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N.° 13 SESSÃO DE 16 DE NOVEMBRO DE 1894

Presidencia do ex.mo sr. Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa

Secretarios — os dignos pares

Conde d’Avila

Augusto Cesar Ferreira de Mesquita

SUMMARIO

Leitura e approvação da acta. — O digno par Coelho de Carvalho refere-se de novo ao concurso para a adjudicação das aguas thermaes de Monchique. Responde-lhe o sr. ministro das obras publicas. — O digno par Sequeira Pinto justifica as faltas ás sessões do digno par Sá Brandão. — O digno par Vaz Preto pergunta se já foram remettidos os documentos que pediu lia dias. Tendo obtido resposta negativa, insiste no seu pedido.

Ordem do dia: continuação da discussão do projecto de resposta ao discurso da corôa. — O digno par José Luciano de Castro conclue o seu discurso, começado na sessão anterior. Começa a responder-lhe o sr. presidente do conselho, que fica com a palavra reservada para a sessão seguinte. — O sr. presidente levanta a sessão, designando a seguinte e a respectiva ordem do dia.

Ás duas horas e vinte e cinco minutos da tarde, achando-se presentes 28 dignos pares, o sr. presidente declarou aberta a sessão.

. Leu-se a acta da sessão precedente, que foi approvada sem reclamação.

Não houve correspondencia.

Estavam presentes os srs. presidente do conselho, e ministros da marinha, da justiça e das obras publicas.

O sr. Presidente: — Ficaram inscriptos da ultima sessão os dignos pares srs. Coelho de Carvalho, Pereira de Miranda, Costa Lobo e Coelho de Carvalho.

Como está presente o sr. ministro das obras publicas, e o digno par sr. Coelho de Carvalho pediu na ultima sessão para responder a este sr. ministro, relativamente ao concurso sobre a adjudicação e exploração do estabelecimento thermal de Monchique, eu dou em primeiro logar a palavra ao sr. Coelho de Carvalho, visto que o regimento lhe dá essa preferencia.

Tem s. ex.a a palavra.

O sr. Coelho de Carvalho: — Insistiu nas considerações feitas na sessão anterior, relativamente ao concurso para a adjudicação da exploração das aguas das caídas de Monchique.

(O discurso de s. ex.a será publicado na integra quando o orador haja revisto as respectivas notas tachygraphicas.)

O sr. Ministro das Obras Publicas (Campos Henriques): — Sr. presidente, em poucas palavras vou responder ás judiciosas observações do digno par.

Tenho mesmo necessidade de repetir algumas das reflexões que fiz na sessão passada, visto me parecer que, infelizmente, não foram ouvidas por s. ex.a

Sr. presidente, disse eu então, respondendo ao digno par, e repito agora, que o estabelecimento das caídas do Monchique está em condições verdadeiramente deploraveis, quer pelo que respeita ao edificio, quer quanto á hygiene, e que entendia que n’estas condições não podia satisfazer. E quando fiz esta affirmativa baseava-me em opiniões da junta de saude.

Entendi, por consequencia, que o estado tinha que promover o melhoramento das condições em que se achavam aquellas thermas, apesar da boa vontade dos funccionarios d’ellas encarregados.

Para esse fim havia dois caminhos a seguir: continuar com a administração por conta do estado, sobrecarregando o thesouro com as despezas que esses melhoramentos necessariamente trariam, ou pôr a exploração das aguas a concurso, impondo no programma condições que assegurassem esses melhoramentos. Preferi o concurso para alliviar o estado d’aquellas despezas.

Estabeleceu-se o praso de tres mezes e separou-se o que dizia respeito ao hospital do que dizia respeito ao resto do estabelecimento.

A administração do estabelecimento custava ao estado G contos de réis, e eu devo dizer que o rendimento liquido era de 100$000 réis. Estabeleceu-se que a annuidade para o hospital fosse de 600$000 réis. Exigiu-se, entre outras cousas, que o hospital ficasse em boas condições.

Mas a verdade é que o concurso ficou deserto, porque o unico concorrente que appareceu não satisfez ás condições do programma. E aqui devo rectificar umas considerações do digno par, devidas de certo a s. ex.a não me ter comprehendido bem. O que eu disse hontem foi que o unico concorrente que appareceu no concurso tinha declarado que eram acceitaveis as clausulas do programma, mas que não as podia acceitar por lhe faltarem capitaes sufficientes para tomar sobre si os encargos que se impunham no contrato, e por isso pedia que se lhe fizesse uma concessão provisoria pelo praso de oito mezes, e, dado o caso de não obter os capitaes precisos para a realisação d’essas obras, lhe fosse retirada essa adjudicação, sendo, todavia, indemnisado pelas obras que houvesse feito.

Ora, é evidente que eu não podia acceitar essas clausulas; e depois de ter ouvido as estações competentes foi o concurso annullado.

Note V. ex.a que o conselho superior de obras publicas e minas, ouvido sobre este assumpto, dizia que, em vista do unico concorrente não ter podido acceitar as condições do programma, com elle se fizesse um novo contrato de exploração das aguas de Monchique.

Entendi, porém, que isto não era regular; e, até para que não se dissesse que favorecia certo e determinado concorrente, mandei que se procedesse a novo concurso.

Sr. presidente, desde que o primeiro concurso ficára deserto, tornava-se necêssario suavisar um pouco as condições do segundo, ampliando-lhe o praso até setenta e cinco annos, reduzindo um pouco as obras e diminuindo o deposito de 5 contos do réis para 2 contos de réis. Foram estas as principaes modificações que se fizeram. De resto subsiste exactamente o que estava.

Já vê portanto o digno par que quem assim procede não tem cm vista beneficiar um determinado concorrente, aliás trataria particularmente com o unico e primeiro concorrente que se apresentou.

Devo dizer mais a s. ex.a que, na obrigação do programma, que se refere á manutenção do hospital, se comprehende rouparia, camas e tudo que é indispensavel para que o hospital funccione.

Sobre este ponto póde o digno par ficar certo de que, se porventura o concurso não ficar deserto, no contrato

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estas clausulas hão de ficar bem expressas, e de modo a que mais tarde nunca se possam levantar quaesquer duvidas.

Direi ainda a s. ex.a, em relação á hypothèse da rescisão, dando-se o caso do adjudicatario não fazer as obras de reparação a que fica obrigado, que elle não poderá estar durante esse longo periodo sem fazer cousa alguma. O adjudicatario tem de apresentar á approvação do governo os seus projectos; e, se depois da adjudicação não apresentar os projectos e os trabalhos nos prasos marcados, o governo reserva-se o direito de rescindir o contrato e de proceder em conformidade das clausulas do programma.

A adjudicação far-se-ha áquelle que mais garantias der, e mais vantagens apresentar.

Devo ainda dizer ao digno par, que o praso para o concurso, de trinta e cinco dias, que vae de 30 de outubro a 5 de dezembro, é maior ainda do que o que marca a lei. A lei marca o praso minimo de trinta dias, emquanto que n’este caso o praso marcado é de trinta e cinco dias.

Para o digno par ficar inteiramente tranquillo, devo dizer a s. ex.a que o ministro das obras publicas, n’esta questão, como em todas, e segundo o limite das suas forças, tratará de salvaguardar os interesses do estado; e por isso muito propositadamente se estipulou no programma do concurso que a adjudicação será ou não feita ao adjudicatario, se isso parecer ou não conveniente aos interesses do estado.

(Leu.)

Póde, por conseguinte, estar inteiramente tranquillo e socegado o digno par, porque se algum concorrente apparecer e, ou na redacção do contrato, ou na forma de o fazer, deixar algumas duvidas no espirito do ministro das obras publicas sobre a conveniencia do contrato, o ministro, usando da faculdade do artigo que acabo de citar, não fará a adjudicação.

Por ultimo, direi ainda ao digno par, que se porventura o estabelecimento das caídas de Monchique tem um rendimento tão importante, que é convidativo para o concorrente, como o praso ainda não expirou, póde apparecer algum; e na mesma concorrencia encontrará o estado a garantia mais segura e solida para salvaguarda dos seus interesses.

Nada mais tenho a dizer.

(O orador não reviu.)

O sr. Sequeira Pinto: — Pedi a palavra, sr. presidente, para communicar a V. ex.a e á camara que o digno par Sá Brandão não póde por emquanto assistir ás sessões d’esta camara por motivo justificado.

O sr. Presidente: — Como já deu a hora para se passar á ordem do dia, ficam inscriptos para amanhã os dignos pares que pediram a palavra e não podéram usar d’ella.

Os dignos pares que tenham quaesquer documentos para mandar para a mesa, podem entregal-os.

O sr. Vaz Preto: — Sr. presidente, desejava que V. ex.a me dissesse se uns documentos que eu pedi pelo ministerio das obras publicas e pelo ministerio dos nego cios estrangeiros, a proposito da questão dos caminhos de ferro, já estão na mesa.

O sr. Presidente: — Ainda não foram enviados.

O sr. Vaz Preto: — Então peço a V. ex.a que inste novamente pela remessa d’esses documentos, e ao sr. ministro das obras publicas peço que de as providencias n’esse sentido. Já pedi os documentos ha muito tempo e preciso muito d’elles.

