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N.º 17

SESSÃO DE 25 DE FEVEREIRO DE 1880

Presidencia do exmo sr. Buque d’Avila e de Bolama

Secretarios — os dignos pares

Eduardo Montufar Barreiros
Francisco Simões Margiochi

SUMMARIO

Leitura e approvação da acta da sessão antecedente. — Toma assento na camara o digno par Daun e Lorena. — Ordem do dia: — Interpellação do digno par Vaz Preto. — O sr. Fontes Pereira de Mello declara que não houvera combinação entre elle e o sr. ministro do reino ácerca das eleições de Castello Branco. — O sr. ministro da justiça explica os motivos por que transferira delegados. — Replica do digno par Vaz Preto. — Discursos dos srs. presidente do conselho, visconde de Chancelleiros e ministro do reino.— O sr. ministro da fazenda (Barros Gomes), justifica o seu procedimento durante o periodo eleitoral. — O digno par Vaz Preto sustenta a verdade dos factos que apresentara. — Resposta do sr. ministro do reino (José Luciano). — Considerações do sr. ministro da marinha (marquez de Sabugosa).

As duas horas da tarde, sendo presentes 29 dignos pares, o sr. presidente declarou aberta a sessão. Lida a acta da sessão precedente, julgou-se approvada na conformidade do regimento por não haver reclamação em contrario.

O sr. Presidente: — Consta-me que está nos corredores da camara o sr. Daun e Lorena.

Convido, portanto, os sra. duque de Loulé e Miguel Osorio a introduzirem na sala este novo digno par.

Introduzido o digno par leu-se na mesa a respectiva carta regia, que é do teor seguinte:

Carta regia

Luiz de Carvalho Daun e Lorena, governador civil do1 districto de Lisboa. Eu El-Rei vos envio mui o saudar. Tomando em consideração os vossos distinctos merecimentos e qualidades e attendendo a que vos achaes comprehendido. na categoria 19.ª da carta de lei de 3 do maio de 1878: hei por bem, tendo ouvido o conselho d’estado, nomear-vos par do reino.

O que me pareceu participar-vos para vossa intelligencia e devidos effeitos.

Escripta no paço da Ajuda, em 21 de janeiro de 1880.= EL-REI. = José Luciano de Castro.

Para Luiz de Carvalho Daun e Lorena, governador civil do districto de Lisboa.

Em seguida o digno par prestou juramento e tomou assento.

Deu-se conta da seguinte:

Um officio do ministerio dos negocios da justiça, participando que Manuel Martins Pereira e Antonio de Pina percebiam os vencimentos como correios a cavallo, e que actualmente percebe os vencimentos legaes o referido Manuel Martins Pereira; satisfazendo assim ao requerimento do digno par D. Luiz da Camara Leme, apresentado em sessão de 21 do corrente.

Um officio do ministerio da marinha e ultramar, respondendo aos officios datados de 17 de janeiro ultimo e 21 do corrente, remettendo as relações das gratificações e subsidies não estabelecidos por lei, que são abonados pelo mesmo ministerio, e os quaes foram mandados cessar por despacho de 1 de julho e 1 de agosto do anno passado; satisfazendo por este modo aos requerimentos do digno par Vaz Preto.

O Sr. Presidente — A primeira parte da ordena do dia é a continuação da interpellação annunciada, pelo digno par sr. Vaz Preto ao sr. ministro do reino, ácerca das eleições no districto de Castello Branco; mas como não está presente o sr. ministro, creio, que a camara quererá esperar alguns momentos. (Apoiados.)

O sr. Conde de Castro: — Sr. presidente, peço a v. exa. que consulte a camara sobre se permitte que seja aggregado á commissão de agricultura o digno par sr. Simões Margiochi.

O sr. Presidente: — O sr. conde de Castro pede que seja aggregado á commissão dó agricultura o sr. Simões Margiochi.

Os dignos pares que approvam este requerimento, tenham a bondade de levantar-se.

Foi approvado.

O sr. Vaz, Preto:—Sr. presidente, proponho que v. exa. consulte a camara sobre se approva que se suspenda a sessão por um quarto de hora, visto que não está presente nenhum membro do governo.

O sr. Miguel Osorio: — Parece-me que seria conveniente que se mandasse saber se .estava algum dos srs.. ministros na outra casa do parlamento.

O sr. Presidente: — Já mandei saber á outra camara se lá estava algum dos srs. ministros.

Agora vou consultar os dignos pares sobre se approvam que se suspenda a sessão por um quarto de hora.

Consultada a camara resolveu affirmativamente.

Eram duas horas e vinte minutos. Dez minutos depois entraram na sala os srs. presidente do conselho e ministro do reino.

O sr. Presidente: — Acham-se presentes os srs. presidente do conselho e ministro do reino, e, não resolvendo a camara o contrario, creio que podemos entrar na ordem do dia. (Apoiados.}

Tem a palavra o sr. Fontes Pereira de Mello.

O sr. Fontes Pereira de Mello: — Sr. presidente, serei muito breve.

Não tinha tenção, nem tenho ainda, de tomar parte na interpellação que faz objecto do debate; porém, como fui alludido pelo digno par interpellante, e mais tarde o nobre ministro do reino invocou o meu testemunho e a minha lealdade para que declarasse se effectivamente tinha havido alguma combinação ou accordo entre mim es. exa. acerca das eleições no districto de Castello Branco, algumas palavras preciso dizer.

Depois de ter sido invocado o meu testemunho, não posso recusal-o.

Sr. presidente, declaro formalmente á camara que entre mim e o governo, ou seja entre mim e o. sr., ministro do reino, não houve nenhum accordo com relação ás eleições do districto de Castello Branco ou de qualquer outro districto do reino,

Por esta occasião, como rectificação de um facto, e para evitar um engano, em que me parece que está o digno par interpelante, narrarei successintamente o que se passou a respeito das eleições de Castello Branco entre mira e os meus amigos d’aquelle districto.

Pouco tempo antes das eleições fui procurado por alguns amigos d’aquella localidade, os quaes me disseram que não

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podiam apoiar as candidaturas apresentadas pelo sr. Vaz Preto, porque os seus correligionarios não queriam acompanhal-os. Ora, não querendo nem podendo eu? como opposição, entrar em combinações eleitoraes compôs srs. ministros, é claro que não me restava senão o expediente de abster-me de tomar parte nas eleições d’aquelle districto. Assim o fiz, e disse aos meus amigos da localidade que fizessem o que entendessem, porque o partido, a que tenho a honra de pertencer, se abstinha de tomar parte n’aquellas eleições.

Está explicado de uma maneira cabal o que se passou no districto de Castello Branco em relação á minha pessoa e ao partido regenerador.

Aproveito a occasião para fazer outra rectificação, e apoial-a na natureza das cousas.

Em Castello Branco os partidos militantes têem pouca força. Ali o que ha, como já por vezes se tem dito, são amigos pessoaes do sr. Vaz Preto e adversarios de s. exa., de modo que quando uns estão com o governo, encontram-se os outros na opposição, e vice-versa.

Terminando, repito, que o meu fim não foi tomar parte, no assumpto que se discute, mas unicamente acceder ao convite feito pelo nobre ministro do reino e.responder ás allusões feitas pelo digno par interpellante.

O orador não reviu este discurso.

O sr. Presidente: — Tem a palavra o sr. Vaz Preto.

O sr. Vaz Preto: — Parecia-me mais conveniente que v. exa. concedesse a palavra ao sr. ministro da justiça, que a tinha pedido hontem.

O sr. Presidente: — Eu não sabia se o sr. ministro da justiça queria a palavra sobre o objecto da interpellação. N’esse caso tem s. exa. a palavra. - O sr. Ministro da Justiça (Adriano Machado): — Pouco tenho que dizer, porque foi pouco o que o digno par o sr. Vaz Preto censurou ao ministerio a meu cargo.

Nas cinco comarcas de que se. compõe o districto de Castello Branco, não achou s. exa. que reprehender senão as transferencias dos delegados do procurador regio das de Castello Branco e Idanha a Nova, e a falta de juiz na primeira d’estas comarcas.

S. exa. ainda se quiz queixar de uns subsidios a parochos d’aquelle districto. Mas posso assegurar ao digno par que até hoje não concedi para ali subsidio algum.

Quanto ás transferencias, o digno par sabe que durante toda a campanha eleitoral esteve na comarca de Castello Branco um delegado amigo do digno par interpellante, magistrado que merece a estima de todos. Transferi-o sim, mas só depois da eleição, porque precisei d’elle para uma commissão importante que desempenhou briosamente e com risco de vida, e está hoje muito a seu contento na comarca de Torres Nova». Esta transferencia posterior á eleição não podia ter influido n’ella contra o digno par, assim como não influiu a seu favor a conservação d’aquelle delegado durante a lucta, porque apesar de ser, como já disse, amigo do digno par, não era capaz de faltar ás obrigações do seu cargo.

Quanto á falta de juiz na comarca de Castello Branco, tenho que dizer que nomeei um para ali, em principios de setembro. Este foi depois transferido a requerimento seu para Pombal. Nomeei finalmente para Castello Branco o juiz que estava na Regoa, a quem no mez passado concedi uma licença de trinta dias. Só me póde ser imputado o ter concedido esta licença, mas esta concessão era justificada.

Em regra, os juizes que acabam o sextiennio n’uma comarca, sabem que têem de ser transferidos, e podem prevenir-se a tempo para mudar a sua residencia. Mas era duvidoso se o juiz da Régua transferido para Castello Branco tinha ou não concluido n’aquella comarca o seu sextiennio. Decidiu-se que sim, mas emquanto esta duvida não foi resolvida, o juiz podia estar desprevenido para mudar de domicilio. Era pois de equidade que lhe fosse concedida uma licença, como se tem concedido, até de muito maior praso, em muitos outros casos menos justificados, Eu não tinha motivo para a recusar, porque, não havia queixa alguma, nem official nem particular, contra o serviço do juiz substituto que estava com a vara d’aquella comarca.

Não tem portanto o digno par boa Brasão para me censurar a este respeito.

Quanto á transferencia do delegado da Idanha, é certo que ella foi decretada antes da eleição. Mas o digno par foi o proprio que declarou que este delegado não tomava parte alguma nas questões eleitoraes. Logo a transferencia d’elle não foi determinada por motivos politicos. Poderia dizer-se, que se foi innocente a saída d’este delegado, não O foi a nomeação d’aquelle que devia substituil-o, e que este foi transferido para a Idanha com o proposito de hostilisar o digno par. Mas os factos refutam esta supposição, porque o novo delegado não quiz ir para a Idanha, e eu vi-me na dura necessidade de o demittir, o que só fiz muito tempo depois da eleição.

Este delegado tinha estado em Fornos de Algodres. Por queixas que houve contra elle, procedeu-se ali a uma syndicancia. Pareceu-me que tinha havido da parte d’elle algum excesso, mas sem má intenção, antes com intuito» nobres e louvaveis. Entendi que não ficava bem em Fornos de Algodres e que a sua transferencia era conveniente. Mas seguindo-se esta á syndicancia, poderia suppor-se que era castigo e não simples conveniencia de serviço. Pareceu-me que obviava a esta supposição, transferindo aquelle magistrado para uma comarca mais graduada. Foi este o verdadeiro motivo que me levou a passál-o d’aquella comarca, que é de 3.ª classe, para a da Idanha, que é de 2.ª classe. Mas pense-se o que se quizer das intenções que determinaram estas transferencias, os factos desmentem toda: a suspeita de que, o governo procurasse influir d’este modo na eleição da Idanha, porque o delegado que saíu não pertencia, como o sr. Vaz Preto reconheceu, a nenhum partido politico, e o que foi para ali não acceitou a nomeação e teve de ser demittido.

Assim, os actos praticados no ministerio a meu cargo, que o digno par attribuiu a intuitos eleitoraes, não podem ter similhante interpretação. Sou amigo desde a universidade do sr. Vaz Preto, e nunca tive vontade de o desgostar.

Nos tres circulos da Covilhã, Fundão e Certa, não achou s. exa. que censurar ao meu ministerio. Nem para ali houve nomeações importantes. Os proprios despachos de mero expediente foram raros e sempre muito justificados. Quasi se limitaram á nomeação de juizes ordinarios, e esta nomeação recaíu sobre as primeiras propostas, excepto para dois julgados, em que preferi os segundos, um dos quaes era bacharel formado em direito.

Quando o digno par annunciou esta interpellação, suppuz que s. exa. pretendesse demonstrar que o districto de Castello Branco não estava genuinamente representado na outra casa do parlamento. Mas a demonstração feita por s. exa. provou a conclusão contraria, pelo menos no que diz respeito ao que se passou pelo ministerio da justiça, porque as suas accusações referem-se unicamente aos circulos em que s. exa. venceu a eleição.

O sr. Vaz Preto: — Sr. presidente, em vista da declaração que o sr. Fontes fez perante a camara, eu não duvido de que os factos se passassem como s. exa. referiu. Comtudo, sr. presidente, o que eu disse, e o que agora repito, foi que, quando o sr. ministro do reino resolveu guerrear as candidaturas constituintes no districto de Castello Branco, se disse na imprensa e corria no publico que o sr. José Luciano de Castro se tinha ido rojar aos pés do sr. Fontes. É isto o que eu affirmei, e acrescentei ainda que o julgava capaz disso e de muito mais. Disse tambem que os amigos do sr. Fontes, os regeneradores do districto de Castello Branco, vieram a Lisboa chamados pelo sr. José Lu-

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ciano é se ligaram com o governo para guerrearem os meus amigos e a mini, para o que celebraram e firmaram um pacto muito honroso e muito digno para elles, mas que eu, posso assegural-o á camara, não faria por cousa alguma d’este mundo.

Como tinha promettido mostrar qual o modo como correram as eleições no districto de Castello Branco, fiz uma narração singela e succinta, e descrevi o que se passou nos circulos de que elle se compõe. São factos sabidos pelo sr. ministro do reino, porque por elle foram auctorisados, e sabidos por todos, porque foram bem publicos, bem censurados pela imprensa e por aquelles que tomaram a serio a palavra e as promessas do sr. José Luciano.

Antes de passar a responder ás evasivas e subterfugios do sr. José Luciano, pela muita deferencia que tenho pelo sr. ministro da justiça, responderei ás explicações que s. exa. teve a bondade de me dar. S. exa. sabe perfeitamente a muita conta em que o tenho,, e a consideração que me merece. Custa-me, pois, a acreditar que os factos a que me referi fossem espontanea e livremente praticados pelo sr. Adriano Machado, e por isso creio que s. exa. fôra compellido a proceder como procedeu, por um acto de partidario leal. Faço ao seu caracter a justiça de suppor que o que praticou não foi porque essas fossem as suas idéas, as suas intenções, nem ainda a sua vontade, mas unicamente porque, como partidario leal, não tinha remedio senão tomar a responsabilidade, dos erros e faltas, ou, melhor ainda, das loucuras e desvarios do sr. José Luciano. Permitta, pois, o sr. ministro da justiça que eu affirme que as transferencias no districto de Castello Branco foram devidas á politica e só á politica que foram injustas e absurdas, porque recaíram só sobre servidores dignos e zelosos, e foram impostas para satisfazerem vinganças.

Toda a gente sabia já antes das eleições que o delegado de Castello Branco havia de ser transferido embora aquelle delegado tivesse sido mandado, para aquella comarca pelo sr. ministro da justiça haveria vinte dias, embora elle fosse estranho á lucta eleitoral, e cumprisse o seu dever. No pacto com o sr. José Luciano tinha-se estipulado, que voltasse para Castello Branco o delegado que alli estava anteriormente, porque nenhum outro convinha mais de que elle pela parcialidade que mostrou a favor dos falsificadores das actas, de Villa Velha e de Fratel. Esse glorioso pacto firmado pelo sr. José Luciano, dava todas as garantias d’aquelles que não respeitassem a lei eleitoral, pois collocava na comarca de Castello Branco, juiz e delegado, que se tinham conduzido pela fórma que já disse, na questão das falsificações. Podiam os galopins eleitoraes fazer o que quizessem, de processos estavam livres, ninguem se atreveria a intentar tal, e que commettesse essa ousadia, que o processo era mandado archivar!

