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CAMARA DOS DIGNOS PARES

Sessão em 20 de fevereiro de 1864

PRESIDENCIA DO EX.MO SR. SILVA SANCHES

VICE PRESIDENTE SUPPLEMENTAR

Secretarios, os dignos pares

Conde de Peniche

Conde de Mello

(Presente o sr. presidente do conselho de ministros.)

As duas horas e meia da tarde, achando se presentes 34 dignos pares, declarou o sr. presidente aberta a sessão.

Lida a acta da antecedente, julgou-se approvada, na conformidade do regimento, por não haver reclamação em contrario.

Mencionou-ee a seguinte correspondencia:

Um officio do ministerio da marinha e ultramar, enviando toda a correspondencia, que houve entre o governo geral de Angola e os funccionarios inglezes e este ministerio, a respeito da emigração de pretos de Angola para S. Thomé; satisfazendo o requerimento do digno par Miguel Osorio.

-Do mesmo ministerio, acompanhando cincoenta exemplares da conta da sua gerencia, relativa ao anno economico de 1862-1863, e da do exercicio de 1861-1862, para se distribuírem pelos dignos pares. — Tiveram o competente destino.

-Do ministerio dos negocios ecclesiasticos e de justiça, pedindo licença á Camara, em conformidade do artigo 1:125.° da novissima reforma judicial, para poder ser citado o digno par arcebispo primaz de Braga D. José Joaquim de Moura, para depor, como testemunha, nos processos criminaes promovidos pelo ministerio publico no juizo de direito da comarca de Braga. — Foi pela camara concedida a licença pedida.

-Do ministerio das obras publicas, remettendo, para

se distribuírem pelos dignos pares, oitenta exemplares da conta da sua gerencia, relativa ao anno economico de 1862— 1363 e do exercicio de 1861-1862.—Mandaram se distribuir.

-Do digno par conde do Sobral, participando que, por falta de saude, não póde comparecer hoje na camara.

O sr. Ferrer: — Mando para a mesa um requerimento dos parochos do bispado de Coimbra, no qual se pede uma lei de dotação de culto e clero ou, pelo menos, emquanto ella se não faz, que se melhore a sua posição. Eu não quero cansar a camara, por isso que ella não desconhece esta

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materia, demonstrando-lhe quanto é precisa uma reforma, e provando-lhe os grandes inconvenientes da legislação actual, V. g. o inconveniente do parocho receber directamente dos freguezes. Este systema de arrecadação tira grande consideração e respeito devido aos parochos (apoiados). Sr. presidente) todos sabem que os parochos contribuem muito para a civilisação e moralidade dos povos, e que quanto maior for a consideração que elles tiverem, tanto melhor será cumprida a sua missão divina, e

Sr. presidente, a lei para a dotação do clero nunca encontrou uma occasião roais propicia para se poder fazer do, que agora. Todos sabem que os bens das corporações religiosas foram desamortisados, e montam a uma grande somma, a qual convertida em inscripções dá um rendimento immenso, que cresce todos os dias á proporção que as religiosas vão morrendo; e este rendimento, a meu ver, deve ser a base para a dotação do culto e clero. Não quero ser extenso a este respeito; [ apenas peço a V. ex.ª que mande esta representação á commissão dos negocios ecclesiasticos; e que a todos os membros d'essa commissão recommende que a tomem na devida consideração. Finalmente, peço á camara que note, quê os supplicantes são parochos de um grande bispado, o mais illustrado do reino; porque desde longos annos o seu seminario prima pela illustração das doutrinas e rigor da disciplina que n'elle estabeleceu D. Francisco de Lemos. Oxalá que elle continuo n'esta senda.

Eu honro me de ter sido escolhido pelos supplicantes para apresentar n'esta casa a sua representação. Bem sabem elles que sempre tenho levantado a minha voz no parlamento a favor d'esta classe benemerita. Na camara dos deputados apresentei dois projectos a seu favor; e fazendo, quando ministro, um decreto para o concurso dos canonicatos, considerava estes como uma aposentação para os parochos, que mais e melhor tivessem servido suas igrejas.

As manifestações de. sympathia que vejo na camara, auguram-me um melhor futuro para a classe parochial. Eu as agradeço.

O sr. Rebello da Silva: — Eu desejava pedir a V. ex.ª que convidasse os membros da commissão nomeada para tratar do melhoramento da sala das nossas sessões, a fim de se reunirem no dia que a mesa julgasse mais opportuno. Se continuamos a desamparar este negocio, encerrar-se ha ainda mais esta pensão ordinaria sem tratarmos de um melhoramento que é de absoluta necessidade.

O sr. Presidente: — Se me não engano, acham-se presentes os membros da commissão. Ss. ex.ªs ouviram o que acaba de dizer o digno par, o sr. Rebello da Silva; por isso, peço-lhes que se reunam para tratarem de um objecto tão importante.

O sr. S. J. de Carvalho: — Na sessão passada tive eu occasião de enviar para a mesa uma nota de interpellação ao sr. presidente do conselho. Como s. ex.ª se acha presente, é natural que venha responder a ella, e por isso vou dirigir algumas preguntas a s. ex.ª

A primeira pergunta que desejo fazer é: se o sr. presidente do conselho, como ministro do reino, toma a responsabilidade do decreto assignado pelo seu antecessor...

O sr. Presidente: — O sr. presidente do conselho ainda não declarou se estava habilitado para responder.

O Orador: — Perdoe-me V. ex.ª, depois de formuladas as minhas preguntas, o sr. presidente do conselho declarará se está ou não habilitado para responder a ellas.

Dizia eu, se b. ex.ª toma a responsabilidade do decreto de dissolução da camara municipal de Alijó?

Segunda pergunta: se é ou não verdade que o governador civil do districto de Villa Real foi mandado chamar a Lisboa pelo governo, a fim de responder oficialmente pelos actos praticados por occasião das eleições municipaes d'aquelle districto?

Terceira pergunta: se o governo manda ou mandou já proceder a alguma syndicancia sobre os acontecimentos de Villa Real?

São estas as preguntas que desejo fazer ao sr. presidente -do conselho, ás quaes estou certo s. ex.ª responderá cabalmente, visto que se referem a factos passados ha muito, e são alem d'isso negocios que correm pela secretaria a que o nobre ministro preside.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Duque de Loulé): — Declaro ao digno par, que me acho habilitado para responder ás preguntas que s. ex.ª me dirigiu. Desejo porém que a camara saiba, que a nota que eu recebi relativamente a esta interpellação, era assignada pelo digno par o sr. Ferrer, declarando-se me, que ella havia sido approvada pela camara. A nota é concebida n'estes termos (leu). Parecia curial, que a esta nota de interpellação se juntassem mais os pontos sobre que o digno par o sr. Sebastião José de Carvalho quer interpellar o governo, e que agora acabou de indicar (apoiados). Todavia, vista a simplicidade das perguntas, eu não tenho duvida de responder a s. ex.ª, o que vou fazer.

A primeira pergunta foi: se o actual ministro do reino toma a responsabilidade dos actos praticados pelo seu antecessor, relativos á dissolução da camara municipal de Alijó? Não tenho duvida em declarar á camara, que tomo a responsabilidade d'esse acto.

A segunda pergunta foi: se é verdade que o governador civil de Villa Real fóra chamado a Lisboa para informar o governo ácerca dos acontecimentos que tiveram logar n'aquelle districto? Devo declarar ao digno par que é verdade. O governador civil de Villa Real está em Lisboa ha bastantes dias e veiu para dar ao governo todas as informações e explicações necessarias com relação a esses acontecimentos que tiveram logar no seu districto, a fim de habilitar o governo a fazer um juizo seguro o exacto acerca doa mesmos acontecimentos.

A terceira: pergunta foi: se o governo mandou syndicar sobre os factos que se diz tiveram logar por occasião das eleições de Villa Real? Posso assegurar ao digno par, que foi nomeado governador civil de Braga para ir ao districto de Villa Real syndicar e averiguar dos successo a que ali se passaram por occasião das eleições, para informar circunstanciadamente o governo.

Esta medida julgou-se necessaria, por que acamara não ignora, que se tem havido de um lado quem accuse os actos do governador civil d'aquelle districto, e de outras auctoridades d'elle,. tambem do outro lado tem havido muito quem o louve e defenda. O governo tem mesmo recebido representações assignadas por pessoas serias e importantes, não só abonando o procedimento d'aquelle funccionario, e julgando infundadas essas accusações, mas requerendo e pedindo até a sua conservação n'aquelle districto.

Ora, sr. presidente, foi d'este encontro de opiniões que resultou uma tal ou qual incerteza, e isso levou o governo a duvidar das accusações que se haviam feito ás auctoridades d'aquelle districto, e em presença d'isso viu-se na necessidade de mandar proceder a uma syndicancia, para a qual nomeou um magistrado probo, intelligente, muito digno, e acima de toda a suspeição pela sua imparcialidade.

