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N.º 17

SESSÃO DE 26 DE MAIO DE 188?

Presidencia do exmo. sr. João Ckrysostomo de Abreu e Sousa

Secretarios — os dignos pares

Frederico Ressano Garcia
Conde de Paraty

SUMMARIO

Leitura e approvação da acta. — Correspondencia.— O digno par Thomás de Carvalho participa que o sr. marquez de Rio Maior não póde comparecer á sessão por incommodo de saude. — O digno par Pinheiro Borges requer, pelo ministerio da guerra, uma relação dos recursos interpostos para o supremo tribunal administrativo. — Ordem do dia: discussão da resposta ao discurso da corôa. —Continua e conclue o seu discurso o sr. ministro dos negocios estrangeiros. — O digno par Miguel Osorio apresenta e sustenta um additamento, que foi admittido á discussão. — O sr. presidente levanta a sessão, dando para ordem do dia de ámanhã, sexta feira, 27, a continuação da que vinha para hoje.

Ás duas horas e meia da tarde, estando presentes 27 dignos pares, o sr. presidente declarou aberta a sessão.

Lida a acta da sessão precedente, julgou-se approvada, na conformidade do regimento, por não haver reclamação em contrario.

Mencionou-se a seguinte:

Correspondencia

Um officio do ministerio do reino, declarando não ter dado entrada naquelle ministerio a representação da camara municipal de Idanha a Nova, que o digno par Vaz Preto requererá na sessão de 14 do corrente.

(Estava presente o sr. ministro dos negocios estrangeiros.)

O sr. Thomás de Carvalho: — Pedi a v. exa. a palavra, para declarar que o sr. marquez de Rio Maior não tem podido comparecer ás ultimas sessões, nem talvez possa comparecer a mais algumas, em consequencia de uma nevralgia que o accommetteu repentinamente. S. exa. não desejava que a camara considerasse por outro motivo a sua falta.

A camara ficou inteirada.

O sr. Pinheiro Borges: — Mando para a mesa um requerimento, pedindo alguns esclarecimentos, pela secretaria da guerra:

«Requeiro que, pela secretaria d’estado dos negocios da guerra, me seja enviada uma relação dos recursos, para o supremo tribunal administrativo, interpostos na conformidade da carta de lei de 25 de abril de 1883, com a indicação da data em que entraram na secretaria, data da remessa para o tribunal e resultado do julgamento.

«Sala da camara dos dignos pares do reino, 26 de maio de 1887. = Domingos Pinheiro Borges.»

Foi lido na mesa e mandou-se expedir.

OKDEM DO DIA

Continua a discussão da resposta ao discurso da corôa

O sr. Presidente: — Vae entrar-se na ordem do dia.

Tem a palavra b sr. ministro dos negocios estrangeiros.

O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Barros Gomes): — Sr. presidente, declarei hontem a v. exa. e á camara que tinha pedido a palavra para responder ao reverendo arcebispo resignatario de Braga, muito particularmente ás ponderações que s. exa. julgou dever apresentar quando, apreciando a recente concordata celebrada com a Santa Sé, entendeu que no uso pleno do seu direito podia classifical-a como affrontosa para Portugal.

N’essa mesma occasião fiz referencia a alguns trechos da excellente, e por todos os titulos interessante memoria, que o reverendo prelado tinha escripto ácerca do exercicio de direito do padroado da corôa portugueza, não só nas regiões da India, mas ainda nas da África.

Li á camara alguns trechos dessa memoria, que eu tantas vezes consultei e aproveitei como base de estudo e apreciação das negociações que íam correndo com a curia romana.

Nessa memoria ha duas paginas em que se allude de um modo em extremo desfavoravel á concordata de 1857, e em que se indica que era indispensavel, urgente e por todas as fórmas inadiavel, negociar uma nova concordata que, determinassem finalmente as circumscripções das dioceses da India e pozesse assim um termo á tão debatida questão do padroado.

Os trechos que n’essa memoria se encontram relativamente a esta necessidade abundam tanto que, alem dos dois que hontem li á camara, não posso deixar de fazer hoje a leitura de mais um, que prova o profundo conhecimento que o reverendo arcebispo tem das necessidades da igreja da India, e a maneira poque elle apreciava a concordata de 1857.

Nesse trecho o illustre prelado, com aquelle animo tão portuguez, tão patriotico e tão levantado, que muito o honra e o torna respeitado e considerado, diz ò seguinte:

(Leu.)

Estas palavras eram escriptas, se não me engano, em 1870.

Tem passado sobre isto dezeseis annos, ou quinze, descontando o anno da negociação, e as circumstancias haviam peio-rádo extraordinariamente as prorogações já não se concediam por tres annos, pois que fôra reduzido o praso a um anno, depois a seis mezes, mais tarde a dois e por fim disse-se que este seria o ultimo e definitivo.

Foi nestas condições que o nosso embaixador, o sr. Mártens Ferrão, partiu para Roma; foi n’estas condições que elle teve a suprema gloria, pois me parece que para aquelles que são verdadeiramente portuguezes e amigos da sua patria nada representa mais as glorias e as tradições da nossa historia do que este privilegio unico e singular do padroado oriental; foi n’estas condições, torno a repetir, que o nosso embaixador teve a suprema gloria de collocar a questão no unico campo em que devia ser collocada, isto é, no campo dos factos e do exame minucioso, consciencioso e verdadeiro dos recursos de que realmente podiamos dispor para fazer face ás necessidades do padroado, porque nós hoje não podemos de modo algum, e eu appello para a consciencia do digno arcebispo, sustentar os nossos direitos de padroeiro a toda a Índia ingleza.

Onde iriamos nós buscar vinte e cinco prelados que estivessem nas circumstancias de poder collocar-se á frente das novas dioceses?

Onde iriamos nós buscar os recursos para levantar ca-

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thedraes, para crear seminarios, para pagar a cabidos, para construir e organisar os institutos de ensino e iodos esses estabelecimentos de beneficencia e de piedade que acompanham a acção das missões catholisas n’aquellas regiões? Onde os encontrariamos?

Nem sequer podemos pensar na possibilidade de os realisar; mas podemos e devemos não deixar calcar aos pés uma nobre e gloriosa tradição que está entrelaçada com as paginas mais levantadas da nossa historia. Portugal não podia consentir que se calcassem aos pés os seus direitos; e devia mostrar que foi até onde podia legitimamente ir para sustentar os seus privilegios e para fazer respeitar aquelles para que ainda tem recursos de pessoal e meios financeiros.

Foi isto o que conseguiram o digno par, o sr. Barbosa du Bocage, e o nosso embaixador em Roma, o sr. Martens Ferrão, juriscontulto eminente, que inspira a todos respeito e consideração e que defendeu com as armas da sciencia,, com o vigor do seu patriotismo, com a lógica dos factos e com a força dos documentos os direitos da corôa portugueza que estavam completamente perdidos. E estavam perdidos, porque consumimos trinta annos discutindo questões perfeitamente inuteis, pondo de banda factos capitães que fundamentem os direitos que nos assistiam.

Tudo isto foi esquecido!

Muitos titulos de gloria que outro’rá enalteceram a corôa portugueza, já não representam hoje uma realidade, mas todavia são ainda respeitados.

A corôa portugueza já não domina os mares do oriente, já não faz o commercio e a navegação da Arabia, Persia e India.

Mas Portugal não póde deixar de ser respeitado em homenagem a esses mesmos gloriosos titulos, que representam a grandeza do passado e em que se consubstancia tudo quanto ha de mais brilhante e grandioso na historia da nossa patria.

Sr. presidente, se eu podesse demonstrar que os vestigios que conservamos das nossas antigas glorias e dos nossos antigos privilegios não estão abatidos a ponto de merecer as ásperas censuras do nobre arcebispo resignatario de Braga, mas antes representam ainda um grande padrão que honraria qualquer potencia por mais importante que fosse e por mais alto logar que occupasse; se eu poder demonstrar, que, dos quatro bispados concordatarios, que desde longos annos estavam viuvos de prelado, e que apenas conservam como vestigio do antigo predominio portuguez a jurisdicção emprestada do arcebispo de Goa, que com tão eloquentes palavras foi fulminada pelo illustre arcebispo; se eu poder demonstrar que d’essa concordata resulta que os missionarios portuguezes continuarão a derramar a luz do Evangelho nas vastas regiões que abrigam e acolhem centenas de milhares de almas; se eu conseguir evidenciar todas estas asserções que deixo referidas, parece-me que terei provado á camara, na defeza legitima dos actos do governo, e sempre com a consideração que me inspiram os altos merecimentos do nobre prelado, que o governo não tem as responsabilidades que s. exa. lhe quiz attribuir.

Sr. presidente, se lançarmos os olhos sobre um mappa da India, vemos que, por exemplo, a diocese de Damão e titular de Cranganor occupa uma vastissima região da Índia ingleza, abrangendo alem dos pequenos territorios de Damão e Diu todo o territorio do districto de Baroche situado ao sul do rio Nerbudda, todo o districto de Suraté e o Concão septentrional, comprehendendo ainda uma parte de Bombaim, que é o vasto emporio do commercio oriental e até certo ponto o centro politico mais activo da Inglaterra.

Na cidade de Bombaim o maior numero de catholicos fica ao abrigo da concordata, recebendo d’ella os beneficios, porque são 20:000 os subditos religiosos sujeitos á jurisdicção portugueza, ao passo que a propaganda fica apenas com 15:000.

Esta diocese está, pois, perfeitamente circumscripta, abrange uma grandissima area, com uma população consideravel.

N’estas circumstancias, eu pergunto se tem cabimento a censura que foi feita ao governo pelo nobre prelado? Creio que não, e v. exa. e a camara, na sua imparcialidade, apreciarão até que ponto seja merecida a censura.

Mas, sr. presidente, diz tambem o nobre prelado: Não temos a cidade toda de Bombaim!

