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156 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

d'essas ideias, desde que ella se faça dentro da ordem.

É tão legitimo a qualquer cidadão fazer a propaganda das suas doutrinas e das suas ideias no recinto de qualquer associação, como legitimo é que a exerça na imprensa e no Parlamento, desde que os poderes constituidos não sejam apoucados no seu prestigio, e desde que as leis sejam acatadas.

Em materia de liberdades, mercê de Deus, não precisamos do exemplo de outras nações. (Apoiados).

Não me lembro de quaesquer outras considerações do Digno Par, impugnadoras do projecto. O artigo 1.° modifica o artigo 282.° do Codigo Penal, no sentido de fazer cessar a auctorização da auctoridade para a constituição de quaesquer associações, com fins que não sejam contrarios ás leis do reino. Abre-se uma excepção nos termos da legislação hoje existente, e nos da que possa existir amanhã. Se por ventura se constituirem associações para fins contrarios ás leis do reino, a auctoridade procede como tem procedido até hoje, segundo o disposto no artigo 282.° do Codigo Penal.

Disse as razões por que não posso acceitar as propostas do Digno Par, e ainda, pelo que respeita á dissolução das associações, devo dizer que ella só é permittida em casos muito restrictos e limitados.

Approvado o projecto que está em ordem do dia, a liberdade da associação fica a mais completa e a mais perfeita que se possa desejar dentro das leis existentes.

Termino por aqui as minhas considerações e voltarei ao debate, se for necessario.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Julio de Vilhena: — Parece-me que não ouvi bem o Sr. Presidente do Conselho.

O que o Chefe do Governo acaba, de declarar á Camara, em defesa do projecto que se discute, é tudo quanto ha de mais extraordinario e phantastico.

Custa realmente crer que dos bancos do Governo, e do auctor da proposta, se apresentem as razões que a Camara, ouviu.

Se o Sr. Presidente do Conselho, no desenvolvimento do seu programma liberal, apresentou esta proposta á sancção do Parlamento, é porque, naturalmente, tinha estudado o estado da nação portugueza em relação á liberdade de associação.

Se assim é, S. Exa. entende que a legislação actual não pode continuar, que o decreto originario de associação está limitado, e que, portanto, convem dar mais ampla liberdade aos cidadãos portuguezes no exercicio d'este direito.

Não se comprehende que fosse outra a razão do projecto.

Mas, se foi esta a razão do projecto, que quer dizer o que o Sr. Presidente do Conselho acaba de declarar á Camara?

Pois S. Exa. não disse que todos os decretos que actualmente existem ficam de pé?

Pois S. Exa. não acaba de declarar, d'aquellas cadeiras, que toca a legislação que este projecto pretende reformar continua era vigor?

Então que lei é esta?!

Aquillo ouve-se, mas não se acredita.

S. Exa., por um lado, diz que ficam revogados todos os decretos saidos do artigo 282.° do Codigo Penal e, por outro lado, diz que continuam em vigor.

É absolutamente phantastico!

O Digno Par que encetou o debate expoz admiravelmente a questão.

Não quero seguir as suas considerações acêrca da historia do direito de associação, porque a exposição feita por S. Exa. elucidou toda a Camara.

O que é evidente, o que é manifesto, é que, se porventura a doutrina sustentada pelo chefe do Governo é acceitavel, fica sem se saber a que é applicavel a nova lei.

Não ha associação nenhuma a que se applique a nova lei!

Diz o Sr. Presidente do Conselho: importa pouco com o projecto a questão religiosa.

Importa tudo, digo eu.

Se se julga revogada a disposição do Codigo Penal, temos as associações religiosas vivendo desassombradamente e, com a existencia d'ellas, pode surgir de novo a questão religiosa. (Apoiados).

No intuito de obviar aos inconvenientes que apontei, mando para a mesa a seguinte proposta:

«As disposições d'esta lei não são applicaveis ás associações de caracter religioso, que continuam sujeitas ao decreto de 18 de abril de 1891.

As associações d'esta natureza que, no prazo de trinta dias, contados desde a publicação d'esta lei, não tiverem cumprido o que se acha disposto no mesmo decreto, serão dissolvidas pelo Governo, com a apposição do artigo 282.° do Codigo Penal».

O projecto que se discute já foi largamente combatido pelo Digno Par o Sr. Hintze Ribeiro.

Este projecto não é um projecto de liberdade de associação, porque deixa completamente ao arbitrio das auctoridades a constituição das associações, embora diga que os seus estatutos não devera ser approvados por ella.

Desde que se entrega á policia o direito de dissolver as associações, onde fica a liberdade?

O que o verdadeiro espirito liberal exige não é isto. O que seria necessario era uma lei que garantisse o direito de associação a todos os cidadãos portuguezes.

Sr. Presidente: eu sinto profundamente isto, pode o Sr. Presidente do Conselho acreditar, porque eu vejo, n'este projecto e n'outros apresentados por S. Exa. não a fallencia de um homem; vejo mais do que isso, vejo a fallencia de um systema, não pelos principios fundamentaes d'esse systema, mas pela maneira por que S. Exa. procura realizal-os entre nós.

O Governo appareceu com um programma liberal, que era o que se exigia no momento actual, porque só um programma sinceramente liberal, executado fielmente, correspondia ás necessidades do paiz. Este projecto do Governo faz parte integrante de todo o seu systema de proclamação de principios liberaes.

A doutrina do Sr. Hintze Ribeiro, mostrando a necessidade da approvação de estatutos para instituições religiosas, é mais liberal do que aquella que sae da legitima e pura fiscalização do Governo.

O paiz exige um regimen liberal, sim, mas exercido liberalmente.

O Governo apresentou um programma liberal; mas os seus actos são absolutamente contrarios aos principios que proclamou.

A parte integrante do systema do Governo contem disposições mais reaccionarias do que as que apresentam os partidos conservadores.

O Ministerio não tem razão de existir, porque falseou o seu programma.

O projecto que se discute é um dos artigos d’esse programma. O outro artigo é a lei de responsabilidade ministerial, que tira aos cidadãos um direito que lhes é garantido na Carta.

Em oitenta, annos de regimen constitucional, é a primeira vez que apparece um Governo com a audacia de pretender tirar aos cidadãos portuguezes o direito de apresentarem as suas queixas contra infracções da Constituição.

Esse direito está-lhes garantido no § 28.° do artigo 140.°, que muito claramente diz que todo o cidadão poderá apresentar por escripto, aos poderes legislativo e executivo, reclamações, queixas ou petições, e até expor qualquer infracção da Constituição, requerendo perante a competente auctoridade a effectiva responsabilidade dos infractores.

O projecto em ordem do dia mata a liberdade de associação; a lei de responsabilidade ministerial coarcta a liberdade individual dos cidadãos, e a lei da imprensa é uma verdadeira