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CAMADA DOS DIGNOS PARES DO REINO

SESSÃO N.º 16

EM 1 DE SETEMBRO DE 1905

Presidencia do Exmo. Sr. Conselheiro Augusto José da Cunha

Secretarios - os Dignos Pares

Luiz de Mello Bandeira Coelho
José Vaz Correia Seabra de Lacerda

SUMMARIO. - Leitura e approvação da acta. - Expediente. - Não estando presentes, nem o Sr. Presidente do Conselho nem o Sr. Ministra do Reino, a quem o Digno Par Sebastião Baracho queria dirigir-se, é suspensa a sessão. Reaberta pouco depois, o Digno Par Sebastião Baracho apresenta diversas considerações a proposito da ultima crise ministerial. - Segue-se-lhe no uso da palavra o Digno Par Pereira Dias. - No final da sessão o Sr. Ministro do Reino deu umas explicações ao Digno Par Sebastião Baracho. - Encerra-se a sessão, e designa-se a immediata, bem como a respectiva ordem do dia.

Estiveram ao começo da sessão os Srs. Ministros da Justiça e Fazenda, e entraram depois o Sr. Presidente do Conselho, e Ministros do Reino e dos Negocios Estrangeiros.

Ás 2 horas e 30 minutos da tarde, verificando-se a presença de 30 Dignos Pares, o Sr. Presidente declarou aberta a sessão.

Foi lida e seguidamente approvada a acta da sessão antecedente.

Deu-se conta do seguinte expediente:

Officio do Ministerio do Reino, sobre pedido de requerimentos do Digno Par Teixeira de Sousa.

Á secretaria.

Officio do Sr. Ministro da Marinha, enviando 100 exemplares das propostas de lei e relatorio por S. Exa. apresentados á camara dos Senhores Deputados.

Para distribuir.

Officio da Presidencia da Camara dos Senhores Deputados, remettendo a proposição de lei que tem por fim revogar varias alterações decretadas em 1901 á organização do exercito e pôr em vigor a legislação então revogada.

Ás commissões de guerra e fazenda.

Officio da Presidencia da camara dos Senhores Deputados, enviando a proposição de lei que tem por fim approvar, a fim de ser ratificada, a declaração commercial entre Portugal e a Suecia.

Ás commissões de negocios estrangeiros e de commercio e industria.

Officio da mesma procedencia, remettendo a proposição de lei que tem por fim auctorizar o Governo a applicar a designados serviços verbas do fundo da remissão do serviço militar e do emprestimo para compra de armamento, e a isentar do pagamento de direitos o material de guerra importado do estrangeiro até 30 de junho de 1908.

Ás commissões de guerra e de fazenda.

O Sr. Presidente: - Estão sobre a mesa uns Livros Brancos que o Digno Par Sr. Baracho requisitou, e vão ser entregues a S. Exa.

O Sr. Sebastião Baracho: - Sr. Presidente: Não posso fazer uso da palavra, sem que estejam presentes os Srs. Presidente do Conselho e Ministro do Reino, Tendo alvejado os dois, especialmente, na sessão anterior, e nenhum d'elles tendo respondido aos pontos concretos do meu ataque, não iniciarei as minhas considerações sem que ocupe, pelo menos, o seu logar, o Sr. Ministro do Reino. Quanto ao Sr. Presidente do Conselho, attentos os seus achaques, eu terei a tolerancia de iniciar o debate sem a sua presença, se me for garantido que S. Exa. comparecerá ainda hoje n'esta Casa.

O Sr. Francisco José Machado: - Entendo que não é precisa a presença dos dois Ministros para proseguir a discussão. Basta a assistencia do Sr. Ministro da Fazenda, que occupa o seu logar.

O Orador: - Pode o Sr. Francisco Machado pensar como entender. Não lhe pedi conselhos, nem lh'os acceito. Não me amoldo por elles. Insisto, portanto, pela presença dos Srs. Presidente do Conselho e Ministro do Reino, tendo para com o primeiro a condescendencia que já indiquei, attendendo ao seu mau estado de saude.

O Sr. Presidente: - Vou suspender a sessão, até que chegue o Sr. Presidente do Conselho e o Sr. Ministro do Reino.

(Suspensa ás duas horas e quarenta minutos foi reaberta ás duas e cincoenta e cinco minutos, em seguida a terem entrado na sala os Srs. Presidente do Conselho e Ministro do Reino).

O Sr. Sebastião Baracho (continuando o seu discurso): - Não podia prescindir da presença dos dois Ministros, porque, se falasse na sua ausencia, criava um precedente que não elevaria, seguramente, o prestigio parlamentar. Alem d'isso, tendo-me eu dirigido a S. Exas., fazendo-lhes perguntas em assumpto concreto e preciso, como o da perseguição á emissão do pensamento, eu tenho hoje de insistir nas minhas anteriores ponderações, e insistirei tantas vezes, quantas as necessarias, para que as minhas perguntas sejam respondidas. E não era o Sr. Espregueira que os

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podia supprir, - que tão pouco Ministro é, que para pouco ou nada pode servir.

Dito isto, vou fazer a recapitulação da minha anterior oração, recordando que mandei para a mesa, e analysei, os telegrammas trocados entre o Sr. Presidente do Conselho e a nossa legação de Paris, acêrca da questão dos tabacos, e similarmente procedi com relação á troca de notas entre as chancellarias portugueza e franceza, concernentemente ao mesmo assumpto.

Da analyse que fiz conclue-se que o Sr. Presidente do Conselho Conhecia, de longa data, a preferencia exigida em Paris para a effectivação da emissão das obrigações dos tabacos, por par te da finança cosmopolita e seus adherentes. Reilhac for ever - é a divisa ali predominante, tudo deixando suppôr que Reilhac é apenas um rotulo l'homme de paille, o testa de ferro de entidades de diversa categoria. Reilhac é a mola real da projectada operação, tão cubiçada - em certas espheras.

É fora de duvida tambem que, a despeito das suas affirmações em contrario, o Sr. José Luciano teve conhecimento d'essa preferencia, e com ella se amoldou, em todo o ponto, e com ella, triste é recordal-o, comprometteu os mais caros interesses do paiz, e deixou n'um farrapo a dignidade nacional.

Se tivesse trabalhado, aberta e lisamente, para a liberdade dos tabacos, como eu desejo e sustento, ter-se-hia conseguido esse desideratum reparador das nossas finanças e do brio nacional, porque, para tal fim, appareceram as facilidades representadas pela proposta da casa Hambro e pela dos banqueiros dos Estados Unidos.