É certo, mas não a temos pelas rasões que eu logo direi á camara, e que tambem foram previstas pelo proprio digno par a quem respondo.

E eu sustento quo, com relação, a todas as difficuldades que ultimamente se têem levantado contra o exercicio do nosso padroado na India; não é, sr: presidente, de poucavalra1-esta negociação. Já o demonstrei com relação á diocese de Damão.

i Darei as rasões que assim o fazem crer ao governo, pelo que respeita ás "restantes condições da concordata. Em primeiro logar deve occupar um logar proeminente perante a nossa critica,, a existencia, de um direito que se diz não ser effectivo, mas que já comtudo exercemos uma vez, e que representa uma vantagem pratica, dado o facto de ter o bispo de Damão a, maior parte dos seus fieis em Bombaim, o que de certo o levará a estabelecer frequentes vezes a sua residencia naquella cidade.

Como a camara sabe, estatue-se na concordata ultimamente assignada que ao arcebispo de Goa se apresente uma lista triplice para o provimento; de quatro das dioceses indianas, e estando o bispo de Damão, por assim dizer, em convivio com o clero de Bombaim, póde insinuar melhor qual dos tres candidatos indicados deva ser escolhido, concorrendo esta circumstancia ao mesmo tempo para que os candidatos ao arcebispado tenham todas as attenções e se esforcem por agradar a esse bispo, de quem depende, em parte, a realisação dos seus desejos.

Lamenta o digno par o desapparecimento do titulo de. primaz do oriente, que competia ao arcebispo de Goa, e não admira porque é do illustre arcebispo resignatario de Braga a seguinte phrase: «Mal da mão sacrilega que lhe tocar».

S. exa., que com tanta sciencia e virtude soube ser duas vezes arcebispo; s. exa., que se assignou arcebispo de Goa e primaz do oriente, e tambem arcebispo primaz das Hespanhas, apesar de ter em Toledo um oppositor acerrimo a esse titulo, s. exa. não deve ignorar que nos proprios termos da concordata Portugal não perdeu direito de continuar intitulando assim o patriarcha das Indias orientaes, o qual, junto do tumulo de S. Francisco Xavier, póde convocar hoje concilios nacionaes.

Todos esses prelados agora nomeados irão a Goa acercar-se desse tumulo, prestando respeito e homenagem ao nome de Portugal, porque se são grandes as tradições dos portuguezes no oriente, grandissimas são aquellas que se ligam ás reliquias sagradas de S. Francisco Xavier.

Acaso a archidiocese de Goa não ficará hoje constituida em harmonia com a importancia das suas tradições, importancia que lhe é attribuida geralmente no oriente?

Ella fica abrangendo varias christandades, seguindo pelo Camara do norte, chegando até Karwar, Honowar e outros centros importantes, comprehendendo o principado de Saunt-Wary, prolongando-se no interior até Belgão.

EÉ uma area vastissima e n’ella uma população de 270:000 catholicos; por essa area poderão os nossos arcebispos e os nossos missionarios espalhar os beneficios da civilisação christã.

Segue-se á archidiocese de Goa a de Mangalor, em que o Rei de Portugal tem o direito de apresentar o prelado, circumstancia que, como ponderei a respeito de Bombaim, nos é favoravel.

A diocese de Cochim comprehendida entre a de Verapoly e a de Conlão, nos reinos de Cochim e Travencore,

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com 70:000 almas constituindo uma diocese toda continua, e não umas poucas e miseraveis aldeias, como disse o nobre prelado que fallou hontem n’esta camara.

S. exa. sabe que na India as christandades estão muito divididas ou espalhadas; mas a area que a diocese occupa é continua.

Á diocese de Cochim abrange, como já disse, 70:000 almas, e em um tão vasto territorio as cidades de Cochim e Allapé.

Em vista d’isto póde negar-se a importancia dos resultados que o governo obteve n’esta negociação, e o valor dos esforços do sr. Mártens Ferrão em Roma?!

Não se perdeu nada, antes se ganhou.

Eu estou fallando com os documentos á vista.

Póde se dizer, com justiça, que uma tal circumscripção, alcançada no fim de trinta annos, não significa nada?!

Por certo que não.

Sr. presidente, temos finalmente a diocese de Meliapor, uma das mais importantes do nosso padroado.

Foi ali que em tempo se realisaram muitas conversões e é ainda ali que se conserva a tradição apostolica de S. Thomé.

Esta diocese vae desde o rio Palar até á cidade de Madrasta, comprehendendo tambem no reino do Madure os districtos de Tanjore, de Negapatam e de Manarguddi, conservando ainda as longinquas missões de Bengala ou Calcuttá e as christandades dispersas do Madure.

Quer dizer, a diocese de S. Thomé de Meliapor abrange uma população de 50:000 almas e vastos tratos continuos, podendo o seu prelado exercer influencia em cidades tão importantes e populares como Madrasta e Calcuttá.

Talvez isto seja pouco, sr. presidente! Parece-me, porém, que não póde legitimamente ser taxado de pequeno e acanhado aquelle territorio, onde o s nossos missionarios lograrão fazer produzir a semente de Deus.

E para se avaliar bem isto, basta ver-se o seguinte:

Os catholicos que ficam sob a jurisdicção dos bispos portuguezes orçam pelo numero de 500:000.

A cifra d’elles augmentou, não diminuiu. A totalidade da população catholica da India, que fica fora da jurisdicção do arcebispo de Goa, é de 1.100:000 almas, pouco mais ou menos.

Ora, dividindo este numero pelas 21 dioceses creadas pela Santa Sé, encontraremos no quociente 52:000 almas para cada uma, ao passo que a archidiocese de Goa fica com uma população catholica de 270:000 almas, o que quer dizer que tem dentro em si os elementos precisos para manter a sua grandeza espiritual.

Dito isto, é na verdade estranho que venha dizer-se que a concordata é affrontosa para os brios de Portugal!

Creia v. exa., sr. presidente, que me magoou sobremodo ouvil-o dizer por uma voz que é mais do que nenhuma outra auctorisada, e de cuja sinceridade eu devia esperar mais alguma justiça em nome dos esforços altamente patrioticos que se fizeram para se conseguir o melhor resultado possivel nesta negociação. E sobre essa phrase, contra a qual protesto, não insistirei mais.

Proseguindo, pois, direi que essas condições tão censuradas permittem ao Rei de Portugal exercer o privilegio que nem D. Maria II, nem D. Pedro V, nenhum soberano constitucional tinha podido exercer até hoje.

A sé de Malaca estava viuva de prelado havia muito tempo, desde 1818; e a sé de Meliapor desde 1800 que não tinha prelado.

Sr. presidente, vamos á questão da dupla jurisdicção, a que s. exa. alludiu, como um dos males desta concordata. E sobre esse ponto não posso deixar de dizer que concordo plenamente em que a dupla jurisdicção seja um inconveniente entre nós, na Europa.

No oriente, a mistura, o amalgama das raças, das religiões as mais oppostas, as mais antinomicas, é um facto politico dominante. Quando se chega a qualquer cidade oriental, vêem-se funccionar dois, tres, e ás vezes mais prelados, cada um presidindo ao governo espiritual do seu rebanho, na mesma area, mas separados pela differença das crenças. Ha ali os christãos arménios, os christãos syriacos, os de Babylonia, os do Egypto, etc. S. exa. sabe isto muito bem, não careço de lh’o dizer; mas entre os nossos collegas alguns haverá que não tenham occasião de manusear os livros que tratam d’esta especialidade, e portanto a esses talvez eu possa esclarecer um pouco sobre o assumpto. Não fallo em relação a todos.

A verdade é que, pelas condições em que vivem os povos orientaes, os prelados vêem-se ali a braços com uma dupla jurisdicção, que ás vezes é triplice e quadrupla. Entretanto, nem sempre se darão casos de dois prelados simultaneamente exercerem jurisdicção catholica, um ao lado do outro.

Se fosse possivel conseguir que em Bombaim não houvesse senão um bispo catholico, eu contribuiria quanto em mim coubesse para acabar com o inconveniente da jurisdicção dupla.

Mas quem está n’estes logares sabe muita cousa que nem todos podem saber, e conhece muita cousa que nem a todos se póde dizer.

Nós não podemos na India ir alem de uns certos limites; não temos unica e exclusivamente a attender á Santa Sé e aos desejos do governo portuguez. É certo que as relações de grande amisade e alliança que mantemos com uma nação que hoje tem soberania nos extensos territorios da India, nos têem sido vantajosas, e, direi mais, as conveniencias politicas dessa nação talvez tenham contribuido para que não se nos criem dificuldades quanto á manutenção do que possuimos ali.

Mas é preciso respeitar as conveniencias de cada um, e attendel-as quando ellas mais ou menos nos são significadas. A conservação do que está, e de accordo com a Santa Sé, sim; mais longe, não.

O que eu acabo de dizer consta do Livro branco; encontra-se em muitos documentos n’elle dispersos, não são revelações iguaes feitas.

Outro desideratum do nobre arcebispo seria que tratássemos directamente com a companhia de Jesus, que em Bombaim possue importantes estabelecimentos, alguns d’elles construidos pelo governo inglez e largamente subsidiados pelo mesmo governo.

Não era possivel, na opinião de s. exa., prescindir dos grandes beneficios que entendia derivarem da existencia d’esse elemente religioso que funcciona em Bombaim; tornava-se necessaria uma intelligencia prévia com elle para que Bombaim voltasse ao dominio de Portugal.

Isto affirma s. exa., e na sua memoria deixou largamente desenvolvida esta idéa, declara mesmo que essa seria a unica solução possivel, e a unica a que se podia recorrer para manter e sustentar o direito do padroado em toda aquella região.