Será portanto em vista do resultado d'essa syndicancia, que o governo, com toda a circumspecção, poderá avaliar e julgar melhor a questão sujeita (apoiados).

São, estas, sr. presidente, as explicações que por emquanto posso dar em resposta ás preguntas feitas pelo digno par, o sr. Sebastião José de Carvalho.

O sr. Presidente: — A nota de interpellação do digno par o sr. Sebastião José de Carvalho, não foi remettida ao sr. presidente do conselho, porque o seu auctor, depois de alguma discussão, declarou que a retirava, sendo substituida por um requerimento do digno par o sr. Ferrer, que foi o que se remetteu para o governo.

O sr. S:_J.de Carvalho: — Começarei por declarar, que não foi minha intenção, nem poderia também ser intenção da camara approvando a proposta do digno par o sr. Ferrer, levantar de surpreza a questão das eleições de Villa Real seria difficil faze-lo prevenido o nobre presidente do conselho por alguns dos seus collegas de todos os incidentes que se deram na discussão que se moveu sobre a nota de interpellação que na sessão passada tive a honra de mandar para a mesa. As preguntas que acabo de formular eram de facil resposta, e não creio que para responder a ellas satisfactoriamente fosse necessario indica-las na nota de interpellação que o illustre ministro recebeu. Aprova d'isto está na propria resposta que o illustre ministro acabe de dar ás preguntas que dirigi a s. ex.ª; e quando s. ex.ª se não achasse habilitado para responder desde já, como respondeu, a camara teria a generosidade, insperada pelo sentimento da sua propria dignidade, de adiar para outro qualquer dia a interpellação que hoje verifiquei.

Sr. presidente, a resposta do sr. ministro do reino ás preguntas que dirigi a s. ex.ª foi prompta e precisa como o pediam a importancia dos factos a que ellas se referiam e a propria dignidade do governo que s. ex.ª representa. Das palavras de s. ex.ª deduzirei eu as reflexões que tenho a apresentar á camara, e que são o corollario legitimo das premissas estabelecidas por s. ex.ª

Verificando a minha interpellação com respeito ás eleições municipaes no districto de Villa Real, tinha eu começado por perguntar ao illustre ministro do reino, se s. ex..a tomava sobre si a responsabilidade do decreto da dissolução da camara municipal de Alijó. S. ex.ª respondeu-me que sim, nem outra podia ser a resposta, a despeito da confusão de idéas que ultimamente tem reinado nas altas regiões da politica sobre o que seja responsabilidade e solidariedade ministerial.

Vejamos porém a significação o a importancia d'aquelle decreto, procuremos conhecer pelos factos que se lhe seguiam quaes os fins que o inspiraram, e d'esse exame conhecerá a camara que não é infundada a asserção que desde já apresento de que o decreto da dissolução da camara municipal de Alijó foi a declaração de guerra por parte do governo aos eleitores independentes do districto de Villa Real.

Sr. presidente, quaes são, quaes foram as rasões justificativas d'esse decreto? Que razão de suprema salvação publica obrigou o governo a dissolver quinze dias antes das eleições municipaes uma camara cujos actos haviam pouco tempo antes e por diversas vezes, merecido e elogio da auctoridade superior do districto?

Essa rasão, sr. presidente, ninguem a conhece, não a apresentará o illustre ministro, nem a apresentaria tambem, se ainda occupasse aquellas cadeiras, o seu antecessor. Eu bem sei que se me ha de responder que o governo tem na lei o direito de dissolver qualquer camara municipal; tem mas de a dissolver sem motivo que determine essa dissolução, sem rasão ponderosa que a justifique, é que ninguem poderá sustentar que possa ter. As attribuições do governo não podem estar tão vagamente definidas que se lhe não ponham por limites da sua acção as raias do absurdo. O governo póde dissolver qualquer camara municipal mas não a póde dissolver sem motivo, e é dissolve-la sem motivo, o pretextar essa dissolução com a expressão generica da conveniencia publica, que se encontra no decreto, quando as rasões d'essa conveniencia se não podem produzir porque em verdade se não deram nunca. A este respeito peço eu ao illustre ministro explicações precisas. S. ex.ª assumiu perante a camara a responsabilidade do decreto da dissolução da camara municipal de Alijó, declare pois que rasões determinaram essa dissolução, destrua com a força d'essas rasões as apprehensões que no espirito publico se tem levantado sobre o procedimento do governo em relação aos attentados que contra a liberdade da uma se praticaram no districto de Villa Real, apprehensões aliàs justissimas, que todos os factos posteriores a essa dissolução auctorisam e corroboram, Sr. presidente, a dissolução da camara municipal de Alijó foi, disse-o eu já a declaração de guerra por parte do governo á liberdade da urna no districto de Villa Real. Vejamos se os factos posteriores a essa dissolução confirmam esta asserção. Sabe V. ex.ª para que se dissolveu a camara municipal de Alijó? Para que o governador civil do Villa Real nomeasse uma commissão municipal contra a disposição expressa do codigo, fazendo entrar nessa commissão individuos que não tinham servido em nenhuma das vereações anteriores.

Mas quer a camara saber porque assim se attentou contra a disposição expressa da lei, porque era necessario nomear uma commissão que inspirada -também pelo grande principio da conveniencia publica, começasse por alterar a designação das assembléas feita pela camara dissolvida. Já a camara vê que se não encontrámos a razão justificativa da dissolução da camara municipal de Alijó nos factos anteriores a essa dissolução, a encontrámos facilmente nos factos que immediatamente se lhe succederam. A camara municipal de Alijó foi dissolvida, e é esta a grande rasão da conveniencia publica, para que o governo a despeito das maiores violencias e arbitrariedades vencesse as eleições municipaes no districto de Villa Real. Mas soa responsabilidade do decreto da dissolução é do governo, se todos os factos provam que tal dissolução foi, um acto premeditado praticado pelo governo de accordo com o governador civil do districto de Villa Real, segue-se que a responsabilidade dos actos attentatorios da liberdade da uma praticados no districto de Villa Real, cabe tanto ao governador civil d'esse districto como ao proprio governo que o secundou na gloriosa empreza de vencer as eleições municipaes a troco dos maia ousados commettimentos contra a liberdade da uma. Logo do decreto da dissolução deduzo eu uma rasão de suspeição para o governo.

É-me suspeita a sua imparcialidade, e hesito em crer sincero o empenho que o illustre ministro diz ter em punir as violencias e demasias da auctoridade nas eleições do districto de Villa Real.

A segunda rasão de suspeição, deviso eu da resposta que o illustre ministro acaba de dar ás outras preguntas que ha pouco lhe dirigi. Disse s. ex.ª que com effeito havia sido chamado a Lisboa o governador civil de Villa Real para se justificar perante o governo das accusações que pela imprensa lhe tem sido dirigidas, acrescentando tambem s. ex.ª que mandára proceder a uma syndicancia sobre os actos daquelle funccionario. Mas se s.. ex..* manda syndicar dos actos de governador civil de Villa Real, é porque esse funccionario se não justificou cabalmente perante,o governo, e n'esse caso porque o não tem demittido? Que significa essa complacência para com o funccionario sobre que pesam tão graves accusações? Mandei syndicar! Syndicar para que? Syndicar para processar, comprehendo, syndicar para demittir nunca o er. ministro o fez, nem eu entendo que o deva fazer agora.

E se são esses os principios porque rasão só hoje os proclamam? Pois não sabemos todos que ainda ha pouco tempo foi demittido sem syndicancia prévia o governador civil do districto de Santarem, a favor do qual representaram ao governo nos termos os mais lisonjeiros, os povos que elle administrava? Oh! É-me suspeita esta complacência! Para o funccionario que ganha pelos actos da sua administração, a sympathia dos povos que administra, a demissão Bem contemplações, a demissão sem syndicancias, a demissão Bem rasão conhecida; mas para o funccionario que attenta contra a liberdade da uma, que se insurge contra as disposições expressas da lei, e que depois de trinta annos de systema constitucional faz resurgir o absurdo principio das suspeições politicas, para esse a audiencia perante o governo, para esse a syndicancia prévia, para esse o favor da complacência ministerial (apoiados).

Sr. presidente, em vista d'estas considerações concluo enviando para a mesa a seguinte moção de ordem:

«Proponho que a camara eleja uma commissão de sete membros, para inquerir da responsabilidade que cabe ao governo pelos actos illegaes e attentatorios da liberdade da uma, praticados nas ultimas eleições municipaes do districto de Villa Real. = Sebastião José de Carvalho.»

O sr. Presidente âo Conselho de Ministros: — Sr. presidente, se eu percebi bem a argumentação do digno par, reduz-se a que da dissolução da camara municipal de Alijó resulta uma igual responsabilidade do governo sobre todos os actos que se praticaram no districto de Villa Real. Parece-me que esta logica não póde ser admittida pela camara.