Em logar d'isso, o Sr. Presidente do Conselho provocou, pelo seu imprudente telegramma, a intervenção do Governo Francez na nota diplomatica, cuja summula se reduz á affirmativa de que a consignação dos tabacos não é penhor sufficiente para os obrigacionistas, que desejam ter partilha na administração do monopolio. O Sr. José Luciano, sem reclamar contra tão deprimente imposição, disfarçada em conselho dito amigavel, formulou o artigo 8.° Só contrato, estabelecendo a séde da companhia em Paris. Contra esta vergonha nacional protestei eu aqui, em abril; e do artigo 8.° foi riscada essa indicação, mas capciosamente se occultou onde devia ser a sede da companhia exploradora.

Conforme se observa, e consoante a letra da emenda feita ao alludido artigo, a sede social pode estabelecer-se em Paris, como primitivamente se designou.

Não ha affirmação mais completa de quanto o Sr. Presidente do Conselho está enfeudado á Companhia dos Tabacos. N'essa sua orientação, compromette fundamentalmente a dignidade, o brio e o decoro nacionaes, e os interesses financeiros do paiz.

Quero crer, Sr. Presidente, que, a despeito da indifferença publica, o Sr. José Luciano ha de ser forçado a sahir do Ministerio, custe o que lhe custar.

A questão dos telegrammas e das notas diplomaticas representa o golpe de misericordia, depois da longa via dolorosa por elle já percorrida, e ainda não concluida. Haja em vista a recente publicação das actas da commissão de fazenda da Camara Electiva, é as referencias feitas pelas Novidades, de hontem, com respeito aos documentos secretos relativos ao emprestimo de D. Miguel, e reunidos em collecção com a data de 1852.

Procurarei voltar mais tarde a esta questão, porque o jornal que a levantou tem indiscutivel auctoridade no assumpto.

Se ao Sr. Presidente do Conselho restasse um vislumbre de bom criterio S. Exa. devia tomar a iniciativa em pedir a exoneração do Gabinete, Expiaria assim, devidamente, os seus erros e os transtornos que tem causado ao credito e bom nome do paiz.

Nós somos os alliados da Inglaterra, e é a França que sobre nós está exercendo a pressão de que exclusivamente são alvo as nações que vivem alheadas da representação nacional, que se dirigem por oligarchias, que não se fiscalizam reciprocamente.

Nem o exemplo viril da Venezuela, por mim tão invocado, tem calado no espirito dos governantes, a fim de patentearem que a autonomia do povo portuguez não é uma palavra vã.

Protesto, Sr. Presidente, de novo, contra semelhantes normas de administração, que nos deprimem e exautoram; e recordarei ainda que, na sessão anterior, occupando-me da ai ta magistratura, facil me foi comprovar quanto ella se afasta do trilho direito, quando sancciona latrocinios eleitoraes, como o da Azambuja.

Posto isto, seja-me licito lembrar que o Sr. Conselheiro Beirão citara na quarta feira Aristides, a proposito do Sr. Presidente do Conselho.

É fora de duvida o facto historico narrado pelo Digno Par, concernentemente ao laponio que pedira a esse grego illustre, sem o conhecer, para inscrever o proprio nome na concha - a lista da epoca - com que o camponio devia votar o ostracismo para com Aristides, realçado pelo cognome de Justo.

Que paridade porém pode ter o Aristides de 500 annos antes de Christo, o Aristides Justo, com o Sr. José Luciano da actualidade, cuja affixada injustiça nos seus actos politicos é patente e manifesta?

O lapão eleitor, respondendo a Aristides, que lhe perguntava por que queria mal a esse homem, dizia muito expressivamente: Estou farto de ouvir falar n'elle. Com o Sr. José Luciano não poderia succeder outro tanto, porque o labrego que a tal respeito fosse consultado teria de responder: «Estou farto de ouvir, politicamente, falar mal d'elle, com inteira razão».

Mas, Sr. Presidente, ainda outros acontecimentos se deram, por essa epoca, que estão em pleno antagonismo com os hodiernos.

Aristides era o chefe do partido conservador. O seu antagonista, Themistocles, era o chefe do partido popular. E tão bem se fiscalizavam um ao outro,, que a intransigencia foi até ao ostracismo, promovido por Themistocles contra o seu rival.

O rotativismo actual, em que o Sr. José Luciano tem logar mareante, é muito differente de tudo isto.

Sr. Presidente: a Historia conta-nos que Aristides se congraçara com Themistocles, voltando de novo á Grecia quando esta corria o perigo de sossobrar. Xerxes, o rei dos persas, invadira-a e hostilizava-a por terra e por mar. Por mar, em Salamina, levaram os gregos a melhor, impulsionados pelos dois chefes politicos, que se reconciliaram nas aras da patria. Por terra, nas Thermopilas, Leonidas, rei de Sparta, foi historicamente homerico. Reduzido á ultima extremidade com as forças exiguas de que dispunha, repelliu com altivez e orgulho as offertas de Xerxes, do throno helenico, em troca da sua submissão.

Pouco depois, apoiado apenas por trezentos spartanos, Xerxes enviava-lhe novo emissario, que o intimava: - Entrega as armas.

- Vem buscal-as, respondeu Leonidas.

Que comparação tem este facto heroico, com o proceder do Sr. Presidente do Conselho?

É elle proprio que entrega as armas sem lh'as pedirem, quando procura pagar a Reilhac, quando intenta dar supremacia á finança cosmopolita na administração de um negocio tão interno, tão portuguez, como é o dos tabacos.

Mas ha mais. Xantipo, pae de Pericles, tambem foi um notavel d'essa epoca. Pericles, que lhe succedeu, legou o seu nome ao seculo em que existiu, e em que as artes, as letras, especialmente a poesia, attingiram os voos mais elevados.

Que semelhança pode ter um seculo d'estes, que engrandece e consagra, com a actualidade, em que o Sr. José Luciano tudo deprime, tudo gafa -

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até attingir o extremo da perseguição feroz á emissão do pensamento?

A censura previa está na ordem do dia, infelizmente.

Contra ella se insurgiu, na ultima sessão, o Sr. José Dias Ferreira, affirmando que a situação em que se encontra a imprensa é mais deprimente, mais violenta, do que na epoca do absolutismo legal.

Pascoal José de Mello pôde, na vigencia d'esse regimen, escrever a Historia do Direito Civil Portuguez, em que se affirma que a soberania regia não é illimitada. A Mesa Censoria, composta de sete homens dos mais distinctos, deixou circular a affirmativa, contra a qual se insurgiram varios admiradores do direito divino, e designadamente Antonio Pereira de Figueiredo.

Nem por isso porém Pascoal José de Mello Freire dos Reis deixou de gozar, em vida, e depois da morte, do respeito dos poderes publicos, e da estima dos seus concidadãos.

