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N.º 17

SESSÃO DE 7 DE JUNHO DE 1890

Presidencia do exmo. sr. Antonio Telles Pereira de Vasconcellos Pimentel

Sccretarios - os exmos. srs.

Conde d'Avila
José Augusto da Gama

SUMMARIO

Leitura e approvação da acta. - Correspondencia. - É introduzido na sala, presta juramento e toma assento o sr. conde do Castello de Paiva. - O sr. Jeronymo Pimentel usa da palavra sobre a questão, que ultimamente se tem debatido, ácerca da fabrica de moagens o panificação por conta do estado. - Lê se na mesa um officio remettendo o processo eleitoral do collegio distrital da Horta. - O sr. ministro da fazenda faz nina rectificação a um ponto do seu discurso, na sessão antecedente, sobre a fabrica de moagens e panificação por conta do estado. - O sr. visconde de Moreira de Rey manda para a mesa uma proposta para a nomeação de uma commissão de inquerito. É admittida. - O sr. Costa Lobo apresenta uma proposta relativa ao mesmo assumpto, perguntando ao sr. ministro da fazenda se a acceita. É admittida a proposta. - O sr. ministro da fazenda declara que acceita a proposta. - O sr. Costa Lobo agradece ao sr. ministro. - É approvada, a proposta do sr. visconde de Moreira de Rey. - Lê-se na mesa a proposta do ar. Costa Lobo. - Sobre elle usam da palavra os srs. visconde de Moreira de Rey, Costa Lobo, conde da Arriaga e conde de Ficalho. - O sr. Costa Lobo pede para retirar a sua proposta. A camara auctorisa.

Ordem do dia: discussão do parecer n.° 42, eleição de Bragança. - Usa da palavra o sr. Firmino João Lopes, que fica com a palavra reservada para a sessão seguinte. - O sr. pies>dente pede aos dignos pares que concorram mais cedo ás sessões.

Ás duas horas e cincoenta minutos da tarde, achando-se presentes 20 dignos pares, abriu-se a sessão.

Foi lida e approvada a acta da sessão antecedente.

Mencionou-se a seguinte:

Correspondencia

Officio do sr. presidente do conselho e ministro do reino e da guerra, enviando uma nota pedida era uma das sessões antecedentes pelo sr. José Luciano de Castro.

Entregue ao digno par.

Officio do sr. ministro da fazenda, enviando, para serem distribuidos, 180 exemplares das contas de despeza do seu ministerio, da gerencia do anno economico de 1888-1889 e do exercicio de 1887-1888.

Officio do mesmo sr. ministro, enviando, para serem distribuidos, 120 exemplares de cada um dos annuncios estatisticos sobre o serviço das contribuições directas nos annos civis de 1883 a 1885 e economicos de 1883 a 1886.

Mandou-se fazer a competente distribuição.

Officio do sr. presidente do conselho e ministro do reino e da guerra, declarando não existirem no seu ministerio os documentos pedidos no officio n.° 153, de 2 do corrente mez.

(Estava presente o sr. ministro da fazenda.)

O sr. Presidente: - Estes documentos vau ser enviados ao digno par o sr. José Luciano do Castro.

(Continuou a ler-se a correspondencia.)

O sr. Presidente: - Acha se nos corredores da camara o sr. conde de Castello de Paiva que vem prestar juramento e tomar assento.

Convido os dignos pares os srs. Pereira Dias e Franzini a introduzirem na sala s. exa.

Seguidamente foi s. exa. introduzido na sala, prestou juramento e tomou assento.

O sr. Jeronymo Pimentel: - Sr. presidente, não pretendo de modo algum renovar a discussão, que n'estes ultimos dias tem occupado a attenção da camara, e que parece ella quiz terminar por agora com a prorogação da sessão do hontem.

Permitta me, comtudo, v. exa. que eu, muito resumidamente, de algumas explicações sobre um ponto a que hontem se fez referencia por mais de uma vez.

Sr. presidente. Se não fosse a minha posição especial com relação a esse assumpto, eu não seria forçado a roubar á camara alguns momentos com as explicações que entendo dever dar-lhe.

Quero referir-me ás obras para a manutenção do estado; isto é para a moagem, panificação e fabrico de bolacha e mansas alimenticias por conta do estado.

Tendo a honra de ser presidente da commissão encarregada de dirigir aquellas obras, e sabendo que na sessão de hontem se fizeram aqui referencias ao atrazo em que ellas vão, corria-me a obrigação de vir narrar como os factos se têem pasmado, e mostrar que nenhuma responsabilidade cabe áquella commissão pelas demoras que tem havido.

O meu silencio podia ser mal interpretado, seria considerado como assentimento á censura, se a houve, ou como affirmação de factos que talvez fossem enexactamente expostos, por não serem devidamente sabidos.

Quando hontem entrei n'esta camara, foi já quando ella estava prorogada e quasi a encerrar-se.

Motivos de serviço publico, d"'este mesmo serviço das obras para a manutenção, por ser hontem dia de sessão ordinaria, fizeram que só aqui podesse chegar áquella hora.

Pelo que ouvi então dizer ao sr. ministro da fazenda soube que alguns dignos pares se haviam referido áquelle assumpto.

Ignorando era que termos o fizeram, e para que não haja apreciações erradas por falta de conhecimento dos factos, já que hontem áquella hora da sessão não pude dar estas explicações, permitta-me v. exa. e a camara que as dê hoje.

Por esta rapida narração que vou fazer conhecerá a camara as grandes difficuldades, que têem embaraçado, até certo ponto, o desenvolvimento dos trabalhos, e verá os obstaculos de toda a ordem que se têem levantado, oppondo-se á realisação dos desejos da commissão e dos illustres ministros da fazenda, que ultimamente se têem occupado d'este assumpto.

Não tem sido por culpa sua que esses estorvos se têem levantado, mas por motivos alheios á sua vontade, como a camara me ter occasião de saber.

A commissão nutre a grata esperança de remover os obstaculos que têem impedido a realisação de um tão importante melhoramento, que tanto deve interessar aos agricultores, e mesmo aos consumidores.

Não é meu intento entrar na questão que ultimamente se tem debatido n'esta casa; questão a meu ver complexa

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e difficil a despeito da opinião do digno par o sr. visconde de Moreira de Rey.

Não discuto n'este momento se a ultima lei sobre cereaes, votada na sessão passada, veiu satisfazer os legitimos interesses d'aquelle ramo da nossa agricultura.

Não pretendo defender ou atacar nem o governo passado nem o actual, pelo modo como tem sido executada aquella lei.

O meu fim unicamente é historiar os factos que se têem passado a respeito das obras para a manutenção do estado e mostrar que pela sua demora nenhuma responsabilidade cabe á commissão a que tenho a honra de presidir.

Devo, porém, assegurar á camara que de todos os ministros da fazenda, tanto do sr. Marianno de Carvalho, que mandou dar principio aquellas obras, como do sr. Barros Gomes que lhe succedeu, como dos srs. Augusto José da Cunha e Franco Castello Branco, encontrei sempre a melhor vontade e os maiores desejos de resolver-se; o mais depressa possivel, esta importantissima questão.

Sr. presidente, a lei de 19 de julho de 1838, que fixou os direitos de entrada dos cereaes e promulgou algumas medidas de grande vantagem e utilidade para a agricultura do nosso paiz, no artigo 4.° auctorisou o governo a mandar proceder á construcção de um estabelecimento para moagem, fabrico de pão, bolacha e massas alimenticias, que podesse dar consumo a trigos nacionaes, e fornecesse os seus productos, aos estabelecimentos dependentes do estado.

