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APPENDICE Á SESSÃO DE 6 DE JUNHO DE 1890 280-A

O sr. Barros Gomes: - Sr. presidente, o digno par, e meu illustre collega, o sr. visconde de Moreira de Rey, fez-nos hontem uma larga narração de todas as peripecias porque passou uma operação de venda dos seus trigos, que a final parece dever realisar-se em condições tão vantajosas que eu não posso deixar de o felicitar, como grande lavrador, que provou ser no decurso da sua exposição.

(Pede a palavra o sr. visconde de Moreira Rey).

Vejo que o digno par pede a palavra; mas parece-me que nada disse que podesse melindrar s. exa.

O que eu disse significa, muito singelamente, que s. ex. tem interesses importantes n'esta questão; mas com os interesses de s. exa. estão os interesses dos agricultores.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: - Apoiado. Essa é que é a questão.

O Orador: - Eu sou o primeiro a declaral-o, para que o digno par não veja nas minhas palavra?, na minha referencia aos particulares interesses que s. ex.º1 representa, nenhuma intenção desagradavel para s. exa. Ainda que se eu me dirigisse a s. exa. de alguma maneira que lhe não fosse perfeitamente agradavel, teria tido para o fazer rasão de sobra; não só pelas injustas accusações que s. exa. me dirigiu pelos meus actos como ministro, como tambem pela maneira aggressiva e até cruel com que s. exa. tratou os membros da commissão que trabalhou no regulamento da lei vigente sobre os cereaes.

Eu não posso deixar de defender os membros d'essa commissão, não porque s. ex. as não sejam muito competentes para o fazer, mas porque nem todos elles têem assento nesta camara; e porque entendo que nenhum digno par nem ninguem tem direito de condemnar os actos de uma commissão de que um ministro acceitou o trabalho, sem reconhecer que é d'este a principal responsabilidade, e de que a elle e só a elle cumpre exigil-a.

Ora o digno par, dizendo que elles assignaram de cruz, e que a essa commissão havia sido imposto por mim o relator, offende a respeitabilidade de nomes como os dos srs. marquez de Rio Maior, José Maria dos Santos, Simões Margiochi e visconde de Coruche, entre outros.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: - Quem eu conclui que tinha sido chamado simplesmente a assignar, foram os membros do conselho do mercado central. Quanto á commissão, responda v. exa., se quizer, pela responsabilidade em que dos actos d'ella entenda dever participar, sem tratar de defender os seus membros por isso que eu não ataquei pessoas, mas só actos.

O Orador: - Entretanto o que eu acho realmente triste é que nomes respeitaveis sejam atacados na ausencia de uma fórma que os póde macular, juntando-se-lhes epithetos, que sempre foram e hão de ser considerados affrontosos.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: - Esse macular de v. exa. dá idéa de ataque pessoal, quando eu, repito, só me referi aos actos.

O Orador: - Em todo o caso, respondendo então ao que mais directamente me diz respeito, declaro, em primeiro logar do modo mais terminante que não impuz ninguem, nem me passou pela idéa, nem podia passar o impor a uma commissão composta de cavalheiros tão respeitaveis um relator qualquer, pois de certo não se me acceitariam taes imposições, nem eu queria desconsiderar os membros da commissão.

Pois membros d'esta camara, pois grandes proprietarios, pois individuos que todos conhecem como tendo dedicado uma consideravel parte da sua actividade ao estudo d'esta, questão importante, acceitavam das mãos do ministro um relator imposto e não protestavam contra essa violencia? Ou seria o ministro tão pouco conhecedor dos homens e das cousas que se deixasse arrastar por um impulso de vaidade e fosse desconsiderar a commissão no proprio dia cru que ella se constituisse?

N'este caso é que a dignidade d'elles não consentiria que se demorassem por mais tempo no cargo para que tinham sido nomeados.

Eu declaro que não impuz nem podia impor á commissão um relator. Ella escolheu-o livremente; e o escolhido foi um dos dois empregados fiscaes, funccionarios dignissimos, que eu havia proposto a El-Rei para serem membros d'ella.