O sr. conselheiro Bocage, que inaugurou a ultima phase d’estas negociações não se pronunciou, porem, no sentido que o iliustre prelado desejava, o é por isto que eu disse e repito que faltava esta premissa que o iliustre prelado põe como condição essencial e indispensavel para que Bombaim podesse vir outra vez para nós.

Seria na verdade excellente que podessemos ter conseguido aquillo que o iliustre prelado, a quem me estou referindo, tanto desejava, mas é necessario ponderar as circumstancias que se davam, e observar com minuciosa attenção as instrucções a que o governo devia cingir-se para se reconhecer que são injustas as censuras dirigidas não só ao governo, de que eu tenho a honra de fazer parte, como ás demais pessoas que intervieram n’este assumpto.

O Santo Padre, que tinha multo eco vista, e mais do que ninguem, acabar com os inconvenientes que resultavam da

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dupla jurisdicção, queria resolver a pendencia por fórma diversa d’aquella que tinhamos em vista.

O Summo Pontifice, repito, não admittia a jurisdicção. dupla porque receiava os inconvenientes que della resultavam, applicada á mesma1 cidade, á mesma rua e até á mesma familia.

Eis o que elle dizia a este respeito.

(Leu.)

O Santo Padre quando se dirigiu ao Rei de Portugal ácerca do nosso padroado no oriente, disse-lhe muito, claramente, que era de todo impossivel continuar a dupla jurisdicção sobre o mesmo territorio. N’estes termos, podia julgar-se impossivel que uma parte qualquer da cidade de Bombaim viesse para a jurisdicção portugueza, e isto até pelas rasões que o nobre arcebispo resignatario de Braga indicou á camara na sua excellente e desenvolvida memoria.

Estando, pois, como disse, as negociações neste ponto, e existindo as difficuldades, que podiam reputar-se insuperaveis, apresentou-se o sr. Mártens Ferrão a dar uma batalha renhida e formal, batalha cujo esforço foi proporcional ao triumpho obtido e á indisputavel victoria alcançada.

Aquelle illustre e talentoso negociador, de uma maneira clara, franca e decisiva, disse que Portugal não podia ceder a uma imposição tão injusta e que a final não havia, para a dupla jurisdicção, os inconvenientes que ao Santo Padre se afiguravam, porque essa duplicação existia em muitas regiões, e indicava até o exemplo do que a tal respeito se passava na Italia, na Hespanha e em alguns outros pontos.

Aquelle notavel homem d’estado, com a intelligencia superior que todos lhe reconhecem, com a profundeza de conhecimentos que ninguem ousa contestar-lhe, com o patriotismo natural de quem experimenta pelo bem estar da patria a mais acrisolada dedicação, com a irresistivel lógica dos factos, com a demonstração peremptoria da verdade, e argumentando até com o proprio direito canonico, conseguiu dissipar as duvidas do chefe supremo da christandade e fez com que os catholicos de Bombaim voltassem para a jurisdicção portugueza.

Não terá isto valor? Não representará mais um justo titulo de gloria que aquelle benemerito homem d’estado e illustre diplomata adquiriu?

Sr. presidente, eu não desejo cansar muito a attenção da camara, expondo largamente as idéas do governo e os motivos em que se baseou para dar a sua approvação a este documento.

Pelos meus discursos proferidos na camara dos senhores deputados se póde ver bem claramente o cuidado, a diligencia e o estudo que o governo teve antes de resolver sobre um assumpto tão grave.

Eu não quero cansar a camara, repito, mas pelo muito . respeito que tenho pelo digno par, não posso deixar de lhe responder, reportando-me para isso ao que já disse na outra casa do parlamento.

Estas questões tratam-se hoje com factos, e, portanto, eu vou ler á camara o que interessa a esses factos. Se eu for, por exemplo, ao Annuario de Goa, pondo de banda a primeira parte d’esse Annuario, que se refere ás igrejas da circumscripção de Bombaim, encontro o seguinte.

(Leu.)

Aqui respondo eu ao digno par, o sr. conde de Alte, quando s. exa. disse que a diocese de Poonah ficava reduzida a 20:000 almas.

O facto dá-se, mas porque o Santo Padre attendeu aos clamores que se levantaram na India e ás diligencias que o nosso embaixador empregou.

Estas 13:000 almas de Saunt Wary e da igreja de Nossa Senhora da Conceição com mais 6:000 que ficaram, representam perto das 20:000 almas que constituia a povoação catholica d’esse bispado.

(Interrupção que se não ouviu.)

O Santo Padre, assim o entendeu, e eu não venho aqui censurar nem lançar-lhe em rosto o acto por elle praticado. O Santo Padre attendeu aos povos da India e ás instancias do nosso embaixador. O bispado ficou reduzido, por effeito dos desejos aliás fundados nos factos e na necessidade e conveniencia de manter com a corôa portugueza relações cordiaes, que são de alta conveniencia que se mantenham.

Temos inteiro o vicariato geral de Bombaim, o varado de Salsete, o de Baçaim e no varado de Poonah a importante igreja de Nossa Senhora da Conceição.

Temos o vicariato dos Ghattes e n’elle o varado de Saunt-Wary com 11:000 catholicos.

Perdemos, é certo, o varado de Hyderabad, o que confirma a opinião do sr. D. João Chrysostomo, de que nos era impossivel reter sob a jurisdicção portugueza algumas, poucas e pobres, igrejas dispersas pela immensa região do Decão.

No vicariato geral do Canazá do Sul, conservámos os vicariatos de Sadashigor e de Honowar, perdendo comtudo os de Calliampoor e Pezar ou Pejuwar.

Perdemos tambem o vicariato geral de Cranganor; que só poderiamos conservar pondo á sua frente um bispo syriaco, e que na opinião do illustre arcebispo resignatario de Braga, que a camara toda ouviu, se achava por assim dizer extincto.

Perdemos assim ao todo alguns milhares de fieis, mas devo ponderar a s. exa. revma., que para fazer frente a essa perda temos as 30:000 almas do vicariato geral de Cochim, conservamos a par d’isso as christandades do Madure, do vicariato geral de Meliapor, das cinco igrejas de Madrasta, do vicariato geral de Bengala, do vicariato geral de Malaca, assim como temos para contrapor á perda das quatro missões de Ceylao os districtos de Tanjoze, Manargudi e Negapatam, que passam inteiros para nós com as suas importantes e ricas igrejas.

Sr. presidente, eu não quero cansar mais a attenção da camara; se consultarmos os inventarios dos bens das igrejas, veremos que os que se perderam orçam apenas por uns 30:000$000 réis, quantia relativamente insignificante, e a população por umas 38:500 almas. Mas só no bispado de Cochim e nas missões de Coulão ganhamos para cima de 33:000almas, e os bens conservados orçam por uns 1.500:000$000 réis.

Sr. presidente, respondendo ao nobre arcebispo resignatario, eu direi as condições em que se encontra o bispo de Macau,

Não o direi eu, dil-o-ha a concordata.

Elle está exactamente nas condições em que se encontrava quando s. exa. foi primaz do oriente. A concordata assim o diz.

O sr. Thomás Ribeiro: — A concordata não diz isso.

O Orador: — Não diz? Eu mostro a s. exa.

(Leu.)

Subsistem todas as condições da concordata de 1857, que eram relativas ao padroado, na China.

O sr. Thomás Ribeiro: — (Não foi ouvida pelos srs. tachygraphos a, interrupção feita pelo digno par.)

O Orador: — Veja s. exa. o artigo 11.°; todas as condições da concordata de 1857, desde o artigo 3.° até ao artigo 6.°, bem como o annexo A, tudo fica em vigor.

O sr. Thomás Ribeiro: — Pois sim, mas diz o artigo 3.°

(Leu.)

Ora, eu não percebo bem a lógica da argumentação de s. exa.

O Orador: — Pois o que eu posso affirmar a s.. exa. é que as circumstancias em que se encontrará hoje o bispo de Macau são as mesmas que existiam até agora, não havendo na actual concordata qualquer disposição que altere as relações do bispo de Macau com o arcebispado de Goa.

Sr. presidente, eu tenho apontadas no Livro branco, para ler á camara, as eloquentes palavras do sr. D. João Chrysostomo, quando s. exa. indica a unica maneira de se

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poder conservar a integridade do padroado portuguez na India. Elias podem-se ver de pag. 142 a 144 do volume I do Livro branco.

(Leu.)

A companhia de Jesus foi assim, no dizer do reverendo arcebispo, a maior, defensora dos nossos direitos, e s. exa. dava-nos, como prova, que lêra no Chronista de Tyssuari, e que todos podemos ver na bella collecção do sr. Biker, a narrativa da missão do cardeal de Tournon. Ahi se verifica com effeito o poder extraordinario que a companhia adquiriu na China, chegando a conseguir, quando atacada, a formação de um tribunal de inquerito, presidido pelo proprio imperador da China, que chamou á sua presença os padres portuguezes e o bispo Maigrot, francez, para ver e comparar as suas doutrinas com as de Confucio e as das leis fundamentaes do imperio;

Sr. presidente, não quero cansar a camara com leituras, e por isso não prosigo n’estas, mas quiz ao menos fazer ver qual era a condição essencial apresentada pelo sr. D. João Ckrysostomo para a conservação do padroado na sua integridade.

Era, repito, um accordo com a sociedade de Jesus, que permittisse aos seus, padres estabelecer-se em Goa, e tirar ali partido da bem conhecida tendencia dos filhos de Goa para se dedicarem ao estado ecclesiastico, espalhando-se depois pela Índia inteira e alguns até pela Europa e pela África, tendencia que já se não encontra hoje nos individuos de nenhum outro ponto de Portugal ou seus dominios ultramarinos.

E estas idéas do reverendo prelado não são privativas de s. exa.

Já um outro virtuoso arcebispo, verdadeiro coração de oiro, as defendera- e propagára.