Para dar cumprimento a esta disposição, o governo por portaria de 13 de agosto d'esse anno nomeou uma commissão encarregada de proceder á escolha do local para a construcção do um edificio apropriado, e ao exame dos projectos e orçamentos que lhe fossem apresentados.

Aquella portaria foi para mim uma surpreza na parte em que me honrava com a presidencia d'aquella commissão. Nem as minhas aptidões, nem a minha posição politica me indicavam para n'ella entrar, quanto mais para a ella presidir.

A explicação estava no proposito do sr. ministro da fazenda d'aquella epocha, o sr. Marianno de Carvalho, querer que n'essa commissão entrassem representantes dos diversos ministerios que têem estabelecimentos dependentes, consumidores de pão.

O sr. ministro da fazenda entendeu que me devia indicar a mim que era director de um estabelecimento onde estava montada uma padaria pelos processos mais aperfeiçoados.

Esta commissão começou desde logo os seus trabalhos pelo estudo dos terrenos onde seria mais conveniente montar este estabelecimento, o escolheu o edificio e cerca do supprimido convento das Grillas, parecendo-lhe que o terreno escolhido satisfaria a todas as prescripções da lei de 10 de julho de 1888.

Depois estudou os planos que foram apresentados para este fim e deu ao governo o seu relatorio com a data de 4 de dezembro de 1888.

A commissão desempenhando-se do seu encargo examinou os diversos planos e projectos que lhe foram apresentados.

No seu parecer sobre aquelle que melhor satisfazia o fim a que era destinado, opinou pelo apresentado por mr. Simon, de Strasbourg, não só por lhe parecer o melhor, mas porque este industrial tinha obtido o primeiro premio no concurso dos processos de moagens, feito em França no anno de 1881, e alem d'isto tinha tambem patente do invenção de alguns dos mais aperfeiçoados machinismos destinados á moagem.

A commissão n'aquelle seu relatorio calculou approximadamente o custo do estabelecimento projectado em réis 900:000$000, sendo 273:000$000 réis com o custo dos machinismos, 120:000$000 réis com a conquista de terrenos ao Tejo e muro de caes, e o resto com a construcção dos edificios necessarios.

Indicou tambem diversas condições que julgou deviam ser attendidas no contrato que o governo fizesse para o fornecimento dos machinismos; indicou o que lhe pareceu mais conveniente para o governo contratar.

Em 7 de janeiro do anno passado, attendendo aquellas indicações e feito previamente um deposito na caixa geral de 13:500$000 réis, o ministerio da fazenda contratou com J. Martin Simon, de Strasbourg, e Ferdinand Vander-taelou, de Anvers, o fornecimento dos machinismos, apparelhos e utensilios montados e estabelecidos segundo a descripção e systemas indicados no orçamento respectivo, de moagem, panificação, fabrico de bolacha e massas alimenticias, nas qualidades o quantidades no mesmo orçamento especificadas.

Para que este contraio fosse realizado com todas as garantia" necessarias para se poder levar a cabo a obra que se projectava, o governo ouviu o procurador geral da corôa e fazenda. Sobre as garantias propriamente financeiras que se exibiram aos fornecedores, nada teve a commissão, que não foi ouvida, nem tinha de o ser sobre este assumpto; mesmo porque as suas funcções tinham terminado com a apresentação do seu relatorio. Assim o entendeu o sr. ministro da fazenda d'essa epocha, que por portaria de 25 de janeiro de 1889, louvando a commissão pelo seu trabalho, a encarregava de dirigir as obras até o seu acabamento.

Pelo que respeita a essas garantias sei, porque tenho aqui parte d'esses documentos, que o governo acceitou as que lhe offereceu mr. Ephrussi, bem conhecido banqueiro de Paris.

Investida novamente na direcção d'este serviço, a commissão entendeu que convinha para a mais rapida execução dos seus trabalhos escolher um conselho de administração composto de cinco vogaes, reunindo-se sómente a commissão toda para a resolução de assumptos de maior importancia e nos casos prescriptos n'uma especie de regulamento, que submetteu á approvação superior. D'este conselho tenho tambem a honra de ser o presidente.

Pela condição 7.ª d'aquelle contrato de 7 de janeiro, no praso de quarenta e cinco dias eram os fornecedores obrigados a apresentar os planos cotados, alçados e côrtes em escala, do todas as installações especificadas no respectivo orçamento.

O governo tinha reservado para si o direito de, dentro do mesmo praso, indicar qual a qualidade e quantidade de tribos, dentro do limito de 100:000 kilogrammas que deviam ser moidos por dia de trabalho.

A commissão, para satisfazer as indicações da real associação de agricultura portugueza, como lhe tinha recommendado o sr. ministro da fazenda, havia estabelecido que a proporção seria, se bem me recordo, de 70 por cento de trigos duros e 30 de trigos molles.

Decorrido o prato dos quarenta e cinco dias, dentro do qual o fornecedor era obrigado a apresentar os seus planos, e o governo tinha a faculdade de alterar a proporção tios trigos estabelecida no contrato, nem aquelle cumpriu essa obrigação, nem o governo usou do seu direito, alterando ou mantendo aquella proporção.

O governo não usou do seu direito, segundo eu creio, porque o sr. Marianno de Carvalho que era o ministro da fazenda quando se fez o contrato, tinha saido do ministerio, e o sr. Barros Gomes que lhe succedeu ignorava talvez esta condição.

Na qualidade de presidente do conselho de administração, ponderei e I ta circunstancia ao novo ministro, sobre a qual elle mandou ouvir a commissão, que opinou que a percentagem devia ser igual, isto é, 50 por cento de trigo rijo o 50 por cento de trigo molle, e d'isso foi informado o fornecedor.

Como este não apresentou os planos no praso legal, em

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23 de maio de 1889 officiei ao sr. ministro, pedindo-lhe se dignasse esclarecer-me sobre a interpretação que devia ser dada áquella condição do contrato; se aquelle, praso de quarenta e cinco dias devia ser coutado desde a assignatura do contrato ou desde que o governo, libando do direito que se tinha reservado, havia definitivamente fixado a percentagem dos trigos a moer.

Em officio de 30 desse mez, fui me respondido que ora mais conveniente antes d'essa interpretação tratar de saber do fornecedor qual o praso em que poderia apresentar os planos.

Km 2 de abril foi cumprida aquella determinação; o fornecedor veiu pedir uma prorrogação do praso, que o governo lhe concedeu e que terminou a 7 de julho.

No emtanto, os tempos iam correndo e nada apparecia, apesar das instancias feitas para isso.

Decidira-se augmentar mais uma 3.ª serie de moinhos, para d'este modo se elevar a producção da farinha e oppor um obstaculo a quaesquer exigencias pouco rascaveis que n'uma dada occasião podesse impor a industria da moagem.

Essa terceira serie de moinhos, pela qual o mesmo fornecedor exigiu ao principio um preço excessivamente elevado, foi a final ajustada por 31:500$000 réis, auctorisando o governo a fazer-se o contrato por portaria de 7 de junho.

Por esta fórma elevou-se a moagem a 150:000 kilogrammas por dia de trabalho.

Em 15 de junho communiquei para Strasbourg ao fornecedor Simou que o contrato para áquella terceira serie estava superiormente auctorisado, e por isso escolhesse o modo para o effectuar, ou vindo aqui, ou encarregando pessoa que devidamente o representasse. Por essa occasião lhe fiz saber que estando em Paris, n'uma outra commissão de serviço, o vogal do conselho de administração, o distincto engenheiro sr. Mendes Guerreiro, o mesmo conselho o havia encarregado de ir a Strasbourg examinar os machinismos que já estivessem promptos.

Em resposta áquella communicação, o fornecedor Simon apresentou umas certas duvidas sobre os planos, que não podia concluir sem novas explicações.

