92 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
Alem d'esta temos tido outras muitas que têem sido feitas por occasião das eleições, e nem por isso as camaras que têem sido eleitas em virtude d'ellas foram menos independentes.
O digno par, o sr. marquez de Vallada, fallou na corrupção em Inglaterra, na compra de votos; mas eu não sei para que s. exma. trouxe isto para a discussão. Entendo que isto não póde ter applicação para os nossos parlamentos, aonde cada um emitte a sua opinião livremente; o penso que s. exma. não tirou vantagem nenhuma em ir desenterrar os papeis velhos da historia de Inglaterra para os querer applicar aos nossos parlamentos.
A actual camara dos senhores deputados é tão legal como outra qualquer, porque o decreto eleitoral que alterou os circules foi aceito pelo paiz, em uma especie de plebiscito, o qual foi a propria eleição; não se levantou uma só voz contra elle, e a opposição foi aonde pôde ou quiz ir disputar o resultado da urna: não houve uma só violencia, um só protesto, e a camara constituiu-se em dois dias tambem sem ninguem protestar. Só em Ovar é que houve um pequeno motim antes da eleição, e em parte alguma foi precisa a intervenção das auctoridades, nem o emprego das bayonetas ou qualquer outra violencia.
Por consequencia, a camara dos senhores deputados representa a opinião publica livremente manifestada por meio de uma eleição liberrima, e constituiu-se na fórma da lei, e os seus actos são legaes; e tanto o são que o digno par que trouxe esta questão para aqui, está discutindo um projecto que veiu d'aquella casa. Pois se a camara dos senhores deputados é illegal, para que está s. exma. discutindo um projecto que veiu de lá? (O sr. Miguel Osorio: - Peço a palavra.) Demais, é da constituição que esta camara não esteja aberta será o estar tambem a outra, e o facto d'esta camara estar funccionando é uma prova da legalidade da outra.
Sr. presidente, trouxe-se aqui a historia do decreto eleitoral combatido. O governo nomeou uma commissão de pessoas competentes para formar um projecto de lei, afim de ser presente ás côrtes e discutido. Os acontecimentos que se seguiram, todos os conhecem tambem. A camara dos deputados foi dissolvida, e a commissão quando acabou os seus trabalhos deu-os ao governo; mas n'esses trabalhos, que o governo tenciona apresentar, havia algumas disposições que achou proprias do poder constituinte, porque feriam as disposições do acto addicional e, n'esse caso, presumiu o governo melhor publicar um decreto de dictadura, do que assumir esses poderes constituintes. A camara julgará se entendeu bem ou mal.
O governo julgou tambem que na reforma eleitoral havia um ponto, como disse no seu relatorio, muito difficil de resolver no parlamento - qual o numero de deputados. Via o ministerio que era opinião publica ser demasiado o numero de deputados em Portugal, e comparativamente com outros parlamentos estrangeiros era effectivamente excessivo; conheceu tambem ser de necessidade publica, e concordada por todos, que o governo fizesse tambem n'isto alguma economia; se bem ou mal, não sei, mas o governo achou que era bom reduzir o numero sem alterar e mando os principios.
(Os srs. marquez de Sousa e visconde de Algés pedem a palavra.}
Foi uma convicção profunda aquella que determinou o governo a este respeito, porque effectivamente nós não queriamos exercer poder constituinte; mas entendemos que, como acto de dictadura, poderia admitiir-se que fizessemos o que effectivamente se fez, quanto mais que a carta diz que = uma lei ordinaria marcará o numero de deputados =.
O decreto alterando o numero parece que não [...] tanto como se quer dizer.
Mas disse-se tambem que o governo tinha coarctado a liberdade dos cidadãos, e estabelecido principio é de corrupção...
(Interrupção do sr. Miguel Osorio, que não se percebeu.)
Pois bem! Ou acção ou corrupção, seja como o digno par quizer.
Outros entendem que o governo demorou muito esta reforma eleitoral. É verdade que o governo se demorou, porque teve motivos para isso; mas d'essa demora não sei em que resultou vantagem para o governo. Parece que a demora podia mais facilmente prejudicar a acção do governo, se a opinião publica lhe não fosse favoravel.
E se o governo, ao menos é a convicção em que estou, logo depois da dissolução, mandasse proceder ás eleições pela lei que estava em vigor, hão de concordar que alcançava um triumpho maior do que esse que alcançou. Ou as manifestações da opinião publica eram uma verdade, ou não eram. Se o eram, como me parece que todos deviam crer, e o governo mandasse fazer em seguida a ellas as eleições pela lei existente, de certo traria uma unanimidade (apoiados).
Se apoiam uma cousa, hão de apoiar a outra. Logo, a reforma do governo não foi de interesse proprio. Foi porque se convenceu que era de interesse da causa publica. E tanto o governo está convencido d'isso, que ahi está a camara com o numero sufficiente para discutir os negocios publicos, e parece-me que nunca mais haverá 180 deputados, para uma população de pouco mais de 3.000:000 de habitantes.
É um facto que ha de ficar existindo, porque isto não é interesse do governo, mas sim interesse do bem publico.
E não só se economisaram alguns contos de réis nesta reducção, mas tambem se fizeram outras economias n'esta e na outra casa do parlamento, e em muitas outras partes, o que nos fez crear muitos inimigos. Todos proclamam as reformas, todos pedem economias, mas quando ellas chegam a suas casas não as querem, e então as cousas mudam muito de figura (apoiados), não as julgam justas. D'aqui a pouco veremos que tambem não acharão os tributos bons quando lhes tocarem pela porta. O governo bem sabe a posição difficil em que está.
Pensa a camara, persuade se, porventura, que foi por prazer que o governo lançou 10 por cento nos ordenados dos empregados publicos, quando elle é o proprio que está convencido que todos os ordenados são diminutos em relação á posição que os individuos occupam? O que são réis 3:000$000 de ordenado para os encargos que tem um ministro? O que são 2:000$000 réis para os conselheiros d'estado, quando a vida está tão cara, como todos sabem? Com que prazer lançámos nós uma contribuição, que se póde chamar de sangue, aos militares, que vivem sómente do seu soldo?
Creio que o governo deve merecer a justiça de se acreditar, que a força das circumstancias foi que o obrigou a proceder d'este modo.
Escuso dizer á camara quaes são essas circumstancias, porque todos os homens publicos as sabem.
Isto é certo. Chame a isto o sr. marquez de Vallada escola materialista, ou chame-lhe o que quizer, o governo o eme trata de ver e como não ha de gastar senão o que tem e pensar. Tendo lhe ha de vir. Parece-me que quem procede assim não é materialista, porque não póde haver moralidade quando se gasta mais do que se tem.
Não póde haver bom governo sem moralidade, e não ha politico, sem moralidade. O governo não tem dinheiro para satisfazer a todas as necessidades, mas podemos cortar algumas despezas, fazer algumas economias, ainda que com essas economias se não resolva a questão de fazenda; não é possivel, mas as economias ajudam muito, e sem que ellas se façam em larga escala não se póde pedir aos contribuintes que paguem mais do que pagam para as despezas publicas.
A camara sabe o estado do paiz em 1868, e que nós queriamos, e queremos, lançar tributos, mas é necessario justificar que são indispensaveis; para isso foi que pedimos