O sr. Presidente: — Será renovada a requisição.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto de resposta ao discurso da corôa

O sr. Presidente: — Vae passar-se á ordem do dia.

Tem a palavra o digno par o sr. José Luciano de Castro para continuar o seu discurso.

O sr. José Luciano de Castro: — Sr. presidente, antes de continuar na exposição das minhas idéas, permitta-me V. ex.a que eu comece por declarar á camara que todos os factos a que me referi na primeira parte do meu discurso, occorridos em conferencias politicas, podiam ter um caracter reservado, na epocha em que tiveram logar; mas hoje não têem senão um interesse meramente historico; e portanto só servem de subsidio para a exacta apreciação dos acontecimentos contemporaneos. E porque nem me foi pedida, nem eu acceitei nenhuma reserva a esse respeito, e o que occorreu n’essas conferencias não póde importar desdouro para todas as pessoas que n’ellas intervieram, eu entendo que devia referir esses factos á camara, para que ella e o paiz podessem bem apreciar a parte da responsabilidade que a cada um de nós toca, nos acontecimentos que determinaram a existencia da actual situação politica. Por isso se me afigura que não faltei a nenhuma conveniencia, porque não referi senão factos de ordem meramente politica, occorridos entre homens politicos, e respeitantes a cousas politicas.

Se d’elles podesse resultar qualquer desfavor pessoal para os cavalheiros que n’elles intervieram, eu não os referiria.

Como, porém, da sua exposição perante a camara não se póde derivar qualquer desaire ou desluzimento para as pessoas que n’elles intervieram, e como antes podia resultar grande luz para a apreciação das responsabilidades dos homens publicos do nosso tempo, eu entendi que devia contal-os á camara, para que todos me julguem, e possam apreciar o meu procedimento nos ultimos tempos.

Dada esta explicação, eu vou proseguir na exposição dos acontecimentos que na ultima sessão tinha começado a fazer perante a camara, com o intuito de mostrar quanto tinha sido inconveniente, caprichosa, inconstitucional e destoante dos interesses publicos a dissolução das côrtes.

Comecei a fazer a historia dos acontecimentos que precederam e succederam á elevação ao poder do actual governo; expuz a attitude dos meus amigos politicos durante a sessão parlamentar; mostrei que não se tinham levantado difficuldades nem embaraços de qualquer ordem á marcha do gabinete, e estava-me referindo á primeira noticia que tive da dissolução do parlamento, que me foi surprehender, quando me achava na provincia. Disse que, tendo-se fechado a sessão parlamentar sem nenhum incidente que provocasse ruptura de relações entre o governo, e os grupos parlamentares que o tinham acompanhado; que reinando a mais perfeita paz em todo o paiz, e tendo até o governo alcançado das camaras amplas e relevantissimas auctorisações, não havia acontecimento ou rasão que justificasse, por parte do governo, a ruptura das treguas politicas que se tinham estabelecido com o fim patriotico de restaurar as nossas finanças e resolver as gravissimas questões pendentes. Disse que, encontrando-me na provincia com um cavalheiro meu amigo e que o é tambem do sr. presidente do conselho, elle me perguntára, por parte de s. ex.a, qual era a minha opinião a respeito da dissolução das côrtes, que o sr. presidente do conselho estava resolvido a propor á corôa.

Foi grande então a minha surpreza e extraordinario o meu espanto diante d’essa consulta que, por parte do governo, official ou officiosamente me era feita. Perguntei-lhe se sabia quaes eram as rasões de interesse nacional, quaes os motivos de ordem publica que inspiravam ao governo um acto tão grave, tão violento, tão contrario ás praxes parlamentares, tão funesto para a paz e treguas que haviam approximado os partidos no interesse da causa publica, ao que aquelle cavalheiro me respondeu que o governo procurava entrar n’uma politica mais partidaria do que a que tinha seguido até ahi, e n’esse sentido julgava necêssario dissolver as côrtes e que eu em Lisboa ouviria

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da bôca do sr. presidente do conselho mais largos e desenvolvidos esclarecimentos.

Limitei-me a declarar que me opporia com todas as minhas forças á dissolução das camaras, pois que não havia rasões de interese publico que podessem ou devessem levar o governo a um acto que o collocaria, perante a corôa e o paiz, n’uma situação falsa.

Sr. presidente, manifestada esta minha opinião, aguardei as explicações que, por parte do sr. presidente do conselho, me seriam dadas, quando regressasse a Lisboa, se porventura s. ex.a julgasse que eu lhe merecia essa attenção.

Cheguei a Lisboa. Fez-me a honra de procurar-me o sr. presidente do conselho, e logo me annunciou que era intenção do governo propor á corôa a dissolução das côrtes. Repeti a s. ex.a o que já tinha dito ao cavalheiro que commigo tinha fallado a tal respeito. Que eu não via rasões que podessem justificar tão extraordinario expediente, que não favoreceria os interesses politicos do governo, deixaria a descoberto a corôa, e seria inconveniente, principalmente pelo que respeitava á resolução da questão financeira, que ainda reclamava o concurso dos dois partidos monarchicos, e a abstenção de luctas partidarias.

O sr. presidente do conselho disse-me quaes eram as rasões que, no seu entender e no do governo, o determinavam a propor a dissolução. Fallou-me nas questões que estavam resolvidas, ou em via de resolução, na idéa, em que elle e os seus collegas tinham assentado, de definirem mais claramente a situação partidaria do ministerio, e na conveniencia de obterem, para realisarem este intuito, maioria mais solida do que a que os acompanhava nas camaras.

Observei a s. ex.a que não era possivel que o governo obtivesse, na nova camara, maioria mais solida do que aquella que com elle tinha collaborado na que se queria dissolver.

Porguntei ao sr. presidente do conselho contra quem era a dissolução. Contra os amigos do sr. Dias Ferreira? Não podia ser. Tão poucos eram! Depois que s. ex.a saíra do poder haviam ficado reduzidos a sete ou oito! Logo era contra o partido progressista! Contra nós, que tantas vezes tinhamos auxiliado o governo, que sempre, e em tantas occasiões, lhe haviamos prestado a nossa generosa e des interessada cooperação!

Replicou-me o sr. presidente do conselho que a dissolução não era contra o partido progressista, e que, para o provar, o governo tomava o compromisso de não hostilisar os deputados que constituiam ou viessem a constituir a representação parlamentar do partido progressista na camara.

Mas então, perguntei eu, contra quem é a dissolução? Para que e porque é que o governo vae aconselhar a corôa a lançar-se n’um caminho perigoso, sem nenhuma rasão ou pretexto constitucional?

Emfim, tentei por todas as maneiras descobrir a rasão que justificava o estranho proposito do governo. Não o consegui. Nada me disse s. ex.a que podesse esclarecer-me ou convencer-me.

N’estas circumstancias, sr. presidente, para que ninguem se illuda ácerca dos meus propositos, nem o governo nem os meus amigos politicos, fiz logo constar pela imprensa qual havia sido o resultado da conferencia realisada entre mim e o sr. presidente do conselho, visto que essa conferencia havia sido annunciada nos jornaes, e eu não queria, repito, que ninguem se equivocasse, nem a meu respeito, nem a respeito da resolução do governo.

Repetiram-se as visitas e as conferencias entre mim, o sr. presidente do conselho e o sr. ministro do reino.

Tentei convencel-os do erro que iam praticar. Aconselhei-os a que não obrigassem a corôa a assumir a responsabilidade moral d’aquelle acto, que se me afigurava,

não só inconveniente, mas funestissimo aos interesses do estado.

Disse-lhes que eu e os meus amigos politicos continuaríamos a prestar ao governo, leal e desinteressadamente, o auxilio que até então lhe haviamos dispensado, e que não -havia rasão nenhuma para levar por diante o proposito que os ministros annunciavam.

N’uma palavra, empenhei todos os meus esforços, recorri a todos os argumentos, pedi á minha intelligencia, todos os subsidios que ella podia ministrar-me, para ver se podia determinar os srs. ministros a recuarem no caminho que tinham começado a trilhar.

Responderam-me: «E tarde. Já não podemos recuar». Parece-me, sr. presidente, que é sempre tempo para recuar no caminho das loucuras e dos desacertos. Parecia-me que era ainda tempo para não forçar a corôa a praticar um acto que podia levantar uma discussão publica azeda e violenta, lias os srs. ministros, depois de terem annunciado a dissolução, depois de terem dito aos governadores civis que se preparassem para a proxima lucta; depois de terem affirmado aos seus adeptos que era negocio resolvido no cenáculo ministerial, parece que até consideravam deshonroso retroceder na senda de aventuras em que tinham entrado!

Devo n’este ponto dizer que o sr. presidente do conselho foi para commigo de uma gentileza extrema, pelo que lhe apresento aqui os testemunhos da minha mais profunda gratidão.

S. ex.a levou a sua delicadeza ao extremo de me prevenir em minha casa de que o governo ia convocar o conselho d’estado para se tratar da dissolução das côrtes.

O sr. presidente do conselho de ministros não quiz que o conselho d’estado se reunisse sem eu ser prevenido.

De novo lhe apresento, por este facto, as homenagens do meu reconhecimento.