Em 9 de julho fiz-lhe sentir a nossa estranheza, por só então notar erros, que dizia ser preciso rectificar, quando elle conhecia perfeitamente o plano geral das obras e estava ha mais de sete mezes entregue da planta a que se referia. Dizia-lhe que indicasse quaes eram esses erros ou duvidas, e terminava por lhe lembrar que o praso para a apresentação dos seus planos, que lhe havia sido prorogado, já ha muito tinha terminado.

De todo o occorrido se deu conhecimento ao sr. ministro da fazenda, que em officio de 7 de outubro, expedido pela repartição do gabinete, communicou ao conselho de administração que n'aquella data se officiava ao fornecedor Simon, para que elle sem demora desse cumprimento áquella condição do seu contrato.

Deu se entretanto um acontecimento que veiu embaraçar o cumprimento do contrato, que tinha sido feito, como já disse, com o sr. Simon, de Strasbourg, e mr. Vander-taelen, de Anvers.

Este, vendo-se em embaraços financeiros, havia-se suicidado.

Ha a notar que o primeiro contratante era um simples industrial, e o outro socio capitalista.

Esta circumstancia aconselhava naturalmente o governo e o conselho de administração a toda a cautela e circumspção, e a proceder por fórma que o estado não perdesse as quantias que tinha adiantado, em cumprimento do alludido contrato de 7 de janeiro de 1889, porá o fornecimento dos necessarios machinismos.

Segundo o contrato, podia o fornecedor levantar 30 por cento do total dos fornecimentos, no dia da sua assignatura.

Esse adiantamento, porém, disseram-me estar garantido por uma carta da casa Ephrussi; não tenho aqui esse documento nem nunca o vi, porque não foi mandado ao conselho de administração, porque elle decerto nada tinha com as garantias financeiras, que o governo exigiu no contrato que fez com os fornecedores.

Tenho comtudo um outro documento que se refere a esse.

(Intervenção, que não se ouviu, de um digno par.}

Isso, eram 81:000$000 réis, mas deduzindo os 10 por cento que ficavam de garantia vieram os fornecedores a receber 72:900$000 réis.

N'estas circunstancias, havendo fallecido um dos contratantes e em estado de insolvencia, e tendo-lhe ficado filhos menores, que estavam portanto sob a protecção do estado, o conselho de administração, de accordo com o governo, entendeu que para evitar qualquer reclamação em nome dos herdeiros menores do fornecedor fallecido, era conveniente andar com circumspecção n'este negocio.

Em 29 de novembro apresentou finalmente o fornecedor Simon os planos para as installações, indicando novas modificações, que dizia indispensaveis.

O conselho de administração fez-lhe saber que não examinava aquelles planos, nem acceitava nenhuma alteração, sem que primeiro regularizasse os seus contratos com o governo, dando novas garantias, e fixando-se novos e improgaveis prasos para o cumprimento exacto e rigoroso dos mesmos contratos.

Compromettendo-se a isso, os planos foram examinados, notando o conselho de administração a falta de alguns, que elle se obrigou a apresentar em breve, o que ainda não fez.

Entretanto o conselho entendeu que devia consultar o governo sobre a rescisão do contrato de 7 de janeiro, apresentando as rasões de direito e de conveniencia que a aconselhavam.

O sr. ministro da fazenda por seu despacho de 19 de fevereiro ultimo mandou consultar sobre o assumpto o conselheiro procurador geral da corôa e fazenda, enviando-se-lhe todos os documentos que a tal respeito existissem n'áquella, secretaria.

Sendo favoravel á rescisão do contrato, o parecer dos fiscaes da corôa, o sr. ministro, conformando-se com elle, a auctorisou.

Não se fez ainda a rescisão do antigo contrato, nem a renovação de outro com o mesmo Simon, com quem está ajustado e acceitas as garantias que offerece por meio do banco de Lisboa e Açores, por falta de um documento, que fui hontem informado estar já em poder do seu procurador aqui.

Eis-aqui o que ha com relação a este negocio.

Expuz fielmente os factos, e parece-me que da demora que n'esta parte tem havido, nenhuma culpa cabe nem á commissão, nem ao conselho a que presido.

Qualquer demora tem sido alheia quer á vontade do governo, quer á da commissão.

Para as obras da manutenção do estado, haviam sido feitos dois contratos, que eram o principio e a base indispensavel para o proseguimento d'aquellas obras. Um para a acquisição dos machinismos, e é aquelle a que me tenho referido; o outro para a disposição do terreno em que devem ser construidos os necessarios edificios.

Como disse, o terreno escolhido para isso foi o convento das Grillas, mas não tendo elle o espaço indispensavel para todas as construcções, e não sendo possivel obtel-o por outro modo, forçoso era conquistal-o ao Tejo.

Para esse fim mandou o conselho de administração das obras proceder pelo seu engenheiro á confecção do respectivo plano e orçamento.

Consistia essa obra no desaterro da cerca do convento, e no aterro da parte do Tejo necessaria, sustentado por muros de enrocamento,

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Pondo em arrematação essa obra, appareceram diversos concorrentes, sendo adjudicada áquelle que no praso fixado de seis mezes se comprometteu a fazel-a por mais baixo preço, que foi de 100:000$000 réis.

Approvado superiormente áquelle contrato, principiou a obra em principios de maio do anno preterito, e devia estar concluida em novembro ultimo.

Sem embargo de constantes advertencias ao empreiteiro, mais amiudadas e instantes, a medida que se approximava o tempo em que elle devia dar a obra prompta, o praso terminou, estando as obras ainda muito longe da sua conclusão.

Em vista de uma das condições do contrato, foi-lhe imposta a multa de 50$000 réis por cada dia que decorreu desde que o praso terminou. Resultou d'ahi que até l5 de abril, em que o conselho de administração tomou posse administrativa das obras para as mandar concluir, o empreiteiro foi obrigado a entrar nos cofres do estado com a quantia de 7:800$000 réis, proveniente d'aquellas multas.

A camara comprehende perfeitamente que áquelle systema não podia continuar.

Houve ultimamente pagamentos, em que, descontados os decimos, que se retinham nos termos do contrato para reforçar o deposito de garantia, e descontada a multa de 50$000 réis por dia, pouco lhe ficava para pagar aos operarios e aos fornecedores. Aquelles fugiam-lhe, e estes vinham queixar se ao conselho de que o empreiteiro lhes não pagava, e, por isso se recusavam a continuar-lhe os abo nos que lhe faziam.

N'estes termos, resolvemos, com auctorisação do sr. ministro da fazenda, tomar posse da obra para a concluir por conta do empreiteiro, dentro dos limites da importancia do seu contrato.

Havia elle reclamado contra a imposição das multas, allegando uns suppostos casos de força maior. O sr. ministro da fazenda, conformando se com o parecer dos fiscaes da corôa, desattendeu similhante reclamação.

O conselho tomou posse administrativa da obra em 15 de abril ultimo, e espera que o desaterro esteja concluido na proxima semana.

Como eu disse, o contrato tinha sido feito por 100:000$000 réis.

Até essa epocha o empreiteiro tinha recebido 75:296$000 réis, restando, portanto, para concluir a obra 29:703$300 réis, sendo 8:3C6$300 réis proveniente dos decimos, réis 5:000$000 do deposito de garantia, e 16:337$000 réis, differença entre o recebido e a importancia do contrato.

Estavamos, portanto, garantidos com 29:700$000 réis, que devem bem chegar para a conclusão d'aquella obra

Alem dos factos que acabo de apresentar e que mostram que por parte da commissão não tem havido incuria, outras difficuldades têem surgido. V. exa. não imagina as questões que têem havido com proprietarios que requerem indemnisações, expropriações, e até com a camara municipal e com a direcção das obras do porto de Lisboa.