Ainda o sr. José Luciano nos pergunta porque não intentaram processos!

Era com estas auctoridades que o sr. José Luciano queria que se intentassem processos? Que confiança poderíamos ter nas promessas do governo, digo, nas palavras do ministro do reino, quando viamos que o administrador do concelho de Villa Velha era um empregado, que deveria estar processado, se o sr. José Luciano soubesse que o dever do ministro é fazer justiça? Porque não mandou s. exa. metter este administrador em processo como já fizera o seu antecessor por elle estar envolvido em contratos de obras municipaes lesivos para o municipio? Este empregado teve uma parte activa nas falsificações de Villa Velha, e por isso convinha muito á politica do sr. José Luciano.

Sr. presidente, sobre esta questão do processo e da causa que o determina, hei de tambem liquidar contas, hei de enviar uma nota de interpellação ao sr. ministro do reino. Tenho aqui os documentos, as provas todas para tractar d’esta questão; mas como não quero com um incidente prejudicar á questão principal, agora tratarei só das eleições feitas pelo sr. José Luciano no districto de Castello Branco.

Sr. presidente, peço ao sr. ministro que conteste estes factos. Duvida alguem que os empregados de fazenda, da administração e das obras publicas andavam em correrias eleitoraes, o ameaçando os cidadãos e eleitores que estavam tranquillos nas suas casas, que elles consideravam adversos aos candidatos do governo?

Entre estes empregados achavam-se todos os falsificadores de Villa Velha e Fratel. Aqui está a famosa machina eleitoral de sr. José Luciano, e aqui tem como ella funccionava!

Sr. presidente, em Villa Velha tambem chegou o furor de nomear cabos de policia.

N’aquelle concelho o administrador não teve o mais leve escrupulo, nem pela consideração, nem pela lei, nem pela posição dos cidadãos, e por isso nomeou cabo de policia um vereador substituto!

Contesto o sr. Ministro do reino este facto. Não o acha muito consentaneo com o programma da Granja?

Estes factos e acenas, em que a maxima liberdade estava dentro da maxima legalidade, passavam-se no circulo de Castello Branco. Quanto á Idanha aconteceu ainda melhor.

E digo ainda melhor, porque havendo n’aquella comarca um grande numero de bachareis formados, nomeou-se um caixeiro para substituir o delegado, que de lá tiraram na véspera das eleições!

Para que se nomeou este caixeiro? Quem era este caixeiro? Como a questão é de factos, contestará o sr. José Luciano que este delegado interino não seja o caixeiro do chefe do partido governamental na Idanha, e que d’elle ou do seu cunhado é que recebe as inspirações, porque analphabeto, apenas sabe das operações de tenda? Foi nomeado de proposito para que não se podessem instaurar processos contra a galopinagem. O sr. ministro da justiça não tem culpa da nomeação d’este delegado substituto, mas sim o juiz que o nomeou.

A Idanha está sem delegado, n’esta parte cabe ao sr. ministro dá justiça uma alta responsabilidade. O sr. Ministro da Justiça (Adriano Machado): - Já não está. Deve ter chegado lá outro?

O Orador: — Posso assegurar a v. exa. que está sem delegado ainda. Um cavalheiro que chegou hoje da Idanha assegurou-me que até hontem que de lá saíra, não tinha ainda ali chegado o delegado.

Aquella comarca tem estado sem delegado, e o juiz é amigo politico do sr. José Luciano. Imaginem como ali terá corrido a justiça. O systema é o mesmo de Castello Branco, os processos archivam-se.

Se eu agora referisse aqui tudo quanto n’estes ultimos tempos se tem passado n’aquella comarca, v. exa. e a camara surprehendiam-se! Fica para outra occasião, porque hei de chamar a attenção do sr. ministro da justiça e pedir-me providencias.

Sr. presidente, tenho aqui nota do que disse hontem o sr. ministro do reino. Vou responder-lhe e espero não deixar de pé um s. dos seus argumentos, tanto póde a verdade e a justiça. Disse o sr. ministro que eu declamei sem adduzir provas. Perguntarei portanto. É eu na» verdade o facto da transferencia do delegado do thesouro de Castello Branco? Consta ao sr. ministro da fazenda que esse funccionario incorresse n’algum erro de officio? Deixou elle de cumprir com os seus deveres? Metteu-se em eleições? Qual o motivo porque foi transferido? Quaes são as faltas que lhe imputam? Quaes são os seus erros?

É ou não verdade que foi transferido o escrivão de fazenda da Covilhã? Quem pediu essa transferencia? A questão de quem pediu, hei de eu aqui tratar. Hei de liquidar contas com o sr. José Luciano de Castro, hei de trazer então á camara um documento vergonhosissimo para o sr. ministro, do reino para ser devidamente apreciado pelos meus collegas. Fica para outra occasião a questão de quem

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pediu! Não a quero ventilar agora, porque não desejo que os assumptos se confundam.

Quem pediu, pois, a transferencia do escrivão de fazenda da Covilhã? Pergunto ao sr. ministro da fazenda sé aquelle empregado é ou não digno? Quaes foram os erros que elle praticou, quaes as faltas que commetteu? A que partido pertence, e quaes as machinações eleitoraes que intentou contra o governo?1È necessario que se responda a tudo isto, Cara que a camara avalie com toda a imparcialidade. O sr. ministro da fazenda, que carece de empregados bons, precisa explicar-se e dar a rasão por que transferiu para peior concelho um empregado muito zeloso no cumprimento dos seus deveres.

Não consta que o funccionario, a que alludo, deixasse nunca de cumprir com os seus deveres; pelo contrario empregou todos os esforços para que se arrecadassem com escrupulo os dinheiros publicos, não tendo contemplações nem para os ricos nem para os pobres, procurando que todos pagassem ao thesouro o que lhe era devido, é o que estava em divida. Porque elle era activo e rigoroso convinha que saísse da Covilhã. Assegurava-se ao sr. ministro do reino que a sua retirada da Covilhã daria tres freguezias de chapa a favor do governo, e a transferencia fez-se.

É ou não verdade que foi antes das eleições transferido o escrivão de fazenda de Idanha a Nova?

Peço tambem ao sr. ministro da fazenda que queira declarar qual foi o motivo da transferencia d’aquelle empregado, e se elle. se envolveu em politica ou praticou algum acto eleitoral contra o governo. Diga s. exa. se aquelle escrivão não é um empregado digno, se não cumpre com os seus" deveres, se tem más informações a seu respeito, e qual a rasão por que foi transferido na occasião das eleições?

Sr. presidente, todos estes actos arbitrarios e de despotismo infrene caiam sobre os empregados. que cumpriam com os seus deveres, emquanto outros negligentes, ineptos, carregados de faltas, eram premiados e collocados em óptimos logares. É do dever do sr. ministro explicar á camara como, procedendo por esta fórma com os empregados zelosos, quer ter bons funccionarios para executarem esses seus projectos, que pretende converter em leis? E por este systema que ha de cobrar as grossas sommas que se devem ao thesouro? É; assim que quer organisar a fazenda publica? É transigindo com os influentes eleitoraes que quer estabelecer a justiça e a moralidade? Outra pergunta ainda desejo fazer ao sr. ministro da fazenda. É ou não verdade, que ao passo que o sr. ministro mandava recolher aos seus respectivos logares os empregados das alfandegas, que estavam fóra d’elles, se dava licença para que fosse- para Idanha galopinar um aspirante da alfandega de Elvas, e para Ponamagor um de Aldeia da Ponte?

(Interrupção do sr. ministro da fazenda que se não ouviu.)

É ou não verdade que estes empregados estavam fóra dos seus logares e andavam em correrias eleitoraes?

Como se justifica ao sr. ministro da fazenda d’esta odiosa excepção tendo mandado recolher outros?

Sr. presidente, o sr. ministro diz que não deu licença, pois se não foi s. exa. que lhe deu licença, alguem lha deu, porque o facto que eu affirmo, e por que respondo, é que elles lá andavam a trabalhar em eleições. O que é certo é que elles andavam a trabalhar nas eleições com licença que alguem lhe dera, alguem que lha podia dar, aliás elles seriam castigados ou demittidos por abandonarem os seus logares.

(Interrupção do sr. ministro da fazenda.)

S. exa. diz que no dia da eleição já lá não estavam. Não é exacto.

S. exa. está mal informado, posso assegurar-lhe que ao proprio dia da eleição vi eu, com os meus proprios olhos, em Penamacor, o aspirante de Aldeia da Ponte. Poderá s. exa. negar o que eu mesmo vi?

Tambem esta minha afirmativa carecerá de documento para o sr. José Luciano?

N’esse caso peço ao sr. ministro que mando a esta camara uma declaração dos respectivos directores, em como elles estavam no dia 19 de outubro nas referidas alfandegas.

Sr. presidente, não contesto ao governo o Direito de demittir e transferir os empregados, e de regular os serviços. Mas o que lhe contesto é o arbitrio, o que lhe contesto é o despotismo, o que lhe contesto é a vingança.

Sr. presidente, eu tenho a convicção intima de ha muito, e sou dos que entendem que os empregados publicos não devem intervir nas eleições, tenho esta opinião; mas, quando vejo que o sr. ministro do reino, chefe de uma repartição, empregado de confiança, e que despacha os negocios mais importantes com o ministro respectivo, adopta o systema de empregar toda a sua influencia, por todas as fórmas que póde, para alcançar votos contra o governo, quando está na opposição, e que quando governo, persegue os empregados que fazem o que s. exa. fazia, indigno-me contra este procedimento, e entendo que um ministro que se preza, procede muito mal, e que por dignidade sua, por coherencia propria, deveria deixal-os livres de toda a pressão para elles votarem como entendessem, e não os mandar trabalhar a favor do governo. Isto é o que faria outro qualquer que não fosse o actual sr. ministro do reino, mas o sr. José Luciano de Castro é capaz disto e de muito mais.

Sr. presidente, estes factos deram-se, praticaram-se. Contesta-os o governo, ousa fazel-o? Quer para os confirmar, o sr. ministro do reino provas e documentos? Leia o Diario ao governo e diga depois que não apresento provas nem documentos. Perguntarei ainda, é ou não verdade que nas vesperas das eleições se passou da 4.ª á 5.ª classe a villa de Penamacor para os effeitos de contribuição industrial? É verdade, ninguem o contesta. O sr. ministro do reino, porém, para tirar a responsabilidade ao governo dia que o procurador da corôa em conferencia com os seus ajudantes, todos jurisconsultos, fôra d’essa opinião.

Sr. presidente eu não contesto a justiça da pretensão.

Eu não censuro o beneficio feito áquella terra, se ella tinha direito a elle; mas o que eu condemno, o que eu censuro, o que eu deploro, é que se lançasse mão d’este expediente eleitoral, e só especulasse com elle para influir na consciencia dos eleitores, O que ou censuro e deploro, é, como se a patria estivesse em perigo, se participasse a toda a pressa ao governador civil este despacho, e o governador civil officiasse logo ao administrador substituto do concelho de Penamacor, e este fizesse um edital que mandou affixar, fazendo-o guardar por cabos de policia. Para que era necessario lançar mão d’este triste expediente? Por que se deu conhecimento do despacho do sr. ministro ao administrador do concelho, e não ao escrivão de fazenda, a quem competia?

Isto tudo é ridiculo, isto tudo é pequeno, isto tudo é mesquinho. Como o sr. José Luciano diz que eu não tenho documentos, torno a ler mais este, que é o proprio original.

.«Edital. — Manuel Joaquim Godinho, administrador substituto de concelho d® Penamacor, etc.

«Faço saber que hoje baixou a esta administração uma participação official do exmo. governador civil d’este districto, que communica que o requerimento dos habitantes d’esta villa, para passar esta terra á 5.ª ordem para os effeitos da contribuição industrial, foi deferido por Sua Magestade.

«E para que chegue ao geral conhecimento e conhecer-se um tão grande beneficio, mandei passar o presente, que assigno.

«Penamacor, 16 de outubro de 1879. = O administrador substituto do concelho Manuel Joaguim Godinho.»

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Aqui tem v. exa. o edital que se publicava; aqui está o documento original; aqui está a maxima liberdade conjunctamente com a maxima legalidade!

o É ou não verdade que se fez este edital? Com que fins se fez elle? Por que motivo se apressou tanto o governador civil a mandar officiar ao administrador do concelho e este a mandal-o publicar? Diga-o sr. ministro do reino, diga-o: não seria melhor deferir ao requerimento, se- elle era justo, passadas as eleições?

Os actos de elevação e de dignidade não são o ideal dó sr. José Luciano.

Se o simples requerimento dos habitantes de Penamacor que dizia respeito a contribuições foi deferido, porque não se communicou, não ao governador civil, mas ao delegado do thesouro o escrivão de fazenda, a quem competia sabel-o?

Pergunto ao sr. ministro do reino, e emprazo-o para que diga o que tinha o governador civil e o administrador do concelho com aquelle despacho; em virtude de que decreto ou de que lei mandou elle fazer, editaes ácerca de resoluções com que não tinha cousa alguma?

É que aquelle edital tinha por fim afficiar votos, obrigar os eleitores, e fazel-os convencer que o que se lhes fazia era um favor do governo, e não justiça.

Sr. presidente, continuarei as minhas interrogações.;

É ou não verdade que pelas obras publicas se ordenou que se pozessem bandeirolas na aldeia de Salvaterra, e que a auctoridade dissesse aos eleitores que a estrada ia tambem começar ali? Quaes eram os fins d’estes manejos e d’estes ardis? Não era outro senão levar á uma os eleitores illudidos. Digo illudidos, porque nenhuma das promessas foi cumprida.

É ou não verdade ter ido o proprio director das obras publicas a S. Miguel de Acha, e ali com grande espalhafato declarar que admirava que no seculo XIX não estivesse ainda canalisado o ribeiro que atravessa a aldeia, mas que elle o faria promptamente, porque tinha ordem do governo?

E ou não verdade que ao mesmo tempo que o director fazia este admiravel arrazoado, es jornaes do governo publicavam, que pelo ministerio das obras publicas tinha sido auctorisado aquelle melhoramento? Quer o sr. ministro do reino os documentos? Leia os jornaes da sua imprensa, ou escusa de os ler, porque é provavel que o sr. ministro fosse o da lembrança de illudir os eleitores pela imprensa.

E ou não verdade que nos mesmos jornaes se mandava annunciar que se tinham concedido cadeiras de primeiras letras, não se tendo concedido taes cadeiras, e que se mandavam estes periodicos para as localidades?

Pois o que é que significava e significa tudo isto? Não é a mais pura e verdadeira corrupção, não é a sophismação do systema eleitoral, e do regimen representativo?

São ou não verdadeiros estes factos?

Eu desejo que o sr. ministro do reino ouse contestar estes factos, e quer prove que não foi por motivos eleitoraes que tudo feto se fizera.

Onde está o programma da Granja? Onde estão as promessas do sr. José Luciano? E isto a moralidade no poder? É isto o respeito á lei? São estes os principies de liberdade da escola democratica?

Deixo estas considerações á apreciação illustrada da camara. - Vamos a um outro ponto.

Disse o sr. ministro do reino, e disse-o como um argumento triumphante, que se eram verdadeiras as accusações que eu tinha feito e que apresentei aqui como um estendal immenso de prepotencias e illegalidades praticadas pelo governo, qual a rasão por- que não se intentaram processos e não houve protestos nas eleições?

