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SESSÃO N.° 16 DE 29 DE JANEIRO DE 1907 141

o Governo é o mesmo, uma sessão legislativa é sempre a mesma e a sequencia regular dos respectivos trabalhos; mas parece que se procura, com aquelle modo de dizer, dar a entender o proposito de se alterar o preceito de que ha sessões annuaes

No uso do meu direito politico, poderia estranhar o alarde que o Governo faz do seu programma; não é, comtudo, preciso apreciar esse programma na discussão da resposta ao Discurso da Corôa, pois o que elle é vêrnol-o todos dias e está bem patente. Sobre elle o paiz vae fazendo o seu juizo, cada vez mais reflectido. Não faço commentarios; mas, se os não faço, não posso deixar embora de passagem, de notar a seguinte phrase que, em referencia ao programma do Governo, se encontra no Discurso da Corôa:

«. . .o nosso primeiro dever é obtemperar ás justas reclamações da opinião e attender ás mais urgentes necessidades materiaes e moraes da Nossa Patria.

Essa obra está encetada; é necessario continuá-la com todo o Nosso esforço, com toda a Nossa dedicação civica».

Sim. Todo o nosso esforço e toda a nossa dedicação civica está ao serviço da patria para obtemperar ás justas reclamações da opinião publica e attender ás necessidades do paiz; mas não é agora que essa obra está encetada. Affirmar que até agora nenhum Governo attendeu ás reclamações da opinião publica e aos justos interesses do paiz, sobre ser uma injustiça flagrante para com os homens de competencia, com excepção da minha pessoa, é claro, que teem gerido os negocios publicos, é uma inexactidão, porque este Governo não serve melhor o paiz do que o serviram os Governos anteriores. (Apoiados).

Não posso tambem deixar de levantar uma phrase que o Governo põe na boca do Chefe do Estado, a declaração:

«Como mandatarios que todos somos da nação ...»

Esta phrase não é verdadeira nem coherente, quer perante a historia quer perante os preceitos constitucionaes, e levanto-a, não porque represente um desdouro para o Chefe do Estado, para os Pares do Reino ou para os Deputados; mas porque representa uma inexactidão.

O Rei, os Pares do Reino e os Deputados são «representantes da nação, «mandatarios», não.

A Carta Constitucional foi jurada pelos representantes da nação, começando a formula d'esse juramento pela declaração de fidelidade ao Rei.

Singular mandato é então esse em que é o mandatario quem outorga e o mandante quem jura fidelidade ao mandatario!

A nossa Carta Constitucional foi um acto espontaneo, livre e generoso, praticado por El-Rei D. Pedro IV, sem que a nação a isso o obrigasse, tendo unicamente em vista os mais altos interesses e as superiores conveniencias da nação a que presidia. Dil-o bem claramente o decreto de 26 de abril de 1826:

«Dom Pedro, por graça de Deus, Rei de Portugal e dos Algarves, etc. Faço saber a todos os meus subditos portuguezes, que sou servido decretar, dar e mandar jurar immediatamente pelas tres ordens do Estado a Carta Constitucional abaixo transcripta, a qual d'ora em deante regerá estes meus reinos e dominios, e que é do teor seguinte».

A propria Carta Constitucional tem como legenda inicial bem clara e explicitamente o seguinte:

«Carta Constitucional para o Reino de Portugal, Algarves e seus dominios».

Só se é um mandato em que é o mandatario quem decreta e é o mandante quem jura!

Em todos os decretos da epoca os termos são semelhantes.

Isto pelo que diz respeito á historia.

O nosso codigo politico, que temos de manter e sustentar — o Sr. Presidente do Conselho tanto ou mais que a Camara — diz no seu artigo 4.°:

«Artigo 4.° O seu Governo é monarchico, hereditario e representativo».

E no artigo 5l.°:

(Leu).

Que mandato é então este, que não está sujeito a responsabilidade alguma?

Exercendo o poder moderador, o Rei tem, pela Carta Constitucional, as mais largas attribuições.

Com relação ás Côrtes, onde estão Pares e Deputados, o Rei tem o direito do veto, quando se não conforme com os respectivos decretos.

Com respeito ao poder executivo, se o Rei é o seu chefe, os Ministros é que são os responsaveis.

No tocante ao poder judicial, o Rei tem o direito de graça, perdoando ou amnistiando os condemnados por sentença dos tribunaes.

A Camara ha de confessar que tudo isto constitue largos poderes para um mandatario que tem de obedecer.

Com respeito á successão do throno, diz o artigo 86.°:

(Leu).

Então comprehende-se um mandato perpetuo?!

O Sr. Presidente do Conselho não podia, portanto, pôr na boca do Chefe do Estado semelhante inexactidão.

Os Pares do Reino, nomeados pelo Rei, representam a nação, porque assim o determina a Carta Constitucional; mas não são mandatarios da nação, porque esta os não escolhe, e não se comprehende que o mandante não tenha direito a escolher os mandatarios.

Os Deputados não são eleitos pela nação, mas por uma parte minima d'ella; são até agora eleitos pelas minorias dos circulos. Para serem mandatarios da nação, era necessario fazer da nação um circulo só!

A esse respeito o artigo 25.° da Carta é claro:

Artigo 25.° Os membros de cada uma das Camaras são inviolaveis pelas opiniões que proferirem no exercicio das suas funcções.

Pares e Deputados são, effectivamente, «representantes» da nação; mas não são «mandatarios, nem perante a Constituição politica, nem, perante os principios mais triviaes de direito constitucional.

Qual é a essencia ou a caracteristica do mandato?

É a revogabilidade.

Todo o mandato politico ou civil é, de sua natureza, revogavel.

Mas é, porventura, revogavel o mandato do Rei?

Não.

Pode a nação destituir o Rei?

Pode; mas não dentro da lei.

Pode a nação destituir o mandato dos Pares do Reino?

Não pode, porque os Pares são inatacaveis nos seus direitos e nas suas regalias.

Pode ser destituido o mandato aos Deputados?

Tambem não pode.

Se a essencia ou a caracteristica do mandato é, portanto, a revogabilidade, forçoso é concluir que Rei, Pares e Deputados são, sim, «representantes» da nação, mas não «mandatarios» do paiz.

A phrase a que se referiu e que vem no Discurso da Corôa não constituirá, repito, um desdouro; mas representa, com certeza, uma inexactidão que nenhum Presidente do Conselho tem direito a pôr na boca do Chefe do Estado.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (João Franco Castello Branco): — Sr. Presidente: o Digno Par Sr. Hintze Ribeiro declarou que não era seu intuito discutir o projecto de resposta ao Discurso da Corôa, mas votal-o mais uma vez, como cumprimento ao Chefe do Estado e que apenas lhe faria alguns leves reparos.

Esses reparos acaba a Camara de os ouvir, reparos que provocam uma resposta da minha parte.