94 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
uma por uma, o que é facillimo e deve fazer-se para se conhecer a producção approximada de cada uma.
Sr. presidente, eu peço a v. exa. desculpa d’esta divagação, se o é, mas eu acho que todas estas questões se ligam mais ou menos, e por certo é bom hoje, e sempre, chamar sobre isto a attenção do governo.
Quanto ao projecto voto por elle, na supposição que não vem d’aqui diminuição do imposto como pretende o sr. ministro das obras publicas, mas transformação apenas no modo de cobrar o imposto.
Não sei se a base é justamente equivalente, se houve ou não equivoco, se póde haver alguma pequena reducção. Havendo-a, creio tambem que não é efficaz para o consumidor, e tenho apprehensão de que seja desfavoravel para o thesouro. Não quero porém por esta simples apprehensão ficar com o escrupulo de deixar de votar o projecto.
Mas em synthese, e em conclusão, o que eu quereria de todos os governos, de todos os partidos, ministeriaes ou opposicionistas, se. é que ainda ha d’isto, o que eu pediria a todos é que nos inspirassemos da situação em que estamos, em que está o mundo; é que tratassemos todos, não de lisonjear paixõee e classes, mas de mostrar a todos que os interesses do trabalho são um só, que todo o trabalho é entre si solidario, e solidario tambem com os verdadeiros interesses do capital e da propriedade; é que não cuidassemos de crear popularidades falsas, incitando o pobre contra o rico, e o rico contra o pobre, o homem da cidade contra o homem do campo, e o homem do campo contra o da cidade; mas que fallassemos todos a linguagem da rasão, da justiça e da sinceridade, em vez de outra que póde produzir pequenos e momentaneos resultados aos que a fallarem, mas que ha de fazer a desgraça d’aquelles que acreditarem n’ella. (Muitos apoiados.}
Tenho concluido.
O sr. Larcher: — Sr. presidente, eu tinha pedido a v. exa. a palavra para guando estivesse presente o sr. ministro do reino, e visto que s. exa. está agora presente, se v. exa. permitte que use d’ella, não tomarei muito tempo á camara com um incidente alheio á questão de que se trata.
Eu desejava chamar a attenção do sr. ministro do reino para um facto publicado pela imprensa, e que se refere ao comportamento arbitrario do administrador do concelho de Belem.
Não pretendo agitar agora aqui esta questão, tanto mais que me parece dever ella ser objecto de sessão secreta, mas o que peço a s. exa. é que, se o administrador do concelho de Belem exorbitou no exercicio das suas funcções, este funccionario seja punido como deve ser. Se pelo contrario não exorbitou, peço que se reforme a lei que permitte similhantes casos. Sobre este ponto não tenho mais a dizer por ora, e entrarei na discussão do projecto que nos occupa.
Tomando o parecer laconico da illustre commissão de fazenda d’esta casa apenas como uma referencia ao que já fóra dito na outra casa do parlamento, procurei esclarecer-me com o que ali se havia dito. Li o parecer da commissão, li tambem a discussão que ali teve logar, e de tudo tirei as seguintes conclusões:
Entre o creador ou e engordador de gado e o consumidor em Lisboa, interpõem se dois intermediarios, pelo menos, e ás vezes tres quando o marchante não possue talhos aonde possa vender a retalho.
A soberania do marchante ficou demonstrada. O marchante dicta a lei ao contratador ou ao productor com tanto maior absolutismo, quanto a posse exclusiva das pastagens circumdando a Malveira o constitue em condições vantajosas, afastando d’este mercado qualquer outro comprador. Portanto fixa elle o preço segundo o seu capricho e sua conveniencia, e ainda lhe aproveita a vantagem excepcional de não pagar este preço senão depois de elle o ter recebido mais avultado de consumidor.
Vem depois o contratador, agente subalterno, que, para segurar o seu commercio contra as prepotencias e exorbitancias do dictador marchante, exerce pressão no productor e lhe tira a maior parte dos lucros a que este aspirava no exercicio de sua industria.
Ganha consideravelmente o marchante, e poucos ha que não enriqueçam rapidamente, segundo a voz publica, ganha tambem o contratador apesar de avassallado, e se não ganhasse deixaria elle o negocio.
Perde o consumidor, porque paga caro a carne má; perde o productor, porque lhe são cerceados os lucros legitimos; perde a nação toda, porque a industria creadora só lentamente póde progredir tendo de lutar contra estes obstaculos que se juntam aos que por todos os lados lhe tolhem o andamento n’este paiz.
Este detestavel monopolio parece alem d’isto gosar do triste privilegio de obcecar a intelligencia do especulador.
É obvio que se a venda da carne se effectuasse por categorias, e a preço diverso por cada uma d’estas, poderia applicar-se-lhe uma lei de progressão, da qual resultaria um allivio consideravel para o pobre, um onus muito supportavel para o consumidor abastado, e o mesmo lucro medio para o marchante, com a differença, porém, que a este lucro, logrado á custa do creador despojado e do consumidor afaimado, já então se tirava grande parte do odioso que justamente lhe cabe.
Ora, segundo parece, os marchantes têem recusado obstinadamente entrar n’esta via racional receiando tudo quanto os possa afastar da rotina que os enriquece. E notem v. exa. e a camara que este corpo de especuladores, pequeno mas compacto, é tão unido, e obedece tão restrictamente á lei de interesse que o rege, que apenas se lhe perturba este regimen absoluto quando surge um novo competidor nó campo d’estas operações. Immediatamenfe se estabelece a luta, e emquanto ella dura aproveita o povo, porque baixa á porfia o preço da carne.
Bem depressa, porém, o intruso é vencido, e fóra de combate ou admittido na cohorte, de repente se eleva o preço para se curarem as feridas, isto é, para que as perdas provenientes da disputa sejam sanadas por meio de uma indemnisação de guerra que o povo paga submisso.
Cumpre, sr. presidente, que cesse este lamentavel estado de cousas que traz agonisante a população de Lisboa, cujo caracter é tão bondoso que nem sequer lhe veiu á idéa de se revoltar contra os seus oppressores, o que dá rasão tanto mais forte para que os poderes publicos se empenhem na cessação de praticas tão criminosas.
Vejamos pois o que o governo propõe.
O projecto estabelece o direito de 25 réis por kilogramma do peso vivo em vez de 60 réis que paga a carne limpa. Ora, n’uma tabella que eu vi, e que julgo ser verdadeira, acha-se que a proporção entre o peso da carne limpa e o da rez viva é de pouco menos de 50 por cento. Importaria portanto em pouco menos da 30 réis o imposto equivalente; assentou-se comtudo que fosse elle fixado em 25 réis, donde parece dever resultar um deficit de réis 54:000$000 se o consumo se restringisse nos limites da actualidade.
Mas lá estão as leis conhecidas e racionaes da aciencia economica que nos tiram o receio de similhante deficit, e que pelo contrario nos asseguram que, por isso mesmo que diminuo o preço, augmentará a quantidade e crescerá a receita. Esta é a minha crença.
Entretanto, a diminuição do imposto e mesmo a sua eliminação total não bastaria, a meu ver, para produzir os effeitos que se desejam.
Nos artigos 1.°, 2.°, 4.° e 5.° dá o governo provas da sua boa vontade, fazendo quanto possivel para rebaixar os impostos que sobrecarregam o preço da carne, mas isto não basta. Se apenas se dessem estas providencias baixaria naturalmente o preço da carne, n’esta occasião, mas dentro de poucos mezes appareceria de novo a alta, e aproveitaria d’esta diminuição de encargos não o povo, mas a classe dos