Eu já observei que a nota de interpellação que me foi remettida era muito deficiente, quanto mais que o fim das interpellações é apurar-se a verdade. Se o digno par entendia que a camara devia ser devidamente esclarecida sobre os fundamentos que houve para a dissolução da camara de Alijó devia ter mencionado isso na sua nota de interpellação (apoiados); quanto mais que a camara sabe, que este facto se passou durante a gerencia do meu antecessor, apesar de eu ter dito que tomava a responsabilidade d'esse facto, e tomo-a. Comtudo, como foi um facto que não se passou durante a minha gerencia, não se póde estranhar que eu não tenha presente todos os fundamentos que motivaram aquella medida (apoiados). Sei que o meu antecessor se decidiu a proceder como procedeu, em vista das informações que teve, mas eu não tenho agora presentes exactamente quaes ellas foram.

Mas, sr. presidente, supponhamos por um momento, que os fundamentos para a dissolução da camara foram rasoaveis e legaes; como deprehender d'este facto que o governo é responsavel por todos os actos que se praticaram em

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Murça, Villa Real, na Regua, e n'outros concelhos onde "houve eleições municipaes? Não me parece que esta logica possa ser admittida pela camara.

Emquanto á moção de ordem que s. ex.ª o sr. Sebastião 'José de Carvalho apresentou, para a nomeação de uma commissão de inquerito, eu sou o primeiro a pedir á camara que a approve, e declaro que o governo o maior interesse que tem n'esta questão é mostrar que não teve a minima parte em algumas irregularidades que houve -n'essas eleições; e ha de estimar muito poder diferenciar-se da opposição, que estou persuadido nunca ha de reconhecer que da sua parte houve irregularidades, mas parece me que tambem as houve (apoiados). A opposição só vê defeitos nos seus contrarios, e cala os que commetteu.

-O governo ha de reprimir e castigar as irregularidades que houve, emquanto que a opposição não as ha de reconhecer na parte que lhe diz respeito. Ainda que não houvesse senão este motivo, o governo tom/o maior empenho de mostrar ao paiz, que hoje não é possivel fazerem se eleições senão por meios legaes, e todos, tanto do uma parte como de outra, tem obrigação de respeitar as leis.

Digo em conclusão, sr. presidente, que approvo a nomeação da commissão de inquerito.

O sr. Rebello da Silva: — É com a maior repugnancia e constrangimento que vou usar da palavra n'esta questão; e sómente direi ácerca d'ella poucas palavras inspiradas pela sensação triste e desagradavel que me causou a leitura dos documentos estampados no Diario de Lisboa.

Os sentimentos que provocaram no meu animo as curtas explicações que a camara ouviu ao sr. presidente do conselho, tambem concorreram para eu me decidir a occupar a tribuna, enfadando a camara com as minhas reflexões sobre este episodio, que sinto ser obrigado a capitular de deploravel depois de tantos annos de paz e tranquillidade.

Parece me que n'este assumpto podemos distinguir sem custo o que propriamente constitue materia sujeita á competencia privativa d'esta camara, e ao seu exame em harmonia com o artigo 14.0 do acto addicional, do que os mais escrupulosos talvez notassem de menos accommodado ás suas deliberações por transcender as raias naturaes, estremadas não pela lei fundamental, ma» pelos principios da sua iniciativa constitucional.

O juizo rapido que formei das eleições de Villa Real em presença dos documentos já publicados, e na falta de outros que reputo indispensaveis para uma apreciação completa e imparcial, leva-me a dizer (porque não costumo lisonjear paixões), que tendo-se combatido dois campos com ardor e vehemencia, não seria natural que um d'elles tomasse só para si o papel de victima, emquanto o outro fizesse ostentação de violencia e arbitrariedade. Os abusos provocam, as pompas da força irritam, as cilladas em nome do poder aggravam ainda os animos menos apaixonados; e quando se desce a esse campo escorregadio e falso, de lado a lado ardem os resentimentos e se inflamam os odios. A luva arremessada fere nó rosto duplamente quando a mão que a lança se alsa pesada de ameaças. Não estranho, nem admiro, pois, que a opposição lutasse, que desejasse triumphar, e que para não se ver supplantada seguisse os contrarios no terreno desigual era que elles não só lhe offereciam batalha, como"quasi á Força a obrigaram a aceita-la.

Arrancadas as ultimas armas quem póde prever onde alcançarão os golpes? O mal consiste na provocação, e bem longe estavamos nós todos já dos dias sombrios em que ella era a mensageira politica e inexoravel dos partidos.

Por isso sem plena instrucção ácerca dos factos essenciaes nunca serei quem absolva de tudo a uns e condemne cegamente os outros; e seguro da moderação do meu voto não julgo merecer, antes me acho com direito para declinar a censura que o sr. presidente do conselho dirigiu á opposição, asseverando que ella de certo não havia de querer reconhecer qualquer erro que houvesse praticado. Pelo contrario! A sua obrigação é conhecer e acatar a rasão...

O ar. Presidente do Conselho de Ministros: — Eu peço licença para dar uma explicação.

Eu não me referi á opposição da camara, referi-me á opposição das localidades em que houve as eleições.

O Orador: — De accordo; mas era do meu dever tambem propor a questão como a entendo. Em materia de direito eleitoral e direito municipal não ha nem póde haver opposição nem ministerio. Quando apreciámos n'esta casa os factos violentos e illegaes que ferem a lealdade dos principios, ò que nos cumpre sobretudo respeitar é o meio mais facil e mais opportuno de apurar a verdade. Offusca-la é a obra das facções; faze-la prevalecer é o dever dos poderes publicos (apoiados).

Temos n'este assumpto complexo uma questão de facto e Uma questão de principios. A questão de facto que abraça os pormenores, os lances, as scenas da eleição nos diversos concelhos do districto de Villa Real, que exigiria discussão contradictoria das accusações reciprocas dos defensores dos dois campos, entendo que não pertence á camara dos dignos pares estuda-la. Está sujeita ao exame da camara dos senhores deputados; quanto aos desenvolvimentos politicos e" geraes, compete aos tribunaes administrativos resolve-la em referencia ás allegações dos queixosos.

Se a pureza e integridade do principio eleitoral foram offendidas aos eleitos do povo, mais de perto cabe desagrava-las sob pena do sacrificarem a interesses momentâneos a causa dó futuro. Se as leis e as formulas foram violadas ou invertidas, o conselho d'estado na sua sabedoria providenciará no exercicio das suas attribuições de justiça administrativa. Mas a camara conservadora, a camara creada na carta para moderar os ímpetos irreflectidos e os arrebatamentos perigosos, deverá callar se e cruzar os braços em questão de tanta gravidade, quando de toda a parte os olhos se levantam para ella e a voz dos, principios a invoca imperiosamente? Creio que não.

A theoria absoluta de que nenhuma questão politica póde debater-se n'esta casa, porque o voto nos obrigaria a antecipar o juizo que mais tarde podemos ser chamados a pronunciar como magistrados politicos, é uma theoria errónea, insustentavel e absurda. O que não podemos é accusar, porque somos juizes natos da responsabilidade ministerial. Mas essa prerogativa, como todas as que nos conferiu a carta, dictada pelo supremo interesse publico, não nos inhibiu do officio de legisladores, nem acanhou a esphera da nossa acção constitucional. Sobram exemplos para o demonstrar. Estranhar os erros, censurar os actos governativos, expor a opinião politica da camara, e defender e attestar a pureza e a integridade dos principios, é não só o nosso officio, mas a nossa obrigação.

Mutilada d'estas attribuições essenciaes, a camara converter-se-ia n'uma chancellaria, e deixaria longe, na sua inutil e irrisoria impotência, até os senados mudos de Tiberio...

Nenhum conflicto pois ha de ateiar-se entre as duas camaras no exercicio cada uma do seu mandato, quando, guardadas as fronteiras que lhes traçou o codigo fundamental, ellas souberem desempenhar o elevado papel que lhes foi distribuido para conservação da ordem e harmonia do systema, e não transcender os limites que lhes assignam o direito publico e a Índole das suas instituições, e não o veto ou a intimidação de facções anonymas, anarchicas e funestas!

O primeiro principio, e principio inconcusso, que toda a camara de certo aceita sem distincção de bandeiras, é que na organisação do poder municipal, derivada directamente da eleição popular, o governo não deve atrever-se á interferencia politica da sua formação ou renovação (apoiados). Este principio, parecia-me a mim, que no fim de doze annos de quietação, e depois de ensarilhadas as armas, devia estar acima de todos os conflictos e conveniencias partidarias.

O governo por isso mesmo que tem funcções importantes a exercer, delegadas pelo direito de suprema tutela e da fiscalisação, tanto sobre as attribuições propriamente municipaes das camaras, como ácerca das diversas attribuições que a necessidade e o bem do serviço obrigaram a delegar n'ellas, carece de se manter firme e inaccessivel no campo da imparcialidade, e de se mostrar inteiramente alheio a influencias violentas e partidarias na sua eleição. Se uma vez baixar a acompanhar os contendores no pugilato local, se uma vez se valer das coacções do poder em favor de uns e contra os outros, deu-se de suspeito logo por esse facto, abdicou a mais bella de suas prorogativas moraes; e quando depois quizer voltar atraz e carecer do prestigio da sua imparcialidade official, terá contra si o depoimento dos factos. Os seus actos serão acolhidos com desconfiança, e as suas decisões perderão a sancção efficaz da moralidade e da justiça, que são duas bases immutaveis, que ninguem abalou nunca impunemente.

