocollo annexo, assignados em Lisboa aos 26 de janeiro de 1897 pelos plenipotenciarios de Portugal e do Japão.

Data de seculos o inicio do convivio entre estas duas potencias, sendo os navegadoresos e missionarios portuguezes os que primeiro representaram as forças e a civilisação da Europa junto d'aquelle estado oriental.

Acontecimentos e vicissitudes que a historia regista e aonde poderiamos colher fructuoso ensinamento, fizeram com que não fossem successivamente melhorando e se interrompessem ao cabo de poucos annos essas primeiras relações, que ultimamente se traduziam sob o ponto de vista commercial em um movimento de pouca monta.

Abre-se, porém, agora novo periodo na vida do florescente imperio, que está passando por maravilhosa transformação. E a Portugal convem aproveitar este favoravel ensejo para concorrer, a par das outras nações, aos novos mercados que o Japão offerece á actividade de estranhos, e para readquirir ao lado d'ellas a situação elevada que era exigida pela nossa dignidade de nação civilisada, rica
em tradições brilhantes e em esperanças firmes de futuro não menos brilhante.

O tratado e protocollo annexo realisam o duplo deside-

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ratum. As suas clausulas são essencialmente as mesmas que foram estipuladas nos tratados recentemente celebrados entre o Mikado e as principaes potencias da Europa e da America. Por nossa parte nada concedemos que signifique favor privativo que possa difficultar ou impedir qualquer futuro accordo commercial com outra nação.

É de esperar que o commercio nacional, especialmente o de Macau, saiba encontrar novos elementos e efficaz incentivo para o seu desenvolvimento e prosperidade n'este tratado, que tambem contribuirá para consolidar as mais cordiaes relações entre os dois estados contratantes, resultado politicamente auspicioso, e desde já de vantagem para os subditos portuguezes que habitam e frequentam aquelle imperio.

Em vista do exposto, julga a vossa commissão que merece ser approvado o projecto de lei entregue ao nosso estudo, para poder subir depois, nos termos da lei, á sancção regia.

Sala das sessões da commissão dos negocios externos, 2 de agosto de 1897. = Hintze Ribeiro = Conde de Macedo = Conde de Lagoaça = Luiz Antonio Rebello da Silva = Ornellas (com declarações) = Tem voto do sr. Conde de Thomar = Conde de Paraty, relator.

Projecto de lei n.° 16

Artigo 1.° São approvados, para serem ratificados, o tratado de commercio e o respectivo protocollo, assigna dos em Lisboa aos 26 de janeiro de 1897, entre Portugal e o Japão.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 20 de julho de 1891. = Eduardo José Coelho = Joaquim Paes de Abranches = Frederico Alexandrino Garcia Ramires.

O Br. Presidente: - Está em discussão.

O sr. Thomaz Ribeiro: - Sr. presidente, eu vou entoar da melhor vontade n'este assumpto só para dizer a v. exa. e ao sr. ministro dos negocios estrangeiros qual, em geral, a minha opinião a respeito de tratados com as nações estrangeiras.

Eu sou uma excepção á regra, comprehendo-o perfeitamente, mas primeiro devo ao paiz a minha opinião: não gosto de tratados.

Em primeiro logar, sr. presidente, porque como desejo muito a liberdade de acção não a quero ver manietada.

Todas as potencias são mais poderosas que nós em marinha e em soldados (felizmente, soldados por soldados nós temos tido nos ultimos tempos o reconhecimento de que os nossos antigos soldados, estão ainda muito bem representados pelos novos soldados portuguezes, isto é uma honra para nós no meio de tanta lastima e tantos desenganos).

Se eu não quizesse attender á necessidade de não cansar-me, não direi que fosse fazer a historia, mas um pequeno escorço do que tem sido a maior parte dos nossos tratados internacionaes. Fez-se em tempo um tratado reconhecendo-nos a posse de Olivença e ninguem até hoje nos entregou Olivença.

Fez-se igualmente outro tratado reconhecendo-nos o direito a Columbo e seu porto, na formosa ilha de Ceylão, e até hoje nada nos restituiram; isto tudo que digo é verdadeiro e authentico, mais authentico que os titulos do emprestimo de 1832.

Ainda ha pouco tempo fizemos um tratado com a Hespanha, e sinto não estar presente o sr. conde de Macedo, nosso representante n'aquelle paiz, que alguma culpa tem nas modificações d'esse tratado, culpa não direi, todos nós somos compartes; estatuiu-se n'esse tratado o limite das zonas maritimas em que nas aguas entre o Algarve e o porto de Cadiz deviam pescar portuguezes e hespanhoes, mas estes não se importam com tal tratado e vem pescar para a costa do Algarve e á lhes reconhecem o direito, ou quasi; para isto parecia-me melhor não se ter feito tratado.

Os tratados só servem para adornar as partes contratantes com mais alguma commenda ou gran-cruz.

Sr. presidente eu sou como aquella sacerdotisa que foi condemnada a dizer a verdade, mas a não ser acreditada; acontece-me sempre o mesmo; direi só a verdade, e por isso vejo que n'este tratado com o Japão ha algumas disposições que não comprehendo.

Que é que nós temos a mandar para o Japão?

Junto ao parecer ha uma tabella, na qual eu vejo uma cousa que não comprehendo bem.

Entre os productos que, segundo se diz, nós havemos de mandar para o Japão, vem indicados chapéus de feltro.

Pois então no Japão usam-se chapéus de feltro?

(Interrupção do digno par sr. Ornellas.)

Eu sabia que muitos d'elles já usavam casaca, mas chapéus ha de ser difficil.

Aquelle calor não se presta ao uso de chapéus de feltro.

Tambem não sabia da existencia de uma fabrica de chapéus de feltro em Macau.