Stokler, fazendo-lhe o elogio funebre na Academia Real das Sciencias, em presença do Principe Regente, teve a hombridade de reconhecer que Pascoal José de Mello cultivara a boa doutrina, quando assegurava que a soberania regia não era illimitada.

Aprendam n'este exemplo os cortesãos da actualidade.

Sr. Presidente: a censura previa mereceu tambem a condemnação do Digno Par o Sr. Francisco Beirão, na sessão anterior.

Eu tinha-o convidado a pronunciar-se, visto S. Exa. ter presidido ás assembleias da Associação dos Advogados, e ter-se abstido de votar a consul em que, unanimemente, aquella corporação se pronunciou contra o procedimento de que é alvo o jornal republicano O Mundo.

A este convite respondeu o Digno Par, declarando-se conforme com a opinião dos seus collegas.

Attentem os Srs. José Luciano e Ministro do Reino n'este parecer insuspeito, qualquer que for o prisma por que for encarado.

O Sr. Presidente do Conselho tem tanto a consciencia de que procede illegalmente, que ousou convidar os representantes da imprensa a annuirem a collaborar na regulamentação da respectiva lei. Procurava assim conseguir que elles fossem enforcados por persuasão.

Não obteve porem resultado esta tentativa cavillosa, e a imprensa, felizmente, não conta mais esta falta no seu passivo, que, diga-se de passagem, bastante carregado se encontra.

Sr. Presidente: eu já disse, e repito agora, que o silencio dos Srs. Presidente do Conselho e Ministro do Reino, em presença das perguntas categoricas que lhes fiz, determinaram que eu insistisse no assumpto, e continuo insistindo até que tenha resposta condigna e adequada.

A censura previa tem acção sobre o theatro, e sobre á imprensa.

Sobre o theatro, abafa iniciativas, prepara o obscurantismo, e prejudica fundamentalmente os escriptores e os seus numerosos collaboradores, de especie varia.

Sobre a imprensa periodica, os prejuizos, não são inferiores, de ordem moral, intellectual e financeira.

Contra taes processos, insurge-se o § 3.° do artigo 145.° da Carta Constitucional, que diz textualmente:

Todos podem communicar os seus pensamentos por palavras e escriptos, e publical-os pela imprensa sem dependencia de censura, comtanto que hajam de responder pelos abusos que commetterem no exercido doesse direito, nos casos e peta forma que a lei determinar.

Pelo que respeita á imprensa, ha mais a considerar o artigo 2.° da lei de 7 de julho de 1898, assim concebido:

O direito de expressão do pensamento pela imprensa será livre e como tal independente de censura ou caução ....

Ha nada mais claro e convincente?

Só o Sr. Ministro do Reino parece não o entender, visto as vagas desculpas que balbuciou, quando o chamei a capitulo.

Affirmou S. Exa. que mantem as disposições que encontrou estabelecidas, e por esta, forma pretende desculpar-se, quando se condemna em absoluto.

Patenteou-se o Sr. Ministro impotente para reformar a lei, e até para derogar o decreto de 19 de setembro de 1902, que dá foros de autocracia á Bastilha da Estrella.

Mas diminuir-se até ao extremo de não poder modificar disposições de policia é, na verdade, para causar lastima.

É preciso ser-se zero Ministro, para se cahir tão fundo.

Mas quem é o responsavel por taes disposições?

Quem é que lhes dá execução?

Para o saber, solicitei na sessão anterior esclarecimentos, que constam d'este requerimento:

«Requeiro que, pelo Ministerio do Reino, me sejam enviados, com urgencia, os seguintes documentos:

1.º Copia das instrucções, ou disposições pelas quaes se amolda a policia, a fim, de exercer acção preventiva - censura, leitura previa, apprehensões, etc., - para com a imprensa periodica, devendo n'esta minha requisição attender-se mais a estes preceitos:

a) É feito avulso, pelo corpo de policia, ou juizo de instrucção criminal, semelhante serviço?

b) Não o sendo, quaes são os censores ou fiscaes a que elle está confiado?

2.° Identicos esclarecimentos peço concernentemente á acção policial nos theatros restrictiva da emissão de pensamento».

É certo que as disposições a que se allude no requerimento são illegaes, como illegal é a censura, como illegaes são os censores, como illegal é tudo que tem participação n'este attentado magno. Mas, desde que elle se pratica, saiba-se ao menos por quem, e em que condições. É por isso que eu mais uma vez pergunto: - Quem é o responsavel pelas instrucções com que a policia exerce a leitura censoria, em geral, e a do Mundo em especial? Quem são os censores?

É indispensavel que sejam designados, que se lhes possa apreciar a incompetencia. A Mesa Censoria do absolutismo legal era constituida por sete criticos idóneos. Na actualidade, em pleno despotismo real, mascarado pelo parlamentarismo degenerado, a policia exerce a mais cruel e ignara dictadura. Que torpeza!

Parece, Sr. Presidente, que nos bancos ministeriaes se presta effectivamente culto á formula Il n'y a que des princes et des choses.

Se assim é, afigura-se-me que o Governo não envereda por bom caminho.

Nunca a perseguição aproveitou honestamente, senão ao perseguido. O silencio foi sempre refugio dos criminosos.

O que recommenda o funccionario, desde o mais elevado ao mais infimo, é o respeito pela lei.

Na vida particular a consideração e a estima só se adquirem pelos actos dignos e meritorios que cada um pratica.

Esta norma é igualmente applicavel, desde o primeiro cidadão até ao ultimo, desde o Rei ao humilde pastor.

Pode a perseguição ao Mundo alterar estas formulas de apreciação e de conceito?

Não pode, indubitavelmente; e, se não, entremos na apreciação circumstanciada do assumpto, notando em primeiro logar que esse jornal, essencialmente digno e honrado, está sujeito ao regimen dos suspeitos. Sobre elle exclusivamente impende a censura previa, com desprezo patente pelo § 12.° do artigo 145.° da Carta Constitucional, que determina:

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«A lei será igual para todos, quer proteja, quer Castigue, e recompensará em proporção dos merecimentos de cada um»

Ha nada mais odiento e odioso?

Os caracteres de feição honrada que respondam.

O Mundo foi effectivamente apprehendido pelo que escreveu no seu numero de 4 de julho.

O artigo que deu margem á apprehensão era de indole exclusivamente doutrinaria. O Diario lllustrado recordara que Sampaio affirmava que o Rei era quem mais força tinha dentro da Constituição. Por este facto mesmo, manifesto e indiscutivel, o Mundo objectava que, em logar de engrandecerem a Corôa, as mais elementares considerações indicavam que, pelo contrario, devia procurar attingir-se o equilibrio dos differentes poderes constitucionaes. A asserção era feita em termos vivos, de combate, mas, no fundo, representava o que deixo exposto.

