254 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
lações com Portugal, e acceitando como justo, e do serviço de Deus, o que até ahi condemnára!
Sou, porem, regalista no sentido mais moderado da palavra, sem opiniões extremas, e sempre de modo que o meu voto, quando, officialmente tenha de emittil-o, não importe a menor offensa á auctoridade suprema do Summo Pontifice, ou a menor falta de respeito ás leis da igreja, e quebra da unidade, em que consiste a sua força, e que é a prova mais augusta da verdade das suas doutrinas.
Era já antiga a questão e a divergencia de Portugal com a Santa Sé por causa do padroado do oriente, e só depois de muitas dificuldades é que veiu a concordata de 21 de fevereiro de 1857, concordata contra a qual eu votei na camara electiva, e d’essa votação tenho companheiros nesta camara.
Não era questão politica, nem o podia ser. Eu pertencia á maioria de então, e tinha logar na mesa da camara. Questões d’esta natureza, que prendem directamente com a soberania da nação, sobresáem por cima dos partidos, que se alternam e se modificam, e dos governos que passam e se substituem, revivendo sempre, como agora, com todo o seu vigor e importancia, e amesquinham quem quer que seja que as queira apoucar dentro dos limites estreitissimos e seccos da paixão politica, ou dar-lhes a cor afogueada dos interesses facciosos de momento.
Votei contra a concordata pelas rasões de todos sabidas, e que em especial ficaram consignadas nas actas das respectivas sessões secretas, algumas escriptas por mim, faz agora exactamente trinta annos.
D’essas rasões as principaes foram:
Primeira, ser Portugal privado de quasi todo o padroada, porque perdiamos o padroado da China, do Japão, de Ceylão, da costa do Coromandel, de quasi toda a costa do Malabar, da maior parte do Indostão, e ficava reduzido ás possessões portuguezas e a parte da India ingleza.
Segunda, porque a concordata suspendia as faculdades chamadas extraordinarias, do arcebispo de Goa, mas que tão necessarias lhe são, que sem ellas não póde exercer convenientemente toda a sua jurisdicção e auctoridade sobre o seu rebanho, e que ficavam dependentes de concessões, temporarias a curto praso.
Terceira, porque á sua execução, ainda, assim, tinha de preceder a circumscripção do bispado, ou bispados que se haviam de erigir no extenso territorio da archi-diocese de Goa, e deviam nomear-se commissarios de parte a parte para procederem de commum accordo ao trabalho da delimitação na propria localidade, o que era difficilimo, e a experiencia mostrou que era impossivel.
Em quarto logar votei ainda contra a concordata porque, ao mesmo tempo que eram assim limitados os nossos direitos, deixavam-se os braços livres a todos os prelados, missionarios, e padres da- propaganda, para dilatarem o seu dominio, invadirem as nossas igrejas, e altamente protegidos, no uso de todas as faculdades, desauctorisarem e diminuirem cada, vez mais o prestigio do nosso arcebispo primaz, e, emfim, para poderem levar as cousas ao ponto de perdermos completamente aquella chamada jóia preciosa da corôa portugueza.
O tempo encarregou-se depois de provar que as rasões que allegavamos em nossa defeza tinham fundamento.
Eu nunca pretendi, sr. presidente, não estava, nem está isso no meu animo, a restituição inteira do padroado portuguez na India, nem que se lhe desse a extensão que tinha no tempo em que era tão grande o dominio de Portugal, como, era- grande o seu poder..
Alem das dioceses, que ainda conservamos em possessões portuguezas no ultramar, como as de Cabo Verde, de S. Thomé, de Angola e. Gongo, prelazia, de Moçambique, archidiocese de Goa e bispado de Macau, tinham sido erigidas as seguintes:
Malaca, por, Paulo IV, em 4 de fevereiro de 1557.
Cochim, na mesma data, e pelo mesmo papa.