Refiro-me a esse prelado, tão respeitado pelas christandes do oriente, como respeitados têem sido todos os tres modernos arcebispos, refiro-me ao sempre lembrado arcebispo dr. Ayres de Ornellas, cujo nome devo citar aqui com a mais profunda saudade e veneração.

Pois o pensamento de tão digno prelado ahi esta bem expresso n’um officio seu dirigido ao ministerio da marinha, impresso entre os documentos do primeiro volumo do Livro branco, e cujos periodos eloquentes e commovedores traduziam todo o sentimento e dedicação de catholico e de portuguez.

Mas, sr. presidente, o que é certo é que nem o governo actual, nem anteriormente o sr. Bocage, quizeram encetar negociações sobre essa base.

E não é de admirar, portanto, que tendo nós obtido tantas vantagens, não tivéssemos podido obter aquella. que os prelados tanto apreciavam, mas que seria a compensação natural de uma clausula que não fôra por nós acceita.

Sr. presidente, o sr. conde de Alte, hontem, no seu discurso, serviu-se, a meu respeito, de expressões muito lisonjeiras, alludindo mesmo á circumstancia de antigas relações de familia.

Mas s. exa., em quem os catholicos da India têem um defensor dedicado, o que augmenta para mim a consideração que por s. exa. professo, desejaria que o governo empenhasse novos, esforços para obter a proposito d’estas pequenissimas christandades, unicos vestigios que restam de descontentamento, o mesmo que obtivera om relação a Madrasta, a Saunt-Wary, a Pooná, etc.

Ora, eu devo dizer a s. exa., para lhe fazer sentir as responsabilidades do governo, que, embora pelo meu lado tenha tambem em vivo apreço o sentimento patriotico desses christãos, devo; dizer, repito, que vejo um perigo em sustental-os numa attitude que bem se caracterisa pelo teor do telegramma dirigido ao sr. arcebispo de Goa, no qual se lhe diz «Revogue immediatamente seu decreto, igreja nossa, expulse o vigario».

Devo dizer que as casões que tenho para não approvar esta maneira de pedir,., e de formular, taes reclamações, são essencialmente politicas, e não posso deixar de me referir a ellas. Quando se tratava, quando se estava negociando, não se podia por fórma alguma referir aqui certas particularidades que podiam enfraquecer-nos perante a Santa Sé.

E o sr. Bocage. por exemplo, sendo interrogado nesta camara no decurso das negociações, não teve duvida em dizer: «Sou agora accusado, sei ou conheço factos com que poderia defender-me; nas condições actuaes não posso, porem, admittir que me quebrem ou que eu proprio quebre por minhas mãos a força das armas de que disponho.«

Todavia eu posso agora ir um pouco mais longe, visto estar já concluida a negociação.

Eu tenho aqui, sr. presidente, bastantes documentos e alguns jornaes da India ingleza, tanto uns como outros á disposição dos dignos pares, pelos quaes documentos se vê que a grave resistencia que se está manifestando na India aos preceitos da concordata póde trazer grandes difficuldades ao governo e suscitar embaraços de ordem a comprometter o proprio principio do padroado. Este só tem a perder e muito com a má vontade do soberano territorial, que acabará por enfadar-se com os disturbios e a anarchia a que tudo isto dá logar. Portanto não posso dar ao digno par o sr. conde de Alte a resposta que aliás me agraciaria dar-lhe, E não lha posso dar porque me é impossivel approvar o procedimento das christandades de Hyderabad por exemplo, pois que o respeito não deve nunca ser excluido de qualquer reclamação.

Eu não quero dizer que quando se trata com a curia romana, de poder para poder, se não trate frente a frente com a cabeça bem erguida; mas isso não é rasão para que, mesmo invocando direitos, se despreze o respeito que deve existir da parte de catholicos para com o seu chefe supremo no espiritual.

Ninguem mais do que eu desejaria o deferimento da pretensão das christandades reclamantes, mas a insistencia official que se me propõe leva-me a perguntar aos dignos pares, o que teria succedido naturalmente a uma reclamação nossa feita por occasião da conferencia de Berlim, para que se nos entregasse de novo a margem direita do Zaire, quando o acto da cedencia já estava consentido e sanccionado por nós.

Não posso dizer nada em Roma com relação a essas reclamações desde que está firmada e fechada, esta negociação, negociação que eu tenho a consciencia de que foi realisada empregando-se todos os esforços para a tornar o mais favoravel possivel para o paiz. Repito, faço votos para que sejam ouvidos pelo Pontifice os povos de Ceylão.

O governo portuguez, por dignidade propria, é que não póde hoje, infelizmente, apoial-os na sua muito sympathica pretensão.

Sr. presidente, vou terminar.

Creio que em consciencia cumpri o meu dever defendendo o acto do governo, e creio que demonstrei ter procedido nesta negociação de modo a não arrastar o prestigio da corôa.

Seria esta uma responsabilidade que me aniquilaria, se tal convencimento me ficasse.

Mas não; esse padroado que se diz estar depreciado, diminuido, cerceado, aniquilado mesmo, ahi está hoje affirmado na nomeação dos tres bispos de Damão, de Cochim e de Meliapor.

Bem longe de estar aniquilado, acha-se perfeitamente definido na sua extensão, sem estar sujeito já ás circumstancias de momento e ás alterações de uma politica, que de repente podia modificar-se em Inglaterra ou na India. E tudo isto firmado e regulado de fórma que podemos prover quatro dioceses, influir na nomeação de bispos para mais quatro, alargando ainda com a presidencia dos concilios, e de outra fórma, a influencia da nossa jurisdicção, não só sobre a Índia ingleza, mas até sobre todas; as Indias orientaes.

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E dito isto, parece-me não poder duvidar do veredictum final desta camara e do paiz ácerca da negociação de que se trata.

Se porém no decurso dessa defeza, e impellido pelo calor da discussão, eu avancei algumas expressões que podessem melindrar o nobre arcebispo resignatario de Braga, declaro a v. exa. que da melhor vontade as retiro, pois que tenho por s. exa. a maior estima e consideração.

Tenho dito.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Presidente: — Antes de dar a palavra aos dignos pares que a pediram sobre o projecto em discussão, vou perguntar a s. exas. se desejam ser inscriptos pró ou contra.

Acha-se inscripto em primeiro logar o sr. Miguel Osorio.

S. exa. é contra ou a favor?

O sr. Miguel Osorio: — Eu approvo a resposta ao discurso da corôa.

O sr. Presidente: — O sr. Ornellas deseja ser inscripto contra ou a favor?

O sr. Ornellas: — Eu approvo a resposta ao discurso da corôa, assim como a concordata.

O sr. Presidente: — O sr. Bocage é contra ou a favor?

O sr. Barbosa du Bocage: — Eu não discuto o projecto de resposta ao discurso da coroa. Tenho sómente a fazer algumas considerações com respeito á concordata.

Parece-me que v. exa. me deve inscrever contra.

O sr. Presidente: — O sr. Thomás Ribeiro deseja ser inscripto contra ou a favor?

O sr. Thomás Ribeiro: — Eu pedi a palavra sobre a ordem e a minha moção não se póde dizer que seja contra nem a favor do projecto em discussão.

Eu approvo o projecto de resposta ao discurso da coroa, mas sobre o incidente que se tem discutido desejo fazer algumas observações, que não significam nem opposição nem adhesão.

O sr. Presidente: — O sr. Costa Lobo é contra ou a favor?

O sr. Costa Lobo: — A favor.

O sr. Presidente: — O sr. Osorio Cabral é contra ou a favor?

O sr. Osorio Cabral: — A favor da resposta ao discurso da corôa. E a respeito da concordata algumas observações desejo fazer.

é sr. Presidente: — O sr. arcebispo resignatario de Braga é contra ou a favor?

O sr. Arcebispo Resignatario de Braga: — Contra o projecto do discurso da corôa sómente em relação a concordata.

O sr. Presidente: — Estão inscriptos sobre a ordem, em primeiro logar o sr. Miguel Osorio, em segundo o sr. Bocage e em terceiro o sr. Thomás Ribeiro.

Eu vou dar a palavra aos dignos pares pela ordem por que estão inscriptos. (Apoiados.}

Tem a palavra o sr. Miguel Osorio.

O sr. Miguel Osorio Cabral (presidente da relação de Lisboa) (sobre a ordem): — A moção que mando pari, a mesa é a seguinte:

«Proponho que, depois do quinto periodo da resposta ao discurso da coroa, seja inserido este additamento:

«A camara, porém, sentindo que a solicitude instante e patriotica do governo de Vossa Magestade não fosse mais amplamente correspondida por parte da Santa Sé, espera que as deprecações fervorosas de outras christandades, que ardentemente supplicam ser conservadas no real padroado do oriente, e nomeadamente as de Ceylão,, possam ainda encontrar no coração paternal do Summo Pontifice o desejado acolhimento, e que sejam attendidos em seu favor os votos da consciencia publica em Portugal com a mesma benignidade affectuosa e distincta; com que do alto da cadeira pontificia Sua Santidade o Papa Leão XIII tão nobremente tem exaltado os serviços prestados pelos portuguezes á religião e celebrado as nossas glorias. = Miguel Osorio.»

Sr. presidente, começarei por confirmar com a palavra o que está enunciado na minha proposta escripta.

Reconheço que o sr. ministro dos negocios estrangeiros empregou as diligencias que, humanamente, era possivel empregar, e todos os esforços que estavam ao seu alcance para se conseguir o melhor resultado nesta questão do padroado do oriente.

São testemunho destas diligencias não só os documentos que, a este respeito, se acham impressos, mas em especial os despachos de s. exa. relativamente á questão da concordata.

Quando, porém, faltassem essas provas, não restaria duvida sobre o zêlo e constancia de s. exa. na sustentação dos nossos direitos, em vista do discurso que acabamos de ouvir, e do modo por que já na outra casa do parlamento defendeu a questão, mostrando conhecer minuciosamente todas as suas circumstancias, e estar familiarisado com todos os argumentos, que n’ella podem ser adduzidos, e respondendo como conhecedor do assumpto ás arguições que lhe têem sido feitas.