S. ex.a podia levar a sua benevolencia ao ponto de dispensar attenções a quem de certo lhe merece consideração pessoal, mas podia não tel-as commigo, visto que a minha attitude politica não podia agradar-lhe.

Disse então a s. ex.a que visto ser a dissolução assumpto resolvido, era minha tenção dirigir uma carta a El-Rei, prevenindo-o de que perante o conselho d’estado faria declarações categoricas para definir bem as minhas responsabilidades e as dos meus amigos, a proposito da dissolução das côrtes.

Diriji então uma carta ao Soberano, que não posso publicar, porque me não pertence a mim, expondo-lhe quaes as declarações que tencionava fazer no conselho d’estado, e que não podiam ficar secretas, porquanto os conselheiros d’estado são responsaveis pelos conselhos que dão a El-Rei, e para que essa responsabilidade possa ser exigida, é indispensavel que sejam conhecidos esses conselhos.

Não quero, nem devo dizer o voto dos outros conselheiros d’estado; mas posso dizer as declarações politicas que então fiz, e que, foram publicadas na imprensa, pois o meu desejo é que o meu procedimento seja devidamente apreciado.

Assim, pois, perante o conselho d’estado, e antes de se tomar qualquer resolução, eu declarei:

1.° Que, por mim e pelos meus amigos politicos, tomava a responsabilidade de continuar a auxiliar o governo, e prestar-lhe os serviços que até ali lhe haviamos prestado nas questões financeiras, salvas as internacionaes e de ordem publica, as nossas divergencias partidarias, uma vez que o governo não presistisse no proposito de dissolver as côrtes.

2.° Que, se o governo entendesse dever retirar-se, e se organisasse outro gabinete, de qualquer procedencia politica que fosse, e prescindisse da dissolução das côrtes, eu estava disposto, de accordo com os meus amigos, a prestar-lhe o mesmo auxilio que tinha dado ao actual gabinete.

3.° Que, se o governo caísse, e nenhum outro se po-

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desse organisar, eu me compromettia a organisar outro, prescindindo da dissolução, a que só recorreria cm presença de um conflicto parlamentar, que não seria de receiar, desde que o partido regenerador desse ao governo progressista o mesmo concurso que o partido progressista prestara ao governo regenerador.

Foram estas as declarações que eu fiz para se ficar sabendo que o unico grupo que tinha uma forte representação nas côrtes continuava na mesma situação em que se tinha encontrado na ultima sessão, e, portanto, que não havia nem sombra de pretexto para a dissolução das côrtes.

Sr. presidente, feitas estas declarações, que foram publicadas na imprensa na mesma occasião em que se discutiu este assumpto, eu julguei-mo desligado de qualquer responsabilidade perante o governo, e perante a corôa, porque tinha empregado os meios ao meu alcance para remover todas as difficuldades que podessem surgir, e afastar qualquer contrariedade que podessse embaraçar a marcha do governo.

Nada consegui. Apesar de todos os meus esforços, veiu a dissolução!

Sr. presidente, não digo o que nessa occasião se passou no conselho d’estado. Digo só que eu fiz ali estas solemnes e categoricas declarações para que a corôa soubesse bem que o governo não tinha encontrado nenhuma difficuldade parlamentar, e que o partido progressista estava disposto a continuar na mesma attitude que tinha adoptado até então.

Definida bem a minha situação perante o governo e perante a corôa, aguardei os acontecimentos.

Veiu a dissolução.

Como V. ex.a comprehende bem, eu e os meus amigos protestámos pela maneira mais energica que podemos contra um acto que, a nosso ver, era, não só contrario a todas as praxes do systema parlamentar, mas contrario á letra e ao espirito da constituição.

Não tendo havido nenhum conflicto parlamentar, nem se tendo sascitado qualquer embai’aço á acção do governo por parte do partido progressista, eu entendi que não havia rasão nenhuma de interesse publico, ou de direito constitucional que podesse auctorisar a dissolução das côrtes.

Portanto, nós protestámos contra aquelle acto e discutimos se deviamos ou não entrar na lucta eleitoral.

Depois de se pesarem bem todos os inconvenientes da abstenção em taes condições, resolveu-se o partido a entrar na lucta eleitoral, sujeitando-se a todas as contingencias que d'ahi podessem resultar.

Sr. presidente, com a dissolução veiu a convocação das côrtes para o dia 7 de março.

Era precisamente o praso de tres mezes fixados no segundo acto addicional para a convocação das côrtes.

Tendo estas sido dissolvidas a 7 de dezembro, e sendo convocadas para 7 de março, era aquelle o maximo praso da convocação que podia decretar-se.

Sr. presidente, lavrados os nossos protestos contra dissolução, nos termos e condições em que foi decretada esperámos pelo resultado do acto eleitoral, dispondo as nossas forças, e preparando-nos para a lucta.

Mas, sr. presidente, em dl do janeiro o governo, que tinha convocado as côrtes para o dia 7 de março, e já havia fixado o dia das eleições, tomando como pretexto a chamada agitação que havia em Lisboa, por causa de um comicio que as classes commercial e industrial tinham annunciado para protestar contra a contribuição industrial, dissolveu estas associações e adiou indefinidamente as eleições e a reunião das côrtes!

Quanto á agitação que existia em Lisboa, escusado é dizer que todos nós sabemos que foi ella apenas um pretexto para o governo praticar um acto violento, contrario aos interesses da nação, e funesto para quem o praticou p para todos os que se lhe associaram,

Sr. presidente, quem estava em Lisboa sabe o que foi essa agitação que era, que foi sempre, perfeitamente legal.

As classes commercial e industrial, aggravadas pela ultima lei da contribuição industrial, tinham representado ao governo pedindo a reforma d’essa lei.

O governo tinha-as enganado dizendo-lhes que aguardassem a reunião das côrtes, porque logo que ellas se reunissem faria rever e emendar a lei. Em seguida a esta solemne e categorica promessa dissolveu as camaras e adiou indefinidamente as eleições!

Em vista d’isto as classes commercial e industrial entenderam que deviam recorrer a todos os meios do propaganda legal para obrigarem o governo a dar satisfação ás suas justas e reiteradas queixas.

Quanto á perturbação da ordem publica por parte das associações, ninguem a tomou a serio. Nem o proprio governo!

Se nós compararmos a agitação que houve em Lisboa n’aquelles breves dias, com o que se passou no tempo do ministerio progressista, a que tive a honra de presidir; se recordarmos as scenas parlamentares d’esse tempo, as violencias e desmandos praticados dentro do parlamento como incentivo á revolta, as perturbações da ordem publica cm differentes pontos do reino, havemos de confessar que é grande a differença entre o nosso procedimento e o do actual governo. Pois então o governo, sr. presidente, apesar da agitação que havia no paiz, apesar das scenas violentas do parlamento, apesar de tudo quanto se fez n’esse tempo para provocar a anarchia, eu nunca prescindi da cooperação parlamentar, e se uma vez propuz um adiamento á corôa foi por julgal-o absolutamente indispensavel para poder governar.

Sr. presidente, todos conhecem essas scenas violentas, a agitação que houve no norte e sul do reino, e que se estendeu até á ilha da Madeira. Pois apesar de tudo, eu conservei o parlamento aberto o não suspendi nenhuma liberdade publica, e não violei nenhuma garantia constitucional.

Pois, sr. presidente, o governo, estando fechadas as côrtes, e em plena paz, só porque as associações commercial e industrial convocaram reuniões dos seus socios, onde se proferiram discursos mais ou menos apaixonados, mais ou menos vehementes; só porque se annunciou um comicio ou reunião por meio de bilhetes de entrada, de accordo com a protecção do sr. governador civil; só porque se encerravam as portas das lojas como demonstração de protesto contra a arbitraria prohibição d’esse comicio, declarou em perigo a paz publica, e recorreu á corôa pedindo-lhe a dissolução d’essas associações, e o adiamento indefinido das côrtes e das eleições!

Sr. presidento, por mais que nós queiramos tomar a serio as rasões que o governo nos dá para justificar os seus actos, tão violentos e tão illegaes, não as podemos acceitar.

O decreto que o governo publicou, invocando o perigo que corria a ordem publica, e a ameaça que se fazia ao socego da cidade, era de 31 de janeiro.

Pois a 2 de fevereiro, dois dias depois, a cidade estava em tal socego e a ordem publica corria tal perigo que o governo fazia com os conspiradores o seguinte accordo, que foi publicado nos jornaes.

Este accordo e datado de 2 de fevereiro e a dissolução das associações é de 31 de janeiro.

Sr. presidente, a 2 de fevereiro dirigiam-se ao publico os representantes das extinctas associações nos seguintes termos:

«Os abaixo assignados julgam do seu dever vir participar aos commerciantes e industriaes do paiz, e em geral a todos os interessados, que o governo declarou hoje á commissão delegada do commercio e da industria de Lisboa o seguinte:

«1.° Que vae rever immediatamente a nova lei da con-

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tribuição industrial do 21 de julho de 1893, ouvindo os interessados;

«2.° Que promoverá a approvação d’esta revisão;

«3.° Que em toda e qualquer eventualidade, antes d’essa remodelação feita, cobrança alguma da contribuição industrial se realisará na base da referida lei.

«Que, por isso, tendo cessado a causa primordial de todos os protestos, a commissão convida os interessados a entrar na regularidade da vida commercial, etc.»

