O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

144 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Vou referir-me á phrase a que alludiu o Digno Par Sr. Hintze Ribeiro e que provocou o debate a que a Camara tem assistido.

Por mim entendo que o Digno Par Sr. Hintze Ribeiro não tem razão nas considerações que fez desde que o Sr. Presidente do Conselho ligue ás palavras que poz no Discurso da Corôa a ideia de que Rei e Camaras exercem um poder exclusivamente por mandato do povo.

Se é esta a ideia do Sr. Presidente do Conselho, S. Exa. fez-se unicamente echo da verdadeira theoria da soberania nacional, theoria que não pode deixar de ser adoptada por todos aquelles que prezam os principies liberaes.

Tal theoria é a que está estatuida na Constituição inglesa.

Não soffre contestação, porque é uma verdade, que os Reis governam um povo ou presidem a elle emquanto o povo quizer, como não soffre contestação que os Reis teem sido depostos quando não cumprem a lei.

Este principio ficou assente com as revoluções em Inglaterra e França; mas já estava de ha muito na consciencia dos povos.

O Sr. Presidente do Conselho não fez mais, portanto, do que reeditar um principio assente de ha muito na consciencia universal e pôr na boca do Chefe do Estado phrase equivalente á que S. Exa. proferira, perante o herdeiro da Corôa, na festa das crianças:

— São os Principes que pertencem aos povos, e não os povos que pertencem aos Principes.

Simplesmente ha a lamentar que o Sr. Presidente do Conselho, que tão boas palavras profere, não as traduza na pratica, porquanto não tem sido respeitado o direito de reunião ou de manifestação das ruas, nem o direito dos cidadãos em materia eleitoral, assim como se pretende atacar a liberdade de imprensa, a qual já de ha tempo vem sendo ferida.

As palavras do Sr. Presidente do Conselho não correspondem, portanto, á verdade dos factos, sendo para lastimar, repito, que S. Exa. nem repare que acaba de ser apresentada em França uma lei sobre direito de reunião, a qual garante o exercicio de tal direita sem a minima especie de licença ou de participação á auctoridade.

S. Exa. poz, tambem, no Discurso da Corôa, palavras das quaes pode concluir-se que «só agora» se enceta uma boa e rigorosa administração attendendo-se ás reclamações da opinião publica.

Ora, se assim fosse, onde ficavam as nobres tradições e os serviços prestados ao paiz pelo partido progressista?

Se assim fosse, o partido progresista veria condemnado formalmente todo o seu passado.

Houve, pois, no Discurso da Corôa uma referencia profundamente injusta.

Parece que no passado não se attendeu ás necessidades materiaes do paiz e se desprezou o seu adeantamento moral.

Eu fiz parto de dois Ministerios e sei p que, pela pasta da Marinha, tão nobremente gerida pelos dois illustres homens publicos os Srs. Villaça e Moreira, se fez para o desenvolvimento material das nossas colonias.

E basta attender ao que outro illustre homem publico, o Sr. Pereira de Miranda, disse na ultima sessão, a respeito dos caminhos de ferro do Estado, para se ver quanto foi fecunda a iniciativa, em tempos do partido progressista, para o desenvolvimento material da metropole. Não farei mais considerações sobre este caso, cuja injustiça é flagrante.

Quanto ás necessidades moraes, só apontarei que os Gabinetes de que eu fiz parte produziram leis liberaes, de caracter social algumas, e que, se não tivesse sido a opposição ardente de elementos do actual Governo, teria vingado a reforma constitucional de 1900, e essa reforma, comquanto já hoje não satisfaça todas as aspirações dos progressistas dissidentes, punha cobro a muitos erros e abusos de administração.

Entendo pois que essas palavras do Discurso da Corôa nem são de natureza a engrandecer a instituição monarchica nem representam a justiça feita á missão historica do partido progressista, constituindo uma censura aos homens publicos que tiveram a responsabilidade do poder — e portanto aos progressistas, a cujo Gabinete eu pertencia. Contra ellas, pois, lavro o meu protesto.

E, com estas breves declarações, defino a minha attitude e a dos meus amigos perante o discurso que El-Rei leu no Parlamento e cuja responsabilidade cabe aos seus Ministros.

(S. Exaa. não reviu).

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (João Franco Castello Branco): — Aproveito simplesmente o ensejo para declarar á Camara que cada vez me applaudo mais de ter escripto no Discurso da Corôa as palavras que teem provocado o presente debate, porquanto tive occasião de ver que mais uma vez se fizeram affirmações de caracter liberal.

O Governo teve tambem occasião de definir mais uma vez o seu modo de pensar.

Mas no discurso do Digno Par Sr. Alpoim ha uma parte absolutamente injusta.

Disse S. Exa. que o exercicio do direito de reunião estava sendo limitado.

S. Exa. labora, decerto, n'um erro.

A lei em vigor tem sido respeitada religiosamente, não se tendo impedido o direito de reunião a ninguem que queira exercel-o.

Citarei, a proposito, o numero de comicios republicanos realizados ultimamente no Porto e n'outros pontos do paiz, effectuando-se essas reuniões sem embaraços e tendo sido apenas feita uma simples participação á auctoridade respectiva e exercendo-se assim, o direito de reunião com a maior tolerancia e liberdade.

Não posso, portanto, deixar de protestar contra as considerações de S. Exa. na parte em que ellas se referiram ao direito de reunião.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. José de Alpoim: — A Camara viu que nas breves considerações que apresentei, nem sequer elevei a voz, nem imprimi ás minhas palavras qualquer tem de acrimonia. Creio mesmo que não é facilmente excedido o tem calmo e sereno com que me expressei. Limitei-me a contradictar asserções que brigam com a realidade dos factos.

O nobre Presidente do Conselho parece ignorar o que se passa em França.

Não quero discutir n'este momento o que se relaciona com o direito de reunião; mas direi ao Chefe do Governo que um projecto de lei submettido ultimamente á sancção do Parlamento Francez restringe todas as peias que na lei actual existem com referencia ao excercicio d'esse direito.

O Sr. Presidente do Conselho, que tanto proclama os principies liberaes devia esforçar se para que das nossas leis que regulam o direito de reunião se expungisse tudo quanto n'ellas se encontra de coercitivo, ou de prohibitivo.

Lembro a S. Exa. um facto: Em tempo, no Porto, celebrou-se um comicio. Junto ao local onde essa reunião se effectuou, e que era um recinto coberto, foram postados alguns soldados de cavallaria e o actual governador civil da mesma cidade protestou contra o que elle então considerou um acto illegal e incorrecto. Não posso precisar a epoca, mas quer-me parecer que o facto a que alludo se deu por occasião da chegada ali do eminente poeta Guerra Junqueiro.

Então o Sr. Pinto de Mesquita, hoje á testa do districto do Porto, protestou porque entendeu que fôra offendida a lei e haviam sido maculados os principios liberaes; mas o Sr. Pinto de Mesquita, que então tanto pugnava pela