Já tinha prevenido no primeiro discurso esta pergunta, não obstante o sr. ministro sempre a fez.

Responder-lhe-hei novamente,

Protestos não se fizeram porque todos os julgam inuteis e inefficazes desde que infelizmente os parlamentos têem dado o triste espectaculo de approvar todas as eleições, por mais falsificadas que tenham sido.

Desde esse momento a descrença tem entrado no animo de todos, e ninguem deixa já de reconhecer que a questão toda é do diploma, e que depois d’elle obtido, embora fosse qual fosse o modo por que se alcançou, de nada servem os protestos.

Por isso não ha já quem queira cansar-se a fazer protestos e despezas para os documentar.

Em. vista disto ninguem está já para empregar os meios que as leis facultam para que se consiga a annullação de uma eleição, porque não confiam em parlamentos que não são livremente eleitos.

Emquanto aos processos não se promoveram em Castello Branco, porque as auctoridades foram collocadas ali de proposito para os impedir.

Sr. presidente, o que infelizmente se tinha passado com respeito ás eleições durante muitos annos, não imaginava eu que se repetisse agora com este governo, depois das promessas do sr. ministro do reino n’esta casa do parlamento, chegando s. exa. a dizer que lhe pedissem estreitas contas se, porventura, tendo de presidir á eleição geral, elle praticasse os mesmos actos que os seus antecessores, de modo que as eleições não fossem completamente livres.

Tenho verdadeiro pezar que não esteja aqui n’esta occasião o sr. conde do Casal Ribeiro, porque de certo s. exa. não deixaria de tomar essas contas ao sr. ministro do reino, por não ter cumprido o seu programma, nem as leis do seu paiz, nem emfim, a sua palavra, o que não me admira. O sr. José Luciano é capaz de muito mais.

O sr. Visconde de Chancelleiros: — Peço a palavra

para um requerimento.

O Orador: — A palavra do sr. ministro do reino com respeito a manter a liberdade da uma não só tinha sido empenhada n’esta casa, mas tambem na outra camara.

Quer v. exa. ver o que o sr. ministro disse ali?

Eu vou ler á camara as palavras de s. exa.; mas antes d’isso devo declarar que eu. a principio acreditei na sua promessa, imaginei que as suas declarações eram sinceras, e que o sr. ministro tinha a peito o seu decoro, que o sr. José Luciano de Castro, estando muitos annos fora do poder, tinha aprendido na desgraça, e que subindo ao poder estava convictamente resolvido a ser coherente e escravo das idéas que tinha defendido na opposição, e a fazer executar as leis.

Enganei-me, sr. presidente, infelizmente para o paiz enganei-me! As nações lucram sempre que. os homens que occupam os logares eminentes, os realcem e não os humilhem.

Sr. presidente, vou ler o que disse o sr. ministro do reino, na camara dos senhores, deputados, por occasião de se discutir ali uma moção de censura ao governo.

Eis as suas proprias palavras:

«Isto explica-se. Como se confia que n’um praso breve não haverá tempo de desmontar a machina administrativa, por isso se levantou o conflicio com urgencia, á pressa, no primeiro momento, contando-se com a resolução immediata da crise, e com as novas eleições dentro de um curto periodo.

«Talvez se não enganem nos seus calculos.

«Queremos liberdade, eleitoral, mas não toleramos que continue a funccionar o machinismo montado durante oito annos em proveito de um partido. Não queremos montal-o em nosso beneficio, porque havemos de assegurar liberdade a todos. Se tivermos de presidir a umas eleições, espero que não terão similhança com as ultimas.»

S. exa. montou a tal machina eleitoral, e não levo a mal que o fizesse, devia mesmo fazel-o. No districto de Castello Branco foi ella montada para assestar os seus tiros contra mim.

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Em verdade, devo dizer que estimei que o fizesse, porque d’esse modo ficaram estremados os campos: nós sustentando com coherencia os mesmos principios e as mesmas doutrinas, conservando-nos sempre no nosso posto de honra, defendendo a nossa bandeira, o nosso programma, de moralidade e respeito á lei e á liberdade eleitoral; o sr. José Luciano falseando o programma do partido, renegando o seu passado de opposição, esquecendo as idéas que tinha sustentado na camara dos senhores deputados, fugindo ás vezes do seu posto de honra, e ministro do reino perseguindo os seus alliados, que o collocaram n’aquella posição para dar expansão ao odio e rancor.

O sr. José Luciano diz que não houve processo algum, e que o unico que começou foi archivado. Differentes participações se fizeram para o juiz de direito, suppondo que elle seria imparcial, infelizmente amigo politico do sr. José Luciano prestou-se aos seus desejos. Provavelmente os outros processos serão tambem archivados. Se nós tivesse-mos suspeitado do juiz, teriamos o cuidado de sermos parte, para nos escudarmos com a independencia e imparcialidade da relação.

Um dos processos que devia estar instaurado, se o juiz e o delegado fossem o que deviam ser, instrumentos de justiça e da lei, era o que se referia a um agente do governo, que desassombradamente se apresentou na assembléa de João Pires, e offerecia 400$000 réis aos eleitores da freguezia do Salvador, se quizessem votar no candidato do governo. Protestamos contra o facto, pedindo ao delegado do governo, que em virtude da portaria do sr. José Luciano mandasse prender aquelle agente. Nada fez, porque a auctoridade era quem protegia aquelles actos. De quem era aquelle dinheiro, quem o mandou para ali? Responda, sr. ministro do reino, responda.

Para que publicou uma portaria prohibindo a compra de votos, se as auctoridades a não executavam contra os seus parciaes?

Sr. presidente, o sr. ministro do reino, emquanto mandava publicar portarias, que faziam rir, e que só tinham por fim lançar poeira aos olhos do publico, mostrando a inépcia do ministro da Granja, que ou ignorava as leis, ou não as sabia fazer cumprir, permittia que o administrador de Penamacor nomeasse cerca de oitenta cabos de policia nas vésperas da eleição, como eu provei hontem com um documento que li á camara.

Por esse documento, que vou ler outra vez para que fique bem impresso na memoria de todos, vê-se que os cabos foram nomeados no dia 17 de outubro, dois dias antes da eleição, contra a disposição expressa da lei eleitoral.

«Publica fórma. — Administração do concelho de Penamacor. O administrador do concelho substituto por Sua Magestade Fidelissima que Deus guarde, etc. Usando da faculdade que me confere o artigo 230.° do codigo administrativo, e attendendo á proposta do regedor do dia 2 do corrente, nomeio José de Aguiar para exercer o cargo de cabo de policia pelo tempo de um anno. Administração do concelho, 17 de outubro de 1879. = O administrador substituto do concelho, Manuel Joaquim Godinho. Reconheço verdadeira a assignatura supra, do administrador substituto d’este cone alho, por ser do proprio signatario, o que certifico. Penamacor, 22 de outubro de 1879. Logar do signal publico. Em testemunho de verdade. = O tabellião, Candido Augusto Pereira da Silva. D’este 40 réis. Pereira. É quanto contem o dito alvará que do proprio para aqui copiei, ao qual me reporto em poder do apresentante Illmo. dr. Adelino Pinheiro Ferreira Galhardo, d’esta villa, a quem o tornei a entregar, e de como o recebeu vae assignar. Penamacor, 24 de outubro de 1879. Eu, Candido Augusto Pereira da Silva, tabellião d’este julgado, que o escrevi a assigno em publico e razo. Em testemunho de verdade. = O tabellião, Candido Augusto Pereira da Silva. = O apresettante, Adelino Pinheiro Ferreira Galhardo.»

Que diz este documento? Diz que o regedor fez a proposta no dia 2 de outubro, mas que o administrador só fez as nomeações no dia 17.

A nomeação de qualquer individuo conta-se desde o dia em que é proposta ou da data da nomeação?

O sr. José Luciano para desculpar os seus erros, ou antes os seus desvarios, parece que ignora as cousas mais rudimentares e de primeira intuição. Ninguem ignorei que a nomeação de qualquer empregado se conta da data do despacho e jamais da data da proposta.

Isto é trivial, isto é rudimentar, isto é materia corrente.

O sr. Ministro do Reino (Luciano de Castro): — O despacho do administrador tem a mesma data da proposta, isto é, tem a data de 2 de outubro.

O Orador: — E falso. Sr. presidente, vou tornar a ler o documento official, que tenho aqui, e peço ao sr. ministro do reino que o conteste se o póde fazer.

(Leu.)

E uma copia authentica, que faz fé.

Quando foi nomeado este cabo de policia? Não diz o documento que foi no dia 17? Permittia-o alei? Ha sessenta e cinco nomeações iguaes a esta, e ainda se põe em duvida o que affirmo?!...

Com documentos é que eu provo as minhas asserções, e por isso estranho muito que o sr. ministro do reino dissesse hontem que eu não tinha provado as accusações feitas ao governo. Não tenho eu apresentado as provas? Têem-me sido contestados os factos?

Quando s. exa. accusava na outra casa do parlamento o ministerio transacto, apresentava mais documentos, mais provas do que eu apresento agora? Não. Parece-me que eu tenho provado á evidencia, que nas ultimas eleições no districto de Castello Branco, se recorreu a toda a qualidade de meio illicito, á corrupção e á violencia, emfim a tudo de que é capaz um ministro que não lhe importa com a coherencia, nem com a sua palavra empenhada para com o parlamento.

Que documentos são necessarios mais apresentar para demonstrar factos que todos conhecem e que ninguem contesta?

Aqui está a liberdade eleitoral, apregoada pelo sr. José Luciano! Aqui está como o sr. José Luciano da Castro presidiu á eleição geral, como manteve intemeratos os principios da Granja, e o credo do partido progressista!

Tenho pena de não ter aqui o programma da Granja, o programma que s. exa. tem tornado letra morta, porque queria ler um trecho frisante, que protesta solemnemente contra os actos do sr. ministro do reino. Se bem me lembra, diz esse programma que o regimen representativo viciado na sua origem é a hypocrisia da liberdade, a apparencia do governo da nação pela nação, a sophismação do direito eleitoral, o escarneo da soberania popular, emfim o governo pessoal com todo o seu côrtejo de calamidades. Apesar d’estas asseverações o sr. José Luciano não teve duvida de continuar a viciar o regimen representativo, a sophismar o direito eleitoral, a escarnecer da soberania do povo, e a exercer o governo pessoal com todo o sou côrtejo de calamidades.

Sr. presidente, no juizo de direito de Idanha a Nova deviam instaurar-se differentes processos, se se fizesse o que se devia fazer, pois tinham sido dadas as devidas participações bem documentadas. E provavel, comtudo, que tenham a mesma sorte que teve a dos cabos de policia, porque a opposição, confiada na rectidão e imparcialidade que devia ter o julgador, entregou essas participações ac ministerio publico, e deixou, do ser parte. Se tivessemos imaginado o resultado, as cousas correriam de fórma que podessemos ter recurso para a relacção.

Se tivessemos imaginação o que havia de succeder, teriamos precedido de modo que os culpados não fossem impunes, e a justiça fosse feita.

Sr. presidente, queixou-se hontem aqui o sr. José Lu-

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ciano de Castro, parecendo estar molestado com as minhas palavras, que tinha direito a ser respeitado.

Eu sei perfeitamente que as minhas palavras haviam de molestal-o profundamente, porque eu fallo a linguagem da verdade e da justiça com todo o desassombro, e por isso s. exa. não podia deixar de se sentir atormentado, de se curvar, e de humilhar-se diante da força das minhas conveições.

Respeito muito a camara e o sr. presidente, e sei que se sentam n’aquellas cadeiras os, representantes do poder executivo, para quem me cumpre, ter deferencia, mas tambem sei que me assiste o direito de lhes tomar contas pelos abusos que praticarem, e que quando um ministro pratica actos que merecem ã mais áspera e severa censura, não tem direito a ser tratado senão, como merece.. As minhas palavras exprimem fielmente o sentimento, de indignação, que me inspira o sr. ministro do reino por ter faltado á sua palavra compromettida solemnemente no seio do parlamento.

O fallar franca e lealmente tem sido a minha missão, e é o dever do homem de bem, do homem liberal, e de todos aquelles que aqui se sentam.

Sei perfeitamente que as minhas palavras não agradam ao sr. ministro do reino; mas o que n’ellas não ha é o odio nem o rancor. Não conheço esse sentimento. Outro tanto não poderá dizer o sr. José Luciano de Castro, porque é essa a disposição natural da sua indole e do seu caracter.

Fique certo, o sr. ministro do reino que e hei de erguer aqui a minha voz para verberar todos os actos de qualquer genero que considere nocivos, contrarios á lei, e improprios do poder, que tem a obrigação de manter o prestigio da auctoridade.

Sr. presidente, o sr. José Luciano de Castro admirou-se de que eu fizesse aqui esta interpellação, ao passo que o sr. José Dias Ferreira, chefe do partido constituinte, não levantara esta questão na outra casa do parlamento. A rasão d’isto, sr. presidente; é clara e simples. O sr. Dias Ferreira não fez esta interpellação por um sentimento que o sr. José Luciano de certo não comprehende. Foi por um acto de delicadeza para commigo. Eu não tenho culpa que s. exa. não comprehenda estes actos, nem os sentimentos que os determinam.

O sr. Dias Ferreira alem da sua deferencia para commigo, não quiz fazer esta interpellação. na outra camara, porque elle sabia que eu estava melhor ao facto de todos os acontecimentos, que se haviam praticado no districto.

Foi, pois, por um acto de deferencia para commigo, por um acto de delicadeza, que s. exa. não quiz, nem de leve, alludir a factos que eu conhecia melhor do que elle, porque os tinha presenceado.

Portanto a camara fica sabendo agora a rasão por que o sr. José Dias Ferreira não fallou na outra casa do parlamento sobre este assumpto. Se aquelle illustre deputado fallasse sobre o assumpto havia por certo fazel-o melhor do que eu, e havia de amargurar mais o sr. José Luciano, que já tem experimentado os effeitos da sua lógica irresistivel e da sua palavra frisante. Parece-me que o sr. José Luciano se arrependeria de provocar essa questão, porque todos sabem que o sr. Dias Ferreira é habil parlamentar, tem o dom da palavra, está acostumado a esmagar o sr. José Luciano todas as vezes que o tem chamado ao combate.

Vejo que a lição da experiencia não lhe tem servido para cousa alguma.

Sr. presidente, eu hei de responder a todos os argumentos do sr. ministro do reino.

Disse tambem o sr. José Luciano de .Castro que não havia de abandonar os seus correligionarios no districto de Castello Branco para dar um circulo ao sr. Pinheiro Chagas!

Sr. presidente, quaes são os progressistas que existem no districto de Castello Branco? Quaes os correligionarios, que s. exa. ali tem? Nem um.

Se o sr. Saraiva de Carvalho saíu eleito deputado pelo circulo do Fundão, foi, como hontem não disse, por uma astucia, por um ardil da auctoridade, nada mais nada menos; foi necessario andarem dizendo até á ultima hora que o candidato era o sr. Bandeira de Mello, cunhado de um amigo nosso, homem muito respeitavel, é um dos primeiros influentes do districto; dava-se como official a candidatura d’aquelle cavalheiro e até já lá estavam, as listas corri o seu nome; mas a final rasgaram-se essas listas e substituiram-se pôr outras em que figurava o nome do sr. Saraiva de Carvalho.

Fazia-se isto á ultima hora quando nos achavam descuidados, porque não podiamos crer que houvesse n’um ministro do reino tão pouco serio, que nem se importasse com a sua propria dignidade, nem com o prestigio do governo.

Para mostrar que o governo não tinha popularidade nenhuma no Fundão, basta dizer que n’aquelle concelho em que venceu a eleição de deputado, não se atreveu depois a intervir na eleição das camaras municipaes, nem na dos procuradores á junta geral do districto. Em quasi todo districto foi o governo derrotado. Na maior parte dos concelhos venceu a opposição sem ter um voto contra.