De maneira que eram dissolvidas as associações, porque reclamavam a reforma da lei da contribuição industrial, e o governo, depois de as dissolver, chamava os seus presidentes, e assegurava-lhes que ia rever a nova lei de contribuição industrial!

(Continuando a leitura.)

Pois então o governo declarava em perigo a paz publica, tomava providencias extraordinarias contra estes audaciosos agitadores, recorria ao poder moderador para adiar indefinidamente as eleições e a reunião das cortes, dissolvia aquellas associações em 31 de janeiro, e dois dias depois chamava os presidentes d’essas associações, discutia e concordava tranquillamente com elles nas bases de um accordo que assentava na revogação da lei, que tantas resistencias levantára?!

Que agitadores eram esses? Que ferozes revolucionarios eram esses que punham em perigo a paz publica e ameaçavam a tranquillidade da cidade, e que o governo, logo em seguida á dissolução das associações, julgava-os tão inoffensivos e tão dignos de com elles discutir e tratar, que os chamava a conselho, promettendo-lhes fazer exactamente tudo quanto reclamavam, reformando e suspendendo a lei que dera pretexto e motivo á formidavel agitação, que fizera tremer a ordem nos seus fundamentos!

Pois, gente que assim procedia, homens com quem por esta maneira se concertavam as bases de um accordo, como o que expuz á camara, podiam perturbar seriamente a paz e a ordem publica?!

Já vê V. ex.a que esta agitação foi inventada pelo governo para seu uso.

Houve, é certo, a agitação que é propria dos paizes regidos por instituições liberaes, onde se pensa e discute livremente. Mas essa agitação não é perigosa. Não é uma ameaça á ordem publica. E antes a vida dos paizes constitucionaes. (Apoiados.) Podem haver, por vezes, desregramentos, excessos, demasias, mas para isso é que se inventaram as leis e os tribunaes.

Esses excessos ou incontinências de linguagem não podem ser pretextos para os srs. ministros supprimirem o direito de associação e reunião com o intuito de se proclamarem depois salvadores da ordem e da paz publica!

Esta agitação que o governo inventou para seu exclusivo proveito, e que lhe serviu de pretexto para justificar os actos attentatorios da constituição, que propoz á corôa, não existiu senão na phantasia dos srs. ministros.

Eu estava n’essa occasião em Lisboa, e não vi mais que o movimento e a agitação legal que ha de ser sempre permittida nos paizes livres a todas as classes sociaes, para conseguirem o desaggravo das suas queixas e a satisfação das suas reclamações.

Sr. presidente, entre os actos praticados pelo governo houve um que e de uma gravidade excepcional; foi o adiamento da convocação das côrtes para alem do praso de tres mezes fixado no segundo acto addicional.

Este acto é por tal maneira grave que nem mesmo as côrtes ordinarias podem conhecer d’elle. (Apoiados.)

Que importa que as côrtes ordinarias absolvam o governo da infracção de uma das disposições mais importantes da constituição, se para conhecer do assumpto essas côrtes não têem faculdades? (Apoiados.)

Sr. presidente, esse acto constitue uma dictadura nunca vista, sem precedentes em Portugal. (Apoiados.)

As dictaduras que se têem feito são, deixem-me dizer assim, meramente administrativas, simples usurpação das faculdades das côrtes ordinarias, nunca usurpação das faculdades do poder constituinte. (Apoiados.)

Sr. presidente, perante esse acto novo, tão grave e funesto, entendi que o partido progressista, a que pertenço, não devia guardar silencio, e que, pelo contrario, lhe cumpria todos os meios legaes de resistencia para obrigar o governo a respeitar uma das principaes disposições da lei fundamental do estado.

O partido progressista dirigiu-se, pois, ao poder moderador que é, segundo a carta constitucional, a chave da nossa organisação politica, e que deve, por isso, velar incessantemente pelo equilibrio dos outros poderes, não deixando nunca de se conservar superior a todos n’aquella região serena e elevada onde não devem chegar as paixões publicas, nem os interesses dos partidos. Acreditámos que poderiamos achar justiça perante o soberano, perante o augusto depositario do poder moderador e, por mais desagradavel que fosse a nossa missão, fizemos uma representação energica, sem faltar ao respeito devido ao alto poder do estado a que nos dirigiamos. N’essa representação não deixámos de dizer o que cidadãos livres e homens independentes deviam dizer ao soberano de um paiz constitucional, sem faltarmos ás conveniencias e ao respeito devido ao alto magistrado a quem apresentava-mos os nossos aggravos.

Para não cansar a camara, não lerei toda a representação que tive a honra de ler perante o soberano.

Leiu apenas um periodo, que põe bem manifesto qual era o nosso principal intuito.

«Democratas sinceros, quê somos, diziamos nós, é com justificada indignação que vemos offender liberdades, que tantos sacrificios custaram, e que são as condições fundamentaes do pacto constitucional entre o rei e o povo. Apostolos convictos do systema parlamentar, assusta-nos a imprudencia com que se postergam leis organicas do reino para servir apenas os interesses de uma facção politica, mais audaz, que patriotica.

«Mas não bastam queixas, reclamações e protestos: ha de mister mais.

«Vossa Magestade, ao ser acclamado, jurou solemnemente observar e fazer observar a constituição politica da nação portugueza. E a constituição politica, senhor, está de facto suspensa, e a nação portugueza acha-se privada dos seus legitimos representantes.»

A representação concluia por pedir a convocação immediata das côrtes para poderem reunir no praso constitucional.

Foi doloroso para nós, e especialmente para mim, ter de ler este periodo diante do augusto chefe do estado. Foi doloroso, porque poderia parecer um acto de altiva descortezia recordar ao soberano o seu juramento de fidelidade á constituição para obrigar os seus ministros a cumpril-a. Mas, por mais grave, por mais melindrosa, por mais difficil que fosse a nossa situação, pertencendo a um partido de honradas tradições liberaes, não podiamos esquecer n’aquella melindrosa conjunctura as nossas responsabilidades e os nossos deveres, apresentando-nos diante da corôa, curvados e humildes, como quem supplica, mas antes altivos e dignos como quem usa do seu direito. (Vozes; — Muito bem.)

Não chegámos ali mendigando favores do governo item da regia complacencia. Batemos ás portas do paço com o codigo das nossas liberdades na mão. (Apoiados.)

Entrámos ali com a correcção e dignidade de quem cumpre uma obrigação indeclinavel, cheios de rasão, conscios da nossa justiça.

Falíamos ao soberano como quem não sabe faltar ao respeito devido ao magistrado supremo, a quem a constituição confiou a chave da nossa organisação politica, mas como quem comprehendia tambem toda a gravidade da sua

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ardua missão e toda a responsabilidade que lhe impunham o exercicio dos seus direitos e o desempenho dos seus deveres n’uma conjunctura tão difficil, como aquella em que nos achavamos.

Sr. presidente, foi com profundo desanimo que eu ouvi a resposta que o governo poz na bôca de El-Rei.

Não quero exigir as responsabilidades d’essa resposta senão ao governo.

Tenho fé nas sinceras e rectas intenções do monarcha. Tenho para mim que são muito puras e muito honradas. Mas não posso deixar de lamentar que taes palavras fossem inspiradas ao soberano por quem sabia quanto é difficil isentar diante da consciencia publica os reis constitucionaes da responsabilidade moral dos seus actos.

Quanto a mim, o responsavel pelas palavras que El-Rei proferiu, é o governo, a quem peço contas do seu proceder.

El-Rei respondeu:

«Tomo na devida consideração a representação que me foi entregue, e o meu governo dará conta ás côrtes dos motivos que determinaram as providencias por elle adoptadas».

Que desillusão, sr. presidente!

Quando nós nos dirigíamos ao augusto depositario do poder moderador, não supplicando um favor, mas requerendo em nome do nosso direito a convocação das côrtes dentro do praso constitucional,, o poder moderador desappareça diante de nós, apparecendo-nos em seu logar o poder executivo!

O poder moderador declinava a sua responsabilidade no governo, sumia-se atraz d’este, e dizia-nos que os ministros nos dariam contas dos seus actos!...

Sr. presidente, não era ao chefe do poder executivo que nos dirigíamos, era ao depositario do poder moderador que requeríamos immediato remedio aos attentados constitucionaes praticados pelo governo.

Não pediamos remedio ao governo porque sabiamos de sobra que d’elle nada tinhamos a esperar. Por isso appellámos confiadamente para o Rei. Infelizmente só encontrámos diante de nós os ministros!

Mais tarde fizeram-se as eleições e, para ser justo, vou dizer que, em geral, o acto eleitoral correu com regularidade ou, pelo menos, sem grandes violencias ou profundas perturbações da ordem publica.

Tambem aproveito o ensejo para declarar aqui, bem alto e bem claramente, qual foi a attitude do partido progressista durante o periodo eleitoral.

Sr. presidente, colloquei-me em face do governo, na mesma situação que desde o principio tinha resolvido adoptar, isto é, permanecer na situação que assumi no momento em que rompi as minhas relações politicas com o ministerio. Desde esse momento entendi que não devia fazer qualquer combinação eleitoral, nem com os ministros, nem com os seus representantes. Disse-se e publicou-se que o partido progressista fez accordos eleitoraes com o governo.