Peço desculpa á camara de lhe tomar tempo com estas observações, que se tornavam indispensaveis depois do que se passou na ultima sessão.

Tenho dito, sr. presidente.

Leu-se na mesa um officio remettendo o processo eleitoral do collegio districtal de Angra.

Foi remettido á commissão de verificação de poderes.

O sr. Ministro da Fazenda (Franco Castello Branco): - A camara recorda-se de que tive hontem occasião de me referir muito de passagem á commissão administrativa da moagem e panificação por conta do estado.

As palavras que proferi, parecendo só elogiosas, não eram no fundo senão de inteira justiça. Acabámos de ouvir ao sr. Jeronymo Pimentel declarações, que plenamente confirmam essa minha apreciação.

Mas a proposito do assumpto de que s. exa. tratou e porque entendo que devo sempre corrigir, na parte que por acaso precise de qualquer correcção, as affirmações por mim feitas n'esta camara, aproveito o ensejo para dar explicação sobre um facto a que fiz hontem referencia em resposta ao sr. José Luciano, que não vejo presente.

Explicando, em virtude de umas palavras proferidas por s. exa., a rabão por que não me tinha apressado a fazer rescindir o contrato com os empreiteiros das machinas para a padaria do estado, disse eu que pelo contrato elles tinham recebido cerca de 70:000$000 réis, os quaes não me pareciam sufficientemente garantidos para o thesouro no caso de rescisão do mesmo contrato.

O sr. Barros Gomes disse que existia uma carta de aval ou caução assignada pela casa Ephrussi. Eu não tinha conhecimento d'essa carta; não podia, portanto, alludir a una facto inteiramente desconhecido para mim.

Quando a exposição do conselho administrativo da manutenção do estado me foi apresentada, aconselhando-me a rescisão do contrato, lavrei o seguinte despacho, em 19 de fevereiro ultimo:

o Ao conselheiro procurador geral da corôa e fazenda para que se digne com a maxima urgencia emittir o seu douto parecer, juntando copia do contrato o das ordens de pagamento ou de quaesquer documentos existentes n'esta secretaria d'estado e relativos ás quantias pagas aos empreiteiros."

Os documentos que, alem do contrato, foram mandados ao procurador geral da corôa eram um recibo dos empreiteiros Simou e Van Dertaelen da quantia de cerca de 70.000$000 réis, e uma carta do sr. director geral da thesouraria para os mesmos contratadores avisando-os de que por conta da terceira serie de machinismo que a final não chegou a ser contratado, haviam sido entregues á casa Ephrussi cerca de 38.000 francos.

Ora apesar da formula geral do meu despacho, que mandou terminantemente colligir todos os documentos concernentes ao assumpto para serem remettidos ao sr. procurador da corôa, não se juntou o documento a que se referiu o sr. Barros Gomes e de que eu por isso ainda hontem não tinha conhecimento. O digno par sr. Barros Gomes, interrompeu-me dizendo-me que para caucionar existia uma carta de caução do sr. Ephrussi.

Fazendo o sr. conselheiro Barros Gomes uma affirmação n'esta camara relativa a um acto por elle praticado como ministro é claro que não podia deixar de ser exactis-simo e verdadeiro e por isso eu hoje tive o cuidado de ir á secretaria não só para dar ordem para que se copiassem todos os documentos que se referissem a este assumpto, para virem a esta camara, como tambem para perguntar se existiam mais alguns documentos que tivessem relação com o que affirmava o sr. conselheiro Barros Gomes. E procurando-se todos os documentos e mais papeis, effectivamente foram encontrados os documentos a que se referiu o digno par, o sr. Barros Gomes; esses e todos os documentos hão de vir por copia a esta camara, e n'essa occasião, eu os apreciarei se a questão se levantar.

Aproveito tambem a occasião para dizer que na proxima segunda feira será remettida a esta camara copia do auto sobre os acontecimentos da Povoa de Varzim.

(O sr. ministro não reviu as notas do seu discurso.}

O sr. Visconde de Moreira de Rey: - Sr. presidente, mando para a mesa a seguinte proposta:

(Leu.)

Leu-se na mesa e é do teor seguinte:

Proposta

Proponho que seja nomeada pela mesa uma commissão especial de sete membros, encarregada de estudar os effeitos da lei de l5 de julho de 1889, quer em relação á agricultura, quer em relação á industria das moagens, e bem assim apreciar a actual organisação do mercado central de productos agricolas, creado pelo decreto de 20 de setembro de 1888; devendo propor ao governo tudo o que?

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em relação áquelles assumptos, julgar mais conveniente aos interesses publicos. = Visconde de Moreira de Rey.

Consultada a camara foi admittida á discussão.

O sr. Costa Lobo: - Sr. presidente, eu não sei bem se esta discussão está ou não terminada porque a camara resolveu hontem que se prorogasse a sessão até se discutir o incidente, mas vejo que ha ainda sobre a mesa um proposta que foi apresentada hoje, e, portanto, não sei se a questão continua.

Eu não quero prolongar esta discussão, limito-me apresentar uma proposta, e pedirei ao sr. ministro da fazenda o favor de declarar se a acceita ou não, porque da resposta que s. exa. me der dependerá tornar eu a usar ou não da palavra.

Sem mais reflexões a minha proposta é a seguinte

(Leu.)

Espero a resposta do sr. ministro.

Leu-se na mesa e é do teor seguinte:

Proposta

Proponho que a camara declare que a nomeação d'esta commissão não envolve nenhum genero de advertencia, muito menos de censura, sobre o procedimento das auctoridades do mercado central de productos agricolas. = Costa Lobo.

Consultada a camara, foi admittida.

O sr. Ministro da Fazenda (Franco Castello Branco) - Sr. presidente, v. exa. recordar-se-ha de que logo no primeiro dia em que se tratou aqui d'este assumpto quando o meu amigo o digno par o sr. visconde de Moreira de Rey, indicou como util e conveniente aos interesses publicos a idéa de se nomear uma commissão de inquerito, eu declarei logo que estava perfeitamente de accordo com a idéa de s. exa., caso a nomeação d'esta commissão não envolvesse qualquer idéa de censura ou suspeita para com a administração passada. Declarei mais que não só a acceitava mas que agradecia a collaboração do dignos pares, a fim de resolver a questão dos cereaes, e mesmo porque não podia prescindir da intervenção do corpo legislativo.

A proposta agora apresentada pelo digno par o sr. Costa Lobo não é mais do que a declaração explicita d'esse meu pensamento, em perfeita harmonia com elle e com os meus sentimentos, pois que eu acceitando com verdadeiro prazer a proposta de nomeação da commissão, acceito-a na idéa de que ella é nomeada unicamente para estudar, apreciar e propor ao governo o que julgar mais conveniente sobre o assumpto.

E isto de modo nenhum póde envolver censura a qualquer empregado ou qualquer repartição do estado.

Tenho dito.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Costa Lobo: - Sr. presidente, agradeço ao nobre ministro da fazenda a resposta que s. exa. se dignou dar-me. Eu não tinha a menor duvida em que o sr. ministro da fazenda acceitaria esta proposta em vista do que já havia declarado n'este sentido.

Renovando os meus agradecimentos, não tenho mais do que louvar o procedimento correcto do nobre ministro. Tenho dito.

O sr. Presidente: - Vae ler-se a proposta mandada para a mesa pelo digno par, o sr. visconde do Moreira de Rey.

Leu-se na mesa.

O sr. Presidente: - Os dignos pares, que approvam esta proposta, tenham a bondade de se levantar.

Está approvada.

Vae ler-se a proposta do sr. Costa Lobo.

Leu-se na mesa.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: - Sr. presidente, eu julguei que o digno par, e meu amigo, o sr. Costa Lobo, depois das declarações que acaba de fazer o nobre ministro da fazenda, retirasse a sua proposta.