Tenho visto as differentes estatisticas de Macau, e ignorava que havia lá a industria dos chapéus de feltro.

Hortaliças é que podemos mandar ou verdes ou já cozinhadas. Já valia a pena fazer tratados para hortaliças e caldo verde.

Mas verdade, verdade, eu vejo que v. exas. fizeram este tratado por condescendencia.

Agora deixem-me dizer a v. exas. uma cousa mais, e termino.

N'este tratado indicam-se os productos que hão de gosar do tratamento da nação mais favorecida. Pensaram no Brazil? Viram bem que esse é para nós por excellencia a nação mais favorecida, já desde o tratado em que Portugal reconheceu a sua independencia?

Não é porque eu tenha esperança de que em breve possamos fazer um tratado com o Brazil. Nem o julgo preciso nem conveniente. Do que devemos tratar é de vender os nossos vinhos o melhor que podermos, e para isso basta que zelemos a sua genuinidade.

Fazemos nós isto e fazemol-o sempre? Oxalá!

Quando cheguei do Brazil levantaram-se uns murmurios e más vontades contra mim, porque eu pedia medidas contra os fabricantes de vinhos com drograrias nem sempre innocentes.

Ora eu creio que se vae modificando um pouco o espirito dos brazileiros; mas até agora o prazer d'elles era ver que toda a imprensa portugueza pedia com mãos postas que se fizesse um tratado com o Brazil para elles terem o prazer de nos contrariar.

Elles riam-se de tudo quanto a imprensa portugueza publicava. Até pedi ao sr. ministro dos negocios estrangeiros que visse se conseguia n'esse ponto o silencio da nossa impressa.

Quer o sr. ministro que se approve este tratado?

Tome cautela, que nos póde dar muitos dissabores.

Tenho muita pena de não poder ler muitas das palavras do tratado; mas é necessario evitar que a pretexto de fazermos contrabando, venham ámanhã pedir-nos explicações e indemnisações.

Esta questão de entrarem nos portos navios nossos, real ou nominalmente carregados e não carregados, e de irem directamente ou procurando portos de escala está ahi de modo que póde causar-nos um grande mal, e acontecer-nos depois o que nos aconteceu, por exemplo, na India.

Entre os favores que nos fazem todos os dias os nossos amigos lá por fóra, ha este, que eu desejo apontar ao nobre ministro dos negocios estrangeiros e ao governo.

Uma das nossas possessões na India portugueza era a feitoria de Surrate; e quando os inglezes tomaram posse d'ella o seu senhor deixou em titulo authentico (este bem

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authentico) o direito de terem lá perpetuamente uma feitoria.

V. exa. está a olhar para o relogio, mas eu vou acabar. Nós agora não fazemos sessões na camara dos pares senão para que pareça que se cumpre a carta constitucional; só temos dois dias de sessão por semana e assim mesmo sempre a olhar para o relogio. Demais está muito calor e, se for preciso, farei a diligencia para não vir á camara.

Mas vou fallar lhes de Surrate. O senhor de Surrate, quando esta possessão foi concedida á Inglaterra, poz a seguinte condição: «Eu fui sempre muito amigo de Portugal, devi-lhe sempre muitos obsequios, por consequencia ha de aqui ficar tendo uma feitoria e, pelo direito de entrada, os generos, que vierem em navios portuguezes, nunca hão de pagar mais do que ... tanto». Era uma taxa minima e fixa. Os inglezes acceitaram a condição, mas não se importaram com ella para cousa nenhuma. Sabe v. exa. o que fizeram depois?

Quando chegava um navio nosso, diziam logo: esses generos não são portuguezes; e quando não podiam deixar de dizer que eram, tinha já passado tempo bastante para se perder mais do que se ganhava com a differença das taxas.

Um dia enfadaram-se com estas condescendencias e acabaram com a feitoria de Surrate.

N'este tratado vae o inicio de uma cousa d'estas. Hão de ser vistos e revistos no Japão navios estrangeiros com carta nossa, que realmente podem levar para lá o que quizerem, o que nos ha de vir a fazer transtorno. Oxalá eu esteja em erro.

O sr. Ornellas: - Sr. presidente, lamento que a palavra sobre este projecto tão importante me chegue no momento mais inopportuno, pois o facto d'esta discussão vir interromper a de uma outra questão, que eu reputo de grande urgencia e igualmente queria ver esclarecida e terminada, não me deixa justificar tão cabalmente como quizera a minha assignatura com declarações no parecer que approva o tratado com o Japão.

Porque eu entendo que é necessario que a questão do emprestimo chamado de D. Miguel fique resolvida por uma vez e que se apure quem tem a culpa d'ella ainda durar.

Este é o preliminar indispensavel de qualquer emprestimo que o governo queira emittir no estrangeiro e muito especialmente na praça de Paris. Ameaçam-nos publicamente com a recusa de cotação e hão de repetir os escandalosas campanhas de diffamação, que tanto prejudicaram o nosso credito. Quando ontro effeito não produzam, aggravarão de certo as condições já onerosissimas em que Portugal póde ainda obter capitães nos mercados estrangeiros. É pois um dever de honra e ao mesmo tempo uma precaução indispensavel terminar a questão do emprestimo de 1832 antes de tentar qualquer outro.

O sr. Presidente: - V. exa. dá-me licença?...

Essa discussão continuará ainda hoje, depois de votado este projecto.

O Orador: - Eu tambem desejo que se discuta este tratado, porque é o primeiro tratado de commercio e navegação que celebrâmos depois de denunciados todos os tratados da mesma natureza que tinhamos com as outras nações, isto com o fim de recuperarmos a nossa autonomia fiscal.