Mas não foi só o actuar sr. ministro dos negocios estrangeiros que empregou todos os seus esforços para o bom resultado das negociações.

Os ministros, seus antecessores, e designadamente o sr. Bocage, meu particular amigo, empenharam do mesmo modo todas as suas diligencias e mostraram o seu zelo patriotico para que se conseguisse o melhor resultado das negociações pendentes.

Estas diligencias e esforços foram secundados pelos nossos representantes junto da Santa Sé Taes foram os srs. conde de Alte, conde de Villa Franca, encarregado de negocios em Rema, marquez de Thomar, conde de Thomar, é ultimamente o sr. Mártens Ferrão, que teve a parte mais espinhosa n’esses trabalhos.

E a respeito de s. exa. devo dizer que tem mostrado sempre o mais acrisolado zelo e a mais solicita dedicação no serviço da sua patria nos differentes cargos, os mais importantes, que tem exercido.

E eu, que já tive a honra de servir sob as ordens de s. exa., não posso deixar passar esta occasião sem consignar sinceramente o meu testemunho de muito reconhecimento e consideração por um cavalheiro e um funccionario de merito tão excepcional.

Essas diligencias foram tambem secundadas pelos dignos prelados de Goa, e muito especialmente pelo sr. arcebispo D. João Chrysostomo, ornamento distincto desta camara e membro distinctissimo do episcopado portuguez.

Para a sustentação dos direitos de Portugal na Asia fez s. exa. quanto podia sem comprometter em cousa alguma a dignidade do seu alto cargo. O digno par escreveu uma interessante Memoria, que o sr. ministro dos negocios estrangeiros citou no seu discurso e que tambem aqui tenho presente, na qual s. exa. não só mostra conhecimento completo é pratico d’aquellas christandades de toda a area do territorio que se comprehendia na jurisdicção do seu arcebispado, mas revela um verdadeiro zelo e um intenso amor á sua patria. N’essa Memoria propõe o sr. arcebispo primaz resignatario o modo, por que entende que o padroado portuguez póde ser conservado. Mas depois tratarei deste assumpto.

Pelas explicações, que tenho dado em justificação da minha proposta, conhecerá a camara que ella não tende a significar cousa alguma, que possa nem de leve pôr em duvida as diligencias empregadas pelo governo e por todos os funccionarios e demais pessoas que intervieram n’este difficilimo negocio. Assim, parece-me que a minha proposta, n’estas circumstancias, poderá ser acceita pelo governo e pela illustre commissão, e votada pela camara. Não tem

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outro fim senão exprimir o meu voto, que póde ser o d’esta casa do parlamento, para que cheguem longe e muito alto as vozes lastimosas das christandades orientaes, que fervorosamente representam e supplicam não ficarem excluidas do real padroado, e que sejam attendidos com a justiça que merecerem, os nossos direitos, os quaes nem sempre foram considerados como cumpria e era de rasão.

Não é de hoje, mas foi costume n’outras epochas apresentar e desenvolver largos programmas politicos, e fazer protestações de fé. Entretanto, auctorisado por exemplo grave e recente, aproveito a opportunidade para deixar bem declarado e com firmeza quaes os fundamentos essenciaes e impreteriveis da minha crença particular e das minhas opiniões politicas. E como não tenho n’esse ponto outro sentir, que não seja o da camara, visto que todos aqui estâmos reunidos com os mesmos intuitos, e ligados pelo mesmo juramento, ella me não levará a mal que eu pela minha parte enuncie o que está na mente de todos.

Esses fundamentos são: o principio religioso, e o principio monarchico.

O principio religioso, que é aquelle que tem relação mais immediata com o assumpto da minha proposta, entendo que deve ser acatado, deve ser propagado, deve ser fortalecido cada vez mais, e agora mais que nunca, quando ao longe a onda da revolução se levanta ameaçadora, querendo subverter a sociedade. Esse ameaçador cataclysmo não tem outra procedencia senão as doutrinas perniciosas de uma certa escola philosophica, que tudo quanto é santo procura destruir, principalmente desde o meiado do seculo passado.

E como póde vir tempo em que nem as providencias do governo, nem as leis dos parlamentos, nem as doutrinas da parte sã da imprensa, nem talvez a força publica, possam bastar para lhe oppor a necessaria resistencia, o unico meio de lhe contraminar a efervescencia, e premunir contra os seus desastrosos effeitos, é o combatido, mas salutar principio das crenças religiosas.

Quando, porém, não fossem estas as minhas convicções politicas e sociãaes, eu não podia deixar de prestar culto a esse grande principio, e sustentar as mesmas idéas por tradição particular, tradição sagrada, que rediviva sempre no espirito com a memoria saudosa de virtudes, raras vezes imitadas, é d’aquellas, que acompanham o coração do homem do berço á sepultura; que vegetam e se avigoram assim na infancia, como na adolescencia, — tanto na virilidade, como na senectude -, e que tornando-se indeléveis, só desapparecem com a morte.

A expansão, porém, do sentimento religioso, e a commemoração dos effeitos que elle produz no espirito de quem crê, não são para aqui; pertencem á tribuna sagrada.

N’esta só sé discutem instituições politicas, o seu aperfeiçoamento, e os meios de as tornar cada vez mais proficuas aos interesses da sociedade.

Já vê a camara que eu não podia ter a fatuidade vã de me suppor em posição singular, quando estâmos todos alistados debaixo da mesma bandeira, e relevará que, affastando-me do uso consuetudinario, deixe consignadas estas doutrinas para melhor explicação das considerações que me proponho fazer.

Entretanto eu sou regalista, sr. presidente, e sou regalista porque sou portuguez, e porque sou magistrado.

Sou regalista como portuguez, porque esta nação teve sempre a mais estremecida e melindrosa susceptibilidade contra toda e qualquer interferencia estranha, que possa perturbar-lhe o exercicio livre da sua soberania como nação independente: e sou regalista como magistrado, porque tenho não só de acatar as tradicções do governo de Portugal, desde o principio da monarchia, mas de seguir a jurisprudencia dos tribunaes portuguezes em conformidade com o direito publico da nação, com a lei fundamental, e com as prerogativas e immunidades da igreja lusitana.

É já que me referi a este assumpto, referir-me-hei especialmente a uma questão, que de longa data tem sido largamente debatida, e que ainda se debata em documentos pontificios da correspondencia publicada acerca do padroado do oriente.

Alludo ao beneplacito régio sem a menor falta de respeito para com as determinações da igreja, mas pugnando sempre pelas prerogativas da corôa portugueza.

Em um dos diplomas pontificios comprehendido no livro que foi distribuido na camara, ainda se argue o beneplacito por ser um meio de interceptar a communicação intima espiritual, que deve existir entre o rebanho de Christo, e o seu supremo pastor.

Não concordo, sr. presidente, com esta apreciação, salvo o respeito sempre protestado, porque a união intima e ininterrupta com o Summo Pontifice, não só existe diplomaticamente por meio dos representantes da Santa Sé perante o soberano de Portugal e pelos representantes de Portugal perante o Summo Pontifice, mas existe espiritualmente, quando mais não seja, pela união interna entre as christandades e os seus pastores e prelados, e estes ao mesmo tempo que pela sua instituição divina exercem um poder, que lhes vem directamente dos apóstolos, são no governo e administração das suas dioceses representantes do Summo Pontifice.

D’esta sorte se mantem sempre ininterrupta aquella união, a que se refere o documento citado, e tão necessaria para a unidade da igreja catholica, nem de outro modo a Santa Sé, que se conforma com o direito do régio beneplacito exercido sempre desde os primeiros tempos da monarchia pelos soberanos portuguezes, lhes conservaria o titulo de Reis Fidelissimos.

Sr. presidente, eu sou tambem regalista, por ensinamento, tanto theorico, como pratico.

Recebi ensinamento theorico pelas doutrinas de Gmeiner sobre o direito publico da igreja, e na vida pratica pelas obras de escriptores nossos sobre o direito privativo da igreja lusitana, sobresaindo Gabriel Pereira de Castro, cathedratico distincto, poeta insigne, e jurisconsulto notavel, e que escreveu o livro De manu regia; e depois Manuel Rodrigues Leitão, que depois de honrar tambem as, cadeiras da nossa universidade, professou um instituto religioso, e foi elle o fundador da erudita congregação do oratorio no Porto.

Escreveu com a sua virtude, que era muita, o eruditissimo Tratado analytico e apologetico sobre os provimentos dos bispados da corôa de Portugal, e na sua muita humildade offereceu-o ao Santo Padre nessa epocha calamitosa... doloroso é dizel-o!

Mas, emfim, depois das affirmações que ahi ficam feitas, posso, por um momento, dar algum desafogo á minha paixão de portuguez.

Nessa epocha calamitosa, em que a Santa Sé parecia defender mais os interesses partidarios de Hespanha, do que os verdadeiros interesses da igreja e da religião, e em que luctavamos com a nação vizinha, muito mais poderosa do que nós, para sustentarmos a nossa independencia, Roma tinha cortado comnosco as suas relações; era surda aos nossos clamores, tinha o coração endurecido e não attendia ás lagrimas derramadas, nem aos pedidos que lhe foram feitos, e nem a demoveu a supplica e reclamação profundamente persuasiva, contida em um livro admiravel: Balidos das igrejas de Portugal ao supremo Pastor Summo Pontifice Romano, pelos Tres Estados do Reino, livro extremamente elogiado por escriptores estrangeiros, e que é dos monumentos mais preciosos dos annaes da igreja lusitana.