Foi o que succedeu, se não me engano, com a dissolução da camara municipal de Alijó.

Qual era o estado das relações do poder central (peço licença para empregar os termos proprios da sciencia para maior clareza) com o poder municipal n'aquelle concelho? Uma serie de actos de administração local, longe de solicitar os rigores havia grangeado os louvores do governador civil á edilidade logo depois condemnada; e esses actos de administração, uns de officiosa caridade, como donativos avultados em beneficio da infância desvalida, outros de melhoramentos visiveis, como as obras executadas no primeiro anno e as traçadas e orçadas para a segundo, correspondiam por tal modo ao que deve querer e esperar de. uma municipalidade que o governador civil, insuspeito, não hesitou em declarar, em officio de 30 de julho, que a camara, no exercicio de suas funcções, se houvera com zêlo mui louvavel e digno de todo o elogio. Eis as suas proprias palavras (leu).

Este officio, o ultimo, foi datado, repito, de 30 de julho, e alludia á generosa solicitude com que a camara acudira com auxilios aos estragos causados por uma epidemia em Villar de Maçada, e outros rasgos de beneficência ou de boa administração.

E era natural portanto o reparo dó digno par o sr. Sebastião José de Carvalho, e sem invadir o direito do governo, que é pleno mas não absoluto, a camara podia desejar ser informada das circumstancias. extraordinarias que transformaram repentinamente uma camara elogiada e nunca reprehendida, em uma camara digna da applicação da maior severidade, que póde applicar-se a uma municipalidade, a dissolução!

Se observarmos a origem d'essas circumstancias, veremos que o acto que mais concorreu para similhante resultado foi a nomeação de um funccionario, que a ser exacto o que se affirma, parecia nunca dever ser lembrado para exercer a auctoridade no districto, porque longe de trazer comsigo elementos pacificadores, a escolha d'elle encerrava já em si uma quasi aggressão ás paixões, e podia considerar-se um repto formal ás rivalidades e dissentimentos locaes.

Se a historia d'esta eleição prendo com a historia do projecto votado, em outra legislatura, para a liberdade dos vinhos do Douro, admira como a agitação superficial e artificiosa de alguns meetings instigados, imperou tanto no animo do governo que o decidiu a uma reforma amadurecida e abraçada por todas as outras provincias, emquanto o espectaculo hoje de discórdias e violencias desagradaveis não mostra comove lo do mesmo modo...

Quando se verificar a interpellação, que tive a honra de annunciar, ácerca do negocio da liberdade dos vinhos do Douro, hei de apontar a ligação d'esse assumpto com o» ultimos acontecimentos de Villa Real, porque, a meu ver não podem separar se para a completa apreciação da politica, do gabinete.

Mas por isso mesmo que lutaram no districto rivalidades de interesses e resentimentos pessoaes, é então que se tornara essencial nomear o governo um magistrado administrativo, conciliador e imparcial o qual como auctoridade benéfica, soubesse acalmar os animos irritados, porque o governo perde sempre muito quando se colloca fóra do campo da sua acção natural e benéfica.

Sinto que o ministerio entendendo que devia aguardar esclarecimentos e ordenar um inquerito ácerca do negocio dos vinhos, não tratasse de dar agora tambem a satisfação pedida em referencia á excitação das paixões, promovida em alguns dos concelhos do districto de Villa Real. N'estes incidentes a demasiada politica nunca é boa conselheira.

Depois da dissolução da camara municipal de Alijó, e torno a repetir, não combato em principio nem posso combater o direito do governo, mas a todo o direito correspondem obrigações e devemos querer examinar se o governo seguiu ou fez seguir as máximas que a boa doutrina sempre firmou por meio de exemplos e de regras no paiz e fóra d'elle, segundo consta das decisões do conselho d'estado & das portarias do ministerio do reino, e dos numerosos arestos collegidos nos auctores mais conceituados pela sciencia e reputação de seu voto.

Não leio muitos trechos á camara, porque não a desejo fatigar. Todos sabem que são numerosos os documentos emanados do conselho d'estado e da secretaria dos negocios do reino a este respeito. Refiro-me a elles em geral e basta. A camara na sua illustração não precisa que a sua memoria seja avivada para concordar em que sempre se fundo» a theoria e a pratica das dissoluções das camaras municipaes em motivos estranhos a interesses politicos partidarios, e que sempre se repelliu como menos orthodoxa a opinião de que os golpes de auctoridade e as candidaturas officiaes eram licitas e permittidas em eleições locaes, subordinadas á consideração essencial da livre escolha dos administrados e da plena independencia da sua nomeação.

Sem me demorar mais com este assumpto, passo já a tratar de outro que me parece mais grave ainda, se é possivel— o das suspeições politicas.

Houve uma epocha, e peço licença para seguir a allusão historica, era que desarmada a auctoridade de toda a força de persuação e de todo o vigor que lhe podiam assegurar o apoio sisudo da opinião publica, despida dos prestígios que só o respeito da lei e o explendor da rasão e da justiça conquistam, ferida na consciencia pelo testemunho da propria violencia, e offuscada pelos fumos de uma atmosphera tenebrosa, não via em roda de si os subditos e os grandes interesses da nação, mas, convertida em cego instrumento de facções anarchicas, ignaras e dissolventes, rojava aos pés dellas como escrava, e tratava os que obedeciam pelo terror mais como victimas e vencidos do que como cidadãos iguaes em direitos e protegidos pelo mesmo co-digo.

Foi o periodo mais doloroso da revolução franceza, foi o periodo de 1793, em que a França fremente, arrastada e desnorteada pelas provocações de fóra e pelas excitações internas, deu os ultimos passos para a beira do abysmo, e de desvario em desvario, de attentado em attentado, saudou o patíbulo como vingador supremo da sua causa, o algoz como-o interprete cruento da rasão philosophica, e a liberdade como a Nemesis ensanguentada do seu culto. Não era já a França de 1789, que segundo á bella phrase de mr. Thiers, apparecêra gravida da liberdade do mundo, foi a França de 1793 gravida de todos os erros e excessos que infamaram de nódoas indeleveis as gloriosas paginas da sua epopeia militar. Triste coincidencia! Correram os annos, accummularam-se os desenganos, e a mais de metade da carreira do seculo XIX, vemos ressuscitarem as máximas venenosas, funestas e corrosivas, que pareciam terem esquecido comidas pelo tempo o amaldiçoadas pelo consenso unanime nos arsenaes da mais delirante anarchia. As suspeições politicas são filhas legitimas da demagogia sanguinária, formaram o cortejo de Robespierre, e commentaram o reinado do terror (apoiados). N'aquelle tempo julgadas em tribunaes monstruosos terminavam, no cadafalso; depois, mais brandos os costumes, incarnaram no ostracismo; hoje, procuram homisiar-se no seio do poder eleitoral envoltas e meias envergonhadas nas dobras do manto da auctoridade administrativa. Deixem-nas crear animo, não fulminem o mau exemplo, e saberão depressa como de repente crescem e ameaçam!.. O que são as suspeições politicas? Aonde póde levar-nos a fatal doutrina, de que se derivam? O que ha de acontecer se as admittirmos? Amanhã "o conselho d'estado será dado por suspeito, ámanhã os tribunaes judiciaes serão tambem averbados de suspeitos; e por fim até o parlamento senão eximirá de caír ferido do mesmo golpe, porque aonde uns pensarem de um modo e outros os não acompanharem, ha materia sobeja para deduzir a suspeição. Mais alguns progressos n'este caminho de precipicios, e os differentes corpos do estado e os poderes publicos terão de parar á voz das facções suspensos o exautorados. E verdade que lhes resta o refugio da incompetencia, sophisma caduco, declinatoria deploravel, que invocaram sempre os senados servis, quando a verdade que os assusta, os colloca entre o dever e o silencio.