Renunciámos as vantagens que nos asseguravam aquelles convenios para podermos alterar livremente as nossas pautas, mas a liberdade que adquirimos, privando dos favores que elles nos asseguravam, por exemplo: nos mercados de França e Allemanha já começámos a alienal-a nas convenções com a Russia, com os Paizes Baixos e com a Noruega, porque n'ellas admittimos pautas convencionaes que nem sequer são harmonicas; havendo por exemplo um direito para o bacalhau importado da Noruega e outro differente para o que vier da Russia, o que não concorrerá de certo para simplificar o nosso expediente aduaneiro.

N'este tratado ao menos não ha pauta convencional, concedem-se a certas mercadorias japonezas o tratamento da nação mais favorecida e o mesmo systema se adoptou na declaração com a Dinamarca. Parecia-me preferivel uma pauta minima applicada ás nações com quem fizemos tratados, conservando assim a autonomia fiscal que tão cara nos custou e não complicando o serviço das alfandegas com uma pauta especial para cada nação com que tratâmos.

Mas os nossos negociadores, acceitando para nós o mais complicado dos regimens aduaneiros, suppõem que as nações com que tratâmos olham que este importante assumpto com a mesma largueza de coração e por isso introduzem nos novos portas commerciaes uma clausula que restringe as vantagens obtidas ao commercio directo unicamente. Para excluir do beneficio pautai as nossas mercadorias que não vão directamente de Portugal, exigimos conhecimentos directos, certificados de origem e mantemos este systema até nos tratados com os paizes com os quaes ou não temos o minimo commercio directo, como o Japão, ou se o temos é em pequena escala como com a Russia.

Não penetro, não suspeito mesmo as rasões que fizeram adoptar similhante clausula que favorece como nos casos que citei, ou um commercio que ou não existe ou representa apenas a parte menos consideravel das nossas exportações como acontece com a Russia.

Esta era a clausula da nossa convenção, a que o sr. ministro da fazenda, da Russia fazia mais objecções, assim participei n'um officio que está publicado no respectivo Livro branco.

Para os portos da Russia directamente ha apenas dois ou tres navios por anno, e estes para os portos do Baltico, porque para os portos do Mar Negro não ha nenhum, recebendo-se ali as nossas mercadorias por intermedio da Inglaterra. Mas para o Baltico tambem a principal exportação de productos portuguezes se faz por via de Londres, de Hespanha e de Copenhague. Todavia o governo russo concordou a final em que a condição em que insistiamos fosse inserida na convenção que desejava concluir.

Acceitou-a o ministerio dos negocios estrangeiros do Imperio, mas os ministerios russos gosam de uma certa independencia e a administração das alfandegas russas não acceitou de bom grado a incumbencia de esmiuçar em vista de through bills of loding e de certificados de origem, quaes as exportações portuguezas a que approveitava a convenção.

O sr. ministro da fazenda publicou uma instrucção ás alfandegas, ordenando que não sã exigisse certificado de origem e que, de ali por diante, as mercadorias, qualquer que fosse a sua procedencia, ficassem sujeitas á pauta geral que em virtude da convenção foi applicada á nossa exportação até então carregada com uma sobretaxa de 30 por cento.

Repito, não sei porque se estabelece agora que só o commercio directo deve ser protegido, como se o nosso commercio directo fosse muito importante com a Russia, quasi não o temos e nem o procurâmos estabelecer.

O governo russo concedeu aos nossos caixeiros viajantes todas as facilidades de que gosam os caixeiros allemães e francezes os mais favorecidos mediante um simples documento de identidade podem viajar em todo o imperio, levando comsigo quaesquer amostras livres de direitos. Pois emquanto estive na Russia durante perto de um anno não appareceu nem um só.

Seria de certo vantajoso o commercio directo com o Mar Negro, onde hoje os nossos vinhos chegam muito sobrecarregados, pois pagam dois fretes, um para Inglaterra, outro de lá para Odessa, Taganrag ou Nicolaieff, isto quando são genuinos, porque a sua falta é supprida por imitações e contrafacções que de vinho só têem o nome e nunca saí-

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ram do Portugal, mas que se fabricam em Hamburgo e na França.

Tendo a Russia um mercado de mais de 100 milhões de habitantes, onde o clima favorece o uso de bebidas alcoolicas, creio que todo o vinho licoroso que exportâmos e mesmo os vinhos de pasto fortes e encorpados, ali achariam consumo, de modo que se conquistassemos o mercado russo elle só absorveria toda a nossa exportação actual e ainda o que nos annos mais proximos podessemos exportar a mais, apesar de já se cultivar a vinha na Crimea e de ahi se querer imitar o Porto, o Madeira e o Champagne.

As nossas conservas de peixe que tambem lá são bem recebidas, vão em grande parto de Marselha, pois estas, as unicas que chegam aos mercados do Mar Negro, seriam excluidas do beneficio da convenção, se o governo russo a executasse conforme as nossas intenções.

Talvez o sr. ministro dos negocios estrangeiros possa explicar esta politica commercial e edificar a camara a este respeito.

Eu não sei quaes são os projectos do governo sobre a protecção a conceder á nossa marinha mercante, mas os meios mais efficazes, senão os unicos, serão os direitos differenciaes de bandeira. Foram abandonados quando prevaleciam as doutrinas do livre cambio; hoje, que o proteccionismo impera por toda a parte, e já até abriu brecha na cidadella ingleza, julgo perigoso estabelecer n'este tratado o precedente de conceder o tratamento nacional aos navios japonezes, porque será impossivel estabelecer quaesquer direitos protectores em outros tratados que fizermos d'aqui por diante.