O lado fiscal da questão havia de ser attendido. Para a agricultura é principalissimo.

Se o elemento fiscal fosse desprezado, e pela raia se introduzisse uma enorme quantidade de trigo hespanhol, onde ficavam os benericios que a lei tinha em vista assegurar á agricultura nacional?

O sr. marquez de Rio Maior, que é muitissimo illustrado, no voto que deu separadamente, appellava de umas certas resoluções da commissão, por entender que n'ellas fôra sacrificada a fiscalisação, e com esta o pensamento protector de agricultura, que fôra o inspirador da lei.

Não pense o sr. visconde de Moreira de Rey que estou, fallando com azedume. O digno par, que é susceptivel de enthusiasmo e de calor, que mesmo não falla de outra forma, desculpará que eu accentue com mais energia as idéas que estou defendendo.

Confesso que, não me apavora o receio da accusação a que s. exa. se referiu, e que bem sabia não me poder ser feita n'esta camara. Não sou jurisconsulto, mas com o tempo que tenho de vida parlamentar e a necessidade de estar ao corrente das diversas praxes que lhe são relativas, não podia ignorar que a accusação havia de formular-se na outra casa do parlamento. Mas o que o digno par sr. visconde de Moreira de Rey podia fazer era tomar aqui a iniciativa de uma lei de responsabilidade ministerial que preparasse a minha accusação.

Todavia estou persuadido de que s exa. não quereria que se fosse desenterrar ou rejuvenescer essa arma politica; mesmo porque entre nós existe em todos os partidos e agrupamentos uma benevolencia e uma boa vontade que por vezes tem sido taxadas de excessivas.

Continuando, porém, direi que os empregados fiscaes nomeados para a commissão foram os srs. Calvet de Magalhães e Mattozo Santos ambos dignissimos e apreciados pelo seu caracter, pela sua intelligencia.

A commissão escolheu livremente para seu relator este ultimo, que tambem já fôra relator da proposta de lei dos cereaes na camara dos senhores deputados, o que naturalmente o indicava, e que trabalhou com um afan, com um zêlo e boa vontade por meio dos quaes não só conseguiu vencer innumeras difficuldades á execução da lei, mas ainda, sem contrariar o seu pensamento, ir de accordo, quanto possivel, com o principio de transacção que inspirara a sua elaboração.

D'este modo procurou elle conciliar os interesses diversos representados na commissão, e obteve que, apenas decorrido um mez, fosse o regulamento assente nas suas bases geraes, redigido e discutido para mais depressa se occorrer ás necessidades da agricultura, dando prompta execução ao disposto na lei.

Este funccionario, ao qual folgo de prestar n'este momento a homenagem da consideração devida ao seu talento, aos seus serviços á causa publica, revelou mais uma vez no zêlo extraordinario com que se desempenhou da commissão difficil que lhe foi confiada, estas qualidades emminentes que lhe foram reconhecidas por todos os seus collegas da commissão.

Eu não podia deixar, sr. presidente, de levantar a minha voz, visto ter sido o ministro que os nomeou, para os defender das accusações feitas nesta casa pelo sr. visconde de Moreira de Rey.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: - Eu censurei a obra, e não as pessoas.

O Orador: - Lá chegaremos á obra.

Vamos em primeiro logar ás attribuições do conselho do

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mercado central, com as quaes, aliás, nada tenho. Eu não sei como funcciona o mercado central actualmente.

(Interrupção do sr. visconde de Moreira de Rey, que não se ouviu.)

S. exa. diz que eu ignoro completamente como funccionava o mercado ou que não tenho um intimo conhecimento das attribuições que lhe competem, e eu assevero a s. exa. que, durante a minha curta passagem no ministerio da fasenda, que foi de oito mezes, se me não engano, mais de uma vez fui obrigado a tomar diversas providencias ácerca do mercado, e, já que a elle tenho de referir-me, devo dizer ao digno par que nenhuma instituição nasce perfeita. (Apoiados.)

