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154 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

que foi boa nos seus resultados e conciliadora na sua acção.

Mas para que veio, a final, á discussão o presente projecto?

Foi para o Sr. Presidente do Conselho apregoar mais uma vez os seus principios liberaes?

Constitue o projecto um dos pontos do programma do Governo? É mais uma prova do seu liberalismo ?

Não; o projecto que se discute é mais uma manifestação do pseudo-liberalismo do Sr. Presidente do Conselho, ou nem mesmo isso é, como vou demonstrar.

Diz o projecto que todos os cidadãos, no gozo dos seus direitos, civis, podem constituir-se em associação, sem dependencia de licença ou approvação de estatutos, uma vez que previamente participem ao competente governador civil a sede, o fim e regimen interno da sua associação.

Mas isto não impede que uma associação, depois de ter feito todas as despesas de installação e trabalhos respectivos, possa ser dissolvida á ordem do Governo.

O que presentemente se estabelece é, pois, muito peor do que o que existia, e é menos leal.

Até aqui, uma associação, para fundar-se, apresentava es seus estatutos á auctoridade competente, a qual os approvava se estivessem em termos convenientes e em harmonia com a lei.

Feio projecto actual não succede assim. A associação pode ser dissolvida por qualquer razão allegada pela autoridade, o que é muito peor, porque mais vale evitar o mal do que remedial-o.

Onde existe, portanto, no projecto o principio da liberdade?

Mas desde que o Sr. Presidente do Conselho vae regular o direito de associação, tem que fazer o mesmo que eu fiz em 1901. Tem que dar um prazo para que as sociedades existentes sem estatutos possam legalizar a sua situação ou existencia nos termos e para cumprimento da lei.

Mandarei n'este sentido uma proposta para a mesa, e creio que o Sr. Presidente do Conselho não se recusará a acceital-a.

Alem de tudo o mais, eu entendo que a auctoridade respectiva deve obedecer a um determinado criterio na approvação dos estatutos das associações, de forma a evitar abusos.

Pergunto:

Qual é esse criterio?

Como é que a auctoridade deixa viver ou pode eliminar uma associação?

Não se sabe.

Se a associação se não amolda aos preceitos estabelecidos, nas leis, que faz a auctoridade competente ?

Essa auctoridade não pode, evidentemente, deixar funccionar ou subsistir uma collectividade que contrarie as leis do reino.

Como intervir então?

Dissolve?

E como dissolve?

Quaes são os termos e formalidades da dissolução?

A nenhuma d'estas interrogações responde o projecto.

E assim, veja a Camara quanta razão me assistia quando, ao iniciar as minhas considerações, dizia que não conhecia na legislação estrangeira lei alguma relativa ao direito de associação que fosse tão deficiente como é aquella que o Sr. Presidente do Conselho submetteu á deliberação do Parlamento.

Não vou buscar exemplos a qualquer nação estrangeira de regimen auctoritario ou apertado.

Vou citar uma lei da Republica Franceza.

Como é que era França está modernamente regulado o direito de associação, em geral?

A lei franceza não contem auctorização previa; mas nem por isso exclue disposições restrictivas.

Essa lei prescreve que as associações fundadas com um fim contrario ás leis, aos bons costumes, ou que attentem contra a integridade do territorio nacional, ou contra a forma republica na do Governo, serão nullas e de nenhum effeito.

Na França liberal, na França republicana, todas as associações, absolutamente todas, que attentarem contra a integridade do territorio nacional, ou contra a forma republicana do Governo, nem chegam a ser dissolvidas: são consideradas nullas e de nenhum effeito.

Sendo estes os principios liberaes de uma nação avançada, eu cada vez mais me convenço de que presido a um partido liberal, que, aliás, se denomina conservador.

Na verdade não ha nada mais acceitavel que um partido que se funda em tradições de liberdade, e não ha nada mais intolerante do que um grupo que sustente um dogma que todos são obrigados a admittir como artigo de fé indeclinavel.

Está o Sr. Presidente do Conselho" disposto a acceitar estes principios? Está tambem disposto a não tolerar associações que attentem contra a integridade da nação e contra o regimen monarchico?

Não quero prolongar as minhas considerações, e já fui alem do que tencionava.

Combato por completo o projecto, porque entendo que não é liberal, que não é completo, que não é efficaz e que nem é defensavel.

É possivel que o Sr. Presidente do Conselho e a maioria que o apoia pensem de maneira diversa; mas isso não obsta a que eu, no desejo de collaborar com o Governo, envie para a mesa algumas proporás que, a meu juizo, tornam mais claro o sentido do que se projecta, e desembaraçam as auctoridades de confusões, quando pretenderem applicar a lei.

Essas propostas são do teor seguinte:

«1.° Que, no artigo 1.° do projecto de lei em discussão, se supprimam as palavras «sem«pre que essa approvação não seja exigida «pela lei».

2.° Que. entre o antigo 1.° e o artigo 2.° do projecto se introduza o seguinte:

«Artigo 2.° Toda a associação que se cons«tituir, e se propuzer funcciomar, para fins (illicitos, contrarios aos bons costumes ou ás «leis do paiz, será havida como nulla e de «nenhum effeito e como tal dissolvida».

«3.° Que, conseguintemente, o artigo 2.° do projecto passe a ser o 3.°».

«4.° Que no projecto sejam incluidos os seguintes artigos:

« Artigo 4.° Ás associações actualmente «existentes que não hajam sido devidamente «auctorizadas nos termos do artigo 282.° do «Codigo Penal em vigor, é concedido o prazo «de tres meses para regularizarem a sua «existencia na conformidade da presente lei, «sob pena de dissolução».

«Artigo 5.° A dissolução das associações «que, em qualquer tempo, se haja de realizar, por virtude do que n'esta lei se preceitua, ou do que estiver determinado nos «diplomas espeeiaes com força legal, a que se «refere o artigo seguinte, effectuar-se-ha por e deliberação fundamentada do Governo, sobre informação da auctoridade respeetiva, ouvida a Procuradoria Geral da Corôa e Fazenda. O Ministerio Publico promoverá, em «taes casos, perante os tribunaes competentes a applicação das penas a que estiverem «sujeitos os infractores".

«Artigo 6.° Salvo o disposto no artigo precedente, são exceptuadas da presente lei as «associações especialmente regidas por leis «ou decretos com força legal que estão e «continuarão em vigor; designadamente as «associações a que se referem es decretos de «5;de outubro de 1859 e 28 de fevereiro de «1891, de 22 de outubro de 1868, de 9 de «maio de 1891, e de 18 de abril de 1901».

«5.° Que o artigo 3.° do projecto passe a ser o artigo 7.°«

É preciso saber quaes são as disposições que continuam a vigorar, se a proposta do Governo merecer a approvação da Camara.

As minhas propostas não são de combate, ou emanadas de intuitos politicos.

Desde que se trata de um assumpto de um tão largo alcance, como é o direito de associação, desejo, embora divirja da opinião do Governo, que se saiba o que se adopta, o que se determina, o que se applica, o que subsiste, e o que se revoga.

Vozes: — Muito bem.

(O Digno Par não reviu).

As propostos foram lidas na mesa, admittidas; e ficaram em discussão juntamente com o projecto.