Embora sigamos o systema de um tratamento diverso para cada paiz, duvido que possamos celebrar qualquer novo tratado de navegação, recusando as embarcações da nação com que tratarmos os favores que agora concedemos aos navios japonezes. E isto sem vantagem immediata, pelo menos, pois a nossa navegação para aquelle imperio é nulla, como se vê dos documentos publicados no Livro branco, relativo a este tratado.

Póde a Inglaterra conceder esse tratamento, pois até gosa no Japão do privilegio de cabotagem; podem concedel-o a Belgica, que não tem marinha mercante, e com mais rasão a Suissa. Portugal não sei que lucre em fazer tal concessão.

Os paizes do extremo Oriente querem agora competir na concorrencia mercantil com a Europa, e serão em breve terriveis concorrentes, pois possuem uma população numerosissima, vivendo de pouco, emquanto as exigencias do operario europeu crescem todos os dias.

A China e o Japão são paizes onde se póde produzir pela quarta parte do que custa um producto qualquer industrial na Europa, e daqui a pouco não será impossivel que os seus navios, cujo numero augmenta todos os dias, venham carregar e descarregar no porto de Lisboa, onde nos obrigamos a admittil-os nas mesmas condições que os nacionaes.

Será este o modo por que nós queremos proteger a marinha mercante?

Sr. presidente, sinto que em vez de ser submettido a esta camara o texto original do tratado, se nos apresentasse uma traducção, que não posso deixar de qualificar de pouco cuidadosa.

No artigo que assegura aos nossos subditos no Japão, e reciprocamente aos japonezes em Portugal, a isenção do serviço militar, diz-se que não serão obrigados a servir na armada e na marinha. No original diz: dans l'armée et la marine.

O lapso é manifesta.

O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Mathias de Carvalho): - Foi um lapso que na ratificação será resalvado.

Q Orador: - Tambem me parece que no artigo relativo á garantia de marcas de fabrica se devia dizer modelos em vez de desenhos.

A palavra ingleza designs, e creio que o tratado inglez foi a fonte onde os nossos negociadores foram beber, tambem significa desenhos; mas, na hypothese, seria melhor traduzida por modelos.

Farei ainda outra critica a uma clausula do tratado; é a que reserva á bandeira e navegação do Transvaal e do Estado de Orange privilegios que não poderão ser invocados pelos paizes aos quaes concedermos o tratamento da nação mais favorecida.

Tão favorecidas são aquellas marinhas que só podem existir na phantasia dos mais exaltados boers! O Transvaal só póde ter marinha se nos tomar Lourenço Marques. Quanto ao Estado Livre de Orange não está debaixo d'este ponto de vista em condições mais favoraveis que a Suissa ou a Baviera.

Qual é, pois, a necessidade d'esta clausula, em que pomos os estados mais sertanejos da Africa na mesma situação que a Hespanha e o Brazil?

Não parece serio; e nas nossas relações com os estrangeiros, e nos documentos nossos que apparecem lá fóra, seria conveniente que parecessemos serios, e até muito serios. Não confirmemos a canção franceza que nos nega esta qualidade.

Demais, não imagino que concedessemos a essas marinhas imaginarias maiores privilegios que o tratamento nacional, e esse já o concedemos ao Japão por este tratado.

São estas as considerações de natureza geral que me fizeram assignar este parecer com declarações.

Mas, alem de tudo o que deixo dito, tenho até certo ponto a minha opinião compromettida, pois sendo encarregado de tratar com os plenipotenciarios japonezes, depois da violação do nosso tratado de 1860, sustentei que só podiamos tratar restabelecendo-se o estado de direito violado por um acto unilateral do governo japonez, ou regularisar num novo accordo a situação dos nossos nacionaes n'aquelle imperio.

Como todos sabem, nós supprimimos em 1892 o consulado de carreira que tinhamos no Japão. Não sei qual foi a rasão por que assim procedemos.

Oppuz-me a essa suppressão, e mostrei então os graves inconvenientes politicos que havia em supprimir o nosso consulado, de mais a mais n'uma epocha em que o Japão estava tratando de reformar a sua legislação civil e criminal para ter uma legislação analoga á das nações enristas, e poder assim acabar com o privilegio de exterritorialidade dos estrangeiros.

É conhecido o excessivo amor proprio nacional dos japonezes, que não querem ficar atraz das nações civilisadas; não querem estar a par da Turquia, do Egypto ou da China, paizes chamados de capitulações.

Eu disse desde logo que era imprudente n'aquelle momento dar um pretexto ao Japão para que deixasse de observar o tratado de 1860.

Infelizmente, o Japão declarou que, visto nós supprimirmos o consulado, as questões dos nossos nacionaes haviam de ser julgadas pelos tribunaes indigenas, porque não tinhamos lá juiz portuguez.

Ora, este pretexto era falso, porque a Dinamarca, que não tinha lá consul, obteve que o consul dos Paizes Baixos julgasse os seus nacionaes.

Nós tinhamos a legação franceza que se encarregara da protecção dos nossos, mas as auctoridades japonezas não consentiram que o encarregado de negocios da França exercesse jurisdicção sobre os portuguezes, e um decreto imperial declarou sem effeito os artigos 3.° a 7.° do tratado de 1860.

Desde então os nossos nacionaes são os unicos europeus que estão sujeitos á jurisdicção japoneza.

Ora, como até 1899 fica vigorando esse tratado de 1860, continua o estado violente que resultou da revogação una-

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literal pelo governo japonez de alguns artigos do tratado ainda em vigor.

Este novo convenio deixa subsistir esse estado de cousas até 1899, quando, na minha opinião, devia sanar tal infracção, ou repondo as cousas no estado anterior, ou cedendo, por acto voluntario do nosso governo, privilegios a que, em principio, vão renunciando as mais nações europêas.