Está ao pé de mim o illustre prelado da universidade de Coimbra, o digno par e meu amigo o sr. Ferrer, apello para os seus livros e para as suas lições. Não o dou a elle por suspeito politicamente, pelo contrario prometto submetter-me sem hesitar ao seu voto. Elle que diga á camara se em algum tempo a heresia das suspeições politicas foi nunca admittida senão como um erro pernicioso, porque nasceu

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da anarchia, e conduz necessariamente á anarchia. Mas esta heresia, infelizmente foi abraçada e professada officialmente. Em Villa Real o primeiro magistrado administrativo não tremeu de vibrar esta arma defesa contra os adversarios, averbando de suspeitos tres vogaes do conselho de districto, com fundamentos meramente politicos, como provam as actas de 28 e 29 de dezembro do anno findo. Mais. Declarou que as suspeições eram julgadas em presença das opiniões politicas de cada um d'esses individuos, verificadas por via de inqueritos e de investigações mandadas abrir contra elles. Seguiu se porém o castigo immediato e necessario do erro. No campo opposto aproveitou-se a arma e appareceram logo tambem as suspeições contra o governador civil e contra os substitutos chamados por elle; e cousa triste, infringiu se a lei, violaram-se os principios, para não reconhecer essas suspeições, votando contra a letra expressa do codigo os suspeitos era favor de si mesmos, como para averbar de suspeitos os contrarios tinham já votado em numero illegal e que annulava a decisão! Foi precisa a violenta infracção do codigo para se poder caminhar, e o facto pareceu tão insolito, que um dos vogaes retirou-se, declarando-se incompetente, e o outro saíu dando se por suspeito; as deliberações foram tomadas só com quatro votos. Paro aqui, o mais pertence ao conselho d'estado. A mim importa-me só o principio offendido, e as suas funestas consequencias.

Estes acontecimentos deploraveis deram o resultado para que tinham sido calculados, a alteração das decisões das assembléas eleitoraes.

Julgo, pelo que acabo de expor, que não faltam ao governo informações sufficientes para proceder, e proceder de modo que concilie o respeito das liberdades publicas com o que deve a si e ao paiz.

Entendo que póde haver criminalidade em algum d'estes actos, e que o governo não fez mal, antes obrou bem em Ordenar uma syndicancia; mas entendia tambem que a par da syndicancia devia dar-se desde logo a demonstração que é costume dar-se, suspendendo a auctoridade e motivando a suspensão na gravidade dos actos para desaggravo dos principios. Não approvaria a demissão, e peço licença ao sr. Sebastião José de Carvalho para dizer que não concordo com s. ex.ª n'essa parte, porque a demissão importa já em si um castigo; porém não recuaria diante da suspensão por ser o procedimento mais regular.

Não censuro o sr. presidente do conselho, embora s. ex.ª pelo principio de solidariedade declarasse que assumia a responsabilidade da dissolução da camara de Alijó; não posso censura-lo por um acto que não praticou, mas o que desejo e peço é que s. ex.ª vigie attenta e energicamente a legalidade e integridade do principio eleitoral; que s. ex.ª applique a acção das leis, para que o poder municipal nunca seja contaminado pela peste das candidaturas officiaes.

Pedirei mais a s. ex.ª, que na administração geral de que é o chefe, procure que a acção do governo caminhe sempre desasombrada de toda e qualquer pressão. Os poderes occultos, as fracções mudas e dissolventes, sempre funestas e fataes, são de curto e frouxo auxilio, e ao seu momentâneo favor succede o reinado funesto de influencias que envergonham, e o espectaculo de aberrações que suicidam os governos e os partidos assas desamparados da verdadeira opinião para se prostrarem diante dellas. Essas influencias, torno a dizer, fataes e funestas, cavaram sempre a sepultura dos que lhe obedecem, e por algumas horas amarguradas de poder contam-lhes largos periodos de ruina, de esquecimento e aversão publica.

Limito as minhas observações sobre este ponto, e resumindo digo, que o principio da acção politica do governo na formação ou renovação dos corpos municipaes é um mau principio; que o facto das suspeições politicas, introduzido na administração, é um erro funestíssimo e de terriveis consequencias; finalmente que ao governo cumpre adoptar todos os meios de informação immediata, segundo a gravidade do assumpto pede, para que a verdade do principio eleitoral e a pureza do elemento municipal sobrevivam aos assaltos das facções, e sáiam victoriosas d'elles.

Estas sombras espero em Deus que sejam momentâneas, e filhas de arrebatamentos casuaes; se o não fossem... mal do paiz e da liberdade.

Concluindo rogo ao sr. presidente do conselho, que se digne informar-me se acaso é ou não exacto que o mau estado de saude do governador civil nomeado para a syndicancia o impedirá por algum tempo de exercer a nova commissão de que foi encarregado? É, como s. ex.ª conhece, um negocio de summa urgencia, e por isso desejaria que, se a impossibilidade existe, e poder demorar o resultado do inquerito, de fórma que só se conclua depois de encerradas as camaras, s. ex.ª tomasse as providencias opportunas para a syndicancia estar terminada antes do fim d'esta sessão legislativa.

A respeito da commissão de inquerito não ha duas opiniões, desde que o sr. presidente do conselho abraçou a idéa; e sómente pedirei aos membros que houverem de ser nomeados, que no exercicio de suas funcções guardem restrictamente as raias do que constituo propriamente a competencia da camara hereditária.

O sr. Presidente: — Tem a palavra o digno par o sr. Xavier da Silva.

O sr. Presidente do Conselho: — Se s. ex.ª dá licença direi duas palavras como informação ao digno par que acabou de fallar á camara (apoiados).

O sr. Presidente: — Tem a palavra o sr. presidente do conselho.

O sr. Presidente do Conselho: — É para dizer simplesmente que tenho aqui um telegramma em que o governador civil de Braga me diz que partirá na segunda feira para Villa Real.

Desejo tambem esclarecer o digno par sobre a situação em que está o governador civil de Villa Real, a quem se deu ordem de permanecer ausente do respectivo districto emquanto durasse a syndicancia (apoiados)', de modo que isto por alguma fórma equivale a uma suspensão.

O sr. Xavier da Silva: — Se o digno par que acabou de fallar e que todos respeitam pela sua habilidade e superior talento, asseverou que com repugnancia entrava n'esta discussão, não deve por certo admirar que eu assegure á camara que com difficuldade e com muita repugnancia vou expor algumas e breves considerações unicamente para explicar a minha opinião sobre esta questão tão importante de que o parlamento e a imprensa se ha occupado..

Na sessão passada o digno par o sr. S. J. de Carvalho pretendeu dirigir ao governo uma interpellação sobre os acontecimentos de Villa Real, mas a proposta que s. ex.ª para esse fim apresentou foi modificada pelo digno par o sr. Ferrer, para que, em logar de se dizer, que a camara ficaria em sessão permanente á espera do sr. ministro do reino, se communicasse ao governo que a interpellação teria logar na primeira occasião em que s. ex.ª viesse á camara, o que é mais conforme com as disposições do regimento e com as praticas parlamentares, pois os srs. ministros, segundo o regimento d'esta casa, não estando presentes devem ser prevenidos do objecto da interpellação e não têem obrigação de responder de prompto a preguntas que não tenham sido previamente annunciadas.

Sr. presidente, vejo com admiração que já não são os acontecimentos de Villa Real que dão logar ás reflexões que apresentou o digno par, o sr. Sebastião José de Carvalho, e sustentadas pelo digno par, o sr. Rebello da Silva, comquanto modificadas em parte.

A questão que se agita é a dissolução da camara de Alijó, e a falta de demissão do governador civil de Villa Real! Ora permittam-me os dignos pares que eu diga com toda a ingenuidade, que pelo codigo administrativo o governo tem o direito de dissolver as camaras municipaes, quando o julgue conveniente, e depois do sr. presidente do conselho ter dito que assumia, como membro da administração a responsabilidade d'esse acto, mas que não tendo sido pelo seu ministerio que este negocio tinha corrido, não estava agora habilitado para responder aos dignos pares sobre os justos fundamentos que deviam ter havido para se praticar esse acto.

Parece-me que a resposta de s. ex.ª seria bastante para que esta questão não continuasse; e segundo as praticas parlamentares, os dignos pares deviam pedir que esta discussão se reservasse para outra occasião em que o sr. presidente do conselho estivesse habilitado a responder. O que porém mais admira é que não se trate dos acontecimentos de Villa Real, mas do governo não ter demittido o governador civil d'aquelle districto! Esta é que é a questão.

Não pertence á camara dos dignos pares, nem mesmo á dos senhores deputados entrar n'este exame por similhante modo; o governo tem, pelo artigo 73.° da carta constitucional, o direito de nomear, suspender e demittir os empregados, e não sei como esta camara se possa intrometter no uso d'esse direito; quando muito poderá pedir a responsabilidade ao governo por actos que elle tenha praticado; mas a camara exigir do governo que demitta este ou aquelle empregado, só porque alguns de seus membros entendem que elle deve ser demittido, é uma cousa nova para mim, é impropria d'esta camara.