Todas as instituições, quer politicas, quer administrativas, quer fiscaes, sejam de que natureza forem, obedecendo de certo na sua creação a principios largamente meditados, soffrem no emtanto na pratica modificações, e algumas d'ellas importantes que alteram radicalmente o systema primitivo, porque a experiencia e a effectividade dos trabalhos dia a dia vão denunciando a necessidade de se proceder a ampliações ou modificações, que esses estudos preliminares nunca haviam previsto.

Eu não posso deixar de louvar e de exaltar muito o meu illustre collega no ministerio passado, o sr. Marianno de Carvalho (embora a sua aptidão reconhecida e as suas faculdades excepcionaes largamente comprovadas não careçam de elogio, elogio ao qual de certo não deixaria de associar-se o sr. visconde de Moreira de Rey) eu não posso deixar de louvar, repito, o verdadeiro serviço que elle prestou ao paiz organisando o mercado central ou uma bolsa de cereaes, segundo o mechanismo ou a estructura da" que existem no estrangeiro, onde os commerciantes possam apreciar todos os dias a fluctuação dos preços respeitantes aos generos cerealiferos, e ainda os do vinho, do azeite, do vinagre e de tantos outros artigos de producção agricola nacional que podem ser objecto de transacções mercantis.

A organisação dada ao mercado central pelo sr. Marianno de Carvalho, sou eu o primeiro a reconhecel-o que tem defeitos, e o actual sr. ministro da fazenda em algumas observações que apresentou ante-hontem á camara não perdeu o ensejo de os apontar; mas a verdade é que, apesar de todos esses defeitos, mais de uma vez apontados aos poderes superiores pelo muito intelligente e distincto cavalheiro que está á sua frente não me parece que fossem elles que vedassem ao digno par a realisação dos negocios e transacções que s. exa. tinha em mente.

Diz-se que o mercado não satisfaz, e que parte do seu pessoal não está perfeitamente adaptado ao exercicio das funcções que lhe são commettidas. Convenho em que assim é; mas todos aquelles que têem passado por aquellas cadeiras, sabem perfeitamente a difficuldade que ha em encontrar individuos que tenham as habilitações necessarias, e que estejam nas condições de poderem bem desempenhar os logares que lhes são confiados.

Não contesto o merecimento dos individuos que interferem actualmente no mercado central dos productos agricolas; mas a verdade é que, sendo aquelle estabelecimento uma cousa nova, não admira que appareçam inconvenientes, que a pratica e a experiencia vão consecutivamente corrigindo.

O sr. ministro da fazenda, cujo talento é muito, remodelará todos esses serviços, como e quando julgar conveniente; mas afigura-se-me que tudo o que a esse mercado diz respeito devia estar na dependencia do ministerio das obras publicas.

O sr. Ministro da Fazenda (Franco Castello Branco): - Apoiado.

O Orador: - Estes assumptos agricolas e todos os que com elles se relacionam deviam correr pela pasta das obras publicas, a não ser na parte fiscal, porque essa então cabe unica e exclusivamente ao ministro da fazenda.

S. exa. estudará este assumpto, e de certo se encarregará da defeza dos interesses agricolas; mas, seja como for, o que é certo é que o mercado precisa de modificações. O pensamento foi bom e todo elle se deve ao sr. Marianno de Carvalho.

Mas vamos ao regulamento, á obra da commissão. Para este ponto chamo a attenção do digno par o sr. visiconde de Moreira de Rey.

S. exa., segundo aquella doutrina que tinha estabelecido ha muito tempo, conversando conimigo ácerca d'este assumpto, affirma que a lei não carece de regulamento; prohibia-se a entrada do trigo estrangeiro quando o preço medio do trigo nacional excedesse 60 réis, e com isto tudo ficava dito.

Ora, isto seria muito facil se não houvesse uma quantidade de dificuldades enormes para o traduzir na pratica. Esta lei não prohibe o commercio dos cereaes. Pelo contrario teve muito em vista conciliar os interesses da agricultura com os interesses, quer da industria da moagem, quer do commercio dos cereaes. Não podia, pois, começar pela sua suppressão, nem esse foi nunca o intento do legislador.