Não creio que podessemos obter o que tão imprudentemente arriscámos, podiamos, porém, ser correctos na fórma e não deixar subsistir uma violencia de que fomos victimas e que continúa, porque não é sanada, apesar do novo tratado e concessões da nossa parte, que me parece ter demonstrado não serem destituidas de valor.

Quando estiverem em vigor os codigos moldados pelas instituições europêas, que já foram elaborados e adoptados, mas não estão ainda postos em pratica; e todos sabem quanto é difficil conseguir isso n'aquelle paiz onde não são arreigados os prejuizos contra as instituições estrangeiras, e como é grande a lucta entre o partido progressista e o partido reaccionario; um a querer transformar os costumes e as instituições em harmonia com as da Europa, e outro querendo obstar a tudo o que é novo, inclusivamente á abertura de portos, muitos dos quaes estão fechados, para evitar a circulação de estrangeiros, então e só então será extensiva a jurisdicção dos tribunaes japonezes a todas as nações da Europa. Então raiará uma nova epocha para os estrangeiros no imperio do sol nascente, então talvez achem facil collocação aquelles chapéus de feltro que o tratado favorece e o sr. Thomaz Ribeiro receia não agradem n'aquelle paiz, em que o sentimento artistico é tão apurado e distincto.

O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Mathias de Carvalho): - Diz que o seu dever era submetter á apreciação do parlamento o tratado que encontrou assignado pelo seu antecessor; não obstante entende que elle, nos seus delineamentos geraes, deve trazer vantagens, e que, portanto, o parlamento póde dar-lhe a sua approvação.

Vê-se embaraçado, porque, emquanto uns lhe pedem que celebre tratados de commercio, o digno par Thomaz Ribeiro vem exhortal-o a que não os faça.

Respondendo ao digno par Agostinho Osnellas, diz que o tratado com o Japão é, pouco mais ou menos, do teor dos que esse paiz tem celebrado com as outras potencias, excepto a França, Inglaterra, Allemanha e Estados Unidos, porque com estas nações o movimento commercial d'aquelle imperio representa 90 por cento do commercio total.

Quanto á questão de jurisdicção consular, todas as nações prescindem d'ella na epocha em que os respectivas tratados começam a vigorar.

(O discurso de s. exa. será publicado na integra quando s. exa. haja revisto as notas tachygraphicas.)

O sr. Thomaz Ribeiro: - Se fosse possivel - mas creio que não é - eu poderia que se mandasse este tratado, antes de ser approvado e ratificado, ao nosso governador de Macau, a quem compete mais o conhecimento das suas disposições. Entendo que lucrariamos com isso.

Em todo o caso, deixo a v. exa. a apreciação d'esta idéa, porque sei bem que estas questões diplomaticas têem certas exigencias a que se não póde fugir.

Agora, depois que ouvi o digno par e meu amigo o sr. Ornellas, imagino que isto seja tambem algum erro de traducção, como aquelles a que s. exa. se referiu:

(Leu.)

Ora, eu supponho que isto é do direito commum e, portanto, que não é preciso estipular-se n'um tratado.

Ainda outra cousa:

(Leu.)

Permitta-me que eu diga, quanto a este ponto, que eu pergunte se está aqui a liberdade de textos, a liberdade plena de dispor dos bens, o que não posso bem perceber como possa ser.

Este vago, realmente, deixa impressão no meu espirito, entendendo, em todo o caso, que se devia melhorar a redacção.

(Continúa lendo.)

Desejava, pois, que o sr. ministro dos negocios estrangeiros me explicasse bem o que isto quer dizer.

(Interrupção que não se ouviu.)

Sr. presidente, nunca me agradou, quando fallo, o estar a regular-me pelo contador, nem o acceito, e declaro que não o acceito, pura dizer aos meus collegas que escusam de m'o lembrar.

Desejo muito ser condescendente com a vontade dos meus collegas, mas tenham paciencia; a culpa não é minha.

Quando aqui venho, tenho direito de fallar, e não prescindo d'esse direito plenissimo.

Não gosto que me estejam a apontar para o contador.

Desejava, repito, que o sr. ministro dos negocios estrangeiros me explicasse o que isto quer dizer.

Como poderemos nós fiscalisar o contrabando?

Depois pedem-nos explicações, e nós ficamos n'uma situação nada invejavel.

Termino aqui as minhas reflexões e muito desejaria que me dessem nma resposta em relação ás minhas duvidas.

O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Mathias de Carvalho): - Entende que os receios do digno par não têem rasão de ser, porque os abusos a que s. exa. se referiu estão acautelados especialmente nas disposições dos artigos 1.° e 2.° do tratado.

Não havendo mais quem pedisse a palavra foi o parecer approvado.

O sr. Presidente: - Não ha mais nenhum digno par inscripto.

Vae votar-se o projecto.

(Lido na mesa foi o parecer approvado.)

O sr. Ministro da Fazenda (Ressano Garcia): - Pedi a palavra antes da ordem do dia para me referir a uma questão que foi suscitada n'esta camara pelo digno par o sr. Thomaz Ribeiro. Nada tenho que acrescentar á exposição que me parece ter esclarecido a camara e satisfeito os justos melindres do digno par. Todavia, pela muita consideração que s. exa. me merece, não posso deixar de responder a uma pergunta que directamente me foi feita.

Satisfazendo pois os desejos do digno par, tenho a declarar em meu nome e em nome do governo, de que faço parte, que nós não reconhecemos a legitimidade do emprestimo de 1832, e que em taes circumstancias não temos de apreciar nem o valor nem a authenticidade dos titulos que se diz existirem ainda d'esse emprestimo.

Esta declaração formal e categorica parece-me que deve desvanecer quaesquer duvidas no espirito do digno par.