Aqui tem v. exa. a popularidade do partido progressista no districto de Castello Branco; e não obstante o sr. ministro do reino veiu aqui dizer que tinha de dar ali satisfação aos seus correligionarios!

Sr. presidente, o sr. Pinheiro Chagas não queria favores de qualidade alguma do sr. José Luciano de Castro não precisa d’elles; mas tinha direito a esperar, porque concorrera principalmente para que s. exa. subisse ao poder, que não se apedrejassem nem ferissem os eleitores do circulo por onde se propunha, que não os prendessem e impedissem que fossem livremente á urna.

O sr. Pinheiro Chagas, que é o modelo da honra, do brio e da dignidade, não podia querer outra cousa mais do que a uma livre e desaffrontada. Tinha direito a isso, e o sr. ministro do reino a obrigação correlativa a esse direito.

Sr. presidente, surprehendeu-me mais ainda que, depois, de tudo isto, se apresentasse o sr. José Luciano de Castro na camara, com ar compungido e lamuriante, affirmando que tinha muito pezar de que o sr. Pinheiro Chagas não tivesse sido eleito! Oh! sr. presidente, isto é maudito! Vejo, admiro e pasmo.

Pois o sr. José Luciano pensa que eu não sei a historia da perseguição eleitoral feita aquelle distincto escriptor e brilhante orador? Talvez não saiba que eu lesse algumas cartas de s. exa., em que appellava para o cavalheirismo de alguem a fim de impedir por todas as fórmas a eleição do sr. Pinheiro Chagas, por um outro circulo. Esta declaração do sr. José Luciano excede tudo. Esquece-se o sr. ministro do reino que ha doze vacaturas, que estão esses circulos sem representação, e que no regimen representativo devia proceder-se logo á eleição?

Porque procede assim? Porque sabe que ha um circulo que quer eleger o sr. Pinheiro Chagas, e para que a machina eleitoral produza todos os seus effeitos e de o resultado desejado, convém demorara eleição. Se as palavras do sr. ministro são a expressão do seu sentimento, pedimos-lhe, não favor, mas que cumpra o seu dever, mandando proceder já á eleição.

Este dever do sr. José Luciano é tanto mais imperioso, quanto são difficeis e criticas as circumstancias, em que só acha o paiz.

Sr. presidente, quando se ameaça o paiz de pagar os impostos os mais vexatorios, é necessario que a representação nacional seja uma verdade, que todos os circulos estejam representados, e que os seus representantes sejam ouvidos a dar francamente o seu voto.

Sr. presidente, será possivel que n’uma occasião em que se trata de um assumpto tão importante como é o lança»

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mento de novos impostos, havendo doze vacaturas na camara dos deputados, ellas não sejam preenchidas a tempo de virem ainda á camara n’esta sessão, os seus representantes d’aquelles circulos? Oh! sr. presidente, este procedimento é inqualificavel, e revela bem os desejos que o sr. José Luciano tem de ver o sr. Pinheiro de Chagas no parlamento. É triste e deploravel este espectaculo.

Admiro tambem, sr. presidente a ingenuidade, para não dizer outra cousa, com que o sr. José Luciano veiu aqui declarar que não tinha querido que se guerreasse a eleição do sr. Dias Ferreira, e que se tinha imposto aos seus amigos!

Porventura s. exa. já se esqueceu do que toda a gente sabe, de que o governo andou a offerecer o circulo e a procurar candidato idoneo e conveniente para se oppor ao sr. Dias Ferreira? Eu conheço pelo menos um a quem foi offerecido o circulo. Fique s. exa. certo que o sr. Dias Ferreira ha de agradecer-lhe a distincta fineza e boa vontade.

Sr. presidente, o caracter do sr. José Luciano é assim, faz á guerra que póde fazer encobertamente, e procura fazer persuadir aos guerreados o contrario, e ficar ainda tem com elles. E tanto essa a sua indole que até atira a responsabilidade para os seus collegas.

Os srs. ministros da fazenda, da justiça e das obras publicas acceitam a responsabilidade que lhes cabe pelos actos que praticaram; outro tanto não quer fazer o sr. José Luciano. Diga ao menos que fazia toda a guerra que podia á todos os candidatos que não eram do seu partido, e que toma a responsabilidade; mas fazer uma guerra acintosa e em publico desfazer-se em cortezias e satisfações, são papeis baixos, papeis deploraveis proprios só de certos homens.

Sr. presidente, a «situação do sr. José Luciano é desgraçada, pela sua incoherencia, pela falta de principios e pela contradicção entre os seus, actos e palavras. Como opposição censurava as demasias do governo, a corrupção eleitoral, as arbitrariedades com os empregados e as violencias com os eleitores, e como ministro cáe nos mesmos erros, nas mesmas faltas, e n’outras peiores ainda. Esqueceu-se de Ceia é de Belem, e lembrou-se das falsificações de Villa Velha para as defender e aproveitar os falsificadores.

Infelizmente, sr. presidente, eu não podia estar ao mesmo tempo em toda a parte; asseguro a v. exa. e á camara que se podesse estar no Teixoso a eleição havia de correr mais regular, e provavelmente teria obstado ás miserias, excessos e violencias, que ahi se praticaram.

Os eleitores não seriam presos, nem arrastados á urna, é os meus amigos não seriam afugentados pelo terror, nem pelas injurias.

Sr. presidente, estas minhas observações sem nexo têem por. fim destruir todos os argumentos do sr. ministro do reino, e por isso vou respondendo conforme 05 apontamentos que tomei.

Sr. presidente, affirmo que o sr. José Luciano de Castro combateu a eleição do sr. Pinheiro Chagas, porque julgava uma immoralidade abandonar os seus correligionarios, e é agora o mesmo sr. ministro que vem a esta camara fazer a apologia d’aquelle cavalheiro e declarar que sente que aquelle homem de talento, de tanta illustração, não tivesse obtido um logar no parlamento, dizendo que fora resultado da guerra de localidade) quando a eleição para o governo estava perdida tres dias antes, e só a venceu em virtude dos actos que praticou e que eu já narrei á camara! O sr. José Luciano, que tanto accusara os seus antecessores, fez peior ainda, e não tem coragem para o declarar, mas desfaz-se em satisfações ridiculas.

Comquanto a minha interpellação não se refira á eleição de Agueda, sempre - perguntarei ao sr. José Luciano, .se era possivel que na assembléa de Albergaria, havendo perto de 2:000 eleitores, a igreja estivesse fechada ás onze horas? O resto sabe-o o sr. ministro do reino, sabem as pessoas que o presencearam e sei-o eu tambem, mas não.

fallemos mais n’isso, lancemos um véu sobre o passado, porque a este respeito já disse o que havia de dizer.

Voltando, pois, á eleição de Idanha, e para que v. exa. veja do que o sr. ministro dó reino é capaz, vou narrar mais alguns factos.

Era tal o desejo que o sr. ministro tinha de pôr fóra do parlamento um dos homens mais eminentes d’este paia, que tem prestado importantes serviços ao governo, e que está desempenhando lá fóra uma commissão para a qual o governo no seio do seu partido não foi capaz de encontrar quem a desempenhasse, era tão grande o desejo do sr. ministro, repito, que até se lembrou de estabelecer a desordem HO seio da minha familia.

Teve a ousadia de offerecer a candidatura que elle não podia dar, a quem mais podia dispor d’ella.

No offerecimento d’essa candidatura a um dos membros de minha familia, dizia que o queria para presidente da camara, que era forçoso que elle acceitasse; ao outro que tinha por elle grande consideração e amisade! Tanto um como o outro souberam repellir a affronta e dar uma lição de cavalheirismo a quem a não soube comprehender. Aqui tem v. exa. a rasão por que eu affirmei que o sr. José Luciano é capaz de tudo. Factos d’esta ordem dão a medida completa e exacta daquelle caracter.

O sr. José Luciano de Castro disse que publicou a portaria com relação á nomeação dos cabos de policia para evitar os abusos! E foram elles castigados?

Sr. presidente, pois o sr. ministro não tinha governadores civis da sua confiança? Não eram os governadores civis nomeados de entre os homens de mais importancia do seu partido? N’esse caso, e merecendo-lhe confiança, não tinha mais do que dizer aquellas auctoridades que cumprissem a lei eleitoral, que não consentissem que os administradores de concelho exorbitassem, que fizessem punir aquelles que se excedessem: mas não, sr. presidente, o sr. José Luciano não fez nada disso, porque o que elle queria era que se vencessem as eleições, e a portaria era simples e puramente para armar ao effeito e para illudir os incautos.

Sr. presidente, regosijava-se o sr. ministro e dizia ha pouco que eu tinha levado uma derrota monumental no districto de Castello Franco; é possivel.

Não me envergonho, porque a minha consciencia está tranquilla, nem me admirava que assim succedesse em vista dos meios que o governo empregou.

O sr. ministro é tão contradictorio que em seguida diz que eu a venci em Castello Branco e na Idanha por enorme maioria!

É exacto, mas vencemos porque- os eleitores souberam resistir ás prepotencias e actos de corrupção de toda a especie que se empregaram para sermos derrotados.

Sr. presidente, notei uma phrase do sr. ministro do reino, que estimei muito que s. exa. pronunciasse, pois dá logar a que se esclareça um ponto que convem muito pôr a claro.

Disse o sr. José Luciano de Castro que nós desertámos das fileiras ministeriaes.

Deseriámos?! Quando e em que tempo pertencemos nós ao partido que se acha representado por s. exa. e pelos seus collegas no ministerio?

Nunca pertencemos a esse partido. Luctámos junto com elle para derrubar o gabinete transacto, mas não fizemos nenhuma fusão. Os nossos esforços foram desinteressados no empenho de ajudar o partido progressista a subir ao poder, e depois nada quizemos do governo que o representa.

Unicamente lhe pedimos que soubesse governar em nome da lei e da moralidade, e nada mais. E se assim não é, diga o governo quaes as exigencias que lhe fizemos, e ao mesmo tempo quaes os motivos por que nos separámos? N’esta parte dirijo-me exclusivamente ao sr. presidente do conselho de ministros, porque foi com s. exa. que sempre

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tratámos, não querendo nada com o sr. José Luciano de Castro por sabermos antecipadamente que s. exa. era capaz de alterar a verdade dos factos quando era publico tivesse de referir mais tarde o que se passara entre nós.

Appello, pois, para o sr. presidente do conselho de ministros para .que se digne dizer, se nós não andámos com todo o cavalheirismo, se nós não procedemos de uma fórma sempre leal e desinteressada.

Chamo s. exa. á autoria para que de as necessarias explicações a este respeito, porque é mister que estes factos se esclareçam, a fim de que no publico e na imprensa se não altere a verdade dos acontecimentos, e se fique sabendo que procedemos constantemente de uma maneira digna e cavalheirosa, quer no tempo em que os cavalheiros que hoje são ministros combatiam comnosco na opposição, quer depois quando foram governo.

Não fomos nós que desertámos. Nunca abandonámos o nosso posto de honra; n’elle nos temos mantido, sem nunca o desamparar, ao contrario do que praticou o sr. José Luciano de Castro, que abandonou o seu logar na occasião de se tratar de uma questão importante na outra casa do parlamento.

Esse acto de s. exa. é, que se póde chamar deserção, porque abandonou o seu posto de combate, sem se importar com os interesses do seu paiz e do seu partido.

Sr. presidente, creio que o sr. presidente do conselho de ministros cujas qualidades e firmeza de principios eu conheço de na muito, na sua consciencia reprovou e reprova à guerra acintosa que se nos fez, e reprova igualmente as loucuras e desvarios do seu collega que só compromette e desauctorisa o partido.

Estou até certo que s. exa. não só havia de estimar que na eleição do sr. Antonio Augusto de Aguiar o governo fosse derrotado, mas até que seria o primeiro a felicitar aquelle cavalheiro, que tanta honra faz ao paiz, pela victoria alcançada. O silencio do sr. Braamcamp assegura-me que eu estou interpretando os seus sentimentos, e que o facto se dera.

Vou concluir, porque estou cansado; antes porém de o fazer não deixarei de me admirar muito pela declaração feita n’esta e na outra camara pelo sr. José Luciano, de que effectivamente as ultimas eleições não foram tão livres quanto era o ideal do partido progressista! Esta declaração é admiravel; alem de ridicula revela a inepcia do ministro do reino. Pois as eleições não foram livres, porque era preciso fazer certas reformas?

Oh! sr. presidente, pois isto é serio? Pois as nossas leis não são bastante liberaes? Não contêem ellas todas as disposições para manter a uma livre e desembaraçada de toda a pressão? Pois haveria necessidade de mais alguma cousa do que dar cumprimento á lei eleitoral? Acaso não tinha o sr. ministro do reino auctoridades em que podesse confiar? Que providencias adoptou s. exa. para que essas auctoridades observassem rigorosamente a lei? Que fez? Nada.

A phrase a que alludi foi proferida pelo sr. ministro na intenção de armar ainda ao effeito; mas felizmente os acontecimentos faliam mais alto contra o proceder de s. exa.

Sr. presidente, eu restringi a minha interpellação ao districto de Castello Branco, porque mostrando as arbitrariedades que o governo commetteu, as violencias que empregou, a ponto de correr sangue, a corrupção que desenvolveu para excluir dois homens de valia, dois ornamentos da tribuna portugueza, e dois caracteres dignos e honrados, está dito tudo, e d’aqui se póde inferir o que succederia nos outros districtos onde não militavam a favor dos candidatos estas condições.

Comtanto que Manuel Pinheiro Chagas e Antonio Augusto de Aguiar ficassem fóra do parlamento, todos os meios seriam licitos.

Era necessario rasgar o programma da Granja, e o programma da Granja foi rasgado!

O sr. José Luciano é capaz d’isto e de muito mais.

O sr. Visconde de Chancelleiros: — Perguntou se é permittido a qualquer digno par tomar parte na interpellação.

O sr. Presidente: — A esse respeito é terminante o nosso regimento.

Diz no artigo 65.°

(Leu.)

Fica, pois, evidente que é regimento permitte a qualquer dos dignos pares tomar parte na discussão das iriterpellações.

O sr. Visconde de Chancelleiros: — Peço para ser inscripto.

O sr. Presidente: — Fica inscripto.

Tem a palavra o sr. .presidente, do conselho.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Anselmo Braamcamp): — Serei breve, e de certo, não entraria no debate, nem tomaria alguns instantes á camara se do meu silencio não podesse deprehender-se falta de harmonia com os meus collegas.

Uso, pois, da palavra para cumprir um dever de dignidade pessoal e de. lealdade .para com os membros do gabinete tão acremente accusados pelo digno par.

Não posso nem devo entrar na discussão de todas as asserções apresentadas .pelo digno par interpellante.

Os srs. ministros do reino e da justiça já responderam a alguma d’ellas, e certamente os outros ministros não deixarão de responder, adduzindo as provas que pelos seus diversos ministerios estão mais habilitados a dar sobre o nenhum fundamento das accusações que lhes são dirigidas.

Nalguns pontos do seu discurso o sr. Vaz Preto referiu-se a mim especialmente e á politica geral do gabinete, a n’estes cumpre-me dar á camara as explicações que tem direito á exigir de mim, e que na posição que hoje occupo não devo deixar de prestar-lhe.

Sr. presidente, o digno par, levado talvez pelos sentimentos de amisade pessoal que de ha muito me ligam a s. exa., levado pela convivencia que tivemos durante alguns annos, quando nos bancos da opposição combatiamos juntos a situação passada, referiu se a mim, dirigindo-me expressões benevolas que muito lhe agradeço, porém que não devo nem posso acceitar, assim como não posso tão pouco sujeitar-me á accusação gravissima que s. exa. fez, ainda que em phrase muito amigavel, lamentando que me faltassem a força e o animo para me oppor ás demasias do meu collega o sr. ministro do reino.