Como porém, tal não succede, eu peço ao digno par, o sr. Costa Lobo, que me diga, qual a maneira por que a camara ha de declarar, visto que a proposta de s. exa. começa pelas palavras "a camara declara"

Como é que declara?

Temos de dizer sim ou não?

O sr. Costa Lobo: - O sim é declaração, e o não tambem o é.

O Orador: - Pergunto: ha votação nominal?

Nunca vi uma proposta d'este genero.

(O digno par sr. visconde de Moreira de Rey não reviu as notas d'este nem dos outros discursos que proferiu n'esta sessão.)

O sr. Costa Lobo: - Sr. presidente, não me parece que esta discussão seja muito opportuna; ou se discute a minha proposta, ou não. Se se discute defendel-a hei como poder; se não se discute, e é approvada, por esse facto se entende que a camara declara que não ha intenção de dirigir a mais pequena censura aos empregados do mercado central de productos agricolas. Isto é tão simples e de tal intuição que chega a ser difficil demonstral-o. Não póde haver duvida nenhuma a este respeito, e, se o digno par tem algumas rabões a apresentar, eu estou prompto a responder-lhe. Eu não tenho amor nenhum á fórma por que a minha proposta está redigida. A camara votando a minha proposta declara ou decide que não ha idéa de censura.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: - Que a camara declare, foi o que v. exa. escreveu?

O Orador: - Que declare ou que decida. Se a palavra decida é preferivel para o digno par, não tenho a menor duvida em fazer a substituição, no intuito de ser agradavel a s. exa..

(O digno par o sr. Costa Lobo não reviu as notas d'este nem de outros discursos por s. exa. proferidos n'esta sessão.)

O sr. Visconde de Moreira de Rey: - O digno par sabe que ha muitos annos temos relações de amisade e que tenho por s. exa. a maior consideração; não pôde, pois, ver nas minhas palavras o menor desejo de o contrariar, e sim sómente o desejo de esclarecer um ponto duvidoso; o facto que o digno par perguntou ao sr. ministro da fazenda se havia alguma idéa de censura.

O sr. Costa Lobo (interrompendo): - Perdão! Não perguntei similhante cousa.

O sr. Visconde de Moreira de Rey (continuando): - Se não pediu explicações, provou com a declaração do sr. ministro da fazenda, de que a nomeação da commissão por mina proposta não importava censura nem suspeita contra ninguem.

O sr. ministro respondeu por si e por mim e eu, posto não precisasse de confirmação ás palavras do nobre ministro, confirmo-as plenamente.

Ora, depois d'estas explicações, por parte do governo e do auctor da proposta, acho que o digno par devia retirar proposta e não levar tão longe o seu zêlo pela susceptibilidade de quaesquer empregados. Homenagens por certo devidas a qualquer repartição publica, mas que a falar a verdade me parece não devemos exagerar ao ponto de que a camara dos dignos pares quasi careca de pedir licença a qualquer repartição publica para nomear uma commissão.

Parece-me demasiado o zêlo e excessiva a homenagem, não me associarei eu a tal innovacão que estabeleceria um precedente perigoso.

Desejava, pois, que s. exa. retirasse a sua proposta, que reputo desnecessaria, para que me evitasse o desgosto de votar contra ella, sendo s. exa. meu amigo e dedicando-lhe eu muita consideração.

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O sr. Costa Lobo: - Conheço os sentimentos de benevolencia do digno par a, meu respeito, que eu agradeço; o que não impede que já por vezes se tenham dado entre nós estas discussões, que aliás era nada alterara as nossas boas relações.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: - Apoiado.

O Orador: - S. exa. é, porem, muito susceptivel ás vezes, e lembro-me do que ha tempos tendo s. exa. a palavra e tendo eu escolhido um Ioga r para ouvir com a attenção, com que sempre o escuto, s. exa. descobriu na minha physionomia um sorriso que, graças á sua excessiva susceptibilidade, pretendeu até interpretar attribuindo-lhe não sei já que significação, quando a verdade era que eu em tal occasião me não sorria. Já se vê quanto s. exa. é susceptivel.

É claro que isto não altera de modo nenhum nem levemente a consideração e estima que eu tenho pelo digno par; mas sou obrigado a alludir a esta susceptibilidade por me parecer que ella está hoje em jogo.

O digno par começou por dizer que era uma innovacão perigosa esta formula de que a camara declarasse e eu resolvi esta difficuldade substituindo a palavra declarar pela palavra decidir, e o digno par que da primeira vez parecia contentar-se com isto, deseja agora que eu retire a minha proposta.

Ora, em primeiro logar, sr. presidente, eu não perguntei ao illustre ministro, nem podia perguntar, se na proposta do digno par havia qualquer idéa de censura ás auctoridades do mercado central dos productos agricolas.

Não podia perguntar, nem s. exa. me respondeu que não havia.

S. exa. o que me disse foi, que concordava com a minha proposta.

S. exa. não alludiu á proposta do digno par, assim como eu tambem não alludi.

Por consequencia a minha proposta não foi apresentada por causa da do digno par, foi apresentada por causa dos seus discursos.

Eu sou obrigado a dizer que o sr. ministro com o seu discurso, por fórma alguma me levava a apresentar similhante proposta, porque s. exa. foi correctissimo; mas quer o digno par dizer que no seu discurso não censurou vehemente, acremente as auctoridades do mercado central dos productos agricolas?

Ora, eu pergunto ao digno par, porque eu tambem tenho a honra de ser funccionario publico, se, depois de n'esta camara ter sido censurado o procedimento das auctoridades do mercado central de productos agricolas, o facto de se propor a nomeação de uma commissão de inquerito não significa uma censura, e se póde ser agradavel áquelles funccionarios?

Aqui está a rasão da minha proposta.

Agora diz o digno par que não ha necessidade da minha proposta, porque tanto elle, como o illustre ministro, declararam que não havia a menor idéa de censura para com áquelles empregados.

O sr. ministro, effectivamente, não proferiu uma unica palavra que podesse ferir áquelles funccionarios, mas outro tanto não aconteceu com o discurso do digno par, e como s. exa. é o auctor da proposta, e ella póde ser interpretada em harmonia com o seu discurso, é por isso que julgo necessaria a que tive a honra de mandar para a mesa.

Ora, sr. presidente, eu estou sempre prompto a dar ao digno par todas as provas de consideração; mas por mais que s. exa. me mereça, não posso leval-a ao ponto de desistir do meu desejo de que a camara mostre que, votando a proposta do digno par, não perfilha as censuras que s. exa. formulou contra uma repartição do estado.

Entretanto a camara fará o que quizer, que eu sujeito-me á sua decisão.

O sr. Conde da Arriaga: - Eu desejo esclarecer um ponto.

C) sr. visconde de Moreira de Rey mandou para a mesa uma proposta para que a camara nomeie uma commissão que estude a questão agricola...

O sr. Costa Lobo: - Não é isso.

O Orador: - Pois seja para que proponha qualquer modificação na organisação de um serviço publico.

E a proposta de v. exa. é para que a camara declare que votando a proposta do sr. visconde não tem o desejo de censurar a repartição por onde esse serviço corre.

Ora, eu estou perfeitamente de accordo com as declarações do sr. ministro, do sr. Costa Lobo e do sr. visconde de Moreira de Rey; mas parece-me que a camara e que não póde votar uma proposta que envolva similhante declaração. Porque o facto é que a camara, approvando a proposta do sr. Costa Lobo, vae antecipadamente crear embaraços á missão commettida a essa commissão: vae, por assim dizer, pôr uma peia á imparcialidade d'essa commissão, que pelo que examinar, póde ter de censurar os empregados ou o proprio governo.