Funay (Japão), por Xisto V, em 19 de fevereiro de 1588.
Cranganor, por Clemente VIII, em 4 de agosto de 1600.
Meliapor, por Paulo V, em 6 de janeiro de 1606.
Pekim, por Alexandre XIII, em 10 de abril de 1690.
Nankim, pelo mesmo papa, e na mesma data.
Alem d’estas tinhamos as do reino, e as das ilhas, hoje adjacentes, e ainda as do Brazil, que eram muitas, e tão importante aquella grande possessão, que para ali se voltaram as principaes attenções do governo portuguez.
Não é, pois, minha intenção, nem foi nunca, a restituição de todo o padroado antigo, a cujos encargos Portugal nunca póde satisfazer, ainda em tempo, em que não era tão extenso, e o nosso, poder e o nosso prestigio tinha chegado ao seu apogeu, quando o maior dos europeus que a Asia tem visto, o grande Affonso de Albuquerque, fundou ali o glorioso imperio lusitano.
Portugal não podia com tamanho encargo, e muito menos depois dos seus desastrosos infortunios, como foi a nunca reparada desgraça de Alcácer Kibir, a dominação de Castella, a guerra dos vinte e sete, annos para salvar a independencia, o terremoto de Lisboa, a guerra peninsular, a perda do Brazil, as guerras civis e o consequente estado ruinoso da fazenda publica, que ainda não póde restaurar-se.
Por consequencia o meu espirito acostumado á justiça não sabe ver senão a verdade, e reconheço que, posto tenhamos um direito incontestavel, esse direito não póde tornar-se effectivo, pois que em toda a sua plenitude nos é impossivel sustental-o.
Em um dos mais importantes documentos pontificios da correspondencia publicada se sustenta, e se pretende demonstrar, que o padroado portuguez no oriente é um privilegio singularissimo sem exemplo na historia da igreja, por dadiva gratuita, e concessão da Santa Sé.
Foi contestada dá parte de Portugal a designação de privilegio, mas eu, que sou mais condescendente, acceito-a pela minha parte. O que não acceito é a idéa de concessão, ou de dadiva gratuita, (Apoiados.) porque o padroado foi fundado pelos portuguezes.
Reconhece-se por parte do governo pontificio que o padroado deriva da fundação e dotação, segundo as disposições do direito canonico; mas nós fizemos mais do que fundar e dotar, porque descobrimos, conquistámos, catechisámos, fundámos, dotámos e sustentámos.
Tambem se reconhece como fundamento do padroado a protecção tanto dos soberanos, como dos particulares poderosos, e essa não podia a igreja recebel-a nas indias, ao tempo da constituição do nosso padroado, senão do Rei de Portugal, que era o unico principe christão, que ali tinha dominios.
Ora como a Santa Sé observa sempre o direito canonico, pois que, sé o não observasse attentaria contra a sua propria existencia, é manifesto que não foi concessão, mas reconhecimento; que não foi dadiva, mas obrigação; que não foi graça, mas necessidade, esse direito antigo nosso, que hoje se nos contesta. (Apoiados.)
Pois que! Foi a Santa Sé quem nos fez presente do padroado, que não era seu, nem possuia, quando Roma não tinha outra ponte sobre os dois oceanos para a ligar com as nações do oriente, e para lhes mandar os seus padres, ás suas missões, e a sua propaganda, senão, as armadas portuguezas? Ou foi Portugal, que pelo mais assombroso heroismo submetteu á suprema auctoridade do Summo Pontifice, e trouxe para o gremio da igreja, milhões e milhões de fieis, não só n’este extremo do continente europeu, que habitámos, quando a espada maravilhosa de um principe guerreiro, tão famoso pela valentia, como pela politica de largas vistas sobre o futuro da sociedade christã, fundou a monarchia, continuando-se a empreza nos reinados immediatos; mas depois pelo descobrimento; e, conquista das cos-