Protesto formalmente contra estas phrases. Reconheço a alta intelligencia e o elevado talento do meu antigo amigo o sr. José Luciano de Castro, assim como o de todos os outros membros do gabinete que tenho a honra de ter por collegas; mas a consideração e confiança que elles me inspiram não poderão nunca obstar a que eu tenha força bastante para que no desempenho do pesado encargo de chefe do gabinete saiba manter a posição que me compete perante os meus collegas.

O governo felizmente até hoje tem andado sempre unido e firme, nas mesmas idéas, nas mesmas aspirações, e ha de assim continuar.

Se estamos n’estas cadeiras é por obediencia a um principio; não desconhecemos a grave responsabilidade que pesa sobre nós, nem tão pouco as difficuldades com que temos de luctar, que só poderão ser vencidas havendo perfeita união entre todos os membros do gabinete, e bem assim entre este e as maiorias com que elle conta nas duas casas do parlamento.

Acredite o digno par que nenhum de nós declina as suas respectivas responsabilidades, e que todos os ministros nos julgámos solidariamente responsaveis pelos actos praticados por qualquer dos membros do gabinete.

Portanto já vê o digno par que acceito a responsabilidade das providencias tomadas pelo meu collega do reino

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e de qualquer dos outros meus collagas, providencias que aliás foram tomadas de commum accordo.

Nenhum dos ministros que se sentam n’estas cadeiras seria capaz de faltar aos principios que professa o partido progressista e que o gabinete procura manter.

Novamente agradeço ao digno par Q sr. Vaz Preto, com cuja amisade pessoal me honro, as palavras benevolas que me dirigiu, e seja-me permittido, n’esta occasião, manifestar ao digno par o sr. Manuel Vaz Preto o pezar que eu tenho de que deixasse de nos acompanhar e de nos auxiliar com a sua adhesão.

Pediu s. exa. que eu declarasse se porventura elle nos havia feito quaesquer exigencias, e se não se comportara sempre da maneira a mais desinteressada e cavalheirosa para com o governo. Não posso nem devo entrar n’essas particularidades. Entendo que n’esta casa, diante do paiz e da camara, o governo não tem senão a dar contas dos seus actos officiaes.

O paiz pouco interessa em saber de factos puramente particulares, e em resposta a s. exa. eu poderia perguntar-lhe tambem quaes os aggravos que s. exa. recebeu, quaes os motivos pelos quaes o digno par entendeu dever separar-se do governo, ainda mesmo antes do acto eleitoral? Foi unicamente a estes que s. exa. se referiu durante esta discussão, e é certo, com tudo que na occasião das eleições já o digno par se tinha declarado em opposição aberta ao governo. E, pois, a s. exa. que compete declarar á camara, se assim lhe parecer necessario, quaes foram os actos do governo que o obrigaram a separar-se do ministerio.

Sr. presidente, foram gravissimas as accusações que o sr. Vaz Preto dirigiu ao sr. ministro do reino; o meu illustre collega já lhe respondeu largamente. Essas accusações que s. exa. julgou dever dirigir exclusivamente ao sr. ministro do reino, torno-as para mim, e acceito toda a responsabilidade que d’ellas me possa caber.

O digno par, referindo-se ás ultimas eleições geraes, disse que o governo se tinha unido com o partido regenerador para poder fazer vingar algumas candidaturas no districto de Castello Branco. A esta asserção nada tenho que responder, porque o digno par o sr. Fontes, já respondeu categoricamente, declarando formalmente que no districto de Castello Branco não ha partidos verdadeiramente politicos, mas sómente uma parcialidade que segue a direcção do sr. Vaz Preto e outra que lhe é adversa, e tanto assim que esta parcialidade não tinha concordado na candidatura proposta pelo partido regenerador, e que por isso elle se abstivera de tomar parte na lucta eleitoral no districto. Portanto, sobre este assumpto nada mais tenho que dizer; são mais do que suficientes as declarações do digno par o sr. Fontes Pereira de Mello.

Ha, porém, dois pontos do discurso do digno par a que tenho necessariamente de responder, e são os que dizem respeito á eleição do sr. Antonio Augusto de Aguiar e á do sr. Pinheiro Chagas.

Folgo com ter occasião, antes de entrar no assumpto, de declarar á camara que o sr. Antonio Augusto de Aguiar, nomeado por mim, de accordo com o meu collega da marinha, para uma .missão de grave responsabilidade, tem-se desempenhado d’esse espinhoso encargo com a maior dignidade é com uma proficiencia e dedicação inexcediveis, prestando assim um relevante serviço ao paiz. S. exa. póde pelo seu zêlo, pelos seus largos conhecimentos e pela sua elevada intelligencia, e de accordo com o digno governador geral do estado da India, aquietar os animos, obter valiosas concessões, e evitar muitos dos attritos que tanto se receiavam, levando á execução o tratado que tinha sido celebrado com a Gran-Bretanha.

Folgo, repito, com ter occasião de fazer esta declaração á camara, mostrando ao mesmo tempo ao digno par o sr. Vaz Preto que apesar do sr. Antonio Augusto de Aguiar

se achar em campo politico diverso, hei de sempre prestar áquelle cavalheiro os louvores que oferece:

Porém a eleição do districto de Castello Branco tomara um caracter essencialmente politico, e o governo não podia de modo algum impor essa candidatura aos seus amigos politicos. O governo não tinha força bastante para impor candidaturas, nem quando a tivesse, elle poderia ter o proposito de fazer pressão sobre a manifesta vontade dos eleitores, e a verdade é que nem taes imposições seriam acceites.

O governo não procurou nem indicou candidato para o circulo por onde era apresentado o nome do sr. Antonio Augusto de Aguiar. Foram os eleitores da localidade que resolveram entrar na lucta eleitoral, e que escolheram o candidato que lhes era mais sympathico e que era affecto á situação actual. Em taes circumstancias não podia o governo sustentar a candidatura do sr. Aguiar, contrariando a manifesta vontade dos eleitores que nos eram favoraveis.

Nas ultimas eleições não houve candidaturas officiaes. S. exa. referiu-se a uma candidatura, dizendo que o governo a tinha imposto ao circulo, porque necessitava da presença na camara dos senhores deputados do cavalheiro a que aliudiu para presidente ou vice-presidente da mesma camara.

O digno par n’este ponto está completamente illudido. O candidato proposto em logar de receber auxilio do governo, póde-se dizer que antes lho prestou, com o seu nome e as suas relações e que foi unicamente eleito deputado pelas influencias locaes. E, sr. presidente, folgo que assim, não só n’esse como em quasi todos os circulos succedesse, porque é já um passo de grande importancia no caminho da liberdade e independencia nos actos eleitoraes.

Apoz a escolha dos candidatos pelos influentes das localidades virá mais tarde a independencia absoluta do voto do eleitor. Portanto eu considero, repito, como um grande progresso dado n’este ponto, e muito me congratulo de que o paiz vá assim mostrando que pretende escolher por si os seus representantes e que não obedece cegamente ás indicações do governo.

Emquanto á eleição do sr. Pinheiro Chagas não tenho senão a repetir aquillo que já disse com relação ao sr. Aguiar. A candidatura que se levantou contra a do sr. Pinheiro Chagas foi uma candidatura exclusivamente local, foi a expressão da vontade das influencias do circulo. O sr. ministro do reino n’esta parte póde bem dizei-se que não deu um só passo para hostifisar a eleição do sr. Pinheiro Chagas.

Disse tambem o digno que o sr. ministro do reino não cumpriu a sua palavra, e que o governo rasgou o seu programam. Protesto solemnemente contra estas asserções, creio que poucas eleições se têem feito em Portugal tão livres como as de 1879. Queria porventura o digno par que o governo não usasse da influencia moral de que elle legalmente dispõe, e deixasse correr a eleição á mercê dos seus adversarios, pondo á disposição d’estes a influencia das auctoridades locaes que lhe eram contrarias?

Decerto que não.

O governo, depois de ter declarado n’esta casa do parlamento e na outra que queria as eleições livres, não podia consentir que os empregados abusassem da sua auctoridade para guerrear o governo e exercer pressão sobre os eleitores. Tal abuso não se podia admittir, seria a inversão de todos os. principios constitucionaes, seria desconceituar totalmente o prestigio e a dignidade do poder.

O governo não póde ser accusado de ter compellido nenhum empregado de qualquer categoria a votar contra a sua consciencia, os empregados publicos votaram como quizeram, e não poderá o digno par apresentar um só exemplo de que algum empregado fosse coagido nem mesmo convidado a dar o seu voto à qualquer candidato favoravelmente a actual situação, E sr. presidente, quando um go-

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verno assim pratica não póde ser accusado de ter renegado o seu programma.

Sr. presidente, o governo que está sentado n’estas cadeiras conheço o seu dever, e ha de manter com firmeza as idéas, os principios que sustentou na opposição, procurando rias suas maiorias, tanto d’esta como da outra camara, apoio para leval-os a effeito, e principalmente para cuidar com empenho na reorganisação da fazenda publica e emprehender as reformas e melhoramentos de que o paiz carece, em harmonia com o estado das nossas finanças. Para isso contámos não só com os nossos amigos, mas ainda com o patriotismo do paiz, e os proprios adversarios politicos que, desprendendo-se de quaesquer considerações de interesse partidario, não deixarão de coadjuvar-nos n’este arduo e difficil emprehendimento.

N’este ponto como em todos os mais eu e os meus collegas estamos de perfeito accordo, e havemos de nos conservar unidos.

Sr. presidente, não posso deixar de repetir que comquanto eu esteja muito penhorado pelos louvores que o digno par, o sr. Vaz Preto, me teceu, permitia-me o digno par que os não acceite, pois que pelo modo por que foram formulados, d’elles se poderia inferir que ha algum desaccordo, alguma divergencia entre mim e algum dos meus collegas, o que de todo o ponto é inexacto.

O sr. Visconde de Chancelleiros: — Declarou que não era nem o interesse local, nem o desejo de defender ou, de accusar o governo que o obrigou a intervir n’este debate. Acceitou a declaração do governo de que as eleições tinham sido livres, e via na grande maioria que elle trouxe á camara uma prova segura d’essa asserção. Comprehendia tambem que ellas não significassem ainda o ideal do governo, que aliás não devia ser accusado de guardar uma grande distancia entre o ideal das suas aspirações e a realidade dos seus actos. Depois de haver apreciado-as condições do nosso systema eleitoral, concluiu declarando que a rasão de todos os deficits estava no facto de que sacrificámos á administração á politica, e uma e outra ás eleições.

(O discurso do digno par será publicado na sua integra, quando s. exa. entregue as, notas tachigraphicas).

O sr. Ministro do Reino (Luciano de Castro): — Sr. presidente, não pretendo tomar por muito tempo a attenção da camara. O que desejo apenas é que ella me ouça por alguns momentos, porque julgo do meu dever, como ministro interpellado, dar algumas explicações.

Não acompanharei o sr. visconde de Chancelleiros na digressão humoristica que fez. Concordo com algumas das considerações que foram feitas por s. exa., e que podem ser applicadas a todas as situações e governos de Portugal; mas a essas não pretendo eu agora referir-me. Permitta-me, porém, s. exa. que ponha reparos a duas observações que fez: uma com relação á ultima nomeação de pares, e a outra ácerca do imposto do real de agua.

Parece-me que s. exa., através das suas palavras, quiz lançar um certo desfavor na nomeação de membros d’esta camara, que ultimamente se fez; mas devo dizer ao digno par que o partido progressista não faltou ao seu programma, no qual, em um de seus artigos, inscreveu a reforma da camara dos pares, e não renuncia a essa parte do seu programma; mas como o partido progressista chegou ao poder em uma situação extraordinaria, acceitou essa situação como estava, e a qual elle não tinha creado.

Era necessario acudir em primeiro logar á questão financeira, applicando-lhe os remedios de que ella carecia, e fôr isto que fizemos.

O proprio digno par reconheceu que a questão do fazenda, era a mais grave, como queria então s. exa. que nós antepozessemos a esta questão, a questão politica?

A situação economica era embaraçosa e não foi o governo que creou aquella situação, achou-a creada; o governo não creou as difficuldades, mas era urgente remedial-as, e não foi por essa circumstancia que se póde dizer que o governo rasgou as paginas do seu programma; o governo está firme nos seus principios, e ha de cumprir lealmente as idéas que formulou no seu programma; não está aqui um ministerio composto de renegados, mas de homens de bem; que se associaram para a realisação de uma idéa, é hão de realisal-a á medida que lhe for sendo possivel.

Já vê pois o digno par, pela explicação que lhe dei e pela, propria idéa de s. exa., que o governo não podia antepor á questão economica a politica.

Referiu-se s. exa., o sr. visconde de Chancelleiros, á nomeação dos novos pares; s. exa. comprehende facilmente que o governo, carecendo de fazer passar as medidas de fazenda, não podia deixar de reforçar a sua maioria, e sem que por modo algum esse facto signifique contradicção flagrante do programma do governo. Eu faço justiça ao digno par, e s. exa. concordará que a necessidade que motivou a nomeação dos novos pares é mais uma prova evidente de que não trahimos o nosso programma.

Ha outro ponto ainda a que s. exa. se referiu, foi ao imposto do real de agua: o digno par sabe perfeitamente que não foi este governo que creou aquelle imposto, que é um resultado dá lei de 4 de maio de 1878, proposta pelos nossos antecessores: n’este imposto estava encorporado o imposto da circulação e o da renda, foi contra estas duas idéas que nós nos insurgimos e combatemos nas duas casas do parlamento, e eu pela minha parte na camara dos senhores deputados tive a honra de ser dos primeiros que mais combateram a creação d’aquelles impostos; ora desde o momento em que nós não lançámos mão d’estes dois impostos, onde está aqui a flagrante contradicção e a infidelidade dos principios inscriptos na nossa bandeira?

Sr. presidente, eu creio que respondi aos pontos feridos principalmente pelo digno par que me precedeu, e nunca, prestei até toda a attenção, para que me não accusem de não responder ás observações de s. exa.

Sr. presidente, ainda algumas, mas poucas palavras em. resposta ao digno par auctor d’esta interpellação.

Continuo dizendo que n’este logar não está José Luciano de Castro, mas um ministro da corôa, e só como tal eu posso fallar n’esta camara, porque me não cabe à honra de ser membro della: o homem portanto desapparece, e fica o funccionario.

O individo some-se nas funcções que exerce. Deixo por canseguinte de parte todas as apreciações menos favoraveis todas as insinuações pouco affectuosas que o digno par fez da minha pessoa e do meu caracter, porque estas questões não são para aqui. A camara respeita-se muito para poder admittir, em logar de uma discussão de principies, um pugilato pessoal, que não é proprio d’esta casa, nem de ruim, (Muitos apoiados.) nem do logar que occupo.

Sr. presidente, eu sou um homem perverso, um homem rancoroso, um homem depravado, sou tudo quanto quizer o digno par; e comtudo folgo de o declarar, que não era este o conceito que fazia de mim s. exa. ainda ha poucos mezes quando me procurava na secretaria, confundido com a turba dos pretendentes, esperando horas e horas que eu lhe concedesse alguns momentos de conferencia! Então não era eu como o digno par diz que agora sou. O digno par conhece-me ha muitos annos, e eu persuadia-me que s. exa. me julgava com outras qualidades; mas agora vejo que não Ha defeito que eu não tenha.

Sr. presidente, eu posso assegurar a v. exa. que emquanto essiver n’este logar hei de procurar desempenhar as minhas funcções com a cortezia e delicadeza que elle requer. Aqui não posso ter paixões. A unica paixão que me é permittida é a- de servir bem o meu paiz e zelar os interesses publicos.