Supponha v. exa. que esta commissão tem de dirigir qualquer censura ao mercado dos cereaes, como a ha de fazer se a camara lhe tiver atado os braços e previamente lhe disser: "Os srs. não toquem n'isto nem ao de leve".

Ora, eu não quero que a commissão fique com os braços atados, quero que esta seja livre para avaliar uma questão tão importante como esta. Quero que possa censurar livremente o governo, censurar a organisação do serviço ou a repartição que o exerce, o que ella emfim entender que merece censura.

Pôr-se-lhe uma peia para não poder censurar quaesquer empregados que ella porventura venha a julgar dignos de censura, é que não póde ser.

Eu entendia, sr. presidente, que s. exa. devia dar-se por satisfeito com as explicações que deu o sr. ministro da fazenda e com as do auctor da proposta que a camara acaba de votar, o sr. visconde de Moreira de Rey, e retirar a sua proposta para não obrigar a camara a nomear uma commissão, indicando-lhe o caminho que ha de tomar. Nomeal-a dizendo-lhe "não toque na legislação porque é muito boa, nem nos empregados porque tambem são muito bens e intelligentes", é tolher-lhe a liberdade de acção e então não sei para que a havemos de nomear.

Parecia-me, pois, rasoavel que s. exa. retirasse a sua proposta depois das declarações do sr. ministro da fazenda e do auctor da proposta que estamos discutindo.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Costa Lobo: - Peço a v. exa. o favor de mandar ler mais uma vez a minha proposta.

O sr. Presidente: - Por pedido do sr. Costa Lobo vae ler-se a proposta de s. exa.

Foi lida na mesa.

O sr. Costa Lobo: - Sr. presidente, realmente é difficil sustentar uma proposta que offerece taes duvidas ao digno par quando, como a camara vê, é simplicissima. Até o digno par o sr. conde da Arriaga vem agora dizer que eu vira pôr uma peia á commissão!

Ora. sr. presidente, eu não ponho peias a ninguem, nem tenho auctoridade para isso.

O sr. Conde da Arriaga: - Pois eu empreguei essa phrase na accepção de impedimento, foi metaphora.

O Orador: - Pois eu nem mesmo peias metaphoricas pretendo pôr á commissão nem a ninguem. (Riso.)

O sr. Conde da Arriaga: - Se s. exa. quer, retiro a phrase apesar de a ter empregado em bom sentido.

O Orador: - Como s. exa. retira a palavra e não deseja que eu a repita, substituil-a-hei pela palavra estorvo; era eu não ponho estorvo nenhum á commissão; a minha proposta hão quer por fórma nenhuma dizer que a commissão não deve censurar tudo quanto encontrar digno de censura.

O meu intuito que já declarei bem explicitamente, julgando eu que a minha declaração seria sufficiente para elu-

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cidar s. exa., é que a votação da proposta que acaba de ser approvada pela camara não envolva qualquer confirmação da censura que, na minha opinião, aqui foi feita aos empregados do mercado central.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: - S. exa. declarou que a sua proposta não era um additamento á minha que já tinha sido approvada, mas motivada pelo discurso que eu tinha proferido.

O Orador: - Foi isso mesmo que eu disse.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: - S. exa. não trata da minha proposta, trata dos meus discursos, mas o que se votou agora não foram os meus discursos, foi simplesmente a proposta que eu tive a honra de mandar para a mesa.

Se o digno par quer ainda mais clara a proposta que eu assignei mas que não escrevi, que foi escripta por outros, talvez mais pelo digno par do que por mim, depois de eu declarar, e o governo, que, o facto de se nomear a commissão, não significa de modo nenhum censura a pessoa alguma, parece-me, realmente, que se não é uma exigencia é uma insistencia, que eu não esperava do digno par, tão injustificada a reputo.

O sr. Costa Lobo: - S. exa. declara que no seu discurso não houve intenção de censurar ninguem?

O sr. Visconde de Moreira de Rey: - Mas o meu discurso não é o que se vota.

Eu tratei unica e simplesmente do regulamento e da sua execução, e não discuti empregados.

Se o digno par quizer discutir o meu discurso eu estou ao seu dispor.

O sr. Costa Lobo: - Mas s. exa. declara que não censurou o procedimento das auctoridades do mercado central de productos agricolas em relação á venda de 100:000 kilogrammas de trigo que s. exa. pretendeu realisar?

Se declara eu retiro a minha proposta, se não declara não a retiro.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: - O que se votou é a proposta que eu tive a honra de mandar para a mesa, e n'ella declaro uma, trinta e mil vezes, não ha censura, nem nos termos escriptos nem na intenção.

S. exa. espera pela publicação do meu discurso, já que o não seguiu com atenção, e depois, a proposito de qualquer ponto, discute, e eu prometto dar-lhe explicações; mas agora não o torno a repetir.

O sr. Costa Lobo: - Sr. presidente, eu sinto muito ser obrigado a responder ao digno par. O sr. visconde de Moreira de Rey começou por sustentar que não tinha tido intenção de censurar as auctoridades do mercado central dos productos agricolas; mas agora, porque já uma vez as tinha censurado, s. exa. diz que não se vota o seu discurso mas sim a sua proposta. Mas o que é a sua proposta?

É uma consequencia do discurso. O que nós aqui estamos dizendo evidentemente não é considerado em absoluto e isoladamente a proposta, mas sim considerando-a, como não póde deixar de ser considerada; uma conclusão do seu discurso.

O digno par diz que não se vota o seu discurso. Se o digno par não tivesse feito o seu discurso não se votava a proposta.

O digno par pronunciou um discurso para justificar a sua proposta. Esse discurso, quanto a mira, foi uma censura acre e pungente aos funccionarios do mercado central por não terem promovido a venda de 100:000 kilogrammas de trigo de s. exa.

Por este motivo não me pareceu justa similhante censura.

N'estas circumstancias eu não podia deixar de formular a proposta que mandei para a mesa.

Os funccionarios que o digno par censurou não têem voz n'esta casa para se defenderem, e a camara não póde nem deve ser instrumento de uma censura acre, vehemente e violenta que, o sr. visconde de Moreira de Rey lhes dirigiu a proposito da venda de 100:000 kilogrammas de trigo, que o digno par pretendia ver realisada no mercado.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: - Eram 100:00000 kilos.

O Orador: - 100:000 kilos ou 100:000 kilogrammas é a mesma cousa.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: - Ouvi dizer 100:000 toneladas.

O Orador: - Eu não tenho culpa de o digno par não ter ouvido

Eu fallei em kilogrammas.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: - E eu ouvi toneladas.

O Orador: - Ha um meio facil de s. exa. ouvir melhor o que eu digo.

É collocar-se s. exa. mais perto da mesa.

Se o digno par tivesse feito isto não teria tomado a palavra kilogramma por tonelada.

Sr. presidente, repito o que disse: o discurso do digno par foi uma censura violenta aos funccionarios do mercado central.

S. exa. leu documentos, notou faltas, fallou n'um ponto e virgula, em um periodo que não estava completo; em fragatas para transporte do trigo; na falta de respeito pelo cumprimento da lei; no preço do seu trigo que valia. 60 réis cada kilogramma.

É claro que o discurso do digno par foi para fundamentar a sua proposta.

Se a camara a votar é porque está de accordo com o discurso de s. exa.

Isto é claro.

Este discurso envolve ou não uma censura aos empregados do mercado central? Evidentemente. Pois o meu desejo é que a camara não vote esta censura antecipadamente e que não condemne nem se pronuncie sem primeiro ter inquirido dos factos.