Devo declarar aqui, muito solemnemente, que taes boatos eram completamente inexactos.

Póde ter-se realisado qualquer accordo, sem caracter politico, e exclusivamente individual, entre um ou outro membro do partido progressista e o governo; mas declaro da forma mais positiva e categorica que o partido progressista não tratou nem fez accordos eleitoraes com o governo.

Não só não houve accordo, mas até havendo-se referido a imprensa a esses convenios individuaes, o partido progressista disse nos seus jornaes ao governo, em termos bem precisos e claros, que rompesse taes combinações, e convidou-o a que, por todos os meios de que podesse dispor, fizesse malograr as candidaturas opposicionistas.

Lançámos esse repto ao governo por mais de uma vez. E se é verdade que elle entendeu que não devia alterar a sua marcha politica, é tambem certo que eu fiquei auctorisado a declarar, como solemnemente estou declarando, que o partido progressista não celebrou accordos eleitoraes com o governo. (Apoiados.)

Realisou-se o acto eleitoral, para o que se fixou o dia 15 de abril, mas deixou de se fixar o dia para a convocação das côrtes; isto é, subsistia inteiro e completo, ou antes sensivelmente aggravado, o attentado constitucional que o governo havia perpretado.

Deixaram de convocar as côrtes no praso marcado no segundo acto addicional, que é o de tres mezes, a contar do dia da dissolução, e esta reincidencia não póde deixar de offender profundamente os sentimentos e as tradições do meu partido e a consciencia de todos os que amam e respeitam as instituições liberaes.

Foi por isto, sr. presidente, que quando appareceu o decreto que fixava o dia das eleições, sem ao mesmo tempo designar o dia da convocação das côrtes, entendi que era dever de todos os homens verdadeiramente liberaes, quaesquer que fossem as suas procedencias politicas, reunirem-se e concertarem os meios de obrigar o governo a conter-se nos limites da lei, e a respeitar as prescripções constitucionaes.

Entendi que devia dirigir-me a alguns cavalheiros conhecidos pelo seu amor aos principios fundamentaes do governo representativo, e, sem hesitação, dirigi-me ao sr. João Chrysostomo de Abreu e Sousa, ao sr. Bocage, ao sr. conde do Casal Ribeiro, que tenho o prazer de ver presente, aos srs. Dias Ferreira, Telles de Vasconcellos, Antonio Candido, Vaz Preto e outros, e procurei, do accordo com elles, constituir um centro de resistencia liberal, sem caracter politico, a fim de obrigar o governo a respeitar a constituição tão flagrantemente violada.

A minha primeira idéa quando me dirigi a estes cavalheiros foi, do que nós, representantes de differentes grupos liberaes, sem nenhuma distincção partidaria, nos reuníssemos, e fossemos procurar o soberano para lhe dizermos que estavamos dispostos a empregar todos os nossos esforços a fim de que se as côrtes se reunissem, fossem approvadas sem difficuldade todas as providencias de caracter constitucional que o governo sujeitasse á sua approvação, reservando-nos o direito de apreciar opportunamente os actos do governo.

D’este modo ficariam satisfeitos os desejos do governo, e ao mesmo tempo seria respeitada a constituição do estado.

Esta idéa, porém, foi posta de parte, porque alguns dos cavalheiros que tomaram parte n’essas reuniões declararam que logo que abrisse o parlamento não deixariam de levantar os debates politicos que os actos ministeriaes provocavam.

O meu desejo, como já disse, era fazer respeitar a constituição do estado, approvando sem discussão, ou quasi sem discussão, as providencias que o governo apresentasse de caracter puramente constitucional, reservando o direito de, em occasião opportuna, discutir o procedimento do governo.

Como esta idéa não podesse ir por diante, realisou-se depois uma reunião de pares e deputados cm Lisboa, que esteve a ponto de ser prohibida, mas que a final sempre se realisou serena e socegadamente.

N’essa reunião resolveu-se ir ao paço com uma representação, pedindo a El-Rei que evitasse a dictadura para a cobrança dos impostos, fazendo convocar as côrtes a tempo de votarem as necessarias auctorisações.

Foi ao paço uma commissão que levou a Sua Magestade uma representação n’esse sentido. Não a leio agora por ser bastante extensa e não querer cansar a attenção da camara. Direi apenas que n’ella se dizia o seguinte:

«Vimos apresentar a Vossa Magestade os capitulos do nosso aggravo e reclamar-lhe que, no exercicio do podér

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moderador, se digne convocar as côrtes geraes a tempo de poderem votar os impostos. »

Era modesto o nosso pedido. Solicitávamos apenas ao poder moderador que convocasse as côrtes para serem votados os impostos.

A resposta de El-Rei foi a seguinte:

«Recebendo a representação que me é entregue, affirmo que respeito os principios liberaes que foram implantados n’este paiz por esforços por igual dos reis e dos povos, e que sempre tenho inspirado os meus actos nos verdadeiros interesses da nação.»

Sr. presidente, esta resposta não podia deixar de nos contristar.

O governo offendia a constituição n’uma das suas disposições mais importantes, e o soberano, para quem appellavamos, ao mesmo tempo que nos affirmava o seu respeito aos principios liberaes, do que aliás duvidávamos, não nos dava a menor esperança de que as côrtes seriam convocadas a tempo de evitar a dictadura para a cobrança dos impostos!

Em vista d’isto nós entendemos que nos deviamos reunir de novo, e depois de madura deliberação, resolvemos esperar o acto do governo, que auctorisasse a cobrança dos impostos em dictadura, e publicar em seguida, como protesto, um manifesto ao paiz, em que lhe fizessemos saber quaes os seus direitos em relação á cobrança illegal dos impostos, appellando para a opinião publica, dizendo a todos os cidadãos quaes os seus direitos e os seus deveres, deixando-lhes a liberdade de procederem como entendessem. Assim fizemos.

Aguardámos a publicação do decreto que continha a auctorisação que o governo se dava a si proprio para cobrar os impostos em dictadura, e depois publicámos um manifesto ao paiz, em que lhe fizemos bem sentir quaes os seus direitos e responsabilidades.

E parámos ali. E vou dizer porque, com a franqueza que nos caracterisa.

Nós podiamos, talvez, depois de nos dirigirmos duas vezes ao poder moderador, solicitando a observancia da constituição, queixarmo-nos amargamente da maneira por que tinhamos sido tratados; podiamos não exigir-lhe responsabilidades legaes, porque bem sabíamos que para tanto não tinhamos direito, mas podiamos pedir-lhe as responsabilidades moraes, aquellas a que ninguem se subtrahe, nem grandes, nem pequenos, nem reis, nem subditos, desde que se é consciente e livre, desde que se tem a liberdade de pensar e de proceder.

Nós sabiamos que podiamos fazel-o. Tinhamos exemplos na nossa historia e na alheia, que nos auctorisavam a proceder d’este modo, queixando-nos lealmente, embora com o respeito devido á alta magistratura, representada pelo monarcha de um paiz livre.

Nós podiamos dizer-lhe que mal avisados andam os soberanos que ouvem os conselhos e as inspirações dos seus ministros, quando os levam a desprezar e a consentir no desprezo da constituição que juraram manter. Nós podia-mos ter dito tudo isto, e estamos certos que as nossas queixas, respeitosas mas justas, encontrariam echo na consciencia da grande maioria da nação.

Nós, que respeitamos o soberano, como sempre respeitámos, e fazemos justiça ás suas rectas intenções, podia-mos lamentar que elle se tivesse deixado persuadir dos incorrectos e perfidos conselhos dos seus ministros.

Mas não fizemos nada d’isto. E porque o não fizemos? Não o fizemos, porque no estado em que se achava o paiz, no meio da crise gravissima que atravessava, humilhado e abatido perante o estrangeiro, pelas infelicidades da nossa triste diplomacia; perante uma situação tão difficil e melindrosa, entendemos que seria um grave erro, se não um perigo imminente, tornar incompativel com o Rei o unico partido monarchico que, desde 1890 até hoje, estava immaculado das responsabilidades do poder, e que era como que a reserva da monarchia. (Apoiados.)

Nós entendemos que deviamos pôr de lado qualquer aggravo politico, pelas injustiças recebidas no indeferimento das nossas reclamações, para só attendermos aos interesses publicos e só olharmos para a situação angustiosa do paiz.

Sr. presidente, ao passo que o partido regenerador tem occupado quasi constantemente as cadeiras do poder, em seu exclusivo beneficio; ao passo que alguns ministros se têem sentado nas bancadas ministeriaes por tres vezes desde 1890, o partido progressista tem estado afastado do governo, tem sabido conter as suas impaciencias, se é que as tinha, e tem diligenciado auxiliar todos os ministerios na resolução das difficuldades nacionaes. A sua ambição, que é permittida a todos os partidos, tem sabido moderal-a a ponto que tem prestado sempre a sua cooperação desinteressada a todos os governos que a tem solicitado.

Sr. presidente, não pedimos, nem solicitámos retribuição pelo nosso auxilio. O nosso concurso tem estado sempre á mercê dos governos, desinteressado, sem condições, livre de quaesquer compromissos ou compensações.