Se a lei tivesse por fim coarctar esse commercio, nós teriamos a importação prohibida excepto nas hypotheses marcadas na lei.

Mas a lei não diz isso. A unica cousa que faz é prohibir o despacho para o consumo.

Uma cousa é importar cereaes e outra é o despachal-os para o consumo.

Os depositos geraes que tanto se deseja ver introduzidos no uso do commercio do paiz e que tão benéficos podem ser para o proprio consumidor, parece-me que são a, melhor prova de como se póde na pratica do commercio distinguir as duas cousas.

Mas, sr. presidente, a lei teve em vista não só favorecer os interesses agricolas, sem prejudicar nem ferir o consumo, mas attender á questão magna, á questão importantissima a que se referiu o sr. ministro de fazenda, o preço do pão; e não podia por isso deixar, dentro de certos limites, de facilitar a entrada do trigo estrangeiro, quando este fosse mais barato, para occorrer de prompto á falta de cereaes que houvesse no paiz.

Se tivéssemos limitado a importação unica e exclusivamente ás proporções que a lei marcava, se fossemos importar unicamente um terço das quantidades de trigo consumido por uma fabrica, comprando-se duas partes de trigo nacional e podendo importar-se uma parte de trigo estrangeiro, teriamos realisado o desideratum do sr. visconde de Moreira de Rey.

Mas isto não era possivel na pratica.

As carregações de trigo que apparecessem no Tejo não podiam estar á espera, tinham que desembarcar tinham de ser importadas, e o comprador ao menos tinha uma compensação na possibilidade de comprar aquelle trigo que a lei consentia despachar por um preço menor, e esse menor preço podia beneficiar, sem perda para ninguem, a agricultura nacional, garantindo a possibilidade do preço remunerador fixado por lei para o trigo nacional.

Era este o pensamento da lei.

Não se prohibia a importação de cereaes; mas o trigo assim importado, emquanto não entrasse no consumo, poderia, caso as condições do regulamento o não evitassem, entrar por qualquer fraude no mercado sem se demonstrar por parte do importador o necessario.

N'estes termos o que havia a commissão de fazer?

Havia de deixar de regulamentar cautelosamente o processo d'essa importação e armazenagem para não se originarem fraudes que annullassem o beneficio da lei? De modo algum. Portanto a commissão não podia deixar de fazer o que fez.

Se houvesse já depositos geraes, então appellava para elles e dizia: esse trigo importe-se quando estiver em me-

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lhores condições de preço e na oceano mais opportuna. Poderia ainda recorrer-se aos armazens alfandegados, cujas chaves estão em poder dos empregados aduaneiros. Mas os armazens alfandegados não existiam em condições adoptadas para isso; armazens geraes ainda não existiam; e, portanto, foi necessario transigir com as fabricas, visto terem já os seus depositos para cereaes, mas cercando-se esses edificios da necessaria fiscalisação; transformaram-se então em depositos de retem, onde uma fiscalisação permanente não deixa entrar ninguem, nem sair trigo, sem que a auctoridade fiscal o saiba, e sem que haja sua auctorisação previa.

N'esta serie de combinações, todas destinadas a tornar effectivo o pensamento da lei, assentiram todos os membros da commissão. E agora só me resta lamentar, como já hontem lamentei, que o digno par, que podia apresentar á commissão esclarecimentos importantes, não tivesse tido mais alguma persistencia, chegando a affirmar que alem de um quarto de hora não se podia demorar sem perigo para a sua dignidade no seio da commissão, e que não tivesse ficado para fazer vingar as suas idéas.

Este era um dos pontos graves de accusação contra a commissão.

O que o digno par affirmava era que não se attendia ao pensamento da lei; e eu demonstro que esse pensamento foi respeitado, e que os interesses da agricultura foram attendidos.