E verdade que o digno par que acabou de fallar contentava-se com a suspensão, o que importa o mesmo; mas depois do sr. presidente do conselho haver declarado: «que este empregado tinha vindo a Lisboa por ordem do governo para informar sobre os acontecimentos que tinham succedido no seu districto» que differentes representações se têem apresentado por um um e outro lado, umas pedindo a demissão do governador civil, outras pedindo a sua conservação, umas justificando todos os actos por elle praticados, outras queixando-se d'esses mesmos actos, e que n'esta incerteza, o governo querendo conhecer a verdade, havia determinado que elle se conserve em Lisboa e encarregou um empregado da sua confiança, que muitos dos membros d'esta camara conhecem e sabem que é um empregado muito digno, um homem que na sua vida publica e carreira administrativa tem dado provas da inteireza e circumspecção com que sempre procede, bem como dos seus conhecimentos e superior intelligencia; a camara não devia progredir n'esta discussão, antes poderia resolver que havendo o governo escolhido um dos empregados mais habeis, capaz de prestar informações exactas e verdadeiras, sem espirito de partido, aguardava essas informações e em tempo competente pediria ao governo contas d'este negocio para proceder como entendesse mais conveniente.

Sr. presidente, depois d'aquella declaração do nobre presidente do conselho, o digno par o sr. Sebastião José de Carvalho, mandou para a mesa uma proposta, para que esta camara eleja uma commissão de inquerito, que examine não só a questão dos acontecimentos de Villa Real, mas até o procedimento do governo em relação ao mesmo objecto. Eu sei que o artigo 14.° do acto addicional, estabelece que as camaras tem o direito de nomear commissões de inquerito para examinar qualquer objecto da sua competencia, mas a commissão que propõe o meu estimável amigo, que eu respeito por todos os motivos, segundo é proposto parece me exceder as nossas attribuições (apoiados), e quando esta minha duvida não fosse procedente, perguntaria eu, se porventura seria muito conforme com os usos parlamentares proceder á eleição d'essa commissão, depois de nos ser declarado officialmente, por parte do governo, que mandou proceder a todas as indagações, e que o magistrado escolhido com todas as condições precisas para o bom e justo desempenho de tal commissão, parte já na segunda feira proxima.

Emfim eu declaro que não me parece justo, nem proprio ou conveniente, que continuemos agora com esta questão, e lembro á camara que segundo o artigo 37.° da carta constitucional, este objecto pelo modo porque se pretende apresentar, póde ser da competencia da camara dos senhores deputados, pois que similhante commissão de inquerito póde considerar se como conducente a estabelecer um processo e a seguir uma accusação, o que não é da nossa competencia (apoiados).... Esta camara não póde accusar, por isso mesmo que lhe pertence conhecer da responsabilidade e crimes dos ministros d'estado, não usurpemos attribuições que, pelo artigo 37.° da carta, pertencem á outra camara, quanto mais que esta camara tem a exercer funcções mais altas, segundo O artigo"41.° (apoiados).

Emquanto á declaração do sr. presidente do conselho, de que se não oppõe, antes estima que se nomeie a commissão, isso é muito louvavel da parte de s. ex.ª; mostra que os seus desejos são de que se esclareça toda a verdade, conforme nos affiançou; mas essa declaração quanto a mim não obsta para que a camara não approve a proposta para a nomeação de uma commissão de inquerito, que alem de desnecessaria depois do inquerito a que o governo mandou proceder, póde importar uma usurpação das attribuições da outra camara, e tem o inconveniente de alliviar o governo da responsabilidade de informar a camara de todas as occorrencias que tiveram logar, tomando a camara a que lhe não pertence (apoiados).

Por todas estas rasões voto contra a proposta, apesar da declaração do governo.

Vozes: — Muito bem.

(Durante o discurso do seguinte orador, entraram os srs. ministros da fazenda e da justiça).

O sr. Marquez de Vallada: — Principiou expondo parecer-lhe que em volta do ataúde da constituição se está vendo cerrar a ultima pedra da campa sobre a derradeira epocha da liberdade! É passou a averiguar, pela historia do passado, se estas palavras que lhe irromperam espontaneamente dos lábios, encerravam uma verdade, ou eram effeito de uma preoccupação do seu espirito. Esperava que as phrases que ía pronunciar não parecessem impregnadas do odio das paixões, pois até nas palavras deseja que essa mesquinha paixão esteja tão afastada d'elle, como de certo o está do seu coração.

Vozes: — Muito bem..

O Orador: — As palavras devem ser severas, expremindo a verdade dos principios, e do sentido segundo a mesma verdade, e n'este caso ainda quando as palavras possam involver censura que é merecida, ellas podem ser proferidas do alto da tribuna, o caso está em que não demonstrem idéa alguma de odio, nem especie de animadeversão contra pessoas (apoiados).

A esta sua proposição se opporá que estando nas questões de que se trata involvidas pessoas, como tal se poderá praticar? Responderá que o meio é facil. Pôde se, exprobrando-se unicamente o mal, reprovando o acto, e fugindo sempre a personalisar, para que nunca possa parecer que se está dominado pelo sentimento do odio, que é um sentimento que não póde ter entrada no coração do christão.

Não póde comtudo deixar de chamar á memoria de todos o que diziam e faziam quando estavam na opposição os que hoje são partido dominante, e que têem os seus representantes nas cadeiras do poder! Parece-lhe sentir-se transportado n'aquella occasião á epocha de 1845, e ver em sua presença os jornaes que combatiam a politica que regia n'esse tempo. Parecia-lhe mesmo ouvir ainda os gritos das praças em continuas accusações ao governo, que lhe não compete agora defender, por isso mesmo que nunca lhe pertenceu responsabilidade alguma. Unicamente como lembrança da historia, diria que ainda se lembrava de ouvir esses lamentos tão repetidos, por atrocidades praticadas junto á uma eleitoral, e isto principalmente quando se fallava em Alvarães e Porto de Moz! E tantos eram os gritos de morte contra esse ministerio, que até se levantavam pendões com letras de sangue, e assim eram mostrados ás turbas como pendão de guerra, lamentando-se a sorte do povo como victimas, e apontando-se os ministros como traidores e inimigos da liberdade! Então os que levantavam o pendão é que se attribuiam a qualidade essencial para ser governo capaz de manter e fazer respeitar as justas e verdadeiras liberdades! Mas que mudança a de hoje nesses mesmos individuos.

E bem certo que nos bancos da opposição se acostuma o homem a amar a liberdade, e nos bancos do ministerio a respeitar o principio da auctoridade! Mas assim como entre a, liberdade e a anarchia ha um abysmo separado por um muro de bronze, tambem entre a legitima acção dos poderes publicos e o despotismo ha outro muro de bronze, que jamais se deve consentir se desmorone, para evitar a precipitação no outro abysmo.

Que significa porém tudo quanto hoje se presenceia? Significa, alem de tudo o mais, uma grande necessidade, que era justamente o que, elle orador, tencionava fazer sentir quando se discutisse n'esta camara a resposta ao discurso da corôa, e que não póde levar a effeito, porque um acontecimento que o contristava então lhe impediu comparecer ás sessões da camara n'essa occasião. Se não fóra esse impedimento teria então pedido ao sr. duque de Loulé (entre outras cousas que desejava solicitar-lhe do alto da tribuna) que reformasse o nosso diccionario politico; mas esse pedido que então não lhe podéra endereçar, hoje o fazia. Pede pois com todas as veras a s. ex.ª que trate de reformar o diccionario politico, e que seja s. ex.ª mesmo o seu com-

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mentador, para bem se poder conhecer onde estamos e para onde caminhámos.

Em outras epochas pugnava-se muito pela liberdade dos cidadãos e pela liberdade do voto, hoje esses homens achando-se senhores da situação dirigem-se a todos que com elles não estão, accusando-os geralmente de reaccionários e inimigos até do throno e da liberdade! É necessario pois que se veja, conheça e defina bem qual é a acção malefica e a reacção criminosa: saiba-se quaes são os inimigos da liberdade e da constituição. Não póde elle orador escusar-se pois a emittir outra vez a sua opinião em tantas occasiões manifestada n'esta tribuna, e estygmatisar o crime onde quer que elle esteja, combater todos os actos attentatorios contra as instituições liberaes e prevenir os poderes publicos, para que estejam de atalaia e vigilantes sobre o abysmo a que se corre por este estado lamentavel e assustador, a que têem conduzido todos esses homens que nunca podem ser acreditados, que nunca podem ser considerados como amigos da dynastia da Senhora D. Maria II, e que nunca deram provas de respeito pelas instituições constitucionaes, como se demonstra pela historia do seu passado! Homens que só empregam a força para assim poderem obter que triumphem as suas idéas! Para taes homens não ha principios nem lei, lançando mão de todos os meios, e seguindo o seu capricho partidario, porque não é mais do que um capricho partidario esse desejo, essa vontade sempre manifestada de defender todas as illegalidades, e de proteger todos os attentados contra a liberdade e direitos dos cidadãos! Illegalidades e attentados que a historia tem registado, e que todos os homens lamentam, reconhecendo que não é possivel defenderem-se. Perguntará pois aos homens do par tido do sr. presidente do conselho, a esses que o sustentam no poder, se s. ex.ª tenciona estabelecer agora algum santo tribunal de inquisição politica, sendo os membros desse partido os inquisidores politicos de uma nova tyrannia? Era tempos passados, e que já lá vão, havia um tribunal inquisitorial que processava e condemnava os que eram accusados de anti-religiosos, hoje porém, em que se diz que ha liberdade e que sequer o progresso, apparecem os inquisidores politicos que perseguem por todos os modos e maneiras aos que não apoiam o governo, chegando com desprezo das leis a espanca-los junto á uma, quando ali vão exercer os seus direitos de cidadãos! (Apoiados.)