Quanto á carta, a que s. exa. se referiu e que me foi dirigida ultimamente por um cidadão francez, que, supponho eu, esteve de passagem em Lisboa, carta que pouco depois foi publicada em varios jornaes da capital, entende o sr. Thomaz Ribeiro que eu deveria ter respondido ao signatario d'ella, declarando-lhe que não lhe reconhecia o direito de perguntar ao governo portuguez qual era a opinião que tinha sobre o assumpto mencionado na mesma carta.

Respeito muito a opinião do digno par, mas devo confessar que divergi d'esse modo de ver, porque entendi e entendo ainda que era muito mais conveniente e curial não responder a essa carta. Assim, parece-me que zelei melhor o decoro do poder e a minha dignidade como ministro da corôa. (Apoiados.)

S. exa. não reviu.

O sr. Presidente: - O digno par sr. Ornellas estava inscripto antes da ordem do dia. Era sobre este assumpto?

O sr. Ornellas: - Não tenho ainda julgado necessario

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intervir n'este incidente, que desejava se derimisse completamente entre o sr. Thomaz Ribeiro e o governo.

O sr. Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro: - A hora está em extremo adiantada e eu não desejo cansar a attenção da camara; mas como vejo presente o sr. ministro da fazenda, tenho evidentemente, depois do que occorreu na ultima sessão, de me dirigir a s. exa. Em breves palavras o farei; e procurarei mesmo fazel-o em termos que deixem s. exa. por completo em liberdade para a resposta que julgue conveniente dar ás minhas perguntas.

Depois da nossa ultima sessão, foram publicados documentos enviados directamente á mesa d'esta camara e á da camara dos senhores deputados pela companhia dos tabacos. Esses documentos, na parte referente á correspondencia trocada entre a direcção geral da thesouraria do ministerio da fazenda e aquella companhia, em 1895, vieram confirmar de todo o ponto o que eu de memoria citara, quando a este assumpto me referi n'aquella mesma sessão.

Ficou, pois, evidenciado que em 1895, sendo eu ministro da fazenda, foram, pela direcção geral da thesouraria, e por ordem minha, solicitados da companhia dos tabacos esclarecimentos sobre differentes assumptos da administração d'essa companhia, entre elles um que se referia á execução do artigo 5.° das bases annexas á lei de 1891; que a companhia começou por enviar os relatorios que já eram do dominio publico, e terminou por dirigir á direcção geral da thesouraria uma resposta precisamente nos termos que eu já referi, dizendo que da simples vista da conta de ganhos e perdas se deprehendia não ter o producto liquido de fabrico e venda attingido ainda o limite, que a lei tornara para começo de partilha com o estado, e tanto que no primeiro exercicio tivera a companhia de recorrer ao fundo de reserva para completar um dividendo, e nos dois exercicios seguintes não chegara a repor o que d'aquelle fundo tirára.

Nada mais houve.

Fique, pois, bem accentuado que não houve a esta declaração da companhia, resposta minha, despacho eu qualquer resolução que envolvesse responsabilidade directa no assumpto, do governo a que eu tive a honra de presidir.

Fique mais accentuado que eu não podia julgar-me satisfeito com as contas prestadas pela companhia, desde que ellas me não foram prestadas em tempo algum, e só agora vem pela primeira vez á camara e ao conhecimento do governo.

Eu instei por esses documentos em 1895, mas não me foram enviados.

A questão está portanto re integra, para ser resolvida como de direito for, em presença da lei de 1891.

Devo acrescentar que, entre os documentos agora publicados, apparece uma reclamação dos operarios dirigida ao commissario régio em 1896, sobre a qual foi ouvida, e respondeu, a companhia.

Essa reclamação nunca me foi apresentada; nem d'ella, nem da resposta da companhia, tive jamais conhecimento algum.

Faço esta declaração, não propriamente em defeza minha, mas para não prejudicar a liberdade de acção do sr. ministro da fazenda, e habilital-o a bem resolver um assumpto em que estão envolvidos importantes interesses do estado. São esses interesses que eu quero salvaguardar, e para isso, deixo claramente accentuado que da minha parte nunca houve resolução ou despacho sobre este assumpto, nem o podia haver, porque as contas só agora foram apresentadas.

Com as minhas responsabilidades posso eu; o que não quero é que se me attribuam factos e se possam deduzir consequencias, que affectem os legitimos interesses do thesouro.

A minha pergunta, portanto, é esta: As contas foram agora apresentadas; o facto de s. exa. as remetter ao parlamento significa implicitamente que as approva?

Embora não signifique, julga s. exa. que ellas estão formuladas em conformidade com a lei de 1891?

Sr. presidente, se o meu desejo fosse collocar o sr. ministro da fazenda em difficuldades, estimaria que s. exa. me respondesse affirmativamente.

Não é esse, porém, o meu desejo, não é o de crear difficuldades a s. exa.; pelo contrario, quero deixar-lhe inteira liberdade de acção, n'uma questão em que se acham envolvidos tão graves interesses do thesouro.

Folgarei, pois, muito que s. exa. declare que taes contas não approvou pelo facto de as ter remettido ao parlamento, e folgarei tambem que sobre este assumpto não tome uma resolução definitiva, sem que primeiro tenha procedido a todas as averiguações, não só para se esclarecer a si, mas para esclarecimento de todos, porque é necessario que n'esta questão todos sejam devidamente elucidados.

A minha convicção é que as contas agora apresentadas não estão formuladas e deduzidas na conformidade da lei de 1891.

Por consequencia, uma resposta precipitada do sr. ministro da fazenda equivaleria a duas cousas: em relação ao passado, equivaleria a uma quitação do que se podesse liquidar em beneficio do thesouro; em relação ao futuro, desappareceriam as garantias que o governo possa ter em assegurar a sua partilha nos lucros da companhia.

