DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 107
verno assim pratica não póde ser accusado de ter renegado o seu programma.
Sr. presidente, o governo que está sentado n’estas cadeiras conheço o seu dever, e ha de manter com firmeza as idéas, os principios que sustentou na opposição, procurando rias suas maiorias, tanto d’esta como da outra camara, apoio para leval-os a effeito, e principalmente para cuidar com empenho na reorganisação da fazenda publica e emprehender as reformas e melhoramentos de que o paiz carece, em harmonia com o estado das nossas finanças. Para isso contámos não só com os nossos amigos, mas ainda com o patriotismo do paiz, e os proprios adversarios politicos que, desprendendo-se de quaesquer considerações de interesse partidario, não deixarão de coadjuvar-nos n’este arduo e difficil emprehendimento.
N’este ponto como em todos os mais eu e os meus collegas estamos de perfeito accordo, e havemos de nos conservar unidos.
Sr. presidente, não posso deixar de repetir que comquanto eu esteja muito penhorado pelos louvores que o digno par, o sr. Vaz Preto, me teceu, permitia-me o digno par que os não acceite, pois que pelo modo por que foram formulados, d’elles se poderia inferir que ha algum desaccordo, alguma divergencia entre mim e algum dos meus collegas, o que de todo o ponto é inexacto.
O sr. Visconde de Chancelleiros: — Declarou que não era nem o interesse local, nem o desejo de defender ou, de accusar o governo que o obrigou a intervir n’este debate. Acceitou a declaração do governo de que as eleições tinham sido livres, e via na grande maioria que elle trouxe á camara uma prova segura d’essa asserção. Comprehendia tambem que ellas não significassem ainda o ideal do governo, que aliás não devia ser accusado de guardar uma grande distancia entre o ideal das suas aspirações e a realidade dos seus actos. Depois de haver apreciado-as condições do nosso systema eleitoral, concluiu declarando que a rasão de todos os deficits estava no facto de que sacrificámos á administração á politica, e uma e outra ás eleições.
(O discurso do digno par será publicado na sua integra, quando s. exa. entregue as, notas tachigraphicas).
O sr. Ministro do Reino (Luciano de Castro): — Sr. presidente, não pretendo tomar por muito tempo a attenção da camara. O que desejo apenas é que ella me ouça por alguns momentos, porque julgo do meu dever, como ministro interpellado, dar algumas explicações.
Não acompanharei o sr. visconde de Chancelleiros na digressão humoristica que fez. Concordo com algumas das considerações que foram feitas por s. exa., e que podem ser applicadas a todas as situações e governos de Portugal; mas a essas não pretendo eu agora referir-me. Permitta-me, porém, s. exa. que ponha reparos a duas observações que fez: uma com relação á ultima nomeação de pares, e a outra ácerca do imposto do real de agua.
Parece-me que s. exa., através das suas palavras, quiz lançar um certo desfavor na nomeação de membros d’esta camara, que ultimamente se fez; mas devo dizer ao digno par que o partido progressista não faltou ao seu programma, no qual, em um de seus artigos, inscreveu a reforma da camara dos pares, e não renuncia a essa parte do seu programma; mas como o partido progressista chegou ao poder em uma situação extraordinaria, acceitou essa situação como estava, e a qual elle não tinha creado.
Era necessario acudir em primeiro logar á questão financeira, applicando-lhe os remedios de que ella carecia, e fôr isto que fizemos.
O proprio digno par reconheceu que a questão do fazenda, era a mais grave, como queria então s. exa. que nós antepozessemos a esta questão, a questão politica?
A situação economica era embaraçosa e não foi o governo que creou aquella situação, achou-a creada; o governo não creou as difficuldades, mas era urgente remedial-as, e não foi por essa circumstancia que se póde dizer que o governo rasgou as paginas do seu programma; o governo está firme nos seus principios, e ha de cumprir lealmente as idéas que formulou no seu programma; não está aqui um ministerio composto de renegados, mas de homens de bem; que se associaram para a realisação de uma idéa, é hão de realisal-a á medida que lhe for sendo possivel.
Já vê pois o digno par, pela explicação que lhe dei e pela, propria idéa de s. exa., que o governo não podia antepor á questão economica a politica.
Referiu-se s. exa., o sr. visconde de Chancelleiros, á nomeação dos novos pares; s. exa. comprehende facilmente que o governo, carecendo de fazer passar as medidas de fazenda, não podia deixar de reforçar a sua maioria, e sem que por modo algum esse facto signifique contradicção flagrante do programma do governo. Eu faço justiça ao digno par, e s. exa. concordará que a necessidade que motivou a nomeação dos novos pares é mais uma prova evidente de que não trahimos o nosso programma.
Ha outro ponto ainda a que s. exa. se referiu, foi ao imposto do real de agua: o digno par sabe perfeitamente que não foi este governo que creou aquelle imposto, que é um resultado dá lei de 4 de maio de 1878, proposta pelos nossos antecessores: n’este imposto estava encorporado o imposto da circulação e o da renda, foi contra estas duas idéas que nós nos insurgimos e combatemos nas duas casas do parlamento, e eu pela minha parte na camara dos senhores deputados tive a honra de ser dos primeiros que mais combateram a creação d’aquelles impostos; ora desde o momento em que nós não lançámos mão d’estes dois impostos, onde está aqui a flagrante contradicção e a infidelidade dos principios inscriptos na nossa bandeira?
Sr. presidente, eu creio que respondi aos pontos feridos principalmente pelo digno par que me precedeu, e nunca, prestei até toda a attenção, para que me não accusem de não responder ás observações de s. exa.
Sr. presidente, ainda algumas, mas poucas palavras em. resposta ao digno par auctor d’esta interpellação.
Continuo dizendo que n’este logar não está José Luciano de Castro, mas um ministro da corôa, e só como tal eu posso fallar n’esta camara, porque me não cabe à honra de ser membro della: o homem portanto desapparece, e fica o funccionario.
O individo some-se nas funcções que exerce. Deixo por canseguinte de parte todas as apreciações menos favoraveis todas as insinuações pouco affectuosas que o digno par fez da minha pessoa e do meu caracter, porque estas questões não são para aqui. A camara respeita-se muito para poder admittir, em logar de uma discussão de principies, um pugilato pessoal, que não é proprio d’esta casa, nem de ruim, (Muitos apoiados.) nem do logar que occupo.
Sr. presidente, eu sou um homem perverso, um homem rancoroso, um homem depravado, sou tudo quanto quizer o digno par; e comtudo folgo de o declarar, que não era este o conceito que fazia de mim s. exa. ainda ha poucos mezes quando me procurava na secretaria, confundido com a turba dos pretendentes, esperando horas e horas que eu lhe concedesse alguns momentos de conferencia! Então não era eu como o digno par diz que agora sou. O digno par conhece-me ha muitos annos, e eu persuadia-me que s. exa. me julgava com outras qualidades; mas agora vejo que não Ha defeito que eu não tenha.
Sr. presidente, eu posso assegurar a v. exa. que emquanto essiver n’este logar hei de procurar desempenhar as minhas funcções com a cortezia e delicadeza que elle requer. Aqui não posso ter paixões. A unica paixão que me é permittida é a- de servir bem o meu paiz e zelar os interesses publicos.
Eu tenho o animo bastante firme para supportar todas as tribulações moraes, porque os homens publicos são obrigados a supportar com paciencia todas as affrontas e injurias que lhes podem ser dirigidas quando se pretende de-