Elle orador lamenta e estygmatisa esses tristes acontecimentos, como acabava de o fazer o digno par, o sr. Sebastião José de Carvalho, e repetia o que havia dito um outro digno par, o sr. Rebello da Silva: tornámos aos tempos das suspeições politicas! Tornámos a esses tempos calamitosos, em que os excessos e as violencias têem derribado thronos, e acarretado comsigo a queda de dynastias! Isto é a verdade, verdade que a historia imparcial tem registado!

Não pretendendo offender, nem se quer dirigir a menor censura a partido algum, devia reconhecer-se comtudo que d'aquella tribuna, que elle orador occupava, se tem por obrigação dizer toda a verdade, e é mister portanto recorrer consecutivas vezes á historia do passado. Houve n'este paiz um governo, que já passou, e esse governo seguiu um systema errado e mau para elle e para o paiz. Qual foi esse systema? O de perseguir e encher as prisões de homens suspeitos de idéas que não podiam concorrer para nenhum mal; e esse systema foi estabelecido por uma camarilha infesta e perigosa que aconselhava o principe que hoje se acha proscripto; camarilha que assim acarretou a queda de um throno e a desgraça de um principe a quem não valeu um exercito, do 80:000 homens, porque o paiz repellia a perseguição e o terror! E se isto é assim, e se ainda lembram os cacetes de fita azul e encarnada, como é que se quer agora substituir esses cacetes por outros de fita azul e branca?

Disse, e de novo repetia, não serem seus intentos offender alguem por ter seguido esse partido, porquanto respeita as opiniões de todos, e muito mais as d'aquelles que, com quanto se filiassem nas idéas de tal partido, lamentavam que então se tivesse adoptado tão pernicioso systema de terror. Não póde porém, em vista dos factos, deixar de exclamar: vós homens a quem horrorisava aquelle systema, vós que ainda hoje o estygmatisaes, vós que tendes combatido o partido que o seguia, como é que praticaes agora o mesmo que havieis condemnado? E porque os homens que assim procedem são homens que não têem principios, são homens que servem a todos os governos e a todas as situações, são homens que tudo adoptam e tudo apoiam, comtanto que d'ahi lhes provenha algum interesse, importando-lhes pouco as idéas, e não menos os principios.

É pois muito notável que os homens que alcunham outros de menos liberaes, e de estarem ligados com, os inimigos do throno constitucional sejam os proprios a dar tão repetidas provas e demonstrações de que desejam levantar o pendão de despotismo e da perseguição, o que comtudo elle orador espera não chegue a alcançar triumpho. Os verdadeiros amigos da monarchia constitucional são aquelles que desejam sinceramente que o throno se acerque de todos os portuguezes, quaesquer que sejam as suas opiniões que a todos attenda e a todos faça manter os seus direitos; porque o monarcha não é só de um partido, mas de todos os portuguezes; o monarcha não deve ser rei de camarilha, mas do estado e de todo o paiz, e quem de outro modo o aconselha não lhe dá bom conselho, mas antes o atraiçoa, porque a historia bem alto proclama as tristes consequencias de tal systema! Infelizmente porém o que se vê hoje? Os fuzilamentos dos cidadãos na occasião em que vão exercer um dos mais sagrados dos seus direitos; vemos os espancamentos e os decretamentos de morte contra quem ousa defender as suas opiniões! Bem é para recordar aqui a historia da revolução de 1793 e sirva ella de exemplo! Repare-se bem no systema ide oppressão d'essa epocha, e veja-se depois o, que se lhe -seguiu! Nem um, nem outro systema deseja elle orador, protesta contra ambos, porque detesta a anarchia das massas populares que ousam invadir as prerogativas do poder, assim como detesta o systema dos que pretendem empunhar as armas da auctoridade para com ellas estabelecerem o despotismo e destruírem os direitos dos povos.

Teve necessidade de fazer estas reflexões, porque tem obrigação de chamar a attenção dos homens publicos para a historia do passado, e dizer aquelles que o combatem, que perderam todo o direito de lançar censuras sobre esse passado. Entre-se, como disse o sr. presidente do conselho, entre-se no caminho da legalidade; mas pede ao governo que seja elle o primeiro a dar o exemplo de respeito e acatamento aos principios constitucionaes, fazendo-os manter e afastando-se da influencia de facções que lhe não podem dar senão um apoio momentâneo e perigoso, porque hão de arrastar comsigo a anarchia para o governo, a desgraça para o paiz, e a desordem para a administração.

Mas ainda uma reflexão sobre o que disse o sr. presidente do conselho; que era o governo que tinha o direito de demittir qualquer empregado. É verdade, mas a camara tambem tem o direito de velar pela manutenção da constituição, e de examinar a conducta do governo para approvar ou condemnar o uso que elle faz da sua auctoridade. Entendo portanto que a nomeação da commissão proposta pelo digno par o sr. Sebastião José de Carvalho não vae contra o que dispõe o regimento da camara; e por esta occasião pede licença ao digno par o sr. Xavier da Silva para lhe dizer, que s. ex.ª foi um pouco exagerado quando fallou; parecia mais ministerial do que o proprio sr. duque de Loulé; porque s. ex.ª, o sr. presidente do conselho aceitava a nomeação da commissão, ao passo que o digno par a recusava com toda a vehemencia.

Concluindo as suas reflexões, pedia licença acamara para terminar, fazendo votos para que scenas da ordem das apontadas se não repitam a fim de que todos possam continuar a emittir á sombra da arvore da liberdade, as suas opiniões sem receio de factos que a historia regista com letras de sangue.

O sr. Osorio de Castro: — Sr. presidente, ainda ha pouco o digno par, o sr. Rebello da Silva, fallando n'esta casa com aquella illustração e proficiencia que todos lhe reconhecemos, repetiu justamente o que eu sinto, dizendo s. ex.ª que era com repugnancia que entrava na questão.

Parece-me, sr. presidente, que não é rasoavel o pedido do sr. Sebastião José de Carvalho, et eu vou mostrar á camara as rasões que tenho para assim o julgar.

Depois das palavras proferidas pelo sr. presidente do conselho, depois de s. ex.ª dizer que o governo desejava mais do que todos, que se inquirisse sobre os acontecimentos e se apurasse a verdade, para que vem tambem todas essas asserções apresentadas pelo digno par, o sr. marquez de Vallada, recordando tempos desgraçados, em que se não observavam as formulas liberaes, tão exactamente como hoje? Sr. presidente, se houve tempo em que se commetteram escandalos, tenho a coragem de dizer que não seria a minha voz n'esta casa que os viria defender. A garantia mais especial do governo representativo é a independencia e liberdade da uma (Apoiados.); por isso ainda ninguem se levantou contra este santo principio, e o sr. presidente do conselho, o representante do partido que se diz mais liberal e que effectivamente o é, nunca podia attentar contra tão sagrado principio.

Mas, sr. presidente, não é esta a questão de que se trata agora, trata-se da responsabilidade que cabe ao governo pelos actos praticados em Villa Real. Disse-se que tinha sido dissolvida a camara municipal de Alijó, e perguntou-se se o governo tomava a responsabilidade d'este facto praticado pelo ex-ministro do reino. O sr. Presidente do conselho não só respondeu que tomava a responsabilidade, como não podia deixar de tomar, mas collocou immediatamente a questão no, campo em que ella devia estar; por isso que, quando se enviou a nota de interpellação, não se disse quaes as preguntas a que s. ex.ª devia responder e apesar disso o sr. presidente do conselho apresenta-se aqui e diz: eu tomo a responsabilidade de actos praticados durante o ministério de que tenho feito parte; o que não posso é saber quaes foram os motivos que levaram os meus collegas que deixaram de o ser, praticar esses actos. Isto é exactamente assim. O que eu entendo é que o conselho d'estado é que póde bem avaliar os motivos por que a camara municipal de Alijó foi dissolvida. No entanto sempre devo dizer, que se ella foi dissolvida é porque houve motivo para isso.

Sr. presidente, eu não combato a eleição da commissão de inquérito, por isso que o sr. presidente do conselho acaba de dizer que a approva, mas peço licença para declarar que, quando se pozer á votação, hei-de votar contra; porque eu entendo que a camara dos pares tem direito de nomear uma commissão de inquerito para negocios que são da sua competencia, mas não o pôde fazer nos que o não são, como muito bem disse o sr. Xavier da Silva. Mas, sr. presidente, póde uma commissão d'esta camara, nomeada para similhante fim, dar andamento a este negocio? Parece-me que não. Então não ha uma grande inconveniencia em se começar uma cousa, que já se sabe de antemão que não póde ter um resultado?! A commissão póde dizer: o governo deve ser accusado ou não deve ser accusado; no caso porém em que ella diga que o deve ser, quem o ha de accusar, e aonde ha de ser accusado?