Fico esperando a resposta do sr. ministro da fazenda;

O sr. Ministro da Fazenda (Ressano Garcia): - Sr. presidente, serei muito breve, porque a hora está muito adiantada, e eu não quero cansar a attenção da camara.

Não posso, porém, deixar de responder ao digno par.

Deixo inteiramente de lado a parte do seu discurso em que s. exa. pretendeu explicar como decorreram quatro annos sem que o digno par, meu illustre antecessor, soubesse se tinha chegado ou não a epocha da partilha de lucros entre a companhia e o estado? Não me compete apreciar essa parte do discurso de s. exa.; restrinjo-me áquelle ponto em que s. exa. me dirigiu uma pergunta, a que vou responder.

Perguntou s. exa. se, apresentando as contas da companhia de tabacos desde o primeiro até ao ultimo exercicio, isto significa que eu me conformo com essas contas. Devo dizer que tal remessa não póde ter similhante significação.

E permitta-me a camara um parenthesis para explicar qual é a minha situação.

Quando redigi o meu relatorio de fazenda na parte em que se refere a um accordo entre o estado e a companhia dos tabacos, devo declaral-o com toda a ingenuidade e franqueza ao parlamento, eu estava convencido de que não tinha chegado ainda a epocha da partilha de lucros entre o estado e a companhia. A minha convicção era baseada nos actos do meu illustre antecessor, porque decorreram, não um, mas quatro, cinco annos de exercicio d'aquella companhia e nunca no ministerio da fazenda, como acaba de confirmar muito bem o meu illustre antecessor, nunca occorreu averiguar se tinha chegado aquella epocha; de modo que fui levado á convicção de que não havia partilha, e n'esta conformidade preparei a proposta de lei referente á companhia.

Devo dizer ainda que quando redigi o meu relatorio de fazenda, não estavam publicadas as contas relativas ao exercicio, porque dessas é que eu tenho a responsabilidade, das outras não.

O exercicio acabou em março.

Mas levantou-se a questão se tinha ou não chegado a epocha da partilha de lucros, e tratei de examinar com mais cuidado as contas cuja approvação é da minha responsabilidade, porque devo dizer: as contas anteriores já passaram em julgado.

Não quero aqui decidir a questão de direito, mas entretanto a epocha propria para a liquidação d'essas contas

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SESSÃO N.° 16 DE 17 DE AGOSTO DE 1897 199

passou; a epocha propria para a liquidação das contas do ultimo exercicio é que ainda não passou; portanto, estou dentro do praso que o contrato marca para poder dizer á companhia: não approvo as suas contas. Esse praso é de seis mezes e acaba no fim de setembro. Tenho ainda o direito de dizer á companhia: não me conformo com a maneira por que as contas foram feitas.

D'este modo, no que depende da minha responsabilidade, os interesses do estado não estão prejudicados.

Quanto ás contas anteriores, deviam ter sido liquidadas, o maximo, dentro do mez de setembro de cada anno. Não o foram? Deixo aos poderes publicos a apreciação do facto. Pelo que respeita, ás do ultimo anno, devo declarar que estão sendo examinadas por pessoas idoneas, porque eu não sou guarda-livros, para informarem o governo se essas contas estão feitas restrictamente na conformidade do contrato.

S. exa. não reviu.

O sr. Presidente: - O digno par, o sr. Thomás Ribeiro tem a palavra.

S. exa. quer falar sobre este assumpto?

Faço esta pergunta porque julgo conveniente para regularidade da discussão que não se misturem assumptos diversos.

O sr. Thomaz Ribeiro: - Não é sobre este assumpto que eu pretendo fallar; mas este assumpto é que se metteu no outro que se estava discutido. (Riso.)

Foi uma enxertia.

O sr. Presidente: - Mas v. exa. tem a palavra.

O Orador: - Sr. presidente, eu agradeço as palavras que recebi em resposta ás minhas perguntas, tanto as do sr. ministro da justiça como as do sr. ministro da fazenda; e muito mais me deixaram satisfeito as do sr. ministro da fazenda.

S. exa. deixou-me completamente satisfeito com o que me disse.

Não tenho duvida em confessar que s. exa. fez o que devia fazer, resolvendo não responder á carta que lhe foi dirigida.

Quanto ao sr. ministro da justiça o que sinto é que s. exa. quando entrou para o ministerio não tivesse publicamente esclarecido esta questão, e se tivesse limitado a deixar o resultado do inquerito n'uma boceta de Pandara.

Peço, portanto, que se publique ou consiga que se publique ou se complete esse relatorio da commissão a que s. exa. presidiu e que foi nomeada para fazer luz.

Parece-me que s. exa. concordará em que este meu pedido deve ser satisfeito; aliás ver-me-hei forçado a renovar constantemente as minhas reclamações.

Agora sinto que o sr. ministro das obras publicas desse tão cedo e antes de tempo o braço ao nosso inquiridor.

Eu não deixarei este assumpto.

O sr. Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro: - Não commento agora as explicações do sr. ministro da fazenda; refiro-me apenas ás conclusões que das suas palavras derivam.

O sr. ministro da fazenda declarou que o facto de remetter ao parlamento as coutas da companhia não implicava, por parte de s. exa., a approvação d'essas contas. O sr. ministro da fazenda declarou mais, que, em vista das duvidas que se suscitavam, mandára proceder a averiguações sobre o modo por que essas contas estavam formuladas, e que tinha até ao fim de setembro, que era quando terminava o praso para a approvação das contas, tempo bastante para formular um juizo seguro ácerca d'este assumpto.

Foram estas as explicações de s. exa. Posto isto, a um unico ponto vou referir-me.