Eu tenho o animo bastante firme para supportar todas as tribulações moraes, porque os homens publicos são obrigados a supportar com paciencia todas as affrontas e injurias que lhes podem ser dirigidas quando se pretende de-

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primir o seu caracter. Confio em Deus que essa virtude nunca me ha de faltar.

Mas, sr. presidente, o digno par annunciou uma interpellação ao ministro do reino, e comtudo as suas arguições todas são contra o sr. ministro da justiça, porque fez uma transferencia de delegado, contra o sr. ministro da fazenda, porque transferiu um escrivão de fazenda, e entretanto sou eu a victima dessas arguições, sou eu que sou torturado pela violencia da sua palavra inflammada, sem ver produzir nenhuma accusação fundada em factos pelo que fez o ministro do reino! Não quero com isto dizer que declino qualquer responsabilidade. Todos nós somos solidarios. Se alguma virtude temos é a da união profunda, inabalavel e inquebrantavel em que estamos todos com relação aos negocios publicos e á administração do estado. Não declino, pois, nenhuma responsabilidade; mas a verdade é que o digno par conclue sempre contra mim! E a mim que accusa, que fulmina, e comtudo os factos referidos por s. exa. foram praticados por outros ministerios! Pelo ministro do reino que violencias se praticaram? Que pressão exerci sobre os meus collegas para se chegar até a dizer, ao mesmo que se admirava as qualidades do meu collega da justiça, que a transferencia do delegado do procurador regio de Castello Branco se fizera sob a pressão do ministerio do reino? Não preciso dizer á camara que sou incapaz de mentir. Dou a minha palavra de honra que nunca fallei ao sr. ministro da justiça em similhante transferencia.

O sr. Ministro da Justiça (Adriano Machado): — Apoiado.

O Orador: — S. exa. estará de certo prompto a declarar que eu nunca lhe fallei n’isso.

Sr. presidente, eu fui completamente estranho á lucta eleitoral do districto de Castello Branco. Se substitui as auctoridades administrativas desse districto, fil-o da mesma maneira que o tinha feito quando o digno par nos acompanhava, e se demitti as auctoridades desse mesmo districto foi isso de accordo com s. exa. Ora desde que as nossas relações se quebraram, s. exa. não podia de certo crer que nós conservássemos ali as mesmas auctoridades: a sua substituição era resultado da quebra das nossas relações.

Quer tambem s. exa. que eu lhe diga porque foi demittido o delegado do thesouro do districto de Castello Branco; era ao sr. ministro da fazenda que se devia pedir essa explicação. Comtudo, como foi a mim que se pediu, direi que esse delegado, o sr. Gonçalves, era um cavalheiro que eu muito prezo, e que hoje está delegado do thesouro na Guarda; dando-se a circumstancia de que fazendo-se sentir ao governo o desejo que havia de que elle fosse transferido, era elle proprio que reconhecia a necessidade da sua transferencia.

Esta é a verdade, sr. presidente, o sr. delegado Gonçalves foi transferido muito a seu aprazimento.

O sr. Vaz Preto: — Não foi tal.

O Orador: — Eu podia até mostrar documentos que provam o que digo.

Mas, sr. presidente, as outras transferencias? Na do escrivão de fazenda da Covilhã não houve nenhuma intenção ou conveniencia partidaria. O digno par deve reconhecer que os escrivães de fazenda se tornam muitas vezes, mesmo sendo muito bons empregados, incompativeis em certas localidades.

Aqui tem v. exa. como todos os actos a que principalmente se referiu o sr. Vaz Preto, não são actos do meu ministerio, porquanto os que mais escandalisaram s. exa. foram aquelles que procederam dos ministerios da justiça, da fazenda e das obras publicas.

Entretanto sou eu o unico a ser accusado! Entrego ao juizo da camara a apreciação imparcial d’este facto.

Tornou o sr. Vaz Preto a queixar-se muito das violencias praticadas em Idanha, onde creio que s. exa. estava na occasião das eleições, e acrescentou que tambem no Teixoso se praticaram violencias, a que poria cobro se podesse ter ido ali. Quer dizer que se no Teixoso houve violencias, foi porque o digno par não estava n’aquella localidade, porque se podesse ter ido ali, o mesmo seria apparecer s. exa. no local, o raiar logo a liberdade eleitoral.

Mas como é que em Teixoso o apparecimento do sr. Vaz Preto seria o alvorecer da liberdade da urna, e na Idanha, onde s. exa. se achava, a sua presença não produziu os mesmos effeitos e se praticaram violencias? Pois o sr. Vaz Preto tão poderoso, tão privilegiado, tão preponderante contra as demasias eleitoraes, quando não póde apparecer, não conseguiu em Idanha fazer recuar as auctoridades que exerciam violencias e attentados contra a liberdade da urna, não póde fazel-as parar no caminho das prepotencias!

Não comprehendo tão singular anomalia. Ou em Teixoso não houve violencias, ou em Idanha a liberdade eleitoral não soffreu o menor insulto, bastava lá estar o sr. Vaz Preto para ella não ser atacada.

Sr. presidente, não desejo prolongar este debate, nem irritar a discussão por modo algum. Quiz apenas dar estas explicações á camara, para que ella não julgasse que era por menos respeito para os seus membros que eu guardava silencio.

$ao quiz tambem que o digno par attribuisse a menos consideração da minha parte para com s. exa. eu não responder de novo, embora nada tivesse a acrescentar ao que anteriormente dissera.

N’estes termos, resta-me declarar que não me parece proprio do digno par apresentar accusações, sem as acompanhar de provas documentadas, pelas quaes se mostre que effectivamente houve interferencia do governo nas eleições, e que os seus actos foram illegaes, como s. exa. pretende. Isto é uma questão de provas e não de declamações. Não é com declamações que a camara e o publico podem formar um juizo seguro.

Mas onde estão as provas com que s. exa. fundamenta as suas accusações? O digno par apenas apresentou um documento, que é a nomeação de um cabo de policia, nomeação que foi feita dezesete dias antes da eleição, isto é, dentro do praso que a lei marca, como se mostra do documento que hontem li á camara, e que se for necessario lerei de novo.

O sr. Vaz Preto: — Leia, leia.

O Orador: — Tenho aqui a participação dada pelos amigos do sr. Vaz Preto, em juizo, contra a nomeação pelo administrador do concelho. Se o digno par deseja, mandarei para a mesa estes documentos todos que aqui tenho...

O sr. Vaz Preto: — É melhor que os leia, porque é o publico, e não eu, que precisa ser esclarecido. Laia é documento, leia, porque eu duvido que o tivesse lido bem.

O Orador: — Parecia-me que o digno par me dispensava da leitura de um documento que já hontem aqui li.

O sr. Vaz Preto: — É necessario que se liquide qual dos documentos exprime os factos com toda a sua exactidão, se o que eu possuo, se aquelle que o sr. ministro apresenta.

Leia o seu documento, mas leia o que lá está sem omittir cousa alguma.

O Orador: — Não posso deixar de declarar em presença das palavras do digno par que não tenho rasão nenhuma para suspeitar sequer que um documento official não diz a verdade.

De certo s. exa. não pensa que eu o forjei?

Vou ler o despacho do juiz de direito de Idanha, e julgo que bastará esta leitura para mostrar á camara a verdade do que assevero.

(Leu.)

Já vê a camara que a nomeação foi feita rigorosamente dentro do praso da lei, quer dizer em 2 de outubro, dezoito dias antes das eleições.

(Interrupção que se não ouviu.)

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Foi para evitar que os administradores de concelho fizessem nomeações de cabos de policia de modo que se podesse julgar que havia intuito de por esse meio querer o governo intervir nas eleições, que fiz expedir a portaria a que o digno par se referiu.

Tenho em meu poder uma carta do proprio juiz da, Manha, a qual não tenho duvida nenhuma de apresentar ao digno par, uma carta em que s. exa. me diz que a nomeação de cabos de policia foi feita por exigencias impreteriveis de ordem publica.

No districto de Castello Branco manteve-se, pois o respeito á lei e ás prerogativas eleitoraes.

Se o digno par interpellante apresentar n’esta camara documentos com que prove que as auctoridades exorbitaram, ha de ser prompto o castigo d’ellas, creia s. exa. O governo não tem outro proposito senão o de satisfazer aos principios exarados no seu programma.

A camara dos dignos pares tem ouvido a accusação e a defeza. Eu tenho dado todas as explicações que me cumpria; não posso dar outras, excepto se novamente for provocado a responder sobre assumptos diversos d’aquelles a que se referiu o sr. Vaz Preto.

A camara a opinião publica, o paiz, que avaliem de que lado está a rasão.

Quanto a mim creio ter justificado plenamente o. procedimento do governo.

O sr. Miguel Osorio: — Requeiro a v. exa. que consulte a camara sobre se permitte que seja prorogada a sessão até terminar a interpellação que se discute.

O sr. Presidente: — Vou submetter á votação o requerimento do sr. Miguel Osorio.

Acham-se inscriptos o sr. ministro da fazenda e o sr. Vaz Preto.

Os dignos pares que approvam se prorogue a sessão até se ultimar este debate, tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O sr. Ministro da Fazenda (Barres Gomes): — Se pedi a palavra sabendo que estava inscripto o sr. Vaz Preto, não foi para me antepor a s. exa., senão para lhe dar uma prova de deferencia justa e devida.

Como .tenho de responder a algumas arguições que me foram dirigidas, pelas quaes se pretende demonstrar que ajudei a influir no resultado das eleições em Castello Branco, por meio de actos do meu ministerio, imprimindo-lhes uma feição partidaria, deixando de lhes imprimir aquelle caracter puramente administrativo que mais convinha aos interesses da fazenda publica, desejava que s. exa. depois, de ouvir as poucas palavras que vou proferir, ficasse habilitado para mais tarde responder aos meus argumentos, se entendesse que elles não eram acceitaveis.

Já o meu collega o sr. ministro do reino se referiu á transferencia do delegado do thesouro de Castello Branco, e disse que esse empregado, indo para a Guarda, vira satisfeita uma aspiração natural que elle mesmo manifestara a mais de uma pessoa.

O sr. ministro do reino não carece de que, eu confirme as suas palavras; mas, associando-me a s. exa., declaro que tambem sei por mais de uma via me constar que tal era effectivamente o desejo do referido funccionario.

Entre as accusações que me foram dirigidas, e de que já os meus collegas demonstraram a injustiça, houve uma que sobre todas me feriu. Não a deixarei passar sem offerecer á camara explicações que me parecem cabaes.

Nas vesperas do acto eleitoral, ou quasi nas vésperas, porque foi em setembro, reconhecendo eu que o serviço das alfandegas estava anarchico, reconhecendo a necessidade de providencias immediatas que levassem, os empregados a occupar os seus logares nas alfandegas respectivas, que os obrigassem ao cumprimento dos seus devrees e das attribuições que as leis lhes marcavam reconhecendo não poder nem dever demorar uma providencia n’esse sentido, publiquei uma portaria em virtude da .qual os empregados aduaneiros, que estavam ausentes, deviam regressar sem demora ás respectivas alfandegas.

Tinham-se tornado geraes os clamores. No Porto, por exemplo, era formal a queixa por parte do alto funccionario fiscal que então dirigia a alfandega da mesma cidade, faltando ali sobretudo certa classe de empregados,, os verificadores, de, que o commercio mais carecia para o despacho de mercadorias.

Em muitas alfandegas, da raia, para onde ha tanto quem deseje ser nomeado e tão pouco quem se preste a occupar os respectivos logares, acontecia que as funcções de aspirantes, e de outros empregados estavam, contra, lei, sendo, desempenhadas por guardas da fiscalisação externa.

O que acontecia, sr. presidente, era que as funcções dos aspirantes, e outros empregados, estavam sendo desempenhadas por guardas. Foi. n’estas circumstancias que publiquei uma portaria como já disse, quasi na vespera das eleições; mas antes de a publicar levei-a a conselho de ministros, e n’elle declarei aos meus collegas que era minha intenção não recuar diante de nenhum pedido a favor d’aquelles empregados, e que uma vez publicada a portaria havia de honrar o meu nome não admittindo nenhuma excepção a este respeito.

E assim procedi. Não podia, pois, acontecer que os dois aspirantes que o digno par disse que se conservaram em Castello Branco, ali permanecessem com licença dada por mim ou por qualquer dos meus subordinados. Declaro que não dei similhante licença, e que, portanto, o facto censurado pelo digno par é menos exacto, não porque s. exa. fosse capaz de faltar á verdade, mas de certo porque o digno par estava menos bem informado.

É certo, porém, como disse s. exa., que aquelles empregados se conservaram bastante tempo no districto de Castello Branco, não indo occupar desde logo os seus logares nas alfandegas a que pertenciam. Mas a verdade é que logo que eu tive conhecimento d’esse facto pelo Diario da Manhã, ordenei immediatamente, e ainda antes das eleições, sob pena de demissão ou suspensão, o regresso d’esses empregados, aos seus logares.

Tenho em meu poder documentos de que não farei uso n’este momento, e que provam o que acabo de affirmar; creio, porém, que a camara fará justiça ás minhas intenções, não suppondo que a pretendo illudir; possuo documentos, como ia dizendo, firmados por amigos politicos do governo, em que se me pedia instantemente que ao menos não fossem aquelles empregados castigados pelo facto de se mostrarem affectos ao governo, em pleno contraste com os restantes funccionarios fiscaes do districto, que guerrearam sem treguas os amigos do governo em toda a parte. Parece-me, portanto, que n’este ponto não posso merecer as censuras do digno par.

Sr. presidente, nas vesperas das eleições chamei a Lisboa um alto empregado da fiscalisação externa, por me parecer conveniente ouvir o seu conselho sobre algumas modificações no serviço que estava tratando de realisar, como de facto realisei. Pois houve quem attribuisse esse chamamento a um intuito politico. Apenas aquelle funccionario me fali ou, declarou me que suspeitara que eu tinha tido esse intento. Disse-lhe então qual havia sido o meu fim, quando o chamara a Lisboa, e que nem a elle, nem a qualquer outro empregado recommendava senão a mais completa abstenção no acto eleitoral. Mas na antevéspera das eleições aquelle empregado fiscal procurou-me p disse-me: «Se v. exa. deseja que vá á eleição, vou e levo os meus guardas todos. Tenho feito isso em outras occasiões e a pedido de varios ministros. Portanto estou ás ordens de v. exa. Eu respondi-lhe então que não queria, nem podia, nem devia consentir similhante cousa.

Foi esta a minha maneira de proceder n’este assumpto, com todos os funccionarios dependentes do meu ministerio, e emprazo seja quem for a provar que proferi uma palavra ou pratiquei um acto em desaccordo com esta declaração.

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Quanto á transferencia de escrivães e delegados, é verdade que as houve. E podia o governo consentir que auctorisados fiscaes estivessem fazendo politica, influindo nas eleições?

V. exa., quedem gerido muitas vezes a pasta da fazenda, com aquella distincção com que costuma desempenhar-se sempre das differentes commissões de serviço publico que lhe são confiadas, de certo terá pleno conhecimento de um facto que na minha curta carreira publica tive occasião de observar por mais de uma vez e que é dos que mais me têem impressionado.

Poucas cousas fazem afastar mais insensivelmente os candidatos opposicionistas do que a transferencia de certos empregados fiscaes. Ora não sendo esse empregado proprietario na localidade não tendo nenhuns outros elementos, de influencia senão os que lhe facultam a sua posição official e o logar que occupam, é de presumir que muitos abusem da sua posição para influir no acto eleitoral. N’estas circumstancias entendo que por muito doloroso que seja o expediente para as opposições não ha meio roais curial para se obviar a um abuso tão grave do que a remoção d’esses empregados, logo que se prove que elles se aproveitam da importancia das suas funcçoes para se transformarem em agentes eleitoraes. E ao ministro cumpre proceder assim, por isso que em logar do cumprirem com os seus deveres officiaes e de se limitarem a satisfazer as suas obrigações, zelando os interesses do fisco, põem de parte esses interesses e essas obrigações- para intervirem no que lhes não compete.