Tenho á mão esse artigo, cuja leitura faculto a qualquer Digno Par, que queira confirmar os meus assertos.

Cinco dias depois da apprehensão, o Jornal de Abrantes reeditava, integro, o mesmo artigo, sem que padecesse o menor incommodo, por parte da policia e justiça locaes.

Em presença d'estas circumstancias, perguntei eu, e pergunto agora do novo: quem é que trahiu os seus deveres profissionaes, quem prevaricou? Foi a Bastilha da Estrella, e o juiz do 3.° districto criminal, ou a policia, e o representante do Ministerio Publico em Abrantes? Não ha a menor duvida: foram os primeiros, attentos os factos que vão referidos e comprovados.

Por esta maneira, Sr. Presidente, replico eu ás accusações contra mim formuladas pelos Srs. Ministros do Reino e da Justiça, no que respeita á magistratura da 1.ª instancia.

O dilemma impunha-se naturalmente. Se eu passasse a esponja da benevolencia pela Bastilha da Estrella, e pelo juiz do 3.° districto criminal, culparia, ipso facto, a policia e a justiça de Abrantes.

Não me accusa a consciencia de por tal forma ter praticado para com innocentes. Basta que por esse modo se evidenciem os meus dois antagonistas.

Tão legitima é, Sr. Presidente, a faculdade de entrar em discussões doutrinarias que a lei de imprensa, de 17 de maio de 1866, dispunha:

«Art. 5.° Aos crimes de abuso na manifestação do pensamento seio applicaveis as penas respectivas estabelecidas no Codigo Penal...

§ 2.° Não são porem prohibidos os meios de discussão e critica das disposições, tanto da lei fundamental do Estado, como das outras leis, com o fim de esclarecer e preparar a opinião publica para as reformas necessarias pelos tramites legaes».

Evidenciado quanto foi injusta a ultima apprehensão do Mundo, vejamos como o juiz do 3.° districto, Conselheiro Pina Callado, se conduziu, confirmando-a illegal e draconianamente.

Nem sequer a fundamentou; e esta sua falta, como a da apprehensão, encontrou, senão applauso, apoio da parte do Sr. Ministro da Justiça, que, sendo um novo, com aptidões especiaes, sem a menor duvida deveria professar doutrina mais liberal, no desempenho das suas funcções.

Mas é o proprio juiz do 3.° districto, que se encarrega de responder ao Sr. Ministro da Justiça.

Foi o Mundo apprehendido em 1904, duas vezes.

O juiz do 3.° districto lavrou sentença, confirmando a primeira aprehensão em 11 de junho de 1904; e a segunda, em 15 do mesmo mez e anno.

Em qualquer d'ellas, os fundamentos são largos e suggestivos. Não os leio agora; mas, se para isso tivesse tempo, a Camara não perderia com a leitura, na sua curiosidade.

Não fundamentar uma sentença corresponde ao exercicio do posso, quero e mando, o mais retincto.

Pode a fundamentação desagradar a quem se procura servir. Mas os espiritos rectos, a todos e a tudo sobrepõem a lei, que constituo preceito inabalavel nas sociedades dignamente organizadas.

Sr. Presidente: A ferocidade na censura pantenteia-se por tal forma que, ao Mundo, nem é licito dizer textualmente o que aqui se passa. Assim, quando eu me referi á divisa despotica que circula modernamente, o Mundo, por cautela, entendeu não lhe dever dar acolhida. Substituiu-a por significativas reticencias. E, todavia, ella era apenas a que já hoje proferi, e agora repito, para uso de quem não a tivesse entendido da primeira vez: I1 n'y a que des princes et des choses.

Como se realiza a censura presentemente? Por processos positivamente flibusteiros.

Onde existe, em tempos anormaes, esta peia, ha fiscal idoneo que, feita a leitura do jornal, indica a parte condemnada, se a ha, por forma a não ser prejudicada a circulação. É honesto.

Cá, visa-se a destruir a publicação jornalistica, e o ultimo numero apprehendido do Mundo, só o foi a adeantadas horas da tarde, quando á Bastilha da Estrella foi o seu director inquirir do destino do seu jornal.

Ha nada mais torpe?

A par d'isto, a circulação não se permitte até nas mais minimas circumstancias antes da effectivação da censura, procedendo se por esta maneira em antagonismo completo com a lei de imprensa de 7 de julho de 1898, cujo artigo 39.° é concebido n'estes termos:

Art. 39.° A circulação ou exposição de qualquer impresso, ou do numero de de um piriodico, só podem prohibir-se nos casos seguintes:

1.° Estando suspensas as garantias

2.° Contendo offensa ao rei ou a qualquer membro da familia real, ultrage á moral publica, crime contra, a segurança do Estado ou provocação a elle.

Na infracção d'este artigo, a policia apprehende o primeiro numero do jornal, para o submetter á censura, ou leitura previa.

Durante este tempo, nenhum outro exemplar pode sahir da casa de impressão.

Resolvida, policialmente, a circulação do jornal, começa esta então.

A lei, conforme se observa, é desprezada em absoluto. Não é prohibida, nem suspensa a circulação do jornal, porque não pode prohibir-se o que não existe. Impede-se sim que haja circulação, - o que é muito differente.

A isto estamos reduzidos, Sr. Presidente, depois de o Sr. José Luciano de Castro affirmar n'esta casa, em abril, em resposta a ataque meu, que nunca perseguiria a imprensa, pro domo sua, para, decorrido pouco tempo, investir contra ella, crivando-a de querelas!

Entre estas, deu seguimento a todas de caracter injurioso, em que não era permittida a intervenção do jury, para reservar escrupulosamente, ou antes deitar no limbo, as de feição diffamatoria, em que a prova é de preceito.

Pode haver condemnação mais expressiva do procedimento do Sr. José Luciano? E, emquanto elle assim se poupava na sua pessoa, O Mundo não pode circular sem censura previa, que quotidianamente é indicada no topo do jornal, n'uma noticia, em normando, a qual representa a vergonha das instituições vigentes.

O numero do jornal que a esse respeito me serve de norma, e tenho presente, insere uma carta do Sr. Fernão Botto Machado, director do Mundo Legal e Judiciario - carta a todos os respeitos edificante. N'ella se affirma, sem até hoje haver contestação seria, que O Direito, o jornal do Sr. José

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Luciano, goza de immunidades, e aufere lucros que escandalizam; e, em todo o caso, lesivos do Thesouro Publico.

Chama a isto o Sr. Presidente do Conselho, naturalmente, fazer justiça.

Pela parte que me respeita, estas normas despoticas e especulativas excedem as empregadas na Russia, durante a epoca anormal que tem atravessado nos ultimos tempos.

Agora, concluida a paz, é de suppor que aquelle grande paiz nasça para a vida propria, e para o culto da Liberdade.