S. exa. alludiu a um artigo do contrato que diz respeito á liquidação dos lucros a dividir com o estado e com os operarios, e pareceu ter duvidas sobre se, com referencia aos annos anteriores a 1896-1897, o governo teria ainda o direito de proceder a uma liquidação rigorosa.

A esse respeito não tenha s. exa. duvidas; não ha prescripção sem que se dê o facto que se toma como ponto de partida para o praso correr. Para aquelle praso de seis mezes o ponto de partida é, nem podia deixar de ser, a prestação das contas por onde tem de aferir-se a participação dos lucros. E só agora foram apresentadas, por parte da companhia, as contas referentes á liquidação do producto liquido, base da participação dos lucros com o estado e com os operarios.

Portanto, o que é certo é que o praso para a liquidação das contas ainda não terminou, porque só agora, depois das contas serem apresentadas, podiam ser apreciadas, e portanto só agora poderia começar a correr esse praso.

Isto é para resalvar, não a minha responsabilidade, mas os direitos do estado.

Repito: só agora as contas foram apresentadas, e portanto só agora podem e devem ser apreciadas, sem que prevalha qualquer argumento de prescripção em contrario.

V. exa. comprehende as rasões por que eu digo isto, e porque não desejo, nem posso desejar, que o sr. ministro ponha isto em duvida: é porque o contrario seria o mesmo que pôr em duvida o direito que o estado tem de apreciar as contas com a companhia e tirar d'ellas as devidas illações.

V. exa. comprehende e comprehendem todos que o nosso dever é pugnar pelos interesses do thesouro e pela rigorosa applicação das leis.

Não é, pois, só em relação ao exercicio de 1896-1897 que s. exa. o sr. ministro da fazenda tem de proceder; mas sim em relação a todos os anteriores exercicios, porque de nenhum tinham as contas da companhia sido apresentadas.

É isto o que eu tenho a dizer.

O sr. Ministro da Justiça (Veiga Beirão): - Sr. presidente, eu tinha pedido a palavra para explicar ao digno par o sr. Thomaz Ribeiro a rasão por que não tinha sido publicado o relatorio da commissão a que s. exa. se referiu; e embora s. exa. não esteja presente, direi que essa publicação não foi instada pela commissão, porque não era isso da sua competencia.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Ministro da Fazenda (Ressano Garcia): - Ha um ponto que talvez por eu me não ter bem explicado, não quero que fique em duvida e é aquelle que se refere á importancia do exame a que disse estar se procedendo nas contas da companhia dos tabacos sob o ponto de vista da discussão da minha proposta de lei:

Não tenciono dispor de todo o praso para examinar as contas.

A questão da partilha dos lucros ha de ficar liquidada antes de começar aquella discussão, e isso a fim de habilitar o parlamento a apreciar a proposta com pleno conhecimento de causa.

Se vier a reconhecer-se que no exercicio de 1896-1897 ha já partilha de lucros, é evidente que os mesmos principios hão de ser applicados aos annos anteriores.

Mas não vale a pena discutir agora com o digno par este ponto, porque, ha de liquidar-se se ao estado pertence ou não uma parte dos lucros da companhia.

Eu devo declarar que, sem querer comprometter a minha opinião sobre este assumpto, creio que não é chegada ainda, a epocha do estado ter participação nos lucros.

Póde ser que os factos me desmintam.

Se estou em erro, dil-o-hão em breves dias as, pessoas idoneas encarregadas do exame das contas.

Creio ter assim respondido ao digno par.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro: Sr. presidente, duas palavras apenas.

Unicamente desejo dizer ao sr. ministro da fazenda que,

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200 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

a meu ver, o praso da prescripção só poderia correr desde a apresentação das contas.

Como se poderia fazer uma liquidação, averiguar se havia ou não responsabilidades por parte da companhia, sem ella primiro apresentar as suas contas?

Se eu nunca tivesse pedido á companhia essas contas, ainda poderia haver falta da minha parte; mas eu pedi-as, e a companhia não as mandou.

Por consequencia, o praso a que o sr. ministro da fazenda se referiu não se póde invocar em favor da companhia e contra o thesouro; porque tal praso não podia correr sem que houvesse possibilidade, ao menos, de examinar o assumpto.

Eu só quero esclarecer este ponto, porque é o que podia affectar interesses importantes do estado.

De resto, sr. presidente, o sr. ministro da fazenda fez as suas declarações; a nós fica-nos o direito de, por nossa parte, apreciarmos e resolvermos como julgarmos mais conveniente aos interesses do estado.

O sr. Presidente: - A proxima sessão é sexta feira.

A ordem do dia é a continuação da que estava dada para hoje e os pareceres que forem distribuidos.

Está encerrada a sessão.

Eram cinco horas e trinta minutos da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 17 de agosto de 1897

Exmos. srs.: José Maria Rodrigues de Carvalho, Marino João Franzini; Condes, do Bomfim, do Casal Ribeiro, de Lagoaça, de Macedo, de Paraty; Visconde de Athouguia; Agostinho de Ornellas, Moraes Carvalho, Braamcamp Freire, Pereira de Miranda; Antonio de Azevedo, Antonio Candido, Egypcio Quaresma, Telles de Vasconcellos, Arthur Hintze Ribeiro, Ferreira Novaes, Palmeirim, Cypriano Jardim, Ernesto Hintze Ribeiro, Fernando Larcher, Francisco Maria da Cunha, Barros Gomes, Jeronymo Pimentel, Baptista de Andrade, Fernandes Vaz, José Luciano de Castro, Abreu e Sousa, Rebello da Silva, Pimentel Pinto, Luiz Bivar, Pereira Dias, Vaz Preto, Mathias de Carvalho, Thomaz Ribeiro.

O redactor = João Saraiva.

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