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190 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

«A lei será igual para todos, quer proteja, quer Castigue, e recompensará em proporção dos merecimentos de cada um»

Ha nada mais odiento e odioso?

Os caracteres de feição honrada que respondam.

O Mundo foi effectivamente apprehendido pelo que escreveu no seu numero de 4 de julho.

O artigo que deu margem á apprehensão era de indole exclusivamente doutrinaria. O Diario lllustrado recordara que Sampaio affirmava que o Rei era quem mais força tinha dentro da Constituição. Por este facto mesmo, manifesto e indiscutivel, o Mundo objectava que, em logar de engrandecerem a Corôa, as mais elementares considerações indicavam que, pelo contrario, devia procurar attingir-se o equilibrio dos differentes poderes constitucionaes. A asserção era feita em termos vivos, de combate, mas, no fundo, representava o que deixo exposto.

Tenho á mão esse artigo, cuja leitura faculto a qualquer Digno Par, que queira confirmar os meus assertos.

Cinco dias depois da apprehensão, o Jornal de Abrantes reeditava, integro, o mesmo artigo, sem que padecesse o menor incommodo, por parte da policia e justiça locaes.

Em presença d'estas circumstancias, perguntei eu, e pergunto agora do novo: quem é que trahiu os seus deveres profissionaes, quem prevaricou? Foi a Bastilha da Estrella, e o juiz do 3.° districto criminal, ou a policia, e o representante do Ministerio Publico em Abrantes? Não ha a menor duvida: foram os primeiros, attentos os factos que vão referidos e comprovados.

Por esta maneira, Sr. Presidente, replico eu ás accusações contra mim formuladas pelos Srs. Ministros do Reino e da Justiça, no que respeita á magistratura da 1.ª instancia.

O dilemma impunha-se naturalmente. Se eu passasse a esponja da benevolencia pela Bastilha da Estrella, e pelo juiz do 3.° districto criminal, culparia, ipso facto, a policia e a justiça de Abrantes.

Não me accusa a consciencia de por tal forma ter praticado para com innocentes. Basta que por esse modo se evidenciem os meus dois antagonistas.

Tão legitima é, Sr. Presidente, a faculdade de entrar em discussões doutrinarias que a lei de imprensa, de 17 de maio de 1866, dispunha:

«Art. 5.° Aos crimes de abuso na manifestação do pensamento seio applicaveis as penas respectivas estabelecidas no Codigo Penal...

§ 2.° Não são porem prohibidos os meios de discussão e critica das disposições, tanto da lei fundamental do Estado, como das outras leis, com o fim de esclarecer e preparar a opinião publica para as reformas necessarias pelos tramites legaes».

Evidenciado quanto foi injusta a ultima apprehensão do Mundo, vejamos como o juiz do 3.° districto, Conselheiro Pina Callado, se conduziu, confirmando-a illegal e draconianamente.

Nem sequer a fundamentou; e esta sua falta, como a da apprehensão, encontrou, senão applauso, apoio da parte do Sr. Ministro da Justiça, que, sendo um novo, com aptidões especiaes, sem a menor duvida deveria professar doutrina mais liberal, no desempenho das suas funcções.

Mas é o proprio juiz do 3.° districto, que se encarrega de responder ao Sr. Ministro da Justiça.

Foi o Mundo apprehendido em 1904, duas vezes.

O juiz do 3.° districto lavrou sentença, confirmando a primeira aprehensão em 11 de junho de 1904; e a segunda, em 15 do mesmo mez e anno.

Em qualquer d'ellas, os fundamentos são largos e suggestivos. Não os leio agora; mas, se para isso tivesse tempo, a Camara não perderia com a leitura, na sua curiosidade.

Não fundamentar uma sentença corresponde ao exercicio do posso, quero e mando, o mais retincto.

Pode a fundamentação desagradar a quem se procura servir. Mas os espiritos rectos, a todos e a tudo sobrepõem a lei, que constituo preceito inabalavel nas sociedades dignamente organizadas.

Sr. Presidente: A ferocidade na censura pantenteia-se por tal forma que, ao Mundo, nem é licito dizer textualmente o que aqui se passa. Assim, quando eu me referi á divisa despotica que circula modernamente, o Mundo, por cautela, entendeu não lhe dever dar acolhida. Substituiu-a por significativas reticencias. E, todavia, ella era apenas a que já hoje proferi, e agora repito, para uso de quem não a tivesse entendido da primeira vez: I1 n'y a que des princes et des choses.

Como se realiza a censura presentemente? Por processos positivamente flibusteiros.

Onde existe, em tempos anormaes, esta peia, ha fiscal idoneo que, feita a leitura do jornal, indica a parte condemnada, se a ha, por forma a não ser prejudicada a circulação. É honesto.

Cá, visa-se a destruir a publicação jornalistica, e o ultimo numero apprehendido do Mundo, só o foi a adeantadas horas da tarde, quando á Bastilha da Estrella foi o seu director inquirir do destino do seu jornal.

Ha nada mais torpe?

A par d'isto, a circulação não se permitte até nas mais minimas circumstancias antes da effectivação da censura, procedendo se por esta maneira em antagonismo completo com a lei de imprensa de 7 de julho de 1898, cujo artigo 39.° é concebido n'estes termos:

Art. 39.° A circulação ou exposição de qualquer impresso, ou do numero de de um piriodico, só podem prohibir-se nos casos seguintes:

1.° Estando suspensas as garantias

2.° Contendo offensa ao rei ou a qualquer membro da familia real, ultrage á moral publica, crime contra, a segurança do Estado ou provocação a elle.

Na infracção d'este artigo, a policia apprehende o primeiro numero do jornal, para o submetter á censura, ou leitura previa.

Durante este tempo, nenhum outro exemplar pode sahir da casa de impressão.

Resolvida, policialmente, a circulação do jornal, começa esta então.

A lei, conforme se observa, é desprezada em absoluto. Não é prohibida, nem suspensa a circulação do jornal, porque não pode prohibir-se o que não existe. Impede-se sim que haja circulação, - o que é muito differente.

A isto estamos reduzidos, Sr. Presidente, depois de o Sr. José Luciano de Castro affirmar n'esta casa, em abril, em resposta a ataque meu, que nunca perseguiria a imprensa, pro domo sua, para, decorrido pouco tempo, investir contra ella, crivando-a de querelas!

Entre estas, deu seguimento a todas de caracter injurioso, em que não era permittida a intervenção do jury, para reservar escrupulosamente, ou antes deitar no limbo, as de feição diffamatoria, em que a prova é de preceito.

Pode haver condemnação mais expressiva do procedimento do Sr. José Luciano? E, emquanto elle assim se poupava na sua pessoa, O Mundo não pode circular sem censura previa, que quotidianamente é indicada no topo do jornal, n'uma noticia, em normando, a qual representa a vergonha das instituições vigentes.

O numero do jornal que a esse respeito me serve de norma, e tenho presente, insere uma carta do Sr. Fernão Botto Machado, director do Mundo Legal e Judiciario - carta a todos os respeitos edificante. N'ella se affirma, sem até hoje haver contestação seria, que O Direito, o jornal do Sr. José