Esta é que é a questão. Eu não quero pôr embaraços nem dizer á commissão que não vá lá censurar o que não for sufficientemente fiscalisado e que mereça censura. Julgo porém, que legalmente as auctoridades não podiam proceder em relação ao digno par senão pela fórma que por procederam.

Eu não quero causar embaraços á commissão, quero que ella tenha ampla liberdade de censurar e condemnar como julgar, mas com Conhecimento de causa; mas o que tambem não desejo, é que esta camara, cuja auctoridade eu tenho obrigação de zelar, como minha, propria, sem com isto querer desmentir a minha consideração por todos os dignos pares, se preste a fazer uma censura sem os fundamentos necessarios para poder ser justificada.

O sr. Conde de Ficalho: - Pedi a palavra unicamente para explicar o meu voto.

Com grande sentimento tenho de votar contra a proposta do digno par o sr. Costa Lobo, e como o meu voto vae recair sobre o assumpto de uma discussão vivamente travada entre dois dignos pares que igualmente preso, desejo por isso justifical-o.

Voto contra a proposta do digno par o sr. Costa Lobo, por entender que as explicações que acabou de dar o sr. ministro da fazenda e o auctor da proposta o sr. visconde de Moreira de Rey, mostram que esta proposta não envolve censura nem sequer vestigios de censura para pessoa alguma nem empregado que não esteja aqui representado.

Entendo, repito, que a proposta que acabámos de votar não envolve censura, e que a camara a votou no uso do seu direito apenas para inquerir do modo como corre um determinado serviço publico e das causas a que deverá attribuir-se o facto de elle não correr de modo proprio a satisfazer aos fins da sua instituição.

Reconhecer a necessidade de investigar os motivos pelos quaes o serviço não satisfaz para os remover, não é por

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fórma nenhuma attribuir a quem quer que seja a culpa do mau serviço, porque essa culpa póde não ser e é até provavel que não seja de ninguem, mas sim só dos regulamentos que na pratica se reconhecerá talvez que não satisfaçam e que em harmonia com a pratica e a experiencia conviria talvez modificar.

Sendo este exactamente o fim da commissão de inquerito é claro que na proposta do sr. visconde de Moreira de Rey não ha a menor censura contra quem quer que seja, e é por isso que reputo desnecessaria a do digno par o sr. Costa Lobo.

(S. exa. não reviu as notas do sen discurso.)

O sr. Conde de Arriaga: - Peço a palavra a v. exa.

Vozes - Vote-se, vote-se.

O Orador: - É apenas para uma explicação.

O sr. Presidente: - Se o digno par quer a palavra para explicações, inscrevo s. exa. para depois de se votar.

O sr. Costa Lobo (Sobre o modo de propor): - Pedi a palavra em primeiro logar para pedir a v. exa. que consulte a camara sobre se consente que eu retire a minha proposta.

A causa que estou advogando é de pessoas que me são completamente desconhecidas, por consequencia tenho medo que sendo a minha proposta rejeitada em logar de se praticar um acto de justiça se pratique um acto que considero de uma flagrantissima justiça, para com esta causa que eu estou advogando sem que ninguem me incumbisse.

A minha proposta mirava unicamente a salvaguardar a respeitabilidade da reputação de empregados publicos que eu não conheço; sendo isto assim, a rejeição da minha proposta poderia, precisamente ao contrario da minha intenção, de certo modo ir melindrar os brios d'aquelles de quem espontaneamente me constitui defensor; porque eu declaro á camara que ninguem me pediu para defender aqui esses empregados. Se o faço é sob o impulso do amor da justiça.

Eu assisti com a maxima attenção á discussão que houve a este proposito, e entendo que as accusações do digno par, o sr. visconde de Moreira de Rey, eram completamente infundadas e tambem que a sua proposta não era senão uma consequencia das allegações que o digno par fizera, baseadas com factos que se tinham passado com elle proprio.

S. exa., pois, não era o mais competente para vir aqui fazer essas accusações, não podia ter a precisa isenção, a indispensavel imparcialidade, porque era juiz em causa propria.

O sr. Presidente: - O digno par quer retirar a sua proposta?

O Orador: - Eu preciso fundamentar com duas palavras o meu pedido para retirar a minha proposta. Preciso explicar-me.

Não desejo que os dignos pares me considerem homem voluvel de opinião ou que procede com leviandade impropria d'este logar.

Ora, sr. presidente, como eu não desejo tomar sobre mim esta grande responsabilidade, de pela rejeição da minha proposta tornar ainda mais clara uma censura que não está justificada, a funccionarios que no meu entender a não merecem, e como eu acho demasiado pesada para mim essa responsabilidade, e sobretudo não conhecendo eu esses funccionarios, mais uma vez declaro que não reconheço por fórma alguma fundadas as accusações que fez o digno par, o sr. visconde de Moreira de Rey, ás auctoridades do mercado central.

Findas estas declarações peço a v. exa. que consulte a camara sobre se permitte que eu retire a minha proposta.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: - O digno par sabe discutir, póde discutir quando quizer, e sabe escrever póde escrever nas jornaes quando quizer, eu responderei.

O sr. Presidente: - Os dignos pares que permittem que o digno par o sr. Costa Lobo, retire a sua proposta tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O sr. Presidente: - O digno par o sr. conde da Arriaga, quer usar da palavra para dar algumas explicações?

O sr. Conde da Arriaga: - Desisto da palavra.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do parecer n.° 42 sobre a eleição de pares do reino pelo districto de Bragança

O sr. Presidente: - Vamos passar á ordem do dia, e tem a palavra o digno par o sr. José Luciano de Castro.

O sr. José Luciano de Castro: - Sr. presidente, parecia-me que era mais conveniente que v. exa. desse a palavra em primeiro logar ao digno par o sr. Firmino João Lopes, e depois a ruim.

Parecia-me isto mais rasoavel.

O sr. Presidente: - S. exa. deseja ceder por agora da palavra para dar logar a que falle o digno par, o sr. Firmino João Lopes.

Agora tinha s. exa. a palavra porque o digno par o sr. visconde de Moreira de Rey, fallou a favor, v. exa. naturalmente filiará contra, e o digno par o sr. Firmino João Lopes, a favor.

O sr. José Luciano de Castro: - Eu não declarei ainda se pedia a palavra a favor ou contra; porque v. exa. mo não perguntou, mas em todo o ca"o cedo da palavra por agora para fallar depois do digno par o sr. Firmino João Lopes.

O sr. Presidente: - Parece-me, pela maneira que v. exa. tinha pedido a palavra, que era contra.

Tem a palavra o digno par, o sr. Firmino João Lopes.

O sr. Firmino João Lopes: - Sr. presidente, eu não posso concordar em que se altere a ordem da inscripção.

Pela ordem da inscripção é ao digno par o sr. José Luciano que compete agora usar da palavra, e eu insisto em que v. exa. lh'a conceda.

O sr. José Luciano de Castro: - Desisto da palavra.

O sr. Presidente: - Agora tem a palavra o digno par o sr. Firmino João Lopes.

Se s exa. não quizer fazer uso da palavra, eu dou a ao outro digno par que se segue na inscripção.

O sr. Firmino João Lopes: - Eu pergunto a v. exa. se ha mais algum digno par inscripto?

O sr. Presidente: - Ha os dignos pares os srs. conde da Arriaga e Pereira Dias.

O sr. Firmino João Lopes: - Então podia v. exa. dar a palavra ao digno par, o sr. Pereira Dias, que a pediu contra o parecer e assim alternavam-se os oradores que combatem e os que defendem o parecer.

O sr. Pereira Dias: - Permitta-me v. exa. uma explicação.

O sr. presidente não pediu a ninguem que declarasse se desejava fallar a favor ou contra.