O partido regenerador tem, pelo contrario, desde 1890 até hoje, por intermedio dos seus principaes homens, exercido quasi sempre o poder, e não tem auxiliado com igual cooperação os outros partidos.

Ora, n’estas circumstancias, estando o partido regenerador gasto, no melhor sentido da palavra, e tendo os seus homens todos passado pela administração do paiz, havendo igualmente quinhoado as responsabilidades do poder outros cavalheiros pertencentes a differentes grupos politicos, e até mesmo alguns que não pertenciam a qualquer fracção politica, não seria um gravissimo e deploravel erro collocar o partido progressista em situação de não poder acceitar o governo?

Aqui tem s. ex.as a rasão porque, em meu parecer, nós devemos combater vigorosamente os actos do governo sem nos insurgirmos contra o uso das prerogativas reaes, nem discutirmos a corôa.

Devemos dar o exemplo de submissão á constituição que nos governa e ás boas praticas constitucionaes e parlamentares.

Estas considerações nos determinaram a combater energicamente o governo, aguardando sem impaciencias o ensejo de realisar as reformas indispensaveis para restaurar o regimen parlamentar, abatido e desprezado, e para evitar a reproducção dos attentados que offenderam á consciencia e as tradições liberaes do paiz.

Mas, sr. presidente, quando aos srs. ministros se falla em reformas politicas ou constitucionaes, s. ex.a acodem logo dizendo: «Reformas politicas e reformas constitucionaes?! Isso é uma velharia ridicula. O paiz o que quer são factos, são obras».

O paiz já não vae com palavras, já não vae a discursos, dizia no outro dia, muito soberbo das suas glorias, muito prazenteiro e ironico, o sr. presidente do conselho. O paiz o que deseja são factos, obras, melhoramentos, cousas uteis, n’uma palavra.

E dirigindo-se a mim, o sr. presidente do conselho dizia: «O digno par está fóra da sua epocha, do seu tempo».

«Imagina que o paiz se governa hoje com essas futilidades?

«Reformas politicas?! Passou já o seu tempo. É assumpto démodé.»

Eu confesso a s. ex.a que não fiquei offendido nem me considerei maguado pela fina ironia das suas palavras. Agradeço-lhe até as suas boas intenções.

O proposito de s. ex.a era fazer-me uma admoestação caridosa, amoravel, benevolente, que eu sou o primeiro a reconhecer e a agradecer.

Mas, sr. presidente, eu p’este particular sou impeniten-

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te. O sr. presidente do conselho póde rir-se da minha ingenuidade, mas eu não mudo.

A verdade é que os attentados commettidos pelo governo trouxeram a necessidade de reformas politicas que evitem a sua repetição e a progressiva e fatal decadencia das instituições parlamentares entre nós.

Pois póde alguem acreditar que, quando a machina legislativa está dcsconcertada e não funcciona bem, possa produzir bons resultados?

Pois se o apparelho constitucional está desarranjado, como póde esperar-se que d’elle sáiam boas obras?

O apparelho constitucional, a machina legislativa, e o parlamento.

Estão os dignos pares convencidos de que o parlamento actual, esta camara e a dos senhores deputados, representa genuinamente o paiz?

Que a representa legalmente, convenho. Nós somos a representação legal do paiz.

Mas estão os dignos pares convencidos de que está aqui a representação verdadeira da nação, de que o pensamento, os desejos, as aspirações do paiz, estão representados nas actuaes camaras?

Creio que não serão tão ingenuos que o acreditem.

Se nós queremos bom governo, a primeira cousa que devemos fazer é aperfeiçoar a machina politica.

Querer, porém, bom governo, excellente administração, factos e obras, uteis como aquelles a que se referiu o sr. presidente do conselho, e querer ao mesmo tempo conservar o machinismo politico desconcertado e avariado, como está, é absurdo e é impossivel.

Ora, sr. presidente, se ao menos o governo, apesar da imperfeição do nosso regimen parlamentar, respeitasse a constituição do reino, o mal seria muito menor, mas nas circumstancias em que nos encontramos, francamente, sr. presidente, ou havemos de fazer profundas reformas politicas, que aperfeiçoem e melhorem o machinismo parlamentar e constitucional, ou a nossa administração ha de continuar cada vez peior, porque os governos fazem o que lhes apraz, sem medo do parlamento, que é feitura sua, porque não ha responsabilidade effectiva, visto que o poder executivo absorve todos os outros poderes!

Isto não é systema constitucional! (Apoiados.)

Ora, para que o seja, para que o parlamento venha a retomar o seu logar na nossa organisação politica, para que a responsabilidade ministerial seja effectiva, e para que a constituição do reino seja uma verdade, são indispensaveis radicaes, mas sensatas reformas, que obstem á reproducção dos actos que ultimamente feriram as nossas mais preciosas garantias liberaes.

E permitta-se-me que n’esta occasião eu corrija um erro ou equivoco do sr. presidente do conselho, ou do sr. ministro do reino, commettido n’uma das ultimas sessões da outra casa do parlamento, segundo o extracto que vi publicado n’uma folha diaria.

Um amigo meu, o sr. Beirão, distinctissimo parlamentar, disse ha dias na camara dos senhores deputados que elle julgava ser necêssario, para evitar a repetição das violações da constituição, e dos attentados contra as liberdades publicas, recentemente praticados, que ao tratar-se de reformas politicas ou constitucionaes, se fixasse o dia em que as côrtes devem reunir por direito proprio.

Os srs. ministros acudiram logo a dizer que era tão disparatada a idéa do sr. Beirão, que não comprehendiam como de cerebro tão illustrado viesse idéa tão infeliz!

O absurdo resultava de ser incompativel com o direito de dissolução, que á corôa pertence a reunião das côrtes em dia certo e inalteravel.

Sr. presidente, ha de permittir-me a sabedoria ministerial, com o respeito que por ella professo, que eu lhe lembre a simples e facil leitura dos artigos 70.° e 71.° da constituição belga, onde s. ex.as acharão estabelecido o direito das cortês se reunirem na primeira terça feira do

mez de novembro de cada anno, o no artigo 70.° o no seguinte, expressamente consignado o direito amplo da dissolução.

Aqui tem s. ex.a como se conciliam estes dois direitos, o da corôa, e o da representação nacional.

As camaras reunem-se no dia fixado pelo artigo 70.° da constituição belga, e a corôa dissolve-as depois de reunidas se o bem do estado o exigiu; mas não póde dissolvel-as de modo que se não reúnam n’aquelle dia.

Perfeitamente de accordo com o sr. Beirão, entendo que estes dois artigos se podiam inserir n’uma reforma da nossa constituição, sem offensa dos direitos e prerogativas que á corôa devem pertencer n’um paiz regido pelo systema representativo.

Mas, prosigâmos, presidente, se as reformas politicas não são necessarias nem possiveis, então, sr. presidente, parece-me muito melhor, mais simples e mais economico, restabelecer claramente o regimen absoluto! (Apoiados.)

Se o que está não é susceptivel de reforma, ou se todas as reformas são inefficazes, então adoptemos francamente o governo absoluto, por ser mais vantajoso, mais justo, mais conforme aos interesses publicos, mais accommodado aos habitos e necessidades do paiz. (Apoiados.)

Porque, na verdade, estarmos a ter tanto trabalho e tantos incommodos, e a desperdiçar tanto dinheiro e tantos discursos, unicamente para termos o prazer de cortejar a olympica magestade do sr. presidente do conselho ou dos; seus collegas, não vale a pena.

É caro, incommodo, e principalmente inutil.

Dir-se-ha: «Essas reformas politicas, ninguem sabe onde irão; são perigosas».

Eu limito as minhas aspirações em materia de reformas politicas a conseguir para o meu paiz o mesmo regimen constitucional e representativo que está em pratica na Belgica, na Italia e n’outros paizes. Com isso me dou por satisfeito. Creio que não são demasiadas, nem perigosas, as minhas ambições.

Mas dizem: «As reformas politicas, quando é urgente tratar das questões de fazenda e de administração, seriam manifestamente inopportunas e contrarias aos interesses publicos».

Permittam-me que eu apresente ás pessoas que assim pensam, uma simples e modesta observação.

A Belgica, que é um paiz pratico, acaba de fazer uma reforma politica do maior alcance: a reforma do seu regimen eleitoral.

Aquelle paiz, apesar de não ser propenso a deixar-se arrastar por perigosas theorias, não se esqueceu do aperfeiçoar as suas instituições politicas, e acaba de dar um exemplo que deve ser estudado e de fazer uma experiencia, que surprehendeu todos os que cooperaram na approvação d’aquella momentosa reforma.

A Inglaterra, outro paiz pratico, e que se não deixa seduzir por arrojadas innovações, está n’esta occasião seriamente preoccupada com a reforma da camara dos lords, tão antiga como a sua velha constituição.

Sr. presidente, aqui tom V. ex.a em poucas palavras o que penso a respeito das reformas politicas.

Não temos pressa. A occasião ha de vir. E os profundos homens praticos, que pensam que isto não vae com discursos, como o sr. Hintze Ribeiro, hão de render-se á evidencia da verdade, e á necessidade de pôr termo a esta desoladora anarchia, que tudo esterilisa e dissolve.