Só quando a Hespanha, obrigada pelas gloriosas victorias do nosso exercito, e pela attitude energica d’esta nação pequena, que tantos prodigios de dedicação fez para sustentar a sua independencia nessa porfiada campanha de vinte e sete annos, assentou comnosco a paz, é que Roma a fez tambem, restabelecendo só então as suas re-

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lações com Portugal, e acceitando como justo, e do serviço de Deus, o que até ahi condemnára!

Sou, porem, regalista no sentido mais moderado da palavra, sem opiniões extremas, e sempre de modo que o meu voto, quando, officialmente tenha de emittil-o, não importe a menor offensa á auctoridade suprema do Summo Pontifice, ou a menor falta de respeito ás leis da igreja, e quebra da unidade, em que consiste a sua força, e que é a prova mais augusta da verdade das suas doutrinas.

Era já antiga a questão e a divergencia de Portugal com a Santa Sé por causa do padroado do oriente, e só depois de muitas dificuldades é que veiu a concordata de 21 de fevereiro de 1857, concordata contra a qual eu votei na camara electiva, e d’essa votação tenho companheiros nesta camara.

Não era questão politica, nem o podia ser. Eu pertencia á maioria de então, e tinha logar na mesa da camara. Questões d’esta natureza, que prendem directamente com a soberania da nação, sobresáem por cima dos partidos, que se alternam e se modificam, e dos governos que passam e se substituem, revivendo sempre, como agora, com todo o seu vigor e importancia, e amesquinham quem quer que seja que as queira apoucar dentro dos limites estreitissimos e seccos da paixão politica, ou dar-lhes a cor afogueada dos interesses facciosos de momento.

Votei contra a concordata pelas rasões de todos sabidas, e que em especial ficaram consignadas nas actas das respectivas sessões secretas, algumas escriptas por mim, faz agora exactamente trinta annos.

D’essas rasões as principaes foram:

Primeira, ser Portugal privado de quasi todo o padroada, porque perdiamos o padroado da China, do Japão, de Ceylão, da costa do Coromandel, de quasi toda a costa do Malabar, da maior parte do Indostão, e ficava reduzido ás possessões portuguezas e a parte da India ingleza.

Segunda, porque a concordata suspendia as faculdades chamadas extraordinarias, do arcebispo de Goa, mas que tão necessarias lhe são, que sem ellas não póde exercer convenientemente toda a sua jurisdicção e auctoridade sobre o seu rebanho, e que ficavam dependentes de concessões, temporarias a curto praso.

Terceira, porque á sua execução, ainda, assim, tinha de preceder a circumscripção do bispado, ou bispados que se haviam de erigir no extenso territorio da archi-diocese de Goa, e deviam nomear-se commissarios de parte a parte para procederem de commum accordo ao trabalho da delimitação na propria localidade, o que era difficilimo, e a experiencia mostrou que era impossivel.

Em quarto logar votei ainda contra a concordata porque, ao mesmo tempo que eram assim limitados os nossos direitos, deixavam-se os braços livres a todos os prelados, missionarios, e padres da- propaganda, para dilatarem o seu dominio, invadirem as nossas igrejas, e altamente protegidos, no uso de todas as faculdades, desauctorisarem e diminuirem cada, vez mais o prestigio do nosso arcebispo primaz, e, emfim, para poderem levar as cousas ao ponto de perdermos completamente aquella chamada jóia preciosa da corôa portugueza.

O tempo encarregou-se depois de provar que as rasões que allegavamos em nossa defeza tinham fundamento.

Eu nunca pretendi, sr. presidente, não estava, nem está isso no meu animo, a restituição inteira do padroado portuguez na India, nem que se lhe desse a extensão que tinha no tempo em que era tão grande o dominio de Portugal, como, era- grande o seu poder..

Alem das dioceses, que ainda conservamos em possessões portuguezas no ultramar, como as de Cabo Verde, de S. Thomé, de Angola e. Gongo, prelazia, de Moçambique, archidiocese de Goa e bispado de Macau, tinham sido erigidas as seguintes:

Malaca, por, Paulo IV, em 4 de fevereiro de 1557.

Cochim, na mesma data, e pelo mesmo papa.

Funay (Japão), por Xisto V, em 19 de fevereiro de 1588.

Cranganor, por Clemente VIII, em 4 de agosto de 1600.

Meliapor, por Paulo V, em 6 de janeiro de 1606.

Pekim, por Alexandre XIII, em 10 de abril de 1690.

Nankim, pelo mesmo papa, e na mesma data.

Alem d’estas tinhamos as do reino, e as das ilhas, hoje adjacentes, e ainda as do Brazil, que eram muitas, e tão importante aquella grande possessão, que para ali se voltaram as principaes attenções do governo portuguez.

Não é, pois, minha intenção, nem foi nunca, a restituição de todo o padroado antigo, a cujos encargos Portugal nunca póde satisfazer, ainda em tempo, em que não era tão extenso, e o nosso, poder e o nosso prestigio tinha chegado ao seu apogeu, quando o maior dos europeus que a Asia tem visto, o grande Affonso de Albuquerque, fundou ali o glorioso imperio lusitano.

Portugal não podia com tamanho encargo, e muito menos depois dos seus desastrosos infortunios, como foi a nunca reparada desgraça de Alcácer Kibir, a dominação de Castella, a guerra dos vinte e sete, annos para salvar a independencia, o terremoto de Lisboa, a guerra peninsular, a perda do Brazil, as guerras civis e o consequente estado ruinoso da fazenda publica, que ainda não póde restaurar-se.

Por consequencia o meu espirito acostumado á justiça não sabe ver senão a verdade, e reconheço que, posto tenhamos um direito incontestavel, esse direito não póde tornar-se effectivo, pois que em toda a sua plenitude nos é impossivel sustental-o.

Em um dos mais importantes documentos pontificios da correspondencia publicada se sustenta, e se pretende demonstrar, que o padroado portuguez no oriente é um privilegio singularissimo sem exemplo na historia da igreja, por dadiva gratuita, e concessão da Santa Sé.

Foi contestada dá parte de Portugal a designação de privilegio, mas eu, que sou mais condescendente, acceito-a pela minha parte. O que não acceito é a idéa de concessão, ou de dadiva gratuita, (Apoiados.) porque o padroado foi fundado pelos portuguezes.

Reconhece-se por parte do governo pontificio que o padroado deriva da fundação e dotação, segundo as disposições do direito canonico; mas nós fizemos mais do que fundar e dotar, porque descobrimos, conquistámos, catechisámos, fundámos, dotámos e sustentámos.

Tambem se reconhece como fundamento do padroado a protecção tanto dos soberanos, como dos particulares poderosos, e essa não podia a igreja recebel-a nas indias, ao tempo da constituição do nosso padroado, senão do Rei de Portugal, que era o unico principe christão, que ali tinha dominios.

Ora como a Santa Sé observa sempre o direito canonico, pois que, sé o não observasse attentaria contra a sua propria existencia, é manifesto que não foi concessão, mas reconhecimento; que não foi dadiva, mas obrigação; que não foi graça, mas necessidade, esse direito antigo nosso, que hoje se nos contesta. (Apoiados.)

Pois que! Foi a Santa Sé quem nos fez presente do padroado, que não era seu, nem possuia, quando Roma não tinha outra ponte sobre os dois oceanos para a ligar com as nações do oriente, e para lhes mandar os seus padres, ás suas missões, e a sua propaganda, senão, as armadas portuguezas? Ou foi Portugal, que pelo mais assombroso heroismo submetteu á suprema auctoridade do Summo Pontifice, e trouxe para o gremio da igreja, milhões e milhões de fieis, não só n’este extremo do continente europeu, que habitámos, quando a espada maravilhosa de um principe guerreiro, tão famoso pela valentia, como pela politica de largas vistas sobre o futuro da sociedade christã, fundou a monarchia, continuando-se a empreza nos reinados immediatos; mas depois pelo descobrimento; e, conquista das cos-

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Tas occidental e oriental, e sertões de Africa, terras de Santa Cruz, e da Oceania, e dessa mesma Asia, objecto d’esta discussão, e se mais mundo houvera lá chegára?!! (Vozes: —Muito bem.)

Os nossos navegadores descobriam, os nossos guerreiros conquistavam e os nossos missionarios avançavam mais convertendo.

E com effeito, aonde não podiam aportar os galeões alterosos das nossas armadas, levando a bordo os mais celebres argonautas dos seculos modernos, para sulcar marés nunca d’antes navegados, para descobrir regiões até então não sabidas, para fundar fortalezas, estabelecer feitorias e implantar o estandarte da cruz, como padrão eterno da civilisação da humanidade e documento do nosso dominio; aonde não podia chegar a espada victoriosa do nosso guerreiro para conquistar e avassallar regiões infindas, dilatando por todas as partes do mundo o imperio luzitano; penetrava a sandália rota e ensanguentada do pobre missionario portuguez, que levava no rosto os vestigios da fome, do soffrimento e das privações de toda a sorte, não tendo por companhia senão a cruz, por consolação animadora senão a esperança, e por unico auxiliar a unção da sua voz inspirada e irresistivel, para ensinar tanto ás tribus selvagens e quasi irracionaes dos sertões de Africa, e das florestas virgens da America e da Oceania, como a esses mesmos povos asiáticos de uma civilisação primitiva sim, mas incompleta e erronea, a doutrina mais santa, que jamais se prégou na terra, o principio mais vivificador e mais sublime da civilisação humana! (Vozes: — Muito bem, muito bem.)

Foram estes os nossos titulos, é este o nosso privilegio! Privilegio singularissimo certamente, e sem exemplo na historia da igreja, porque tambem o não tem na historia do mundo o heroismo assombroso de um pequeno povo, que tão grande se tornou, que na vertiginosa audacia dos seus commettimentos parecia querer nos braços abranger a redondeza da terra! (Vozes: — Muito bem.)

