DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO4 109
Foi para evitar que os administradores de concelho fizessem nomeações de cabos de policia de modo que se podesse julgar que havia intuito de por esse meio querer o governo intervir nas eleições, que fiz expedir a portaria a que o digno par se referiu.
Tenho em meu poder uma carta do proprio juiz da, Manha, a qual não tenho duvida nenhuma de apresentar ao digno par, uma carta em que s. exa. me diz que a nomeação de cabos de policia foi feita por exigencias impreteriveis de ordem publica.
No districto de Castello Branco manteve-se, pois o respeito á lei e ás prerogativas eleitoraes.
Se o digno par interpellante apresentar n’esta camara documentos com que prove que as auctoridades exorbitaram, ha de ser prompto o castigo d’ellas, creia s. exa. O governo não tem outro proposito senão o de satisfazer aos principios exarados no seu programma.
A camara dos dignos pares tem ouvido a accusação e a defeza. Eu tenho dado todas as explicações que me cumpria; não posso dar outras, excepto se novamente for provocado a responder sobre assumptos diversos d’aquelles a que se referiu o sr. Vaz Preto.
A camara a opinião publica, o paiz, que avaliem de que lado está a rasão.
Quanto a mim creio ter justificado plenamente o. procedimento do governo.
O sr. Miguel Osorio: — Requeiro a v. exa. que consulte a camara sobre se permitte que seja prorogada a sessão até terminar a interpellação que se discute.
O sr. Presidente: — Vou submetter á votação o requerimento do sr. Miguel Osorio.
Acham-se inscriptos o sr. ministro da fazenda e o sr. Vaz Preto.
Os dignos pares que approvam se prorogue a sessão até se ultimar este debate, tenham a bondade de se levantar.
Foi approvado.
O sr. Ministro da Fazenda (Barres Gomes): — Se pedi a palavra sabendo que estava inscripto o sr. Vaz Preto, não foi para me antepor a s. exa., senão para lhe dar uma prova de deferencia justa e devida.
Como .tenho de responder a algumas arguições que me foram dirigidas, pelas quaes se pretende demonstrar que ajudei a influir no resultado das eleições em Castello Branco, por meio de actos do meu ministerio, imprimindo-lhes uma feição partidaria, deixando de lhes imprimir aquelle caracter puramente administrativo que mais convinha aos interesses da fazenda publica, desejava que s. exa. depois, de ouvir as poucas palavras que vou proferir, ficasse habilitado para mais tarde responder aos meus argumentos, se entendesse que elles não eram acceitaveis.
Já o meu collega o sr. ministro do reino se referiu á transferencia do delegado do thesouro de Castello Branco, e disse que esse empregado, indo para a Guarda, vira satisfeita uma aspiração natural que elle mesmo manifestara a mais de uma pessoa.
O sr. ministro do reino não carece de que, eu confirme as suas palavras; mas, associando-me a s. exa., declaro que tambem sei por mais de uma via me constar que tal era effectivamente o desejo do referido funccionario.
Entre as accusações que me foram dirigidas, e de que já os meus collegas demonstraram a injustiça, houve uma que sobre todas me feriu. Não a deixarei passar sem offerecer á camara explicações que me parecem cabaes.
Nas vesperas do acto eleitoral, ou quasi nas vésperas, porque foi em setembro, reconhecendo eu que o serviço das alfandegas estava anarchico, reconhecendo a necessidade de providencias immediatas que levassem, os empregados a occupar os seus logares nas alfandegas respectivas, que os obrigassem ao cumprimento dos seus devrees e das attribuições que as leis lhes marcavam reconhecendo não poder nem dever demorar uma providencia n’esse sentido, publiquei uma portaria em virtude da .qual os empregados aduaneiros, que estavam ausentes, deviam regressar sem demora ás respectivas alfandegas.
Tinham-se tornado geraes os clamores. No Porto, por exemplo, era formal a queixa por parte do alto funccionario fiscal que então dirigia a alfandega da mesma cidade, faltando ali sobretudo certa classe de empregados,, os verificadores, de, que o commercio mais carecia para o despacho de mercadorias.
Em muitas alfandegas, da raia, para onde ha tanto quem deseje ser nomeado e tão pouco quem se preste a occupar os respectivos logares, acontecia que as funcções de aspirantes, e de outros empregados estavam, contra, lei, sendo, desempenhadas por guardas da fiscalisação externa.
O que acontecia, sr. presidente, era que as funcções dos aspirantes, e outros empregados, estavam sendo desempenhadas por guardas. Foi. n’estas circumstancias que publiquei uma portaria como já disse, quasi na vespera das eleições; mas antes de a publicar levei-a a conselho de ministros, e n’elle declarei aos meus collegas que era minha intenção não recuar diante de nenhum pedido a favor d’aquelles empregados, e que uma vez publicada a portaria havia de honrar o meu nome não admittindo nenhuma excepção a este respeito.
E assim procedi. Não podia, pois, acontecer que os dois aspirantes que o digno par disse que se conservaram em Castello Branco, ali permanecessem com licença dada por mim ou por qualquer dos meus subordinados. Declaro que não dei similhante licença, e que, portanto, o facto censurado pelo digno par é menos exacto, não porque s. exa. fosse capaz de faltar á verdade, mas de certo porque o digno par estava menos bem informado.
É certo, porém, como disse s. exa., que aquelles empregados se conservaram bastante tempo no districto de Castello Branco, não indo occupar desde logo os seus logares nas alfandegas a que pertenciam. Mas a verdade é que logo que eu tive conhecimento d’esse facto pelo Diario da Manhã, ordenei immediatamente, e ainda antes das eleições, sob pena de demissão ou suspensão, o regresso d’esses empregados, aos seus logares.
Tenho em meu poder documentos de que não farei uso n’este momento, e que provam o que acabo de affirmar; creio, porém, que a camara fará justiça ás minhas intenções, não suppondo que a pretendo illudir; possuo documentos, como ia dizendo, firmados por amigos politicos do governo, em que se me pedia instantemente que ao menos não fossem aquelles empregados castigados pelo facto de se mostrarem affectos ao governo, em pleno contraste com os restantes funccionarios fiscaes do districto, que guerrearam sem treguas os amigos do governo em toda a parte. Parece-me, portanto, que n’este ponto não posso merecer as censuras do digno par.
Sr. presidente, nas vesperas das eleições chamei a Lisboa um alto empregado da fiscalisação externa, por me parecer conveniente ouvir o seu conselho sobre algumas modificações no serviço que estava tratando de realisar, como de facto realisei. Pois houve quem attribuisse esse chamamento a um intuito politico. Apenas aquelle funccionario me fali ou, declarou me que suspeitara que eu tinha tido esse intento. Disse-lhe então qual havia sido o meu fim, quando o chamara a Lisboa, e que nem a elle, nem a qualquer outro empregado recommendava senão a mais completa abstenção no acto eleitoral. Mas na antevéspera das eleições aquelle empregado fiscal procurou-me p disse-me: «Se v. exa. deseja que vá á eleição, vou e levo os meus guardas todos. Tenho feito isso em outras occasiões e a pedido de varios ministros. Portanto estou ás ordens de v. exa. Eu respondi-lhe então que não queria, nem podia, nem devia consentir similhante cousa.
Foi esta a minha maneira de proceder n’este assumpto, com todos os funccionarios dependentes do meu ministerio, e emprazo seja quem for a provar que proferi uma palavra ou pratiquei um acto em desaccordo com esta declaração.