162 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
das leis, procurando não lhes admittir a rejeição de qualquer projecto. Esta idéa, repito, é nova, e nunca foi posta em execução, ainda mesmo que já podesse ter sido concebida. Nenhum paiz a acceitou. E confiando a resolução dos conflictos, depois do empate na commissão mixta, á resolução do congresso das duas camaras que 03 resolvem á pluralidade de votos, é o mesmo que pretender supprimir a intervenção da segunda camara, e que a lei só seja a que a primeira camara quizer, por isso que o maior numero de votos a ella pertence.
Como evitar que tal não succeda, sendo a camara dos senhores deputados de cento e vinte e esta de noventa membros?
Portanto, esta camara não fica sendo uma camara moderadora, sendo approvado o que se acha estabelecido no artigo 5.° do projecto. Fica como um pantheon de vivos, no qual os dignos pares do reino têem este titulo decorativo, mas não mais têem intervenção efficaz e legitima na confecção das leis, e não uma camara moderadora ou revisora. Como será revisora se não decide das nullidades do processo?
A necessidade dos corpos intermedios, mesmo na monarchia electiva, já era sustendada por Montesquieu. Benjamim Constant, o creador do poder moderador, julgava-os esseneiaes, para garantia das liberdades publicas. E já o abbade Gregoire, na convençcão, advogava a necessidade de uma segunda camará" Blakstone, commentando a Carta de Inglaterra, diz que cada ramo de systema politico representativo apoia os outros, d'elles recebe o seu apoio e lhes serve de regulador. E Mirabeau, o idolo da revolução franceza, affirmava que, sem esse equilibrio no systema representativo, sem esta linha divisoria ou esse correctivo, elle preferiria viver antes em Constantinopla.
Portanto, mal se comprehende a rasão por que se pretende romper este equilibrio, destruindo a intervenção efficaz da segunda camara, a sua acção ponderadora.
E, sr. presidente, alem dos inconvenientes que notei de se appellar para o congresso na resolução dos conflictos entre as duas camarás, destruindo pela base os principies do systema politico que nos rege, eu reputo este meio perigoso mesmo para as instituições, o que demonstrarei facilmente pelos exemplos que a historia nos aponta.
Com effeito, todos os que conhecem a revolução franceza, tiram d'ella argumento para se arreceiar de que duas camaras funccionem reunidas.
Depois da reunião dos estados geraes em maio de 1789, em França, compostos esses tres estados de seiscentos membros pelo povo, trezentos pela nobreza e trezentos pelo clero, na qual os deputados do povo se declararam em assembléa nacional, unido-se a elles os outros dois corpos para se decretar uma constituição, jurada pelo rei, resultando mais tarde a assembléa legislativa, origem a final da convenção nacional, que decretou a extincção da realeza em França e a decapitação do rei, seguindo-se-lhe a curto praso o periodo do terror; foi por tão lutuosos acontecimentos e tão duras provações, que a ninguem é dado desconhecer, que a França decretou, em 17 de setembro de 1790 uma nova constituição chamada do directorio.
E o facto que merece a nossa attenção, e de que poderemos tirar lição proveitosa, é o corollario que a França, victima de tantos horrores, tirou ao formular os artigos d'aquella constituição.
Assim, no seu artigo 44.° se encontra que o poder legislador era dividido em dois corpos, um composto do conselho de anciães, outro do conselho dos quinhentos.
E como se ainda não fosse segura a divisão do poder legislativo em dói" corpos, note-o bem, a camara, no seu artigo 60.°, estatuiu expressamente o seguinte: "Estes dois corpos (legislativos) nunca se podem reunir na mesma camara, isto é, funccionar juntos".
A constituição de Hespanha de Fernando VII tambem não tinha lá este artigo, nem cousa similhante; porém, se percorrermos os artigos da actual constituição, lá encontraremos o artigo 39.°, que é identico ao disposto no artigo 60.° da constituição do directorio, determinando que as duas assembléas legislativas nunca funccionem reunidas!
E não se diga, sr. presidente, que do artigo 5.° do projecto que dá o predominio absoluto á camara dos senhores deputados, na confecção das leis, e que, portanto, como que lhe dá a possibilidade de absorver as funcções da soberania, não resultarão estes perigos pelo modo por que se preceitua que se resolvam os conflictos - à pluralidade de votos - no congresso.
Pelo que se passou no longo parlamento em Inglaterra, todos que conhecem a sua historia politica não podem duvidar da possibilidade de se repetirem aqui factos analogos, extremamente perigosos para a corôa.
Foi com effeito esse parlamento, a segunda camara, que, quando a camara alta tinha rejeitado o bill que declarara criminoso de alta traição Carlos I, que, commettendo o seu assassinato juridico a um tribunal excepcional, estabeleceu o principio novo de que os communs de Inglaterra, reunidos em parlamento, tinham a suprema auctoridade da nação, e quanto por elles fosse julgado devia ter a força de lei.
E se este principio é contestado, como não póde deixar de o ser, embora já na outra casa do parlamento se affirmasse que a soberania reside ali, e não na nação, representada em côrtes, porque não haverá inconveniente e perigo nenhum em conceder-lhe pela lei um tão poderoso direito, que impede que esta segunda camara, como qualquer outro ramo do poder legislativo, possa rejeitar qualquer lei quando a julgue contraria aos interesses da nação que ella representa?
Sr. presidente, eu defendo idéas em harmonia com as rasões que tenho tido a honra de expor á camara, e por isso peço ao governo, peço á camara, que meditem e vejam os inconvenientes do principio contido n'este projecto de lei, e que o corrijam por qualquer fórma. Podem servir-se da eleição por escrutinio, como se pratica, creio eu, na constituição de Hamburgo, ou seguir os principies da nossa carta, ou o meu alvitre, tudo, emfim, que não seja a reunião das duas camarás, decidindo pela maioria dos votos.
Não vejo necessidade realmente que para a resolução dos conflictos se procure um meio de que possa resultar um novo conflicto, muito mais perigoso certamente, e que destroe o equilibrio dos poderes, confiado á prerogativa do poder moderador que sabiamente o exerce.
Que se faça o que em nenhuma constituição existe, cercear á segunda camara a faculdade de intervir nas leis rejeitando-as, e á corôa a faculdade de resolver os conflictos entre as duas casas do parlamento, porque vingando aquelle principio, o executivo não depende do poder moderador para a resolução dos conflictos parlamentares, mas tão sómente da camara electiva.
Não, sr. presidente, não voto medida que possa atraiçoar as prerogativas da coroa. Sei que não é essa a intenção do projecto, mas este meio póde conduzir-nos a estes resultados.
A camara dos pares tem pugnado, no largo periodo de tempo que ella tem funccionado, pelas liberdades publicas, e nenhum obstaculo tem posto até hoje a qualquer projecto de interesse para o paiz. A sua missão é moderadora, e por isso deve defender as invasões da constituição do estado, velando pela sua observancia.
Em França foi tambem a camara alta que moderou os caprichos anti-liberaes do ministerio Villele, quando elle pretendia atacar a liberdade de imprensa. E em todas as constituições, repito, a segunda camara tem o direito de se oppor, rejeitando a lei. Portanto, não ha rasão para arrebatar a esta camara um direito, que reputo sagrado, e uma garantia para as instituições,