Foi esta a rasão por que me vi obrigado a ordenar a transferencia de alguns empregados fiscaes, tendo em vista unicamente a conveniencia do serviço publico, e ordenei-as porque recebi aviso das auctoridades e mesmo cru alguns casos de amigos do governo, fazendo-me ver que esses funccionarios não cumpriam com os deveres do sou cargo, mantendo na meta eleitoral a imparcialidade que lhes cumpria observar.

N’esta parte devo tambem declarar que a doutrina apresentada pelo ar. presidente do conselho, de que os governos não devera admittir que trabalhem contra elles os empregados do estado, parece-me perfeitamente acceitavel! Não quero com isto dizer que os empregados devam intervir nas eleições a favor das candidaturas protegidas pelos amigos do governo, mas sim que não devem trabalhar nem a favor nem contra, limitando-se a cumprir com as suas obrigações officiaes.

Sr. presidente, voltando á questão dos dois empregados da, alfandega, direi que esta questão a considero eu muito grave, por assim dizer, uma questão de honra para mim. N’um paiz onde tudo é pequeno, onde tudo se move por empenhes e influencias pessoaes. torna-se difficil introduzir qualquer melhoramento na administração publica, sem ter em attenção as pessoas. Eu que me vi cercado de pedidos por parte de muitos amigos meus, que se empenhavam na conservação de certos empregados, e com os quaes pedidos entendi não dever condescender, não podia deixar de sentir, e sentir muito, que se fizesse acreditar em publico que por simples questão de conveniencia eleitoral eu tinha mantindo e enganado os meus amigos.

Nada mais direi sobre este ponto. A questão politica foi perfeitamente
tratada pelo meu collega do reino, e seria inutil estar a occupar-me d’ella. Escusado será tambem dizer que cada um de nós assume a responsabilidade dos actos praticados por qualquer dos membros do gabinete. Somos solidarios, todos nos respeitamos mutuamente, e todos intervimos na administração dos negocios publicos, procurando gerir os negocios dependentes das diversas pastas com a necessaria independencia propria, mas ao mesmo tempo com aquella unidade de vistas e accordo commum, que constituem a força das situações.

O sr. Vaz Preto: — Sr. presidente, posto que eu esteja cansado, a que é, hora vá bastante adiantada, não deixarei da usar ainda da palavra, porque preciso rebater as asserções do sr. ministro do reino, o que farei pela fórma e pelo modo que ellas merecem, o que farei com justa severidade e aspereza.

Antes de o fazer, porém, dirigirei algumas palavras em resposta ao sr. presidente do conselho.

As declarações do sr. presidente do conselho são dignas do seu caracter leal, são taes quaes eu as esperava do ministro serio e grave, são o exemplo que dá o verdadeiro cavalheiro d’aquelle que não comprehende esses sentimentos.

O sr. Braamcamp declarou que tomava a responsabilidade dos actos praticados pelos seus collegas. Esta declaração é tanto mais nobre e elevada, quanto é feita depois do sr. Luciano de Castro exclamar por differentes vezes, que os factos que eu acusava não eram d’elle mas dos seus collegas, que me dirigisse a elles, a quem competia a responsabilidade.

O sr. Luciano de Castro, para fugir á severidade das minhas palavras e á expiação das suas faltas e erros, já desconhecia que os ministerios são solidarios.

O sr. presidente do conselho parece-lhe ene eu lhe fizera elogios, que contrastavam com as censuras feitas ao seu collega do reino, e disse o mais delicadamente que os não podia acceitar.

S. exa. não tem que acceitar nem deixar de acceitar. Eu não soa lisonjeiro, disse apenas o que sentia; se elogiei s. exa. fil-o sinceramente, e pelo respeito que me infunde o seu caracter. Tanto assim o penso, que ainda agora digo que estou convencido, de que s. exa. estimou até a derrota do governo na Idanha, e que talvez mesmo felicitasse o candidato da opposição, porque um cavalheiro não corresponde aos serviços e finezas que lhe fizeram, fazendo guerra crua e perseguição atroz áquelles, a quem acceitou as finezas.

Dadas estas explicações, e antes de responderão sr. ministro cio reino, porque primeiro vou dirigir-me ao sr. ministro da fazenda, direi que a defeza do sr. José Luciano foi miseravel, pequena e mariquinha, tal como era propria do seu caracter.

Sr. presidente. As asseverações ao sr. ministro da fazenda nua são exactas. Tudo quarto eu disse- era e QUO se passou. A exposição singela dos factos que fiz, é a verdadeira.

Os factos foram publicos, ninguem os contesta, nem o proprio governo, que só procura attenual-os.

Eu não me queixei de que e governo mentesse a sua machina eleitoral, nem mo queimaria se visse o governo transferir ou demittir quaesquer empregados do confiança, que procurassem empregar toda a sua influencia contra os candidatos governamentaes; mas o que eu disse foi que o governo não soube manter o seu programma, que elle fôra falseado pelo sr. ministro do reino, que a circular manifesto era simplesmente para lançar poeira nos olhos do publico, que era um documento desgraçado, e que em logar d’esse documento o governo, que estivesse animado do sentimento, e do desejo de ter eleições livres, devia empregar todos os seus esfoços para fazer cumprir a lei eleitoral, eue contém em si as disposições as mais liberaes, e as mais adequadas para manter a ordem e a liberdade de urna. O que eu disse a muito ainda, é que aspirante da alfandega da Aldeia de Ponte andou a golopinar na occasião da eleição em Penamacor, e que eu o víra ali ainda no proprio dia da eleição.

Affirmo-o, e não admitto que o sr. ministro da fazenda divide a minha asseveração,

Sr. presidente, eu não contesto ao governo a faculdade de transferir e demittir empregados que faltam aos seus deveres, o que eu lhe contesto é o arbitrio e o despotismo.

Portanto, censuro o governo por ter transferido empregados distinctos, que tinham sempre cumprido com os seus deveres. Já perguntei ao governe quaes eram es erros e as faltas d’esses empregados. Nem uma só lhe foi apontada.

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Isto prova á evidencia que os srs. ministros foram injustos, e sacrificaram á paixão partidaria os bons principios, a sã doutrina e os devores mais sagrados.

Sr. presidente, affirmou o sr. ministro do reino que o delegado do thesouro de Castello Branco tinha sido transferido por sua vontade, porque o pedíra! E falso, é contrario á verdade do facto. Onde estava o requerimento delle pedindo a transferencia? O sr. José Luciano inventa quando lhe convem.

Sr. presidente, tanto não desejava saír de Castello Branco o delegado do thesouro, que quando recebeu extra officialmente a noticia, á minha vista, ficou fulminado. E não admira, porque um empregado publico, que tem familia, não lhe convem andar em mudanças, pelas enormes despezas que faz.

Sr. presidente, o sr. ministro do reino accusa-me de eu me exceder, e de atacar, menos respeitosamente o poder executivo. Não reconheço no sr. José Luciano, nem auctoridade, nem competencia, para me fazer essas accusações. Eu n’esta casa sei, e conheço, qual é a minha missão, quaes os meus deveres e qual a minha posição. Sei que n’aquellas cadeiras (apontando para os bancos do governo) está o poder executivo, e quaes as attribuições que lhe marca o codigo fundamental.

Sei que nos devemos respeitar mutuamente, mas sei tambem que o sr. ministro do reino esqueceu a sua posição, e com a maior descortezia se dirigiu a mim.

O sr. José Luciano é capaz de tudo isto, e de muito mais.

Por consequencia, não me admira a declaração que fez, e que era propria do" seu caracter.

Sr. presidente, se algumas vezes empreguei palavras ásperas e severas, foi para exprimir a minha indignação pelos actos, que o sr. ministro do reino praticou. Como homem publico parece-me que tenho direito de o fazer.

Eu tenho todo o respeito por esta camara e pelo poder executivo; mas não prescindo do direito, que me assiste de poder estigmatisar e combater os actos do governo, empregando as palavras proprias para qualificar esses actos. Queria o sr. ministro do reino que eu a actos de corrupção chamasse actos de moralidade, que a actos que não fossem dignos chamasse actos honrosos, e que a actos de perseguição chamasse, actos de tolerancia?! Não o sei fazer, porque detesto a hypocrisia. Não era possivel, isso repugna á minha maneira de ver. Eu hei de sempre usar das palavras portuguezas e dignas d’esta casa, que são proprias para corrigir as demasias do governo, e estou convencido que presto nisso um grande serviço fallando desassombradamente, como fallo, n’esta casa. Supponho que me tenho servido de termos parlamentares, pelo menos é esse o meu desejo; mas se por acaso eu empregar alguma palavra menos parlamentar, peço a v. exa. que a substitua por outra, não alterando o meu pensamento, porque é necessario que elle fique tal qual é.

Sr. presidente, disse o sr. ministro do reino, com o sentimento que lhe é proprio, que eu quando estava em boas relações com o governo ía ao seu ministerio differentes vezes, e ali elle ministro, me fazia esperar horas e horas confundido com a turbamulta dos pretendentes! Não me envergonho nem de ir á secretaria, nem de esperar, e tenho muita satisfação em o declarar, porque eu ia. ali tratar de negocios publicos, e nunca fui pedir cousa alguma para mim, pelo contrario recusei sempre, com profundo desdem e o mais decidido desprezo, os offerecimentos incessantes do sr. ministro do reino.

Eu esperando praticava um acto de delicadeza, QUQ o sr. ministro do reino não sabia comprehender, e o sr. José Luciano fazendo-me esperar, praticava um acto da indelicadeza, que lhe é peculiar,

Sr. presidente, veja v; exa. se eu tivesse acceitado alguma cousa d’aquelle ministro, como elle viria para fazer alarde e lançar-m’o em rosto.

(Apoiado do sr. marquez de Vallada.)

Nunca quiz nada para mim, recusei sempre enjoado os offerecimentos do sr. José Luciano, e ainda bem, porque querendo atacar-me, vem apenas dizer, que eu, par do reino, me apresentava confundido com a turbamulta dos pretendentes, á espera que s. exa. me concedesse alguns minutos de audiencia! Esta declaração, sr. presidente, revela os sentimentos mesquinhos e pequenos do sr. José Luciano, é... é verdadeiramente inqualificavel.

O sr. Presidente: — Eu peço ao digno par o sr. Vaz Preto que retire as phrases que acaba de pronunciar, e podem parecer offensivas ao sr. ministro.

O Orador: — V. exa. as substituirá como for mais parlamentar, comtanto que fique o pensamento. V. exa. é justo e imparcial, dirige com toda a dignidade as discussões.

Eu tenho a responder ao sr. ministro do reino, que quem está no seu posto somos nós, que sustentámos os mesmos principios, ternos a mesma coherencia, e seguimos em linha recta o caminho que traçámos.

Quem desertou? Porventura nós já estivemos infileirados no partido progressista? Esse governo que nós ahi collocámos e que veiu solicitar pelo sr. presidente do conselho o nosso apoio.

Appellei e appello para a cavalhorismo de s. exa., e peco-lhe que diga se lhe pedimos alguma cousa, e que diga clara e francamente, se nós faltámos uma virgula áquillo a que nos compromettemos, e a rasão por que nos separámos.

É necessario que estas cousas se saibam. O sr. Braamcamp teve todo o cuidado de afastar esta questão d’aqui eu é que não posso deixar de dizer duas palavras.

Quando nós nos separámos, na ultima entrevista que tive com o sr. presidente do conselho, affirmei que a nossa situação politica era a que tinhamos declarado, e que o partido constituinte iria á uma como partido, que tem autonomia propria, fiado só nos seus recursos, e que a rasão por que nos separavamos n’aquella conjunctura do governo, era porque elle tinha faltado a todas as condicções do pacto, que tinha sido proposto pessoalmente pelo sr. Braamcamp, e acceite por nós.

Sr. presidente a este respeito farei ainda uma declaração á camara. O sr. Dias Ferreira e eu não quizemos tratar senão com o sr. Braamcamp, e excluimos o sr. José Luciano de Castro, porque já o conheciamos e sabiamos que faltaria a tudo, e alteraria o que se passasse. Tratámos só com o sr. presidente do conselho, parque o julgavamos um cavalheiro, como realmente é e não é capaz de alterar o que se passou.

Entrámos na lucta mantendo a mesma situação politica tal qual estava marcada pelas nossas declarações em ambas as casas do parlamento, e só depois do governo ter praticado os maiores attentados contra a liberdade da urna actos que destoavam do seu programma e das suas promessas, é que nós reconhecemos que não podiamos dar apoio a similhante ministerio.

Sr. presidente, eu vou concluir porque a hora está adiantada, mas antes de o fazer desejarei que o sr. José Luciano, que leu aqui hontem um auto contra mim, diga qual a rasão porque aquelle auto não seguiu os seus tramites, e não foi entregue ao poder judicial? Sou eu criminoso, pratico factos fora da lei, e os poderes constituidos abafam, esse auto, e tolhem a acção da justiça?

Sr. presidente, o sr. José Luciano quanto mais se quer defender, mais se enterra.

O auto caiu, porque não tinha rasão de ser. Eu estava dentro, da lei e da. carta constitucional; eu não tinha feito mais do qua, acompanhado por uma commissão, composta dos primeiros cavalheiros de Penamacor, indicar ao administrador do concelho as leis que elle ignorava, e aos eleitores qual o seu direito, e que me teriam sempre á sua frente para-os defender das prepotencias e do despotismo da auctoridade.

O administrador tinha intimado para prestarem juramento de cabos de policia cerca de setenta eleitores, pas

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sado o praso que a lei marca para estas nomeações. Acompanhado pois da commissão a que me referi, fui protestar contra similhante acto.

Isto foi no dia 12 de outubro. Sr. presidente, quando cheguei á casa da camara, que era tambem a casa da administração, encontrei-a cercada por guardas da alfandega, que agarravam os eleitores, e os obrigavam a ir prestar juramento de cabos de policia. Dei disto conhecimento ao sr. presidente do conselho e ao sr. governador civil, com quem discuti esta questão, o s. exa. concordou que, decorrendo menos de quinze dias de antecedencia ás eleições, não se podiam nomear cabos de policia. O sr. ministro assevera, porém, que a nomeação dos cabos de policia foi feita antes de decorrer aquelle praso, o que não é exacto, como provei pelo documento que li á camara, e que tem fé em juizo.

A proposta é que foi feita quinze dias antes da eleição, mas a nomeação fez-se mais tarde, fez-se no dia 17, dois dias antes da eleição, isto é, fora do praso legal.

Isto é o que realmente se passou, é que é a historia verdadeira dos factos, e de toda ella dei parte ao sr. presidente do conselho de ministros, pedindo-lhe providencias. Prometteu-m’as immediatamente; creio que os seus desejos eram bons, mas, como essas providencias deviam ser tomadas pelo sr. José Luciano, nunca se fizeram sentir. Não digo bem. As providencias fizeram-se sentir, e tanto que o sr. ministro do reino veiu ler um auto levantado contra mim, pelo que eu havia praticado.

Sr. presidente, creia v. exa. e a camara que muito me honra esse auto, e que a minha consciencia está satisfeita com o meu procedimento.

Sr. presidente, é verdadeira lastima que haja um ministro tão inepto, que venha ler para aqui um auto, ao qual não deram seguimento.

Convido o sr. ministro, insto a que mande case auto para o poder judicial, e me persiga, porque desejo mostrar que respondo pelos meus actos, que sustento os verdadeiros principios, e que o ministro do reino do partido progressista desconhece as prescripções mais triviaes da lei eleitoral.