E por estes motivos que eu não posso votar pela nomeação, da commissão.

Perguntou-se ao governo — o que houve em Villa Real? Responde elle: Já mandei syndicar, já, nomeei um empregado para ir aquelle districto saber o que se passou. Então que actos do governo ha de a commissão examinar?

Sem virem as informações póde o governo ser accusado de alguma cousa?

Depois, sr. presidente, perguntou-se tambem ao sr. presidente do conselho que tinha elle feito em relação ao governador civil? Manteve-o o governo afastado do seu districto? Porque o não demittiu? Perguntou-se tudo isto?...

Pois o governo podia demittir o empregado sem ter rasões para o fazer?! Pois por ser empregado publico, deixa de merecer certa consideração e ser cidadão portuguez?! Disse-se que devia ser demittido, porque contra elle se tinham dirigido ao governo muitas representações; e quantas não recebeu tambem o governo abonando a sua conducta? Parece-me portanto que o governo andou bem suspendendo apenas toda acção d'esse empregado, e mandando inquerir sobre o facto. Ora, parece me que depois de se saber toda a verdade é que o governo póde vir ao parlamento e dizer: demitti ou não demitti este empregado; mandei ou não processa-lo. Por isto é que nós deviamos esperar; e se quando esse inquerito chegasse, o governo não desse conta d'elle, então é que poderiamos propor um voto de censura ao governo. A commissão de inquerito não é pois, por emquanto, necessaria; só depois da camara estar informada pelo governo é que póde apresentar uma moção n'este sentido.

Parece-me que esta rasão é attendivel. Não quero tomar mais tempo á camara e mesmo peço-lhe desculpa do que lhe tomei. O que quiz foi apenas explicar o meu voto, que é contra a nomeação da commissão de inquerito (apoiados).

O sr. S. J. de Carvalho: —.......................

O sr. Osorio de Castro: — Se o digno par e a camara me dão licença, eu explico melhor as minhas palavras. O que eu disse foi —se a camara entendesse que tinha motivo sufficiente para dar um voto de censura, então não necessitava de commissão de inquerito. O facto da commissão de inquerito prejudicava o conhecimento exacto do negocio. Ora, não se achando a camara nas circumstancias de dar logo, em face d'esses documentos, um voto de censura, necessariamente ha de esperar pelo inquerito, e estando já o governo a inquerir sobre o negocio em questão, parece-me que não ha necessidade nenhuma da commissão de inquerito, pois o governo ha de vir dar contas do resultado das suas investigações.

Peço ao digno par que me desculpe te-lo interrompido; mas quiz explicar bem a minha opinião.

O Orador: —..................................

O sr. Presidente: — Ainda ha com a palavra o sr. José Izidoro Guedes, mas o sr. marquez de Niza pediu a palavra para um requerimento antes de se fechar a sessão, e tem o digno par a palavra.

O sr. Marquez de Niza: — Peço a V. ex.ª que consulte a camara se a materia está sufficientemente discutida.

O sr. Izidoro Quedes: — Peço licença a V. ex.ª para fazer uma reflexão. O sr. marquez de Niza pediu a palavra para um requerimento antes de fallar o sr. Sebastião José de Carvalho, quando estava fallando o sr. Miguel Osorio, e não lhe foi dada a palavra. Eu não insisto pela palavra, mas noto ao sr. presidente que a palavra para o requerimento devia ter sido dada antes de fallar o digno par, o sr. Sebastião José de Carvalho.

O sr. Presidente: — Quando o sr. marquez de Niza pediu a palavra declarou que era para um requerimento antes de se fechar a sessão, e por isso não lhe dei a palavra porque não podia suppor que o seu requerimento era para consultar a camara se a materia estava discutida. Agora, se o sr. marquez de Niza conviesse n'isso, eu dava a palavra ao sr. José Izidoro Guedes.

O sr. Marquez de Niza: — Eu insisto e peço a V. ex.ª que queira cumprir o regimento, e proponha o meu requerimento á votação da camara (apoiados). Posto a votos o requerimento foi approvado. O sr. Presidente: — Está a materia discutida e vae ler-se o requerimento para se votar.

O sr. Izidoro Guedes: — Peço votação nominal (apoiados). Já que não tive occasião de fallar, desejo que o meu voto seja conhecido; peço pois a votação nominal.

O sr. Presidente: — Já expuz que o requerimento do sr. marquez de Niza era para antes de encerrar a sessão e não pensava fosse para fechar a discussão, e por isso não dei a V. ex.ª a palavra em primeiro logar.

O sr. Izidoro Guedes: — Eu não censuro a V. ex.ª Approvou-se a votação nominal.

O sr. Conde d'Avila: — Pedia a V. ex.ª que tivesse a bondade de me dizer se põe á votação da camara unicamente a nomeação da. commissão de inquerito, ou na fórma da proposta, para saber como hei de votar.

O sr. Presidente — Eu ponho á votação o requerimento..Feita a chamada foi o seguinte o resultado da votação: Disseram approvo os dignos pares: Duque de Loulé; Marquezes, de Alvito, de Ficalho, de Niza, de Vallada, de Vianna; Condes, das Alcaçovas, de Alva, da Azinhaga, de Fonte Nova, da Louzã, de Mello, de Paraty, de Peniche, da Ponte,.de Rezende, de Sampaio; Viscondes, de Benagazil, da Borralha, de Fonte Arcada, de Ovar.; Antonio Luiz de Seabra, Antonio de Macedo Pereira Coutinho, Francisco Antonio Fernandes da Silva Ferrão,.João da Silva Carvalho, Joaquim Antonio de Aguiar, José da Costa Sousa Pinto Bastos, José Maria Eugenio de Almeida, Julio Gomes da Silva Sanches, Luiz Augusto Rebello da Silva, Luiz do Rego da Fonseca Magalhães e. Sebastião José de Carvalho.

Disseram rejeito os dignos pares: Condes, de Avila, da Ponte de Santa Maria, do Rio Maior; Viscondes, de Condeixa, de Fornos de Algodres, de Soares Franco; Barões, de S. Pedro, de Foscoa; Antonio de Azevedo Coutinho Mello e Carvalho, Alberto Antonio de Moraes Carvalho, D. Antonio, José de Mello, Augusto Xavier da Silva, Carlos Duarte de Caula Leitão, Custodio Rebello de Carvalho, Diogo Antonio Correia de Sequeira Pinto, João da Costa

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Carvalho, José Joaquim do Reis e Vasconcellos, José Izidoro Guedes, José Lourenço da Luz, Luiz de Castro Guimarães, Manuel Antonio Vellez Caldeira Castello Branco, Miguel Osorio Cabral e Castro, Miguel do Canto e Castro, Rodrigo de Castro Menezes Pita e Vicente Ferrer Neto Paiva.

Ficando assim a moção apresentada pelo digno par Sebastião José de Carvalho approvada por 32 votos, e rejeitada por 25 votos.

O sr. Presidente: — A deputação d'esta camara que ha de apresentar a El-Rei o authographo do decreto das côrtes geraes, que fixa a dotação de Sua Alteza o Principe Real, ha de ser recebida por Sua Magestade no paço da Ajuda, segunda feira á uma hora.

A proxima sessão será na terça feira, a ordem do dia é a eleição da commissão de inquerito, e em seguida a discussão dos pareceres n.ºs 326, 327, 328, 329, 330, 331 e 332 sobre negócios de marinha

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas.

Relação dos dignos pares que estiveram presentes na sessão do dia 20 de fevereiro de 1864

Ex.mos srs.: Julio Gomes da Silva Sanches; Duque de Loulé; Marquezes, de Alvito, de Ficalho, de Niza, de Vallada, de Vianna; Condes, das Alcaçovas, de Alva, d'Avila, da Azinhaga, de Fonte Nova, da Louzã, de Mello, de Paraty, de Peniche, da Ponte, da Ponte de Santa Maria, de Rezende, de Rio Maior, de Sampaio; Viscondes; de Benagazil, da Borralha, de Condexa, de Fonte Arcada, de Fornos de Algodres, de Ovar, de Soares Franco; Barões, de S. Pedro, de Foscoa; Mello e Carvalho, Moraes Carvalho, Mello e Saldanha, Augusto Xavier da Silva, Seabra, Pereira Coutinho, Caula Leitão, Custodio Rebello de Carvalho, Sequeira Pinto, F. P. de Magalhães, Ferrão, Moraes Pessanha, João da Costa Carvalho, João da Silva Carvalho, Aguiar, Pinto Bastos, Reis e Vasconcellos, Izidoro Guedes, José Lourenço da Luz, Baldy, Eugenio de Almeida, Rebello da Silva, Luiz de Castro Guimarães, Fonseca Magalhães, Vellez Caldeira, Miguel Osorio, Miguel do Canto, Menezes Pita, Se bastião José de Carvalho e Ferrer.

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