Ora, sr. presidente, do que tenho dito resulta: que o governo dissolveu inconveniente o inconstitucionalmente o parlamento, que adiou as eleições e a reunião das côrtes, com evidente infracção do preceito constitucional, que ordena a sua convocação dentro de tres mezes depois da dissolução, decretando em dictadura a cobrança dos impostos, e que se acha ao presente fóra da legalidade.

O sr. ministro da justiça deu para a dissolução das côrtes, se eu bem percebi, duas rasões: a primeira é que era

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preciso fazer uma maioria mais partidaria, e a segunda é que era preciso consultar o paiz.

Ora, sr. presidente, fazer uma maioria mais partidaria, confesso ao meu illustre amigo, o sr. ministro da justiça, que é um principio de governo que eu não comprehendo bem.

Pois as maiorias fazem-se para os partidos, ou os partidos fazem-se para governar?

Sr. presidente, fazer uma maioria partidaria o que é?

É cuidar do interesse exclusivo de um grupo ou de uma facção?

Póde porventura admittir-se que o governo dissolva uma camara só para affeiçoar uma maioria ao gosto dos seus amigos politicos ou para crear uma situação mais partidaria?

Esta rasão póde dar-se diante do um parlamento serio? (Apoiados.)

A outra rasão é que era necêssario consultar o paiz.»

Mas consultar o paiz, para que, o porque?

Pois o paiz não estava já representado pelos seus representantes legaes recentemente eleitos?

Pois as côrtes não tinham votado todas as propostas que o governo lhes apresentara, e não tinham approvado todas as auctorisações que o governo lhes pediu?

Consultar o paiz!

Oh! sr. presidente, todos nós sabemos o que significa essa consulta ao paiz!

A quem se pretende enganar?!

Todos nós sabemos como são feitas estas consultas, e como o paiz responde sempre ás consultas de todos os governos!

N’esta comedia de parlamentarismo avariado todos estamos representando, só se illudem os que desejam illudir-se.

O paiz de certo se não deixa enganar.

Se ao menos o governo tivesse um conjuncto de reformas importantes, de providencias salvadoras, sobre as quaes desejasse ouvir a opinião do paiz, ainda se podia admittir a tal consulta. Mas que providencias reformadoras, que projectos importantes de salvação publica tinha o governo concebido e planeado para submetter á consideração do paiz?

Qual era a questão grave sobre a qual o governo julgava conveniente consultar a nação?

O governo não tinha nada sôbre que consultar o corpo eleitoral. Fez a dictadura mais pequena, mais pobre, mais modesta e mais inane, que se tem feito em Portugal!

Se o governo tivesse aproveitado a dictadura para decretar um complexo de providencias reclamadas pela opinião, ou impostas pela necessidade de acudir á salvação do estado, todos nós, feitas as necessarias reservas, quanto ás offensas á constituição, applaudiriamos a sua ousada e benefica iniciativa.

Mas o que é que o governo fez? Aonde está essa gloriosa dictadura com que felicitou o paiz depois do decreto do adiamento das côrtes e das eleições?

Eu não quero agora insistir n’este ponto; mas o que é verdade é que a dictadura em que o governo se investiu foi inferior ás faculdades e recursos dos srs. ministros.

Estas foram as rasões que se deram para justificar a dissolução. Agora para o adiamento das côrtes e das eleições, nós sabemos já que não houve outra rasão por parte do governo que não fosse a da agitação que reinava no paiz.

Eu já mostrei á camara o que valia essa agitação.

Nem antes, nem depois da dissolução das associações e.da prohibição do comicio annunciado pelos commerciantes e industriaes, não houve desordens em Lisboa, nem a agitação se propagou por todo o paiz como pretendem os srs. ministros. O governo julgou-se, é verdade, triumphante, e proclamou-se salvador da ordem e da tranquillidade publicas, declarando e affirmando uma e muitas vezes que estava mantido o principio da auctoridade, Mas quem atacou esse principio? Foram os commerciantes e os industriaes com a ameaça do encerramento das portas no dia em que se reunisse o comicio, que atacaram o principio da auctoridade? Quem o atacou foi o governo. (Apoiados.) Quem, em cima, offende a constituição, auctorisa a desobediencia em baixo. (Apoiados.) Quem falta ao respeito devido ás disposições fundamentaes da lei constitucional da monarchia, auctorisa com o seu exemplo a desobediencia ao principio da auctoridade.

Como é que podia declarar-se mantenedor d’esse principio precisamente o governo que praticou maiores violencias contra os preceitos constitucionaes?

Eu já disse que punha de lado a apreciação dos actos ministeriaes sobre todos os outros assumptos a que se refere o discurso da corôa.

Não aprecio o procedimento do governo nas questões internacionaes, nem a sua gerencia financeira e administrativa, nem a reforma da policia, nem qualquer dos outros actos que assignalam tristemente a sua administração. Reservo-me o direito de os apreciar na occasião que me pareça mais opportuna.

Pondo de parte esses assumptos, não posso deixar de dizer que de tudo quanto tenho exposto se conclue naturalmente que nós não temos já sequer as apparencias de regimen parlamentar. A nossa forma de governo é unica. As nossas instituições politicas não se parecem com as de qualquer outro paiz. Não temos regimen constitucional como na Belgica e na Italia, ou na Inglaterra. Não temos regimenj absoluto, ou republicano. Não temos a fórma de governo do sultão da Turquia ou do czar de todas as Eus-sias. A nossa fórma de governo é um especimen unico, perfeitamente singular.

Não tem analogia, nem precedentes, e provavelmente tambem não terá similhantes.

Na administração interna, sabemos perfeitamente o que, sob o ponto de vista de moralidade e do bom governo, vae por esse reino e pelas nossas colonias, desnecessario é fallar n’isso.

No exterior somos a irrisão do mundo. Somos o ludibrio dos poderosos. Somos os engeitados da finança e do credito. O nosso nome anda por essa Europa arrastado, escarnecido, enlameado, coberto de injurias e vilipêndios. Quando surge algum conflicto, e infelizmente não temos tido poucos, por culpa da nossa infeliz diplomacia, acceitâmos submissos a imposição do estrangeiro e dizemos depois, cá no paiz, orgulhosos e contentes, que temos resolvido todas as questões!

E o que é peior, sr. presidente, é que, ás vezes, chega o extremo da humilhação até ao ponto de termos do acceitar com ar prazenteiro e rosto alegre dentro do paiz os ministros estrangeiros que, pouco antes, tinhamos despedido entre sarcasmos e vaias de mau gosto! (Apoiados.)

Tal é, sr. presidente, a situação a que nos tem conduzido o governo.

Mas, felizmente, em compensação, temos um governo que pratica actos de força contra gente inerme, dissolvendo associações pelo nefando crime de reclamarem contra as disposições de uma lei, que o governo pouco antes promettêra reformar, pouco depois reformou, por achar, é claro, justas e rasoaveis essas reclamações.

Em compensação temos um governo que mantem firme o principio da auctoridade para os que estão abaixo d’elle, mas que o despreza no que respeita á constituição do reino.

Em compensação temos um governo que aproveita todos os ensejos de pôr a corôa a descoberto, concorrendo pelos seus desatinos para engrossar a onda de descredito que ameaça subverter as actuaes instituições.

Temos um governo, que n’um paiz descontente, quasi prostrado de desanimo, dominado pela indifferença, so ufana de ser o representante e o sustentaculo da ordem, da ordem que ninguem ataca, da ordem que é um princi-

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152 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

pio de governo, não uma divisa partidaria, da ordem que é hoje, como foi sempre, um pretexto para as reacções auctoritarias, da ordem, finalmente, que só é tranquillidade e paz quando resulta do assentimento livre da nação, e que apenas é quietação e paz quando provém do desalento geral, ou do receio da força publica.

Sr. presidente, não nos illudâmos.

O governo póde ter assegurado a ordem material, mas a situação moral do reino é cada vez mais assustadora e, cem vezes peior do que a sua situação economica e financeira.

Senão veja-se.

A França humilhou-nos em Zanzibar e nas questões do caminho de ferro, e das obras do porto de Lisboa. A indifferença publica não se moveu.

O Brazil expulsou-nos rudemente, sem ter comnosco as mais leves contemplações, nem sequer aquellas que se usam com as mais modestas e abatidas nações. Pois bem. A indignação nacional não despertou!

A Allemanha intimou-nos a arrancar a gloriosa, mas, infelizmente, desprestigiada bandeira do posto africano, onde a tinha hasteado o nosso direito?! Pois ainda assim não acorda o sentimento nacional!

A constituição esteve suspensa durante quinze mezes, arrancaram-lhe algumas das suas mais brilhantes paginas, foram indefinidamente adiadas as côrtes e decretada dictatorialmente a cobrança dos impostos? Pois continuámos na suave e commoda apathia, que parece ser a melhor prenda do caracter nacional.

Pois, meus senhores, permittam-me que lhes diga com toda a franqueza que um paiz que vê cair, sem abalo nem commoção, uma parte importante da sua constituição, provavelmente assistirá ao desabar do resto com a mesma imperturbavel indifferença!