A campanha com o Japão teve a vantagem de acordar o povo moscovita do lethargo em que estava mergulhado ha 11 seculos, e resuscital-o para o convivio das sociedades modernas.

Para elle, os desastres da campanha, tiveram essa utilidade indiscutivel.

O Japão, por seu lado, depois das victorias obtidas, sem interrupção, na terra e no mar, depois de evidenciar aptidões excepcionaes como guerreiro, dá o exemplo ao mundo da sua generosidade, esquivando-se a esmagar o vencido, e proporcionando-lhe os meios de proseguir na vida de grande povo, sem humilhações nem desfallecimentos.

Seja-me licito, Sr. Presidente, n'este momento, de boa feição para a humanidade, que eu, do fundo do meu espirito, signifique intima satisfação pelo termo de uma lucta tão renhida, em que ondas e ondas de sangue se derramaram.

Que o periodo de paz, n'este momento iniciado, possa reparar, tanto quanto possivel, os desastres da guerra, de toda a ordem. Por isso faço ardentes votos.

Sr. Presidente: o regimen de compressão, aqui como em toda a parte, leva naturalmente, segundo o nunca assaz celebrado conceito do Sr. Ministro do Reino, ao levantamento de barricadas.

No seu preparo te em feição especial as publicações clandestinas. Quando a Revolução de Setembro foi perseguida, Antonio Rodrigues de Sampaio - de novo o registo - lançou o Espectro, cuja paternidade elle sustentou sempre com verdadeiro affecto, em todas as condições da vida. Ao Espectro seguiu-se a revolução, e á revolução a Liberdade.

Presentemente, a circulação clandestina de certas publicações já se faz por milhares e milhares de exemplares. Tenha-se presente as que são da iniciativa do antigo director do Progresso, jornal que foi supprimido perante as arbitrariedades e vilanias policiaes.

O que se lucrou com tal expediente? O apparecimento das publicações a que alludo, e de caracter essencialmente escandaloso.

Nada mais, Sr. Presidente, direi n'este momento a tal respeito, limitando-me apenas a lamentar que os excessos governativos tenham produzido semelhantes resultados.

Sr. Presidente: o Sr. Ministro do Reino, referindo-se ás leis de excepção, affirmou que eu impellira o Governo para a dictadura, aconselhando-o a que lhes puzesse termo.

Esta opinião afigura-se-me de todo o ponto peregrina, se se tiver em attenção que ella parte d'um membro do Governo, - de um Governo que tem apresentado canastradas sobre canastradas de propostas de lei.

Simplesmente, Sr. Presidente, entre essa producção, sem conto, de leis em casulo, nenhuma ha revogatoria das medidas de excepção, que constituem o principal apoio do absolutismo bastardo dominante. Referiu-se o Digno Par o Sr. Beirão ao facto de a lei de 13 de fevereiro ter sido modificada na vigencia da anterior situação progressista.

O que se tornava necessario, não era modificar tal lei, era abolil-a.

O Sr. Beirão: - V. Exa. dá-me licença?

O Orador: - Pois não.

O Sr. Beirão: - A lei de 21 de julho de 1899 foi da iniciativa do Digno Par Alpoim, que então era Ministro da Justiça.

O Orador: - De um Ministerio de que V. Exa. fazia parte, com solidarias responsabilidades; e passo adeante.

E os decretos?

Não podiam ser promptamente revogados?

Esteve, na verdade, infeliz o Sr. Ministro do Reino quando formulou esse seu parecer; e não melhorou de situação quando firmou o decreto do adiamento das Côrtes, que é d'este teor:

«Usando da faculdade que me confere a Carta Constitucional da Monarchia no artigo 74.°, § 4.°, e a carta de lei de 24 de julho de 1880, tendo ouvido o Conselho de Estado: Hei por bem adiar as Côrtes Geraes Ordinarias da Nação para o dia 16 de agosto do corrente anno.

O Presidente da Camara dos Dignos Pares do Reino assim o tenha entendido para os efeitos convenientes. Paçô, em 11 de maio de 1905. = REI = Eduardo José Coelho».

A legislação constitucional citada não está effectivamente certa quanto ao artigo 74.°, § 4.°, da Carta Constitucional; nem tão pouco com respeito á carta de lei de 24 de julho de 1885.

Toda ella se acha substituida pelo artigo 6.° do Terceiro Acto Addicional, de 3 de abril de 1896. O decreto é, portanto, irrito e nullo, em que pese ao Sr. Ministro do Reino.

Por ultimo, Sr. Presidente, vou tratar de um assumpto de que se occupou o Digno Par, o Sr. Dias Ferreira, na ultima sessão, e que está muito em voga n'esta casa do Parlamento. Refiro-me ás discussões repetidas em que a Corôa desempenha papel primordial, coberta com a responsabilidade dos seus Ministros. Notou o Digno Par Sr. Dias Ferreira que, em bons tempos idos, rara era a discussão em que os actos do poder moderador tivessem repercussão no Parlamento. Assim devia succeder naturalmente. Quando havia representação nacional, quando a Constituição era normalmente executada, quando não se conheciam as leis de excepção, eram raros os appellos á Corôa. Nos ultimos annos, com o engrandecimento do poder real, com o desapparecimento de partidos, que tal nome mereçam, o recurso á Corôa é ameudado e fatal. Só o actual Ministerio já obteve, em menos de um anno, uma dissolução e um adiamento. Em taes circumstancias, as discussões são imprescindiveis.

Lucra ou fica prejudicado com isso o regimen constitucional? O Governo que responda - elle que traz a meudo a Corôa para a discussão. E não só o faz á sombra do artigo 6.° do Terceiro Acto Addicional de 1896 - o que é posivamente legitimo - mas até lhe dá iniciativa em projectos de lei, como succede no que é respeitante aos bairros operarios.

É n'estas condições que o Chefe do Estado não está a coberto pela lei constitucional. A culpa unica d'isso, repito, é do Governo; é, especialmente, do titular das Obras Publicas, que preferes ao que parece, ser cortesão a ser Ministro.

Sr. Presidente: pondo termo aqui ás minhas considerações, de novo convido os Srs. Presidente do Conselho e Ministro do Reino a que respondam ás perguntas que eu formulei, ao ataque que eu lhes dirigi, acêrca da perseguição á liberdade de pensamento.

Se insistirem no silencio condemnatorio em que se refugiam, podem estar certos de que não abandonarei o assumpto; e tantas e tantas vezes a elle voltarei, até que me seja dada satisfação pelo meu legitimo e legal procedimento.

Podem crel-o os dois visados Srs. Ministros.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Presidente: - O Digno Par Sr. Hintze Ribeiro é a favor ou contra?