Eu fui o primeiro que tomei a palavra, e no momento em que a pedi pela segunda vez não foi pela necessidade da defeza, foi para responder ao digno par o sr. visconde de Moreira de Rey. No emtanto se s. exa. quizer que eu falle fallarei.

O sr. Presidente: - Peço aos dignos pares que tomem os seus logares.

Eu dei a palavra ao sr. Firmino João Lopes.

O sr. Firmino João Lopes: - Eu já disse a v. exa. o que tinha a dizer.

O sr. Conde da Arriaga: - Se ninguem quizer fallar, fallo eu.

O sr. Firmino João Lopes: - É preciso que o nosso regimento se cumpra.

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Para mim é indifferente usar da palavra agora ou do pois, mas desde que o sr. José Luciano, que antes de mim estava inscripto contra, desistiu da palavra, eu que me inscrevi a favor, só posso seguir-me a um digno par que falle contra.

O sr. Presidente: - Quem dirige os trabalhos é o presidente e o digno par tem o direito de appellar para a camara todas as vezos que entender que não cumpro o regimento.

Eu dei a palavra ao sr. José Luciano, que desistiu d'ella. Em seguida estava inscripto v. exa. Se tambem não quer a palavra, dou-a ao sr. conde de Lagoaça, relator, que a pediu.

O sr. Firmino João Lopes: - Peço licença para observar que nas discussões, quando ha muitos oradores inscriptos, é costume conceder a palavra, alternando os que faliam a favor com os que fallam contra.

Se o sr. José Luciano não quer fazer uso da palavra, deve seguir-se quem falle contra.

O sr. Presidente: - O sr. visconde de Moreira de Rey nem fallou pró nem contra, fallou sobre. Creio, portanto, que o digno par não deve ter duvida em apresentar agora as suas observações na discussão do parecer; aliás, dou a palavra ao sr. conde de Lagoaça.

O sr. Firmino João Lopes: - Disse que, vendo-se forçado a usar da palavra n'este momento, sentia não ser precedido pelo digno par sr. José Luciano, que o para reconhece como jurisconsulto eminente, desejando o orador verificar se a opinião de s. exa. como parlamentar estava em harmonia com o que como jurisconsulto tem escripto sobre o assumpto. Trataria, pois, de responder ao sr. Pereira Dias e Coelho de Carvalho.

O sr. Pereira Dias fizera a analyse do processo da eleição de Bragança declarando que era medico e n'essa sua qualidade usara do escalpello da sua palavra acerada talvez por suggestão estranha, contra a reputação do governador civil de Bragança.

Fizera s. exa. largas considerações para concluir que a obra do governador civil fôra uma tramóia, expressão esta que, não sabe se tem fóros de parlamentar, mas que, em todo o caso, não empregará mais, e terminara o digno par pedindo á camara que não abandalhasse o seu prestigio approvando uma eleição feita pela fórma mais abusiva, illegal e violenta.

Não póde deixar de contar uma pequena historia que lhe acudiu á memoria ao ouvir a critica vehemente e acerba do digno par. A historia era a seguinte:

Um camponez encontrando no seu caminho um cavalleiro, saudou o descobrindo-se e dizendo:

- Viva, sr. doutor.

- O sr. conhece-me?! diz-lhe o cavalleiro.

- Não, senhor, torna o camponez, mas pelo modo como monta, logo vi que era doutor.

Tambem elle, orador, ao ouvir o arrasoado do sr. Pereira Dias ácerca da illegalidade do acto eleitoral de Bragança, dissera logo comsigo mesmo: "Não ha que duvidar, é medico."

Não deseja fazer uma extensa exposição, quer apenas, nem de mais carece, ler os documentos constantes do processo e com elles provar em plena evidencia a absoluta correcção do seu procedimento como governador civil de Bragança e a perfeita legalidade da eleição.

Não ha cousa que não tenham inventado e propalado a respeito d'esta eleição. O sr. Coelho de Carvalho fallára até de um assassinato! É verdade que tambem com igual fundamento se poderia ponderar que naturalmente no dia da eleição houve nascimentos em Mirandella; têem igual relação com a eleição as duas allegações, isto é, nenhuma.

Houve com effeito um assassinato, mas era ponto muito distante da assembléa, e quando a eleição, havia horas, estava concluida.

A verdade era que a eleição correu sem uma só irregularidade, e em parto alguma foi perturbada a ordem, e se alguma cousa houve, era muito para se notar, que foi só nas assembléas onde a opposição se sentia perdida.

As accusações têem-se baseado mais particularmente sobre o acto eleitoral de Mirandella, de Vimioso e de Bragança; tinha pois de, na sua defeza se referir a cada um d'esses tres pontos.

Affirmára o sr. Pereira Dias que a eleição de Bragança não fôra senão uma lucta travada entre dois juizes; elle, orador, e o sr. Eduardo José Coelho, que por parte da opposição dirigia a politica do districto. Enganára-se o digno par n'esta sau affirmação; não houve lucta, nem a podia haver, pela grande desigualdade de forças, pois que a influencia do sr. Eduardo José Coelho no districto era muito superior á sua.

Passou o orador a defender a eleição de Mirandella, argumentando com a falsificação do recenseamento, bem manifesta na exageração do numero de recenseados; historiou como fôra feita irregularmente a commissão de recenseamento; como os recursos interpostos para o tribunal districtal e para o supremo tribunal administrativo foram attendidos, sendo por virtude d'esses accordãos a commissão presidida pelo cavalheiro que depois foi nomeado administrador, a unica constituida legalmente, expoz os motivos por que suspendera o administrador, ao qual desde esse momento ninguem podia contestar o direito de reassumir a presidencia da commissão.

Referiu-se o orador á escolha do candidato governamental, leu e commentou telegrammas e pediu licença á camara para entrar era minudencias em cuja apreciação receiava ser fatigante, mas que reputava necessaria para restabelecer a verdade dos factos e mostrar que todo o amontoado de accusações produzidas e propaladas a proposito da eleição de Bragança não são mais que a realisação de um plano de perseguição.

Como desse a hora pediu o orador á presidencia que lhe reservasse a palavra para a seguinte sessão.

O sr. Presidente: - Fica s. exa. com a palavra reservada.

Tenho a pedir aos dignos pares o favor de virem para a camara um pouco mais cedo, de fórma que a sessão se possa abrir ás duas horas e meia. Eu desejo que se entre na ordem do dia ás tres horas impreterivelmente.

A ordem do dia para segunda feira 9, é a continuação da de hoje.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 7 de junho de 1890

Exmos. srs. Antonio Telles Pereira de Vasconcellos Pimentel; Marquezes, da Praia e de Monforte, de Vallada; Condes, das Alcáçovas, de Alte, d'Avila, da Arriaga, de Carnide, de Castello de Paiva, de Ficalho, da Folgosa, de Gouveia, de Lagoaça; Bispo da Guarda; Viscondes, de Asseca, da Azarujinha, de Condeixa, de Moreira de Rey, de Soares Franco; Sousa e Silva, Antonio J. Teixeira, Botelho de Faria, Pinto de Magalhães, Costa Lobo, Cau da Costa, Augusto Cunha, Neves Carneiro, Bernardino Machado, Bernardo de Serpa, Cypriano Jardim, Firmino João Lopes, Francisco Cunha. Margiochi, Jeronymo Pimentel, Baima de Bastos, Holbeche, Coelho de Carvalho, Gusmão, Gomes Lagos, Gama, Bandeira Coelho, Baptista de Andrade, José Luciano de Castro, Mello Gouveia, Sá Carneiro, Mexia Salema, Luiz de Lencastre, Pereira Dias, Vaz Preto, Marçal Pacheco, Franzini, Cunha Monteiro, Pedro Correia, Rodrigo Pequito, Sebastião Carneiros.

O redactor = Fernando Caldeira.

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