Esta é a triste e desconsoladora lição que resulta, clara e evidentissima, dos attentados commettidos pelo governo. E porque eu não quero que essa lição fructifique, e que esses funestos precedentes constituam direito contra as liberdades publicas e contra as instituições que nos regem, é que deixo aqui lavrado o meu protesto bem alto e bem solemne, para que a nação me ouça e para que me ouçam todos que me podem ouvir e têem obrigação de me ouvir.

O sr. Presidente: — Tem a palavra o sr. presidente do conselho; mas tenho a observar a s. ex.a que a hora está a dar.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Hintze Ribeiro): — Sr. presidente, nos poucos momentos que me restam para dar a hora, que mais posso eu fazer do que compendiar a impressão que me ficou do’largo discurso do digno par o sr. José Luciano de Castro?

Veja a camara: houve um largo interregno parlamentar, durante o qual o governo teve de praticar actos energicos. S. ex.a classificou-os de violentos e apodou-os de inconstitucionaes, acrescentando que elles levantaram as iras de todos os verdadeiros liberaes e de todos os que prezam as tradições que os nossos maiores nos legaram.

E o_ digno par, aquelle que durante annos foi chefe de uma situação politica, é o chefe de um partido que amanhã, quando nós sairmos d’estas cadeiras, será chamado a governar o paiz; é elle quem nos vem dizer que, sem reformas politicas não ha salvação para o paiz! É elle quem vem dizer que, se alguem julga que os membros das camaras representam genuinamente a vontade e o sentir do paiz, está n’uma profunda illusão; e que isto não é systema constitucional. (Apoiados.)

E elle quem vem aqui na camara dos pares desacreditar tudo o que temos, declarando que todas as molas d’esta engrenagem em que se move o systema constitucional estão gastas, mais do que gastas, desfallecidas. É elle quem vem levantar o pregão de que o paiz, se quer ser digno das tradições que tantos esforços, tantos trabalhos e sacrificios custaram aos nossos maiores, não é da questão financeira, nem das questões de administração que deve tratar, mas primeiro que tudo, acima de tudo, das reformas politicas!

Esta é a necessidade que elle apregoa. Pois a elle, que é chefe de partido, que hontem foi chefe de uma situação ministerial e que amanhã o póde ser novamente; a elle, que tem, portanto, os encargos e as responsabilidades do. seu passado, e ao mesmo tempo as duras responsabilidades de uma situação que tem de advir e que o devem obrigar a pensar maduramente, para ver em que é que vae comprometter o paiz ou salval-o, e se vae abalançar-se n’uma aventura que póde pôr em jogo a felicidade da nação; a este homem pergunta-se: «Quaes são essas reformas politicas tão necessarias!» E elle declara: «Não sei!» Já a camara vê aonde eu quero chegar: é á impressão profunda de tristeza que me deixou o discurso do digno par. Não é porque eu não lhe preste toda a homenagem, todo o preito da minha admiração politica e estima pessoal; mas é por isso mesmo. Somos adversarios, é certo; temos idéas politicas differentes, é verdade; mas podemos luctar e discutir. Podia eu ser mais retrogrado, e s. ex.a mais liberal; podia eu comprehender menos a necessidade mais importante da occasião, e elle ter uma vista mais larga; abarcar melhor o problema governativo, e portanto ser mais alevantado no seu criterio e mais alto na comprehensão do seu dever. Mas quando nos diz que acima do problema financeiro, acima dos problemas administrativos de toda a ordem, acima de todas as difficuldades com que luctâmos, acima de todos os dissabores, de todas as amarguras que temos encontrado na nossa vida politica, sobreleva, como necessidade indeclinavel, a de fazer reformas politicas; e quando se lhe pergunta, a elle, que é o successor d’esta situação, quaes são essas reformas politicas, s. ex.a nos responde que não sabe; ha rasão para ser profunda a minha tristeza.

Pois se elle, que vem combater-me porque não sei realisar as reformas politicas, é o primeiro a ignorar quaes devem ellas ser, como quer que o paiz confie e tenha esperança n’elle?

O que elle nos diz, a unica solução que nos apresenta, é ainda a que eu ouvi na outra casa do parlamento: que as côrtes devem reunir-se por direito proprio. Mas pergunta-se: a dissolução fica? E uma attribuição, uma prerogativa da corôa; e responde-se: fica.

Mas como alliar esses dois direitos, o da camara, de se reunir n’um determinado dia, e o da corôa, de a dissolver opportunamente? Qual d’elles prefere o outro? Isso é o que o digno par não sabe. Pois isto é que é o essencial no machinismo constitucional. Fallar no direito de reunirem-se as camaras, e no direito da corôa as dissolver, e não dizer qual d’estes dois direitos prima, sobreleva e é superior, e, portanto, qual aquelle que tem de desapparecer perante o outro, não é resolver o problema, é complical-o; não é estabelecer uma solução, é estabelecer um cahos, uma confusão, da qual não se sáe.

O sr. Presidente: — Eu previno o nobre ministro de que já deu a hora. S. ex.a, querendo, póde ficar com a palavra reservada para a sessão seguinte.

O Orador: — Eu termino já. Mais duas palavras só, porque, como disse, não quero senão desenhar a impressão que me deixou o discurso do digno par, impressão profunda de verdadeira tristeza.

S. ex.a levantou-se e disse: «E indispensavel fazer reformas politicas; sem isso não ha regimen liberal, sem isso não ha constitucionalismo». Mas, pergunta-se: qual é a base de todo o systema constitucional? São as eleições.

Evidentemente, a grande conquista dos nossos maiores foi a representação popular, o suffragio. Mas se s. ex.a é o primeiro a dizer que, quando o paiz é consultado, dá rasão a todos os governos, pergunto: em que base vae levantar as suas futuras reformas politicas e constitucionaes? Pois s. ex.a é o primeiro que descrê do constitucionalismo,

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SESSÃO N.° 13 DE 16 DE NOVEMBRO DE 1894 153

e descrê, principalmente, do suffragio, que é a base em que assenta todo o systema representativo constitucional!

Sr. presidente, quando o paiz se acha em tal estado, em circumstancias tão afflictivas, que mágua é ver um chefe de um partido, que ámanhã ha de ser governo, vir dizer, não cousas que lhe fallem ao seu sentir e lhe arranquem um enthusiasmo, uma esperança no futuro; mas, pelo contrario, como que um epitaphio de morte, dizendo-lhe que somos uns engeitados da sorte, que nem podemos luctar cá dentro, porque a indifferença é geral, nem muito menos no estrangeiro, aonde só ha opprobio para à gloriosa bandeira da patria!

Pois se é elle que vem dizer tudo isto, que esperança quer o digno par que o paiz tenha em si?!

Pois é porque a não tem, pois é por ver que no espirito de s. ex.a não ha senão descrença de tudo e de todos, que o paiz descrê d’elle, visto que o seu passado não dá garantias ao paiz, nem as suas palavras, que proferiu agora dão esperança de melhores obras.

Pois o governo, apesar de todos os seus defeitos, tem resolvido questões gravissimas que existiam desde ha muito.

Sr. presidente, ámanhã continuarei o meu discurso.

(O orador não reviu.)

O sr. Presidente: — Fica s. ex.a com a palavra reservada para a proxima sessão que será ámanhã, 17 do corrente, sendo a ordem do dia a mesma que estava dada para hoje.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas -e cinco minutos da tarde.

Dignos pares presentes à sessão de 16 de novembro de 1894

Ex.mos srs. Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa; Marquezes, de Fontes Pereira de Mello, de Penafiel, de„ Vallada; Arcebispo-bispo do Algarve; Condes, d’Avila, da Azarujinha, do Bomfim, de Cabral, do Casal Ribeiro, de Castro, de Castro e Solla, da Folgosa, de S. Januario, do. Juncai, de Lagoaça, de Magalhães, de Paraty, da Ribeira Grande, de Thomar, de Valbom; Bispo de Bethsaida; Viscondes, de Athouguia, de Soares Franco; Barão de Almeida Santos; Moraes Carvalho, Pereira de Miranda, Sousa e Silva, Baptista de Sousa, Antonio Candido, Homem de Macedo, Antonio José Teixeira, Lopes Navarro, Boavida, Jalles, Serpa Pimentel, Pinto de Magalhães, Costa Lobo, Telles de Vasconcellos, Arthur Hintze Ribeiro, Cau da Costa, Barjona de Freitas, Ferreira de Mesquita, Ferreira Novaes, Augusto Cunha, Bernardino Machado, Palmeirim, Carlos Eugenio de Almeida, Sequeira Pinto, Montufar Barreiros, Ernesto Hintze Ribeiro, Firmino Lopes, Oliveira Feijão, Coelho de Campos, Francisco Cunha, Margiochi, Barros Gomes, Henrique de Mendia, Jeronymo Pimentel, João Chrysostomo, Holbeche, Coelho de Carvalho, Gusmão, Gomes Lages, Bandeira Coelho, Baptista de Andrade, Ferraz de Pontes, José Luciano de Castro, José Maria dos Santos, Costa e Silva, Soares de Albergaria, Julio de Vilhena, Rebello da Silva, Camara Leme, Pessoa de Amorim, Pinheiro Chagas, Vaz Preto, Franzini, Polycarpo Anjos, Rodrigo Pequito, Sebastião Callieiros, Thomás de Carvalho.

O redactor = João Saraiva.

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