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192 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

O Sr. Hintze Ribeiro: - Contra.

O Sr. Presidente: - O Digno Par Sr. Pereira Dias é a favor ou contra?

O Sr. Pereira Dias: - A favor.

O Sr. Sebastião Baracho: - Então o Governo não responde?

É extraordinario!

Eu tenho muita honra em que me responda o Sr. Pereira Dias, mas, francamente, esperava ouvir o Governo, a quem S. Exa. não pode substituir.

O Sr. Ministro do Reino (Eduardo José Coelho): - Peço a palavra para antes de se encerrar a sessão.

O Sr. Presidente: - A sessão acaba ás cinco horas e trinta minutos.

Para que o Sr. Ministro do Reino possa fazer uso da palavra que pediu para antes de sé encerrar a sessão, eu suspenderei a discussão da ordem do dia ás cinco horas e um quarto, ficando um quarto de hora para se discutir este incidente.

Se por acaso um quarto de hora não bastar, a continuação do incidente fica reservada para a sessão seguinte, antes da ordem do dia.

Tem a palavra o Digno Par o Sr. Pereira Dias.

O Sr. Sebastião Baracho: - Peço a palavra para antes de se encerrar a sessão.

O Sr. Pereira Dias: - Sr. Presidente: eu desejava n'este momento que o incidente agora suscitado a proposito do discurso do Digno Par Sr. Dantas Baracho, durasse tanto tempo que me dispensasse de falar hoje.

Sou, é verdade, um concorrente a um pedaço de oratoria parlamentar, mas não aspiro de certo a dizer tudo em pouco tempo.

Pedindo a palavra para responder ao Digno Par Sr. Dantas Baracho, devo fazer a seguinte declaração: respeito, como sempre tenho respeitado, o caracter pessoal de S. Exa.

Em politica, porém, as minhas idéas são por via de regra, diametralmente oppostas ás do Digno Par, o que não quer dizer que as não respeite tanto como S. Exa. decerto ha de respeitar as minhas.

Sr. Presidente: na idade em que estou, tenho a memoria deslocada dos velhos; não me lembro já do que se passa no presente; mas recordo-me facilmente do que se tem passado no preterito.

Por isso já me não dou ao trabalho de fazer discursos; não tenho memoria para os decorar; tomo apenas uns simples pontos de referencia e por elles me guio.

A Camara ha de permittir, portanto, que eu ameudadas vezes recorra aos meus apontamentos, que são outros tantos pontos de referencia.

Começo por ler uma carta de José Agostinho de Macedo para provar que os tabacos, quando porventura apparecem no Parlamento e até fora do Parlamento, dão sempre origem a campanhas de suspeição, de declamação e de calumnia.

O Sr. Sebastião Baracho: - Isso é para quem faz uso da calumnia.

O Orador: - Eu refiro-me aos diffamadores e calumniadores em geral. Ha calumnias e diffamações anonymas.

O Sr. Sebastião Baracho (levantando-se e dirigindo-se ao orador com vehemencia): - Diga V. Exa., isso é comigo?

(Grande sussurro. O Sr. Presidente agita a campainha pedindo silencio).

O Orador: - V. Exa. é um homem de bem e encontra outro.

O Sr. Sebastião Baracho: - Eu não disse cousa alguma que offendesse V. Exa. não consinto que V. Exa. diga cousa alguma que me possa melindrar.

O Orador: - O que pode melindrar?

O Sr. Sebastião Baracho: - As suas palavras ambiguas.

O Orador: - Nada teem que vêr com V. Exa.

O Sr. Sebastião Baracho: - Fique isso consignado. (Dirigindo-se á Presidencia). V. Exa., que é um homem brioso, não consentiria tambem palavras ambiguas, que pudessem ferir o seu caracter.

O Sr. Pereira Dias: - Eu acabava de declarar que respeito como sempre tenho respeitado o caracter pessoal do Digno Par, e apenas divirjo das suas opiniões politicas.

Que direito tinha V. Exa. para me fazer um aparte d'essa ordem, quando deve saber, pelo meu passado e pelas relações que tenho tido com V. Exa., que eu era absolutamente incapaz de me dirigir ao Digno Par d'esse modo?

Isto anda tudo desorientado.

O Sr. Sebastião Baracho: - Sobre tudo o Governo.

O Sr. Pereira Dias: - Eu não sei se é o Governo que anda desorientado. Creio que alguma coisa por lá ha ou tem havido. V. Exa. sabe que me refiro a epocas passadas. Os registos parlamentares ahi estão e todas as vezes que os tabacos...

O Sr. Sebastião Baracho: - Vão para o regimen da liberdade, que é o que eu quero, e já não acontecerá isso.

O Orador: - V. Exa. pode fazer as interrupções que quizer, mas apresentando-se como mantenedor da lei, peço-lhe que pelo menos cumpra a lei d'esta casa, que é bastante latitudinaria, como temos a prova com o Digno Par Sr. Baracho.

O Sr. Sebastião Baracho: - Se V. Exa. não a tem, é porque não quer. Peça a palavra mais vezes e fale.

O Orador: - Eu estou a falar; não foi para outra coisa que pedi a palavra.

O Sr. Sebastião Baracho: - Mas fala pouco.

O Orador: - José Agostinho de Macedo n'uma carta datada de Pedrouços em 6 de abril de 1829 e V. Exa. sabe que n'aquella epoca não havia Parlamento ...

O Sr. Sebastião Baracho: - Já tinha havido.

O Orador: - N'uma carta dirigida a Claudio Joaquim dos Santos, dizia José Agostinho de Macedo: (Leu).

«Pelo que falamos na ultima vez que V. M.cê se dignou honrar esta casa, conheceria que eu não só tinha desejo, mas que estava na determinação de escrever a um dos senhores Caixas do Real Contrato do Tabaco sobre o importante objecto de remover receios e destruir calumnias, que pudessem inquietar os novos contratadores, mas eu não os conheço pessoalmente, e considerando a cousa com mais reflexão, me persuadi que elles o estranhariam. Eu não vim a este mundo para o emendar; e que me poderia dar essa missão ou quem me quereria aturar? É verdade que não passa um só dia em que á roda d'esta cama não appareçam trombetas a buzinar alto contra todos, e contra cada um dos novos contratadores; que tenho eu com isso, se eu os não conheço, nem nenhum d'elles me offendeu? Assim mesmo as importunações não teem cessado. Eu não sou instrumento de vinganças, e ninguem me poderá arguir de uma villeza».