Mas vamos agora á outra questão mais grave ainda. Eu creio que segundo s. exa. aqui mesmo disse, tinha-se enganado quando deu o seu voto áquelle projecto de lei cuja iniciativa, s. exa. declarou e eu folgo de repetir, pertence ao sr. presidente do conselho, embora eu tivesse, por dever do cargo, de assumir a gloria da sua apresentação. E digo isto, para que não pareça que quero glorificar-me com a obra alheia. Desde que hontem s. exa. fez referencia á origem da lei, eu folgo de prestar neste ponto, mais uma vez, homenagem áquelle meu collega, que no meio de todas as suas occupações de chefe do governo, se interessava por tal fórma pelos interesses agricolas, que applicando toda a sua robusta intelligencia ao estudo do problema, encontrou uma solução que de momento satisfez aos diversos interesses. Portanto, não quero occultar que á intelligencia e boa vontade de s. exa. é que pertence a elaboração da lei.

Mas vamos adiante.

Pareceu-me hontem, e de certo pareceu a toda a camara, que s. exa. disse que tinha supposto garantido pela lei o preço de 60 réis, e que, portanto, pouco transtorno lhe fazia ficar com o trigo no celleiro até mais tarde.

S. exa. assim o declarou. N'este sentido procedeu mandando a sua proposta para o mercado e pedindo 60 réis por kilogramma do seu trigo.

S. exa. não quiz seguir os trabalhos da commissão, quando não teria visto porque rasões ponderosas a commissão, elaborando o regulamento, interpretara a lei nos termos unicos era que ella podia ser interpretada, determinando em uma tabella as differentes qualidades de trigo, o preço equivalente ao preço limite medio de 60 réis.

Esta tabella foi hontem alvo da acerada critica, por vezes graciosa, do sr. visconde de Moreira de Rey, que disse que tinha sido substituido n'este paiz o raciocinio pelo uso da algebra. Eu sempre julguei que a álgebra representava um meio analytico, para seguir com mais facilidade o raciocinio, para o resumir, para o condensar, para se chegar a um resultado certo com menos esforços de abstracção. Creio, porem, que estava em erro.

(Interrupção do sr. visconde de Moreira de Rey, que se não ouviu.)

Quer a camara saber o que e esta espantosa e extraordinaria álgebra de que se usa no relatorio?

É uma modesta álgebra que todos conhecem, é uma simples regra de tres. Quando se faz uma tabella em que se representa um valor variavel, funcção de outros, quer seja de peso, quer seja de volume ou do quer que seja, esta tabella é quasi sempre filha de uma formula em que entram esses diversos elementos. O digno relator da commissão, o sr. Mattozo Santos, se tivesse apenas redigido a tabella sem deduzir expor a simples formula que serve para o calcular e que é apenas uma regra de tres, a mais simples e modesta que póde empregar-se para a resolução de um problema, s. exa. teria sido menos severo na apreciação que fez do regulamento dos cereaes.

A base que o illustre relator adoptou era muito simples, todos nós sabemos o que actualmente se faz nos mercados, que a venda dos trigos não é pelo volume, nem pelo alqueire, nem pelo litro, é pelo kilogramma. Ora, como o peso do trigo é variavel, o peso do trigo bom, é sempre superior com raras excepções, ao do trigo inferior, e o processo seguido não foi inventado pela commissão, adoptou-se a unidade estabelecida pelos mercados, que é o peso de 1O kilogrammas, partindo do principio que a pratica tem seguido, e que é perfeitamente acceitavel.

Aqui tem v. exa. e a camara a sublime, a inconfrontavel e a incomprehensivel mathematica de que a commissão lançou mão para fazer esta tabella, que o digno par diz que ninguem póde entender e que é incomprehensivel.

Eu tenho reconhecido, pela minha já longa pratica parlamentar n'estas luctas pacificas provenientes da necessidade de cada um defender as suas responsabilidades, que não ha nada mais difficil do que fazer comprehender a alguem o que se não quer comprehender, haja vista a impossibilidade em que se diz estar o sr. visconde de Moreira de Rey para abranger, n'este caso particular, o vasto alcance d'este problema que s. exa. applica aliás diariamente no uso da vida para tudo e em tudo.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: - O que eu comprehendi de menos pelas formulas adoptadas pela commissão, comprehendi de mais pelas algibeiras.

