O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

SESSÃO DE 26 DE MAIO DE 1887 253

outro fim senão exprimir o meu voto, que póde ser o d’esta casa do parlamento, para que cheguem longe e muito alto as vozes lastimosas das christandades orientaes, que fervorosamente representam e supplicam não ficarem excluidas do real padroado, e que sejam attendidos com a justiça que merecerem, os nossos direitos, os quaes nem sempre foram considerados como cumpria e era de rasão.

Não é de hoje, mas foi costume n’outras epochas apresentar e desenvolver largos programmas politicos, e fazer protestações de fé. Entretanto, auctorisado por exemplo grave e recente, aproveito a opportunidade para deixar bem declarado e com firmeza quaes os fundamentos essenciaes e impreteriveis da minha crença particular e das minhas opiniões politicas. E como não tenho n’esse ponto outro sentir, que não seja o da camara, visto que todos aqui estâmos reunidos com os mesmos intuitos, e ligados pelo mesmo juramento, ella me não levará a mal que eu pela minha parte enuncie o que está na mente de todos.

Esses fundamentos são: o principio religioso, e o principio monarchico.

O principio religioso, que é aquelle que tem relação mais immediata com o assumpto da minha proposta, entendo que deve ser acatado, deve ser propagado, deve ser fortalecido cada vez mais, e agora mais que nunca, quando ao longe a onda da revolução se levanta ameaçadora, querendo subverter a sociedade. Esse ameaçador cataclysmo não tem outra procedencia senão as doutrinas perniciosas de uma certa escola philosophica, que tudo quanto é santo procura destruir, principalmente desde o meiado do seculo passado.

E como póde vir tempo em que nem as providencias do governo, nem as leis dos parlamentos, nem as doutrinas da parte sã da imprensa, nem talvez a força publica, possam bastar para lhe oppor a necessaria resistencia, o unico meio de lhe contraminar a efervescencia, e premunir contra os seus desastrosos effeitos, é o combatido, mas salutar principio das crenças religiosas.

Quando, porém, não fossem estas as minhas convicções politicas e sociãaes, eu não podia deixar de prestar culto a esse grande principio, e sustentar as mesmas idéas por tradição particular, tradição sagrada, que rediviva sempre no espirito com a memoria saudosa de virtudes, raras vezes imitadas, é d’aquellas, que acompanham o coração do homem do berço á sepultura; que vegetam e se avigoram assim na infancia, como na adolescencia, — tanto na virilidade, como na senectude -, e que tornando-se indeléveis, só desapparecem com a morte.

A expansão, porém, do sentimento religioso, e a commemoração dos effeitos que elle produz no espirito de quem crê, não são para aqui; pertencem á tribuna sagrada.

N’esta só sé discutem instituições politicas, o seu aperfeiçoamento, e os meios de as tornar cada vez mais proficuas aos interesses da sociedade.

Já vê a camara que eu não podia ter a fatuidade vã de me suppor em posição singular, quando estâmos todos alistados debaixo da mesma bandeira, e relevará que, affastando-me do uso consuetudinario, deixe consignadas estas doutrinas para melhor explicação das considerações que me proponho fazer.

Entretanto eu sou regalista, sr. presidente, e sou regalista porque sou portuguez, e porque sou magistrado.

Sou regalista como portuguez, porque esta nação teve sempre a mais estremecida e melindrosa susceptibilidade contra toda e qualquer interferencia estranha, que possa perturbar-lhe o exercicio livre da sua soberania como nação independente: e sou regalista como magistrado, porque tenho não só de acatar as tradicções do governo de Portugal, desde o principio da monarchia, mas de seguir a jurisprudencia dos tribunaes portuguezes em conformidade com o direito publico da nação, com a lei fundamental, e com as prerogativas e immunidades da igreja lusitana.

É já que me referi a este assumpto, referir-me-hei especialmente a uma questão, que de longa data tem sido largamente debatida, e que ainda se debata em documentos pontificios da correspondencia publicada acerca do padroado do oriente.

Alludo ao beneplacito régio sem a menor falta de respeito para com as determinações da igreja, mas pugnando sempre pelas prerogativas da corôa portugueza.

Em um dos diplomas pontificios comprehendido no livro que foi distribuido na camara, ainda se argue o beneplacito por ser um meio de interceptar a communicação intima espiritual, que deve existir entre o rebanho de Christo, e o seu supremo pastor.

Não concordo, sr. presidente, com esta apreciação, salvo o respeito sempre protestado, porque a união intima e ininterrupta com o Summo Pontifice, não só existe diplomaticamente por meio dos representantes da Santa Sé perante o soberano de Portugal e pelos representantes de Portugal perante o Summo Pontifice, mas existe espiritualmente, quando mais não seja, pela união interna entre as christandades e os seus pastores e prelados, e estes ao mesmo tempo que pela sua instituição divina exercem um poder, que lhes vem directamente dos apóstolos, são no governo e administração das suas dioceses representantes do Summo Pontifice.

D’esta sorte se mantem sempre ininterrupta aquella união, a que se refere o documento citado, e tão necessaria para a unidade da igreja catholica, nem de outro modo a Santa Sé, que se conforma com o direito do régio beneplacito exercido sempre desde os primeiros tempos da monarchia pelos soberanos portuguezes, lhes conservaria o titulo de Reis Fidelissimos.

Sr. presidente, eu sou tambem regalista, por ensinamento, tanto theorico, como pratico.

Recebi ensinamento theorico pelas doutrinas de Gmeiner sobre o direito publico da igreja, e na vida pratica pelas obras de escriptores nossos sobre o direito privativo da igreja lusitana, sobresaindo Gabriel Pereira de Castro, cathedratico distincto, poeta insigne, e jurisconsulto notavel, e que escreveu o livro De manu regia; e depois Manuel Rodrigues Leitão, que depois de honrar tambem as, cadeiras da nossa universidade, professou um instituto religioso, e foi elle o fundador da erudita congregação do oratorio no Porto.

Escreveu com a sua virtude, que era muita, o eruditissimo Tratado analytico e apologetico sobre os provimentos dos bispados da corôa de Portugal, e na sua muita humildade offereceu-o ao Santo Padre nessa epocha calamitosa... doloroso é dizel-o!

Mas, emfim, depois das affirmações que ahi ficam feitas, posso, por um momento, dar algum desafogo á minha paixão de portuguez.

Nessa epocha calamitosa, em que a Santa Sé parecia defender mais os interesses partidarios de Hespanha, do que os verdadeiros interesses da igreja e da religião, e em que luctavamos com a nação vizinha, muito mais poderosa do que nós, para sustentarmos a nossa independencia, Roma tinha cortado comnosco as suas relações; era surda aos nossos clamores, tinha o coração endurecido e não attendia ás lagrimas derramadas, nem aos pedidos que lhe foram feitos, e nem a demoveu a supplica e reclamação profundamente persuasiva, contida em um livro admiravel: Balidos das igrejas de Portugal ao supremo Pastor Summo Pontifice Romano, pelos Tres Estados do Reino, livro extremamente elogiado por escriptores estrangeiros, e que é dos monumentos mais preciosos dos annaes da igreja lusitana.

Só quando a Hespanha, obrigada pelas gloriosas victorias do nosso exercito, e pela attitude energica d’esta nação pequena, que tantos prodigios de dedicação fez para sustentar a sua independencia nessa porfiada campanha de vinte e sete annos, assentou comnosco a paz, é que Roma a fez tambem, restabelecendo só então as suas re-