Agora peço á Camara que note este ultimo trecho:

«Se V. M.cê pode ter alguma intimidade com qualquer d'esses senhores,

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SESSÃO N.º 16 DE 1 DE SETEMBRO DE 1905 193

pode certificar-lhe por miro, e em meu nome expressamente, que sobre elles não apparecerá uma só letra minha, que diminua ou ponha em duvida o seu credito na opinião publica; e se algum valor se dá ao que eu escrevo, eu os defenderei sempre, se elles julgarem isto necessario (e talvez o seja!) considerada a multidão, e o poder de seus inimigos. Se com a confiança que me dá este meu efferecimento, e se pode haver recompensa antes de feito o serviço, só desejaria que a escolha de seus empregados recaisse sobre sujeitos taes, que por seus sentimentos, caracter, honra e costumes tapassem a bocca a criminações contra os nomeadores».

Eu estou intimamente convencido de que hoje se devia proceder igualmente.

Li á Camara esta carta, porque ella determina, por assim dizer, a orientação que eu vou seguir nas minhas considerações.

Este debate para mim é politico, exclusivamente politico, o mais altamente politico a que tenho assistido no Parlamento, e por isso já vê a camara que me afasto completamente do, criterio d'aquelles que julgam que este debate é simplesmente uma bulha entre membros da mesma familia partidaria.

Tem maior alcance o actual caso, porque, alem das consequencias funestas, funestissimas, que ha de exercer, não em um só partido, mas na constituição regular dos partidos, tambem as ha de exercer no paiz, que é afinal quem vem a pagar sempre os conflictos politicos.

E este assumpto traz de tal maneira exaltados os espiritos, que até o meu parece sentir o longinquo calor das cinzas da mocidade.

Andam baralhados e confundidos os espiritos sem saber o que se discute ou se votará com sinceridade, segundo os dictames da consciencia de cada um, inspirada nos legitimos interesses do seu partido.

Tambem eu trago o espirito baralhado e confundido, como disse, e já sei como hei de fazer-me entender.

Sr. Presidente: em 1861 entrei na camara dos Senhores Deputados, filiado no partido historico, que era então presidido pelo meu antigo e nobilissimo chefe o Sr. Duque de Loulé.

Já vê a Camara que tenho cerca de quarenta e cinco annos de Parlamento.

Eu vinha de uma escola, e em breve me convenci de que o Parlamento era outra escola.

Mas os que nasceram vaccinados pelo contrato de certos males d'esta escola, puderam ao menos tirar d'ella o proveito de aprender a bem conhecer as pessoas e as cousas.

Eu trouxe da outra escola a seguinte noção de uma ingenuidade simploria: que a palavra fôra dada ao homem para exprimir as suas ideias e os seus sentimentos.

Em breve, porém, me convenci de que esta noção ingenua, traduzida em phrase academica, era a de um caloiro.

Não só errada, mas até erradissima.

E eu vou dizer a V. Exa., Sr. Presidente e á Camara, com toda a simplicidade, com toda a franqueza da minha alma, como cheguei a esta triste conclusão.

Assisti a varias reuniões da maioria e em algumas d'essas reuniões notei que um collega meu pedia sempre a palavra para falar com muita energia e convicção a favor do Governo, e que no Parlamento com a mesma convicção e energia o defendia de todos os ataques.

Um dia, um bello dia, como se costuma dizer, fiquei surprehendido.

Observei que esse Deputado já não frequentava a reunião das maiorias, e levantando-se no Parlamento vi-o voltado do avesso.

Com a mesma energia, com a mesma convicção com que em tempo defendera o Governo, com essa mesma energia, com essa mesma convicção, segundo os dictames da sua consciencia, segundo os legitimos interesses do seu paiz, o aggredia.

Eu sentava-me ao lado do velho liberal Francisco Coelho do Amaral.

Surprehendido, naturalmente lhe perguntei:

«- Como se explica isto?»

Resposta textual:

«- Venha d'ahi, seu caloiro».

E levou-me á bancada dos Ministros.

Ahi perguntou a um d'elles, que fora visado na aggressão do Deputado a que me refiro, a razão de tal discurso.

Ouvi a resposta: que por... não se podia fazer, não podia ser, e d'ahi, etc., etc...

Mas estes debates repetiram-se muitas vezes e até chegaram a merecer uma notavel phrase do velho Sampaio.

Dizia elle:

«- O Sr. Fulano (era um outro Deputado tambem meu collega) nunca propõe em these cousa que lhe não aproveite na hypothese».

Eu conto isto com toda a simplicidade.

Mais tarde o Sr. Fontes Pereira de Mello, sempre chorado chefe do partido regenerador, quando alguem falava de um modo que lhe não agradava, perguntava logo:

«- Que quer elle?»

O Sr. Presidente: - Sinto ter que interromper o Digno Par para lhe dizer que falta apenas um quarto de hora para terminar a sessão, e como o Sr. Ministro do Reino pediu a palavra para antes de se encerrar a sessão, tem V. Exa. de finalizar o seu discurso ou ficar com a palavra reservada.

O Orador: - Então peço a V. Exa. que me reserve a palavra para a proximo sessão.

O Sr. Presidente: - Reservo a palavra ao Digno Par e tem a palavra o Sr. Ministro do Reino.

O Sr. Ministro do Reino (Eduardo. José Coelho): - A Camara em geral e o Digno Par Sr. Baracho devem fazer-me a justiça de me considerarem incapaz de esquivar-me, por qualquer motivo, a entrar num debate ou a responder ás perguntas que me são feitas. Foi sempre meu intento, na altura em que ia a discussão, pedir a palavra para explicações.

Recebi, porém, comunicação da Presidencia da camara dos Senhores Deputados de que hoje se realizava n'aquella casa do Parlamento um aviso previo do Sr. Deputado Martins de Carvalho sobre um caso restricto de censura, applicada ao jornal O Mundo.

N'esses termos, dirigi-me áquella Camara; mas, chegado ali, fui informado de que o Digno Par Sr. Baracho não prescindia da minha presença, n'esta Camara.

Procurei ainda ver se seria possivel, expondo ao Digno Par o motivo ponderoso que me obrigava a não vir aqui, que S. Exa. dispensasse a minha, presença hoje. Mas como o Sr. Presidente me informasse de que o Digno Par lhe expuzera que de modo algum poderia annuir, pedi ao Sr. Presidente da Camara dos Senhores Deputados, que não só perante a Camara, como para com o Sr. Martins de Carvalho, me desculpasse de não poder demorar-me ali.

Já vê o Digno Par o motivo que me determinava a não estar n'esta casa de Parlamento ao iniciarem-se os trabalhos da sessão de hoje.

Chegando aqui, e vendo que o Digno Par fizera um extenso discurso - como aliás era seu direito - e que a elle-se seguia, na ordem da inscripção, o Digno Par Pereira Dias, entendi não dever alterar a ordem do debate e reservar-me para, antes de se encerrar a sessão, dar estas explicações.

