110 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
Quanto á transferencia de escrivães e delegados, é verdade que as houve. E podia o governo consentir que auctorisados fiscaes estivessem fazendo politica, influindo nas eleições?
V. exa., quedem gerido muitas vezes a pasta da fazenda, com aquella distincção com que costuma desempenhar-se sempre das differentes commissões de serviço publico que lhe são confiadas, de certo terá pleno conhecimento de um facto que na minha curta carreira publica tive occasião de observar por mais de uma vez e que é dos que mais me têem impressionado.
Poucas cousas fazem afastar mais insensivelmente os candidatos opposicionistas do que a transferencia de certos empregados fiscaes. Ora não sendo esse empregado proprietario na localidade não tendo nenhuns outros elementos, de influencia senão os que lhe facultam a sua posição official e o logar que occupam, é de presumir que muitos abusem da sua posição para influir no acto eleitoral. N’estas circumstancias entendo que por muito doloroso que seja o expediente para as opposições não ha meio roais curial para se obviar a um abuso tão grave do que a remoção d’esses empregados, logo que se prove que elles se aproveitam da importancia das suas funcçoes para se transformarem em agentes eleitoraes. E ao ministro cumpre proceder assim, por isso que em logar do cumprirem com os seus deveres officiaes e de se limitarem a satisfazer as suas obrigações, zelando os interesses do fisco, põem de parte esses interesses e essas obrigações- para intervirem no que lhes não compete.
Foi esta a rasão por que me vi obrigado a ordenar a transferencia de alguns empregados fiscaes, tendo em vista unicamente a conveniencia do serviço publico, e ordenei-as porque recebi aviso das auctoridades e mesmo cru alguns casos de amigos do governo, fazendo-me ver que esses funccionarios não cumpriam com os deveres do sou cargo, mantendo na meta eleitoral a imparcialidade que lhes cumpria observar.
N’esta parte devo tambem declarar que a doutrina apresentada pelo ar. presidente do conselho, de que os governos não devera admittir que trabalhem contra elles os empregados do estado, parece-me perfeitamente acceitavel! Não quero com isto dizer que os empregados devam intervir nas eleições a favor das candidaturas protegidas pelos amigos do governo, mas sim que não devem trabalhar nem a favor nem contra, limitando-se a cumprir com as suas obrigações officiaes.
Sr. presidente, voltando á questão dos dois empregados da, alfandega, direi que esta questão a considero eu muito grave, por assim dizer, uma questão de honra para mim. N’um paiz onde tudo é pequeno, onde tudo se move por empenhes e influencias pessoaes. torna-se difficil introduzir qualquer melhoramento na administração publica, sem ter em attenção as pessoas. Eu que me vi cercado de pedidos por parte de muitos amigos meus, que se empenhavam na conservação de certos empregados, e com os quaes pedidos entendi não dever condescender, não podia deixar de sentir, e sentir muito, que se fizesse acreditar em publico que por simples questão de conveniencia eleitoral eu tinha mantindo e enganado os meus amigos.
Nada mais direi sobre este ponto. A questão politica foi perfeitamente
tratada pelo meu collega do reino, e seria inutil estar a occupar-me d’ella. Escusado será tambem dizer que cada um de nós assume a responsabilidade dos actos praticados por qualquer dos membros do gabinete. Somos solidarios, todos nos respeitamos mutuamente, e todos intervimos na administração dos negocios publicos, procurando gerir os negocios dependentes das diversas pastas com a necessaria independencia propria, mas ao mesmo tempo com aquella unidade de vistas e accordo commum, que constituem a força das situações.
O sr. Vaz Preto: — Sr. presidente, posto que eu esteja cansado, a que é, hora vá bastante adiantada, não deixarei da usar ainda da palavra, porque preciso rebater as asserções do sr. ministro do reino, o que farei pela fórma e pelo modo que ellas merecem, o que farei com justa severidade e aspereza.
Antes de o fazer, porém, dirigirei algumas palavras em resposta ao sr. presidente do conselho.
As declarações do sr. presidente do conselho são dignas do seu caracter leal, são taes quaes eu as esperava do ministro serio e grave, são o exemplo que dá o verdadeiro cavalheiro d’aquelle que não comprehende esses sentimentos.
O sr. Braamcamp declarou que tomava a responsabilidade dos actos praticados pelos seus collegas. Esta declaração é tanto mais nobre e elevada, quanto é feita depois do sr. Luciano de Castro exclamar por differentes vezes, que os factos que eu acusava não eram d’elle mas dos seus collegas, que me dirigisse a elles, a quem competia a responsabilidade.
O sr. Luciano de Castro, para fugir á severidade das minhas palavras e á expiação das suas faltas e erros, já desconhecia que os ministerios são solidarios.
O sr. presidente do conselho parece-lhe ene eu lhe fizera elogios, que contrastavam com as censuras feitas ao seu collega do reino, e disse o mais delicadamente que os não podia acceitar.
S. exa. não tem que acceitar nem deixar de acceitar. Eu não soa lisonjeiro, disse apenas o que sentia; se elogiei s. exa. fil-o sinceramente, e pelo respeito que me infunde o seu caracter. Tanto assim o penso, que ainda agora digo que estou convencido, de que s. exa. estimou até a derrota do governo na Idanha, e que talvez mesmo felicitasse o candidato da opposição, porque um cavalheiro não corresponde aos serviços e finezas que lhe fizeram, fazendo guerra crua e perseguição atroz áquelles, a quem acceitou as finezas.
Dadas estas explicações, e antes de responderão sr. ministro cio reino, porque primeiro vou dirigir-me ao sr. ministro da fazenda, direi que a defeza do sr. José Luciano foi miseravel, pequena e mariquinha, tal como era propria do seu caracter.
Sr. presidente. As asseverações ao sr. ministro da fazenda nua são exactas. Tudo quarto eu disse- era e QUO se passou. A exposição singela dos factos que fiz, é a verdadeira.
Os factos foram publicos, ninguem os contesta, nem o proprio governo, que só procura attenual-os.
Eu não me queixei de que e governo mentesse a sua machina eleitoral, nem mo queimaria se visse o governo transferir ou demittir quaesquer empregados do confiança, que procurassem empregar toda a sua influencia contra os candidatos governamentaes; mas o que eu disse foi que o governo não soube manter o seu programma, que elle fôra falseado pelo sr. ministro do reino, que a circular manifesto era simplesmente para lançar poeira nos olhos do publico, que era um documento desgraçado, e que em logar d’esse documento o governo, que estivesse animado do sentimento, e do desejo de ter eleições livres, devia empregar todos os seus esfoços para fazer cumprir a lei eleitoral, eue contém em si as disposições as mais liberaes, e as mais adequadas para manter a ordem e a liberdade de urna. O que eu disse a muito ainda, é que aspirante da alfandega da Aldeia de Ponte andou a golopinar na occasião da eleição em Penamacor, e que eu o víra ali ainda no proprio dia da eleição.
Affirmo-o, e não admitto que o sr. ministro da fazenda divide a minha asseveração,
Sr. presidente, eu não contesto ao governo a faculdade de transferir e demittir empregados que faltam aos seus deveres, o que eu lhe contesto é o arbitrio e o despotismo.
Portanto, censuro o governo por ter transferido empregados distinctos, que tinham sempre cumprido com os seus deveres. Já perguntei ao governe quaes eram es erros e as faltas d’esses empregados. Nem uma só lhe foi apontada.