Mas, sr. presidente, era impossivel poder Portugal conservar na sua plenitude o antigo padroado do oriente, pois que nem mesmo na metropole cumprem os governos as obrigações do padroeiro.

Aqui mesmo em Lisboa, na propria sé patriarchal, a primeira das igrejas portuguezas, vemos nós um cabido quasi extincto, restando-lhe apenas tres ou quatro cónegos válidos, porque os outros teem morrido, ou estão doentes e velhos, ou estão permanentemente ausentes, e dentro em pouco deixará de haver o necessario pessoal para as festividades do culto, a que muitas vezes assiste a côrte, e com as quaes se solemnisam anniversarios nacionaes, e hão de em breve faltar paramentos para se celebrarem pontificaes, porque me consta haver ali para esse fim vestes sagradas, que antes se podem chamar andrajos dourados.

E os cabidos nas cathedraes não servem só para ostentação apparatosa nas solemnidades religiosas, ou para fausto e côrtejo dos prelados, e para entoar os psalmos das horas canonicas no côro; são necessarios em uma nação catholica para o exercicio pleno da soberania.

A camara por certo conhece que eu não estou avançando um paradoxo.

Ao cabido pertence a eleição do vigario capitular sede vacante, e essa eleição costuma fazer-se conforme a insinuação do governo do estado, e entre nós é isso de uso tão inalteravel, que, não ha muito tempo, houve seria desintelligencia com um cabido que se não conformou com a insinuação do governo.

Esta fórma de eleição é admittida e regulada pelo direito canonico, como é sabido, e funda-se primeiro na boa harmonia que deve existir entre os dois poderes, o ecclesiastico e o civil; segundo, na dependencia em que aquelle está deste para o seu proprio exercicio, e acção efficaz; terceiro, no mesmo direito que o imperante tem de nomear os bispos para serem confirmados pelo Papa, competindo-lhe tambem o de nomear com a fórma de insinuação quem os ha de substituir quando morrem.

Ora, não estando o cabido devidamente organisado para exercer esta importante attribuição, poderá acontecer que, ou o governo se arrogue a faculdade de nomear governador do bispado, ou a Santa Sé se julgue com auctoridade de nomear vigario apostolico, e seguirem-se d’ahi desintelligencias, e até rompimento de relações com perturbação das consciencias, como aconteceu em Portugal, em epocha que não é de longa data.

Mas ainda ha mais.

Nós vemos no nosso paiz, e até mesmo na capital, parochias annexadas umas ás outras por falta de pessoal a quem se encommende a cura de almas, e mais ainda, ha parochos a quem se tem concedido faculdade de dizerem duas missas nos dias santificados, a fim de occorrerem á necessidade de povoações separadas por grandes distancias, e proporcionar-lhes meio de satisfazerem ao preceito da igreja.

Tudo isto acontece, porque ainda se não póde decretar a dotação do clero.

E estando as cousas assim entre nós, como poderia satisfazer-se aos encargos do padroado, se elle tivesse a larga extensão de outrora, que a vista mal póde abranger sobre a carta geographica, especialmente pela densidade dá população, que só no Indostão se diz ser de 160.000:000?!

Sr. presidente, parece-me que se nós não podemos satisfazer a todas as obrigações em relação ao padroado, não devemos comtudo ser esbulhados quasi absolutamente do nosso direito.

A concordata de 23 de junho de 1886 não está sujeita ao nosso exame e approvação; se o estivesse, eu a approvaria, não porque nos reconheça tudo, a que temos direito, e que poderiamos sustentar convenientemente, mas porque ficamos melhor do que nos deixou a de 1807, e porque dos documentos publicados se conclue que não era possivel conseguir mais, como já declarei segundo a minha opinião.

Sr. presidente, o additamento feito á ultima concordata é mais uma prova de que não sé fecharam, para as nossas solicitações ou para as supplicas das christandades desoladas do real padroado no oriente, e em especial para as de Ceylão, as portas da Santa Sé, e eu espero em Deus que não será esta a ultima palavra, mas que ainda poderemos conseguir mais alguma cousa. (Apoiados.)

Parece-me que no pontificado de Leão XIII não é tão temeroso, tão absoluto, o fatal non possumus, que tem sido o reducto mais impenetravel do Vaticano!

Ha pouco tempo ainda tive eu o gosto de ouvir, na sociedade de geographia de Lisboa, a conferencia feita por um distincto emissario das christandades de Ceylão, que veiu para apresentar as suas supplicas ao real padroeiro, e daqui dirigir-se a Roma para as repetir com toda a instancia ao Summo Pontifice.

Tem-se dito, e eu creio até certo ponto que nestas questões do oriente, questões que são a politica daquellas localidades, predomina muito o interesse, e um certo espirito faccioso de alguns padres do padroado portuguez, e que são elles os que incitam e mantêem n’uma tal ou qual insubordinação aquelles povos, e em hostilidade á propaganda.

Mas a prova de que não é absolutamente verdadeira a informação está na conferencia do commissionado dos catholicos do padroado de Ceylão, os quaes, em vez de nomearem como seu representante um padre, nomearam um individuo da profissão mais contraposta á do clero, se é permittido dizel-o assim.

Foi por elles enviado um medico, que expoz tanto ex corde, com tanto fervor e tão entranhada mágua o estado d’aquellas christandades, excluidas do padroado, que, confesso a verdade, me commoveu mais de uma vez, e encheu-me de admiração.

Alem de que, observei que esse homem notavel, tendo-se

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256 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

habilitado como medico na universidade de Bombaim; que é uma universidade ingleza, veiu fazer a sua conferencia na lingua portugueza, e ainda mais me admirou que viesse dar uma lição de linguagem pura onde o idioma portuguez, formosissimo, anda tão alterado. Poucos reparos poderiam fazer-se-lhe.

Parece-me; na verdade, sr. presidente, que outras christandades poderiam ainda ser conservadas no real padroado sem inconveniente; e quanto ás de Ceylão, que tanto interesse inspiram, não devendo constituir-se ali um bispado, por serem pouco numerosas, podem facilmente ficar pertencendo ao de S. Thomé de Meliapor, que dista pouco, ou ao de Cochim, que todavia é mais distante, sendo necessario passar o cabo Comorim. Mais de 15° geographicos de longitude é a distancia de Malaca e Singapura a Macau, e todavia ficam pertencendo a esta diocese.

Serem pobres não é motivo para serem engeitadas, porque o1 pobre, segundo o Evangelho, tem o primeiro logar; e o serem poucas menos encargos nos trará, mas ellas nada nos pedem senão continuarem a ser do padroado portuguez.

A circumstancia de existirem igrejas da propaganda em Ceylão, não é motivo tambem para lhes ser desattendida a supplica ardentissima, porque em outras partes se mantem a duplicejurisdicção.

Devemos, pois, tentar rehaver a jurisdicção sobre essas christandades, e o governo tem muitos meios, directos e indirectos, de fazer valer os nossos direitos e de satisfazer aos encargos dó padroado em maior extensão de territorio.

Cumpre-se principalmente pela missão o dever do padroeiro, e a missão catholica é a mais efficaz e a mais sympathica de todas.

A imprensa tem dado noticia de que as proprias potencias protestantes lhe reconhecem a superioridade, e a vão empregando com preferencia, confiando muito mais nos padres catholicas para a catechese, e submissão dos povos, dó que em missionarios de outras religiões.

Ora, se assim procedem as nações protestantes, com quanta mais: rasão não devemos nós, que somos catholicos, e que temos dado á igreja tantos confessores, e tantos martyres, para dilatarem os dominios da fé, empenhar-nos por continuar a obra dos antigos portuguezes, e esperar não só que sejam attendidos os nossos votos, mas as supplicas dos que exoram e pedem, como os de Ceylão, que os deixem ser christãos, mas como seu real padroeiro portuguez?

Mas para cumprirmos cabalmente o nosso dever o necessario cuidar a serio das missões, que não estão devidamente organisadas nem os seminarios, onde ellas se preparam, por mais bem dirigidos, que se encontrem, podem pessoal e materialmente considerados, satisfazer ao seu fim.

O respeitavel arcebispo primaz o sr. D. João Chrysostomo, com toda a auctoridade da sua palavra e da sua experiencia e observação, lamentou que se tivessem abolido as ordens religiosas, e quanto ao padroado classificou s. exa. de erro politico a extincção d’ellas.

Eu sr. presidente, não votaria a restauração das ordens religiosas porque destoara dos nossos costumes sociaes e politicos, e têem contra si as idéas de hoje. O seu tempo já passou.

Alem d’isso, contra esses institutos religiosos, philosophicamente considerados em si proprios, ha objecções, a que não sei responder.

Foram elles creados com o fim especial de contrariar os instinctos naturaes do homem, e para que satisfaçam á sua instituição é indispensavel que se verifiquem tres condições essenciaes e simultaneas, a saber:

].ª Vocação sincera, espontanea, e firme;

2.ª Disciplina tão rigorosa, e austera, que nunca possa afrouxar;

3.ª Exemplo de virtude solida para animar e confortar reciprocamente os que professam taes institutos.

Mas como é difficil, senão impossivel, que taes condições e sustentem e observem sempre, forçoso é concluir que as ordens religiosas têem em si mesmas o germen da propria degeneração.

Entretanto, eu desejaria que dellas se aproveitasse o, que fosse util aos seminarios das missões ultramarinas.

Temos um exemplo digno de meditação nas corporações do sexo feminino.

As irmãs da caridade, as irmãs hospitaleiras e as irmãs da missão, não são freiras, e comtudo estão por sua vocação propria sujeitas ao preceito da obdiencia, e ellas lá vão com abnegação absoluta cumprir seus angélicos deveres aonde quer que são mandadas, e a despeito de todos os perigos.

Convirá que os governos examinem o assumpto, e grande será o beneficio, se poderem adaptar-se as condições d’aquelles institutos aos nossos collegios de missões.