De resto, eu já disse a S. Exa. que se o Digno Par deseja discutir n'uma sessão ou em mais a questão da imprensa, não terei duvida alguma n'isso, antes todo o interesse terei em tal; mas o que não posso é prestar-me a fazel-o agora, estando annunciada uma interpellação sobre o mesmo assumpto.

Não me esquivo, porém, ao debate, creia o Digno Par, e permitta-me que lhe diga que, embora não espere con-

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vencel-o, hei de convencer outros membros d'esta camara de que a situação da imprensa, graças ás providencias que se tomaram e á maneira por que são executadas, é amplamente desafogada. O Governo não receia fazer esta asserção.

O Digno Par, que é um espirito culto, de certo não quererá condemnar sem ouvir primeiro o Governo, que se ha de justificar com factos e mappas.

Só então é que o Digno Par e a camara deverão exercer o seu veredictum.

O Sr. João Arroyo: - V. Exa. tem a bondade de repetir o adverbio e o adjectivo que empregou, e que eu não ouvi bem...

O Sr. Sebastião Baracho: - S. Exa. disse que a situação da imprensa era amplamente desafogada, desde que este Governo está no poder.

O Orador: - Pelo menos relativamente desafogada.

O Sr. João Arroyo: - Relativamente? Bem.

O Orador: - Não serão boas as razões que apresentarei, não convencerão o Digno Par, mas hão de convencer alguem talvez.

Repito, nas considerações, aliás resumidas, que estou agora fazendo, o Digno Par não deverá ver qualquer intuito de menos consideração para com S. Exa. ou para com a Camara.

Tendo eu dito quando respondi aos Dignos Pares Srs. Hintze Ribeiro e Dantas Baracho o que me pareceu sufficiente, aguardava o debate na sua altura em relação á censura previa e ao regimen da imprensa; estava longe de suspeitar que o Digno Par levantasse hoje esta questão com o desenvolvimento que lhe deu, tanto mais que eu era chamado pelo dever do meu cargo a comparecer na outra casa do Parlamento.

Agora só uma resposta fugitiva, como disse.

Fica assim explicado o facto de não ter respondido á questão de ser ou não ser nullo o decreto do adiamento, porque o Digno Par affirmou nullo esse diploma ministerial em razão de n'elle ter sido invocada a Carta Constitucional no artigo 74.°, § 4.°, e ter sido invocada a carta de lei de 24 de julho de 1885 quando, a seu ver, devia ter sido invocada a de 3 de abril de 1896.

O Sr. Sebastião Baracho: - Quanto ao § 4.° do artigo 74.° da Carta, estaria bem se se tratasse de dissolução. Mas está mal, por ter havido adiamento; e outro tanto se dá com a lei de 1885, que já não se executa. Foi substituida pelo artigo 6.° da lei de 1896.

O Orador: - Eu conheço essa lei.

O Sr. Sebastião Baracho: - V. Exa. deve conhecer isso, e muito mais.

O Orador: - Eu conheço mais, e apesar de por dever de profissão manusear leis de dia e de noite, difficilmente poderei dar uma resposta categorica sem ver a lei.

N'este diploma ministerial está invocado o artigo 74.° § 4.° da Carta Constitucional.

O Sr. Sebastião Baracho: - Estaria bem para o caso de dissolução, repito.

O Orador: - Vamos por partes.

Antes de mais nada, lembrarei que o artigo 7.° do 2.° Acto Addicional diz que «o Rei exerce o poder moderador com a responsabilidade dos seus Ministros».

Ainda que isto não estivesse no Acto Addicional era o mesmo, porque nunca houve em Portugal Ministro ou Governo que não assumisse a responsabilidade dos seus actos.

Assim o estou demonstrando e provando.

Quanto á questão do adiamento, os jurisconsultos, os homens de leis, os politicos, entenderam que o § 2.° do artigo 7.° da lei de 1885 era equivoco e que seria bom aclaral-o.

Para mim nunca foi equivoco, mas eu não quero impor a minha opinião.

Tratou-se pois de interpretar aquella lei na parte respectiva.

Foi o que se fez por meio da lei de 1896.

Por conseguinte vigora plenamente a lei de 1885, apenas aclarada pela de 1896.

O que ficou estabelecido é que as Côrtes podem ser prorogadas ou adiadas ainda que não haja caso de salvação publica.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Presidente (tocando a campainha): - Deu a hora.

O Orador: - Como deu a hora, termino as minhas considerações.

O Sr. Sebastião Baracho: - Quando é que V. Exa. me dá a palavra?

O Sr. Presidente: - Na proximo sessão, antes da ordem do dia.

A primeira sessão será na segunda feira, 4 do corrente, e a ordem do dia a continuação da que estava dada para hoje.

Está levantada a sessão.

Eram 5 horas e meia da tarde.

Dignos Pares presentes na sessão de 1 de setembro de 1905

Exmos. Srs.: Augusto José da Cunha; Marquezes: de Avila e de Bolama, de Penafiel, da Praia e de Monforte (Duarte); Condes: do Bomfim, de Castello de Paiva, de Figueiró, de Lagoaça, de Monsaraz, de Paraty, de Sabugosa, de Villa Real, de Villar Sêcco; Viscondes: de Asseca, de Athouguia; Moraes Carvalho, Alexandre Cabral, Pereira de Miranda, Antonio de Azevedo, Eduardo Villaça, D. Antonio de Lencastre, Costa e Silva, Santos Viegas, Costa Lobo, Teixeira de Sousa, Telles de Vasconcellos, Campos Henriques, Palmeirim, Eduardo José Coelho, Ernesto Hintze Ribeiro, Fernando Larcher, Mattozo Santos, Veiga Beirão, Dias Costa, Francisco Machado, Francisco de Medeiros, Francisco Maria da Cunha, Tavares Proença, Ressano Garcia, Almeida Garrett, Baptista de Andrade, D. João de Alarcão, Mendonça Cortez, João Arroyo, Gusmão, Jorge de Mello, Correia de Barros, Dias Ferreira, Frederico Laranjo, Fernando Vaz, José Luciano de Castro, José de Alpoim, Rodrigues de Carvalho, Silveira Vianna, José Vaz de Lacerda, Julio de Vilhena, Rebello da Silva, Pimentel Pinto, Pessoa de Amorim, Poças Falcão, Bandeira Coelho, Affonso Espregueira, Pereira Dias, Raphael Gorjão, Pedro de Araujo, Sebastião Dantas Baracho, Ornellas Bruges, Wenceslau de Lima.

Os Redactores:

ALBERTO PIMENTEL.

(De pag. 187, a pag. 191, col. 3.ª)

JOÃO SARAIVA.

(De pag. 191, col. 3.ª, a pag. 194, col. 3.ª)

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