O Orador:- Eu sinto realmente que o digno par não podesse vender o seu trigo por 600 réis, mas o que eu posso asseverar a v. exa. é que não vendi o meu nem mesmo a 580 réis.

Alem d'isso, sr. presidente, o digno par labora n'um equivoco, quando suppõe que o pensamento da lei de que só poderia ser permittida a introducção dos cereaes estrangeiros, quando o trigo nacional excedesse p preço de 60 réis cada um kilogramma, foi sacrificado no regulamento.

Não succede tal cousa; ainda assim confesso a v. exa. que fiquei um pouco assustado quando o digno par se referia a este ponto, porque não estava n'aquelle momento muito presente no que dizia o regulamento a este respeito, e parece-me que a camara tambem ficou um pouco impressionada.

É certo que o regulamento diz que o trigo estrangeiro só póde ser despachado para consumo quando se tenha esgotado o trigo nacional, ou quando este attinja o preço de 60 réis. Falia em attingir e não em exceder.

Pareceu por isso a s. exa. que havia uma grande differença, mas se s. exa. tivesse continuado a leitura do regulamento veria que, dois ou tres artigos depois, umas poucas de vezes se encontra bem expressamente no regulamento, consignado õ pensamento da lei.

Foi este, creio eu, o ponto que mais impressão produziu na camara, e sendo certo que os outros argumentos do digno par não tem tanta força apparente como este, destruido elle, creio ficará attenuado o effeito todo do seu discurso.

S. exa., por exemplo, não viu o artigo 26.°?

(Leu.)

Portanto, á participação, por parte dos moageiros que estão comprando trigo nacional, de que já o não ha á venda se não por preço superior ao marcado na tabeliã, é que, verificado o facto, o conselho do mercado pede que se tomem as necessarias providencias.

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Mas ainda ha mais.

Não viu s. exa. tambem o artigo 34.°?

(Leu.)

Quer dizer, repito, quando o conselho do mercado verificar que se está vendendo trigo por preço superior ao valor da tabella dirige-se então, e só então, ao governo para que elle, de accordo com a lei, decrete o livre despacho dos trigos estrangeiros.

Aqui tem s. exa.

Sr. presidente, quanto ao que se passa no momento actual no mercado, nada tenho com isso.

Lá está o sr. ministro da fazenda para responder, ou corrigir.

Do que estou certo, porém, é que s. exa., como intelligente que é, não prescindirá do mercado.

(Apoiado do sr. ministro da fazenda.)

Poderá s. exa. aperfeiçoar o pensamento do sr. Marianno de Carvalho, mas não aniquilal-o; esse ha de sempre ser respeitado e creio que os proprios lavradores poderão reclamar o melhoramento, mas nunca a extincção de um mercado central assente nas bases geraes da sua actual organisação.

Creio ter respondido, em especial, ao sr. visconde de Moreira de Rey, quanto ás suas allegações contra o regulamento da lei dos cereaes. No que respeita á benevolencia de que o digno par diz estar disposto a usar para com os meus actos, como ministro dos negocios estrangeiros e da fazenda, permitia me s. exa....

(Interrupção do sr. visconde de Moreira de Rey, que não se ouviu.)

Eu agradeço a s. exa. essa sua benevolencia, honro-me muito com ella nas relações particulares; mas não a desejo, não a quero, e até a declino, como homem publico.

Como tal o meu desejo é que os meus actos sejam julgados com justiça e mais nada.

Por exemplo: na questão internacional, embora o digno par o não queira comprehender, se eu convenho em qualquer demora no exame dos meus actos, creia que faço isso por altas rasões de conveniencia que ha em não prejudicar os interesses da causa nacional em negociações ainda pendentes; pondo de parte em presença d'isso e temporariamente os meus melindres pessoaes.

Pois não quer o digno par comprehender quanto, a não ser essa superior consideração, eu seria pressuroso era desfazer as accusações gravissimas de deslealdade e má fé que me foram feitas em uma tribuna estrangeira?! (Apoiados.)

Termino aqui; mas, em vista de algumas considerações do sr. visconde de Moreira de Rey, não podia deixar de me referir tambem a este ponto.

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