Temos tido, e ainda temos nas colonias distinctos e virtuosos missionarios, mas os exemplos raros de um padre Barroso no Zaire, de um bispo de Macau no Oriente, e* ainda de alguns outros dedicados evangelisadores da palavra de Deus, e defensores estrénuos do nome portuguez, ao mais para objecto da nossa admiração e reconhecimento, do que para nos infundir esperança de que venham a ser imitados em tão grande numero, quanto nos é necessario para o serviço religioso das nossas grandes possessões ultramarinas.

Muito util será que o governo na reorganisação dos seminarios para as missões tenha em vista a organisação e statutos das irmãs de caridade, ou das irmãs da missão, para apropriar, quanto possivel, tudo o que seja applicavel áquella reorganisação sem restaurar frades;

Deve promover-se seriamente o desenvolvimento dessas corporações do genero feminino, e muito mais a das irmãs da missão, que são destinadas a prestar importantes serviços, com especialidade na educação da infancia, e todos conhecem o poderoso effeito, que tem nas primeiras idades o ensino ministrado pela mulher, e a influencia superior, que a mulher educada tem depois na familia, na sociedade e na civilisação.

Esta parte da missão é de valor incalculavel, e póde ampliar-se tambem a educandos do sexo masculino nos primeiros annos da vida, proporcionando aos missionarios um auxilio efficacissimo, e devendo ser pouco despendiosa. Nas nossas circumstancias é este um meio poderoso de promover a civilisação e radicar o nosso prestigio no ultramar.

Sr. presidente, segundo as declarações, que constam dos ultimou documentos publicados, e repetidas pelo sr. ministro dos negocios estrangeiros, está o governo inhibido de fazer novas instancias á Santa Sé a respeito de quaesquer christandades, que deixaram de ser comprehendidas no padroado do oriente, mas não o está o parlamento portuguez.

O parlamento portuguez não está inhibido de manifestaras suas aspirações e os seus desejos, para que possam constar ao Summo Pontifice, e porventura demover Sua Santidade a deferir ás reclamações dessas christantades supplicantes, e particularmente das de Ceylão, cujos lamentos dolorosos tanto nos commovem, e que querem continuar a ser catholicas, más com Portugal.

Se o governo officialmente não póde levar esta manifestação ao conhecimento do Santo Padre, temos a publicidade pela imprensa, e ha o seu representante n’esta côrte, o qual mais do que uma vez nos tem prestado serviços importantes.

O Santo Padre Pio IX, cheio de virtude, zelo, e convicção profunda no cumprimento dos seus deveres sagrados, seguia doutrinas talvez em extremo dogmaticas, e politica intransigente, e tinha opiniões por ventura inflexiveis.

Sua Santidade, n’uma epocha adiantada da vida, sobrecarregado de cuidados, com infinitos negocios, e penden-

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das da igreja universal a attender, e alem d’isso com o coração cortado de tribulações, que sempre levou com profunda impressão e desgosto, não podia tratar e resolver tudo por si proprio, mas tinha necessariamente de confiar em quem tomasse parte auxiliar no governo da igreja.

Quanto ás questões do padroado confiava na congregação da propaganda, a quem ellas respeitavam, e ainda que eu não queira fazer maus juizos, é certo que a propaganda foi sempre nossa adversaria.

Sua Santidade Pio IX, por consequencia, entregando-se nas mãos das pessoas, em quem mais confiava, commettia aos nossos inimigos, que são parte no pleito, a decisão d’elle.

Os seus representantes nesta côrte seguiam as instrucções recebidas, e sustentavam a mesma inabalavel resistencia ás reclamações do governo portuguez, que com algum d’elles chegou a ter relações bem pouco agradaveis, como foi notorio.

A propaganda ao mesmo tempo na India ia empregando todos os moios ao seu alcance para prejudicar e comprometter o padroado, e desprestigiar o arcebispo de Goa.

Mas ainda havia outras circumstancias, ás quaes tambem já se referiu o sr. ministro dos negocios estrangeiros, e que contribuiam muito para aggravar o perigo da nossa causa.

A mais séria talvez era a attitude do governo inglez com respeito ao padroado nas indias britannicas.

Dos dois partidos politicos de Inglaterra com principios oppostos o tory, ou conservador, é o que se nos mostra menos adverso, talvez por mais auctoritario, respeitando o poder espiritual, que exercemos sobre subditos inglezes, a quem não quer desgostar, e assim vemos na correspondencia publicada as disposições menos desfavoraveis de lord Aberdeen, que n’outro tempo varias vezes presidiu ao governo daquella grande nação.

Pelo contrario o partido whig, ou liberal, sempre se nos mostrou mais contrario, talvez por mais autonômico, procurando isentar as possessões- inglezas de todo o predomonio estranho de qualquer especie; e fiel a esta politica Gladston, quando ministro, procurava influir activamente em Roma, e promover a total extincção do padroado portuguez nas indias britannicas, ao tempo em que tudo ali nos era declaradamente hostil.

As circumstancias porém mudaram, subindo á cadeira pontificia o papa Leão XIII, que seguindo uma politica inteiramente pacifica e generosa, desejando a harmonia tanto das christandades, como das nações, e merecendo por suas grandes virtudes não só a veneração do mundo, mas ter o primeiro logar entre os pontifices romanos deste seculo, tem manifestado particular sympathia pelos portuguezes, e memorado solemnemente os fastos mais brilhantes da nossa historia.

A Europa vae presencear dentro em pouco a manifestação mais esplendida de respeito, que o mundo talvez ainda não désse ao successor de S. Pedro desde a instituição do pontificado.

Na grandiosa exposição do Vaticano hão de ser representadas não só as nações catholicas, o que não admira, e outras nações christãs, mas separadas da nossa igreja, como a protestante Inglaterra, a protestante Allemanha, e a scismatica Russia, mas os inimigos mais irreconciliaveis do christianismo, os musulmanos, pelo imperador da Turqira e ainda mais, os proprios idolatras pela imperatriz da China, como a imprensa tem divulgado.

As paternaes e benéficas disposições do Summo Pontifice reflectem-se no seu actual representante em Lisboa.

Monsenhor Vannutelli, arcebispo de Sardia e nuncio de Sua Santidade junto do Soberano portuguez, tem-se mostrado sempre affeiçoado a Portugal e contribuido da sua parte para o melhor exito das ultimas negociações, aplanando as difficuldades e dando as informações que mais o poderiam facilitar. Tem sabido expor a verdade dos factos, assim no tocante ao apaixonado sentimento de patriotismo em Portugal, como á excitação crescente das christandades do padroado na India, e ao perigo de um rompimento com a Santa Sé, o que seria uma grande calamidade; e tem por isso e por suas sympathicas qualidades merecido a mais distincta consideração na côrte e na sociedade de Lisboa.

Ao mesmo tempo que assim mudaram as disposições de Roma na questão do padroado, mudou tambem o governo inglez, voltando ao poder o partido tory, que nos é menos desfavoravel, e assim se dispozeram as cousas para que podesse realisar-se a concordata de 23 de junho de 1886, que eu acceito.

Se me perguntarem se com ella me dou por satisfeito, responderei francamente que não.

Se me perguntarem se desappareceram de todo os motivos que determinaram o meu voto contra a de 21 de fevereiro de 1857, do mesmo modo responderei que não.

Acceito-a resignado, porque se alcançou uma boa parte do que nos havia sido tirado na anterior, e porque me não desamparou ainda a esperança de que possa ser ouvido com generosa benevolencia o clamor afflictivo d’essas christandades desvalidas e mais que tudo das de Ceylão.

Sr. presidente, ahi fica a minha proposta e nella a expressão do meu sentimento, em lingua portugueza.

Esta nossa lingua é hoje o sanskrito das christandadea indianas catholico-portuguezas; e como ellas não sabem, nem querem saber outra para fallarem nas suas orações ao céu, possa agora ser ouvida na terra por quem está revestido de todo o poder para conceder graças e fazer justiça.

Vozes: — Muito bem, muito bem.

Leu-se na mesa o additamento proposto pelo digno par, que a camara admittiu á discussão.

O sr. Presidente: — A proxima sessão é amanhã, sexta feira, e a ordem do dia a continuação da que estava dada para hoje.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas e dez minutos da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 26 de maio de 1887

Exmos. srs.: João Chrysostomo de Abreu e Sousa; duque de Palmella; marquezes, de Pomares, de Sabugosa; arcebispo de Braga (resignatario); condes, de Alte, de Castro, de Magalhães, de Paraty, do Bomfim, de Gouveia; viscondes, da Azarujinha, de Benalcanfor, de Carnide; barão do Salgueiro; Ornellas, Adriano Machado, Aguiar, Sá Brandão, Senua, Oliveira Monteiro, Costa Lobo, Barjona de Freitas, Cau da Costa, Carlos Bento, Sequeira Pinto, Pinheiro Borges, Hintze Ribeiro, Fernando Palha, Res-sano Garcia, Barros Gomes, Jayme Moniz, Candido de Moraes, Melicio, Mendonça Cortez, Valladas, Vasco Leão, Coelho de Carvalho, Braamcamp Freire, Augusto Braamcamp, Bandeira Coelho, Luciano de Castro, Lobo dAvila, Ponte Horta, Silva Amado, José Pereira, Mexia Salema, Silvestre Ribeiro, Sampaio e Mello, Bocage, Camara Leme, Luiz Bivar, Seixas, Villas Boas, Pereira Dias, Vaz Preto, Miguel Osorio, Cabral de Castro, Calheiros, Thomás Ribeiro, Thomás de Carvalho, Serra e Moura, Castro, Ferreira Lapa, Gusmão.

Rectificação

Por involuntaria omissão o redactor = UIpio da Veiga não assignou a sessão n.° 16, de 25 de maio do anno corrente.

Redactor: — Alberto Pimentel,

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