Sr. presidenta, o sr. ministro do reino, não podendo defender-se com documentos officiaes, appella já para os particulares, e diz que tem uma carta do juiz de direito de Manha, em que lhe affirma que a nomeação dos cabos de policia foram uma necessidade para manter a ordem o a tranquillidade publica ameaçada. Esta coarctada é admiravel. Revela-nos que o juiz de direito tinha sido instrumento do governo, e que estava feito com as auctoridades de Penamocor. Agora já não admira que os processos fossem archivados, está explicado tudo.

Sr. presidente, é admiravel este systema de manter a ordem e a tranquillidade publica nomeando dias antes da eleição cabos de policia! A honra de similhante invenção cabe toda ao sr. José Luciano de Castro.

Sr. presidente, é necessario que esta questão de nomeação de cabos de policia fique bem liquidada.

O documento que aqui tenho, e que mostra que a nomeação referida foi feita no dia 17, é um documento que faz fé, é uma copia authentica do alvará de nomeação.

O sr. ministre do reino diz que tem outro documento, onde se declara que o administrador do concelho nomeou os cabos de policia immediatamente á proposta, isto é, no dia 2 ou 3 de outubro. Eu duvido d’esse documento, e desejo examinal-o. Lá não póde estar similhante cousa; só está, o administrador é um falsificador, porque este que aqui tenho foi extraindo de uma certidão passada por elle. N’esse esse deve ser mettido em processo. Creio, pois, que o sr. José Luciano ou leu mal por não entender a letra, ou porque assim lhe convinha.

A asserção de que os cabos de policia foram nomeados dentro de praso da lei, é falsa e contraria á verdade dos acontecimentos, que foram publicos, e são conhecidos aqui o fóra do aqui.

Sr. presidente, a maxima liberdade, [...] da maxima legalidade, foi uma pura ficção, foram palavras atiradas ao vento, e que ficaram ocas e vadias do sentido. A realidade foi outra, foi a corrupção empregada em larga escala, foram as violencias sem iguaes, a arbitrariedade e o despotismo exercido nos servidores do estado, que cumpriam o seu dever, e que tiveram a desgraça de cair no desagrado do sr. José Luciano, foi o programma do partido progressista rasgado 0 calcado aos pés por aquelle que o fizera, foi o desmentido formal que o sr. José Luciano dou aos seus discursos, ás suas palavras e ás suas promessas solemnemente feitas ao parlamento.

Aqui tem v. exa. e a camara uma eleição geral, á qual presidiu o sr. José Luciano de Castro.

O sr. Ministro do Reino (Luciano de Castro): — Não me levanto para responder ao digno par o sr. Vaz Preto, nem para me defender; levanto-me só para protestar em nome do poder executivo, de que sou representante, contra as phrases violentas (Muitos apoiados.) que s. exa. acaba de pronunciar contra um ministro da corôa. (Muitos apoiados.) Um ministro da corôa não póde fallar senão como tal, e eu espero no que vou dizer não me esquecer de que o sou.

Sr. presidente, os factos que presenciamos são inauditos, estranhos, singulares, nunca vistos. Imagina o digno par...

O sr. Vaz Preto: — Como o sr. ministro quer questão, peço a palavra, e creia que lhe hei de responder á letra.

O Orador: — Perdão. É verdade, nada tenho que dizer ao digno par; mas unicamente protestar alto e bom som contra o modo por que s. exa. se dirigiu a um representante do poder executivo. (Apoiados.) Quanto ás suas aggressões, apenas direi que não me affligem, porque sei não poderem offender ninguem, e por consequencia não tenho de que me doer com ellas, pessoalmente.

Eu respeitei sempre o digno par, e durante toda a discussão não proferi uma unica palavra que o podesse offender. Aquelle cavalheiro todavia, como v. exa. e a camara presenciaram, tratou-me de um modo inqualificavel.

O sr. Vaz Preto: — Peço a palavra.

O Orador: — Sinto-o não por mim, repito, mas pela auctoridade que aqui represento, pelas funcções que desempenho, e por isso cumpre-me protestar bem alto contra a maneira por que um representante do poder executivo é tratado n’esta casa. E uma vez por iodas declaro que emquanto o digno par não se dirigir a mim de um modo cortez e delicado e com o respeito devido ao logar que occupo n’este momento, nunca mais responderei a interpellação alguma de s. exa., nem me darei como habilitado para responder ás suas accusações, o que quer dizer que renuncio ao direito de me defender, e acceito o julgamento da camara, mesmo sem me defender.

É uma renuncia violenta que faço do meu direito; mas prefiro isso a ver-me aggredido aqui, atacado, humilhado da maneira por que o sou e a camara acaba de presenciar.

Feitas estas declarações, nada mais tenho a dizer e retiro-me.

O sr. Presidenta: — Peço ao sr. ministro do reino que tenha a bondade de me ouvir.

Vou ler á camara o artigo 53.° do nosso regimento.

(Leu.)

E evidente que o orador que faltar ás considerações devidas a qualquer membro do poder executivo falta por esse facto ao respeito e considerações devidos á camara.

Pareceu-me que uma phrase pronunciada pelo sr. Vaz Preto estava comprehendida na censura d’este artigo 53.° Pedi ao digno par que a retirasse e s. exa. retirou-a immediatamente. E possivel que proferisse o mesmo digno

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par algumas outras palavras que devesse tambem retirar. Eu declaro que, nas infelizes condições acusticas em que esta camara está, não as ouvi; mas tenho a convicção de que o digno par não duvidará retirar quaesquer expressões que tivesse proferido no calor do debate, e sejam susceptiveis de censura, porque effectivamente a camara honra-se, honrando os seus membros e os representantes do poder executivo, e o digno par não quererá faltar ás considerações que lhes são devidas.

O sr. Vaz Preto: — Eu costumo respeitar ã todos como devo, respeitando-me a mim proprio. Tenho tratado o sr. ministro do reino só como elle merece.

O sr. Presidente: — Peço perdão. Essa phrase mesmo, pela interpretação desfavoravel que se lhe póde dar, não devo eu consentil-a.

É necessario ter em attenção o respeito que se deve a um ministro da corôa.

O sr. Vaz Preto: — Disse e repito: v. exa. póde substituir qualquer das minhas palavras que entender menos parlamentar, comtanto que não se altere o pensamento. Eu o desejo, mas não prescindo de que a idéa fique. Sei o que digo, sei que o sr. José Luciano é merecedor da minha severidade, e por isso a condescendencia que tenho é unicamente para com v. exa., que muito respeito, para com esta camara, que merece todas as minhas attenções. Se eu não tivesse muito respeito por v. exa. e pela camara, eu faria emmudecer immediatamente o sr. José Luciano, que v. exa. não chamou á ordem quando elle disse que afastava com o pé as arguições que lhe dirigi. Não se diz isto aqui. E lá fóra que se tomam as satisfações e os desforços. O que o sr. ministro do reino acabou de proferir foi uma censura completa a v. exa., que sabe dirigir perfeitamente os trabalhos d’esta camara, sempre com imparcialidade, e que me tem já feito algumas advertencias, que eu recebo com toda a docilidade, visto partirem de v. exa., que é juiz imparcial, e que tem verdadeira auctoridade n’esta assembléa. Protesto pois contra similhante censura.

Eu tinha de apreciar severamente o modo pouco proprio por que o sr. ministro aqui se apresentou e se me dirigiu; por consequencia, respondi nos termos que a minha dignidade e a minha posição exigiam. Fil-o., não me arrependo, e não retiro nada do que lhe diz respeito.

O sr. Presidente: — Queira a camara dispensar-me alguns momentos de attenção.

Pareceu-me que o sr. Vaz Preto me auctorisou a substituir quaesquer expressões que podessem ser interpretadas de uma maneira desfavoravel ao sr. ministro do reino. Peço, pois, a s. exa. e á camara que acceitem esta explicação do digno par, que equivale á retirada d’essas expressões.

Devo tambem declarar que no discurso proferido pelo sr. ministro do reino não ouvi phrase alguma de menos consideração para com o sr. Vaz Preto. Eu peço a todos os dignos pares que têem tomado parte n’este incidente, ou venham a entrar nelle, o favor de me ajudarem a resolvel-o de um modo conveniente para todos e digno da camara. O sr. ministro do reino pediu a palavra, e eu não tenho duvida alguma em lha conceder. O que lhe peço unicamente é que use d’ella com a prudencia que costuma.

O sr. Ministro do Reino: — De bom grado accedo ao pedido de v. exa., e aos seus bons desejos de resolver do melhor modo o incidente que se levantou. Assevero a v. exa. e á camara que não foi meu intuito offender com as minhas palavras o digno par interpellante ou qualquer outro membro d’esta casa. Não podia de forma alguma ser esse o meu pensamento. Apenas quiz repellir em nome do governo palavras que me pareceram offensivas da sua dignidade; desde porém que v. exa. tomou a attitude da qual resultou o digno par interpellante acceder aos desejos de v. exa., auctorisando-o a substituir as palavras que proferiu e podessem ser menos parlamentares, pela minha parte entrego tambem a v. exa. as minhas phrases, para que sejam retiradas as palavras, por mim proferidas, que v. exa. entender que o devam ser.

O sr. Presidente: — Agradeço ao sr. ministro do reino a sua acquiescencia ao meu convite, e peço ao digno par, o sr. Vaz Preto, que tenha igual condescendencia para commigo. O digno par sabe que tenho tido sempre muita consideração para com s. exa., e estou certo que estará prompto a retirar qualquer palavra que podesse ser considerada como menos propria da dignidade da camara e dos ministros da coroa.

O sr. Vaz Preto: — Sr. presidente, tenho a maior consideração pela pessoa de v. exa. e pelo logar que occupa. Recebo sempre de boamente os avisos e admoestações que v. exa. me faz, porque vem de um caracter altamente respeitavel e serio, que sabe dirigir as discussões d’esta camara com a maior imparcialidade. Permitta-me porém v. exa. que declare que eu não costumo nunca retirar as considerações que aqui faço. Se v. exa., pois, encontra alguma palavra proferida por mim que seja menos parlamentar, e se entende que ella feriu os ouvidos da camara, póde v. exa. substituil-a por outra que lhe agrade, uma vez que conserve o meu pensamento.

O sr. Presidente: — Já fiz notar á camara, por mais de uma vez que na mesa não se percebe muitas vezes, o que se diz na sala, e muito mais quando ha sussurro na assembléa, como agora. Creio que o digno par, o sr. Vaz Preto, declarou que me auctorisava, se por acaso pronunciou alguma palavra menos bem soante, a substituil-a por outra, comtanto que exprimisse o pensamento de s. exa. Isto equivale a retirar essas expressões. N’estes termos só tenho a pedir á camara que se contente com a explicação que acaba de dar o digno par, e que não continuemos n’este incidente.

O sr. Visconde de Chancelleiros (sobre a ordem): — Começou a apresentar considerações, ácerca da inconveniencia de fazer uso de expressões menos parlamentares durante os debates.

O sr. Presidente: — O incidente está acabado e peço ao digno par que o não faça reviver. Estão retiradas todas as expressões que se julgaram menos proprias d’esta camara, e por consequencia permitta o digno par que passemos a outro assumpto.

Passo, pois, a dar a ordem do dia para sexta feira, 27 do corrente, e será a discussão do parecer n.° 23.

O sr. Ministro da Marinha (Marquez de Sabugosa): — Não quero, sr. presidente, tornar mais grave este incidente, como v. exa. nos aconselhou, e muito bem; mas permitta-me v. exa. que eu, como membro d’esta camara e do governo, declare que não fiquei completamente satisfeito, não pelo modo como v. exa. dirigiu a discussão, o que sempre faz com toda a cordura e prudencia, mas pela maneira por que a questão ficou concluida.

Como membro do poder executivo, acceito todas as responsabilidades dos meus collegas; todas as que se podem acceitar aqui, porque as individuaes são acceites em outra parte.

Sr. presidente, ha palavras que não desejo ver repetidas, porque entendo que não se devem proferir aqui. Têem ellas uma significação sua, e muito propria; e quando se retiram e não se retira o pensamento, não se póde ficar satisfeito.

Um membro d’esta camara declarou que retirava as palavras que podessem. ser consideradas offensivas, mas que não retirava o pensamento das asserções que affirmara. Por isso, sr. presidente, peço a v. exa. que nos declare se foram retiradas, não só as palavras, mas a intenção offensiva que ellas significavam. Se assim for, devemos ficar satisfeitos, do contrario não é possivel. Retirar as palavras e deixar a intenção d’ellas, é cousa que por forma alguma se póde admittir.

(S. exa. não reviu este discurso.)

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O sr. Presidente — Uma vez que as palavras foram retiradas, desappareceu o pensamento que ellas exprimiam. Não vão mais longe a minha auctoridade em vista do regimento.

E parece-me que a justa susceptibilidade do sr. ministro da marinha, cujo nobre caracter estou acostumado a respeitar, deve ficar satisfeito.

O sr. Ministro da Marinha (Marquez de Sabugosa): — Estou satisfeito.

O sr. Presidente: — Está levantada a sessão. A seguinte será na sesta feira, 27 do corrente, o a ordem do dia a discussão do parecer n.° 23, sobre o projecto n.° 5, relativo á cobrança do imposto do real de agua.

Eram seis horas menos vinte minutos da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 25 de fevereiro de 1880

Exmos. srs.: Duque d’Avila e de Bolama; João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Martens; Duques, de Loulé, de Palmella; Marquezes, de Ficalho, de Fronteira, de Sabugosa, de Vallada, de Vianna, de Pombal; Condes, dos Arcos, de Avilez, de Bertiandos, de Cabral, de Castro, dó Farrobo, de Gouveia, da Lousa, de Paraty, da Ribeira Grande, da Torre, de Valbom; Bispos, eleito do Algarve, de Lamego; Viscondes, de Algés, de Alvos de Sá, de Bivar, de Borges de Castro, de Chancelleiros, de Ovar, d1*» Portocarrero, da Praia Grande, de Seabra, do Seisal, da Silva Carvalho; Barão do Ancode; Ornellas, Quaresma, Sousa Pinto, Barros e Sá, Couto Monteiro, Fontes Pereira de Mello, Rodrigues Sampaio, Serpa Pimentel, Costa Lobo, Coutinho de Macedo, Barjona de Freitas, Xavier da Silva, Palmeirim, Carlos Beato, Eugenio do Almeida, Sequeira Pinto, Montufar Barreiros, Margiochi, Fortunato Barreiros, Andrade Corvo, Mendonça Côrtez, Braamcamp, Baptista de Andrade, Pinto Bastos, Castro, Reis e Vasconcellos, Lourenço da Luz, Mancos de Faria, Mello e Gouveia, Mexia Salema, Luiz de Campos, Daun e Lorena, Castro Guimarães, Salsas, Vaz Preto, Franzini, Canto e Castro, Miguel Osorio, Placido de Abreu, Calheiros, Ferreira Novaes, Seiça e Almeida, Thomás de Carvalho, Mathias de Carvalho.

Rectificação

Por não ter sido publicada com exactidão a proposta apresentada pelo exmo. sr. presidente na sessão n.° 15, de 21 do corrente, e que vem publicada a pag. 69, lin. 54, se publica novamente, e é do teor seguinte:

«A camara dos pares resolve que na acta da sua sessão de hoje se lavre o voto do seu profundo sentimento pelo horroroso attentado commmetido na capital do imperio de todas as Russias, contra a vida do augusto soberano d’aquelle estado, e que d’esta resolução se de conhecimento ao representante de Sua Magestade Imperial n’esta côrte, remettendo-lhe copia da respectiva acta.»

Creio, apresentando esta proposta, que interpreto fielmente os sentimentos da camara, (Apoiados geraes.) que bemdiz, por certo, a Providencia por não ter permittido que vingasse tamanho crime, que poz em perigo os dias de toda a familia imperial. (Apoiados geraes.}

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