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SESSÃO N.° 17 DE 30 DE JANEIRO DE 1907 153

Diz o projecto no artigo 1.° e seu § unico:

«Artigo 1.° Todos os cidadãos, no gozo dos seus direitos civis, podem constituir-se em associação para fins conformes ás leis do reino, sem dependencia de licença ou approvação dos seus estatutos pela auctoridade publica, sempre que essa approvação não seja exigida por lei, uma vez que previamente participem ao competente governador civil a sede, o fim e regimen interno da sua associação.

§ unico. O preceituado n'este artigo não prejudica as faculdades ordinarias de inspecção e de policia das competentes auctoridades; e as associações que se oppuserem ao exercicio d'estes direitos serão dissolvidas pelo Governo, applicando se o disposto no artigo 283.° do Codigo Penal aos socios responsaveis pela infracção.»

Ora se o preceituado no artigo 1.° do projecto não prejudica as faculdades ordinarias de inspecção e de policia, podendo as associações ser dissolvidas pelo Governo, applicando-se o disposto no artigo 282.° do Codigo Penal, não fica annullado o principio fundamental do projecto?

Fica.

O projecto revoga o artigo 282.° do Codigo Penal?

Não revoga.

E não revoga porque no artigo 2.° se diz:

«Art. 2.° A nenhuma associação é licito funccionar fora da respectiva sede nem involver-se na discussão de materias alheias aos fins constantes da participação de que fala o artigo anterior; se o fizer será, pela primeira vez, advertido quem a representar; e repetindo-se a infracção a associação será dissolvida e os socios infractores sujeitos ás penas do artigo 282.° do Codigo Penal».

Ora de duas uma: ou o artigo 282.° do Codigo Penal fica de pé, e n'esse caso o projecto não pode ter execução, ou fica revogado esse artigo e o projecto executa-se.

Se o Codigo Penal fica subsistindo, quer dizer, se fica em vigor o seu artigo 282.°, o artigo 1.° do projecto afunda-se.

E se fica em execução o artigo 1.° do projecto, para que serve o artigo 2.°?

Eu quiz ver se encontrava explicação possivel para tamanha confusão, e fui ler os pareceres das commissões das duas casas do Parlamento e o relatorio assignado pelo Sr. Presidente do Conselho.

Não fiquei esclarecido; fiquei até confundido com o que diz o chefe do Governo na seguinte exposição, que merece ser lida:

«Senhores. — O preceito geral da nossa legislação em materia de associações é ainda o estabelecido na lei de 20 de junho de 1823 sanccionado pelos Codigos Penaes de 10 de dezembro de 1852 e 16 de setembro de 1886 que punem a reunião de mais de vinte pessoas em associação não auctorizada pelo Governo com as condições por elle julgadas convenientes.

Posteriormente a 1852 teem sido regulados especialmente o estabelecimento e regimen de diversas collectividades que se pretendam constituir para determinados fins, importando a approvação dos respectivos estatutos pelo Governo, ou por determinada auctoridade publica, a licença exigida nos citados diplomas para a sua, existencia legal.

Assim, os decretos de 5 de outubro de 1859 e 28 de fevereiro de 1891 puzeram a cargo do Ministerio das Obras Publicas, Commercio e Industria a approvação dos estatutos de sociedades anonymas, companhias, caixas economicas, montepios e associações de soccorros mutuos; o decreto de 22 de outubro de 1868 transferiu para os governos civis a dos estatutos das associações, que com outras se incluem para o mesmo fim nos artigos 252.°, n.° 8.°, e 253.° do Codigo Administrativo ; e ainda os decretos de 9 de maio de 1891 e 18 de abril de 1901 sujeitaram á approvação do referido Ministerio os estatutos das associações de classe, e á do Ministerio do Reino os das associações de caracter religioso».

Quem lê o relatorio do Sr. Presidente do Conselho rao fica sabendo quaes os principios consignados, não fica sabendo se caducam os decretos por S. Exa. citados, como não fica sabendo qual é a excepção á regra em que fala o Sr. Presidente do Conselho:

«O direito de associação é, porem, tão conforme á natureza humana, que a lei civil o classifica como originario e o garante sejam outra restricção mais que a de não prejudicar direitos de outrem ou da sociedade, e por isso parece de todo o ponto congruente com esta doutrina, com o desenvolmento social e com o pensamento do Governo em assegurar e promover o livre exercicio dos direitos individuaes e collectivos, que n'este assumpto se converta em excepção a regra até agora adoptada, a fim de que a licença ou approvação superior dos estatutos somente seja necessaria nos casos expressos na lei

Não se; ia, em verdade, prudente abolir de vez todas as excepções, pois que propondo-se muitas colectividades a fins ou serviços de utilidade publica, que directamente importam a funcções de Estado, era em demasia arriscado deixal-os ao arbitrio de particulares, cuja iniciativa e boa vontade podem aliás aproveitar-se muito utilmente nos termos da respectiva auctorização».

Ha excepções que ficam abolidas? Quaes ?

Ninguem sabe.

Fui ler o parecer da commissão da Camara dos Senhores Deputados, mas não fiquei sabendo quaes são as taes excepções á regra em que fala o chefe do Governo, como não fiquei sabendo o que permanece de pé e o que é revogado.

E fica se n'uma tal confusão sobre um direito fundamental e originario como é o direito de associação!

Li tambem o parecer da commissão d'esta Camara, e, por essa leitura, vejo que não é só o artigo 282.° do Codigo Penal que o projecto visa:

«Factos ha porem que, embora consentidos, falta-lhes a garantia legal, unica que, nos povos livres, assegura e torna inviolaveis os direitos dos cidadãos; outros existem tambem subordinados a formalidades administrativas, embaraçosas e impertinentes, que urge destruir e annullar».

Mas então que é que se destroe e annulla?

Que é que fica vigorando e que é que se supprime ou revoga?

Nem os pareceres das commissões, nem o relatorio do Sr. Presidente do Conselho, nem o projecto tal cousa indicam.

Li igualmente todos os decretos publicados sobre materia religiosa e direito associativo, e comparei os com o projecto que se discute; tal leitura leva-me a fazer as seguintes perguntas:

Approvado o presente projecto, quaes são os decretos que ficam em vigor? Subsiste o Codigo Penal? Subsiste a lei de 20 de junho de 1823?

Quaes são as associaçõas ou collectividades que ficam ao abrigo das disposições de projecto?

Poucas mais que os centros politicos.

O projecto em discussão, como a Camara vê, ninguem o entende, ficando unicamente como mais uma das grandiosas concepções do Sr. Presidente do Conselho.

Se o Codigo Penal fica subsistindo, não tem razão de ser o presente projecto, que fica com acção completamente nulla; se, porem, o artigo 282.° do referido codigo fica revogado, temos que as associações religiosas poderão constituir-se como quizerem, contra o que, entendo, todos devem protestar.

Eu respeito a Igreja, cuja acção considero necessaria ao espirito humano, como um dos mais poderosos meios de moderar os impulsos e instinctos.

Sou catholico apostolico romano e presto inteira homenagem á religião que professo ; mas sou, sobretudo, regalista e acerrimo defensor das prerogativas da Corôa e dos principios que dão ao Estado o direito pleno de fiscalização e acção sobre todas as instituições de caracter religioso. (Muitos apoiados).

Entendo que não deve haver liberdade ou religião que possa subrepor-se ás prerogativas da Corôa e aos direitos do Estado, pelo que me seria extremamente penoso que, após a lei de 1901, outra viesse supprimir uma obra