10 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
pelo Presidente do Conselho, acrescentou:
Tem havido despesas, alem das que são consignadas estrictamente á dotação da Familia Real. Essas despesas dizem respeito principalmente á representação do país e ás obras nos palacios reaes.
A dotação da Familia Real está calculada para o seu viver normal e não para os casos especiaes de visitas a soberanos estrangeiros, o que em toda a parte constitue uma despesa extraordinaria.
Analysando as palavras do eximio estadista, vê se que elle não nega a existencia de adeantamentos á Casa Real. Ao contrario affirma que se fizeram para despesas nos Paços Reaes e para representação do país. Alem d'estes confessa que houve outros, porque diz que estes foram os principaes. Deduzo eu que os outros adeantamentos foram do pequena importancia, e que os que realmente avultam foram as despesas feitas com a conservação e restauração dos paços reaes e com a representação do país, na parte desempenhada pelo Rei.
Ora, eu pergunto:
Devem reputar-se adeantamentos á Casa Real para o effeito de exigir o seu reembolso, as despesas feitas com a restauração dos paços reaes, muitas d'ellas em occasião que era preciso fazê-las para a condigna recepção dos Soberanos estrangeiros?
Não eram essas despesas, alem de obrigatorias para o Estado como proprietario dos paços reaes, necessarias para a representação do país?
Podem reputar-se adeantamentos as quantias gastas, ainda na parte entregue directamente á Casa Real, por motivo das visitas dos Reis de Espanha, de Inglaterra, do Presidente da Republica Francesa, do Imperador da Allemanha e de quaesquer Principes estrangeiros?
Podem reputar-se adeantamentos as quantias que se despenderam nas viagens do Rei a Espanha, a Franca e a Inglaterra?
Eu supponho que não. Em toda a parte despesas d'essa natureza, são chamadas extraordinarias e ficam a cargo do Estado. Se os Ministros que as autorizaram as não legalizaram trazendo-as á Camara, ou não abriram, estando ella fechada, os respectivos creditos, commetteram uma grave falta, mas a essa falta, de natureza politica, é estranha a Casa Real. Mas não é uma falta grave, pois só o seria se realmente taes despesas não pertencessem ao Estado.
Acêrca dos paços reaes, que é onde certamente figuram as verbas mais importantes, cumpre não esquecer o que se encontra nas leis do país.
A Carta entregava á Rainha D. Maria II todos os paços que tinham sido possuidos pelos Reis seus antecessores. Ficavam-lhe pertencendo, o que parece cobrir-lhe a propriedade plena. O decreto de 18 de março de 1834 extinguiu, porem, a casa do Infantado, incorporando os seus bens nos proprios nacionaes, mas os palacios e quintas da Bemposta, Alfeite, Samora Correia, Caxias e Monteira, casas, quintas e mais dependencias foram destinadas a recreio e decencia, da Rainha, como os palacios e terrenos de que tratava o artigo 80.° da Carta Constitucional. Estabelecida ficava assim a situação da Rainha com referencia a estes bens. Era simplesmente usuaria. Uso e habitação era o direito concedido.
Veio a lei de 19 de julho de 1855 e fez importantes alterações no regime existente. Permittiu o arrendamento dos bens da Coroa, com excepção dos jardins de recreio e dos palacios destinados para residencia ou recreio do Rei. Aquelles ficavam no usufruto da Coroa, nestes tinha o Rei o direito de uso e habitação.
E já se vê, Sr. Presidente, quanto era injusta e infundada a accusação feita á Casa Real por ter arrendado ao Estado alguns palacios e terrenos de que era usufrutuaria. Essa faculdade não só lhe é concedida expressamente pela lei de 1855, mas está comprehendida nos direitos geraes dos usufrutuarios, que podem, nos termos da lei civil, arrendar, alugar ou trespassar o usufruto. Dizia-se com a indignação, do costume: "Pois ha de permittir se que o Estado pague renda pelo uso de predios de que é proprietario?
Como se isto tivesse alguma cousa de censuravel!
Todos sabem que o proprietario não tem outro direito, em relação ao predio usufruido, que não seja o de consolidar com • á sua propriedade o usufruto, quando este termine. O usufrutuario pode arrendar a qualquer pessoa, incluindo o proprietario, o predio usufruido, porque a renda que este ou outro lhe pague é o supposto valor annual do usufruto; isto, que é rudimentar, andou por ahi em discussões de ordem politica como se fosse um delicto praticado em commum pelo Governo e pela Casa Reai.
Quanto ás despesas como os concertos e reparações, estão ellas bem reguladas. Nos bens de que a Coroa é usufrutuaria, essas despesas regem se pelas disposições da lei civil; nos outros bens a lei manda para aquelle effeito inscrever annualmente no orçamento a verba de 6:000$000 réis..
É necessario exceder a verba orçamental? O dever do Governo é proceder nesse caso como em todos os outros casos semelhantes. Mas isso não são adeantamentos feitos á Coroa; são despesas obrigatorias do Estado.
Das despesas para viagens ou recepção de Soberanos estrangeiros convem dizer que, se a Coroa fosse obrigada a pagá-las, duas visitas de Soberanos bastariam para absorver em festejos a dotação de um anno inteiro, ficando o Rei sem meios de sustentar a sua casa.
Ha outras quantias abonadas alem d'estas? Por mim não posso dar testemunho, porque, como todos sabem, estou ausente do. Governo ha cerca de dezasete annos. Isto não é fugir a responsabilidades. Cada um tem aquellas que realmente lhe pertencem. Mas se precisam para qualquer effeito politico de declarações minhas, ahi vae uma que ninguem me obriga a fazer, que para muitos será inhabil, por ser desnecessaria, mas que eu não tenho duvida em publicar, porque está na franqueza do meu caracter, que nunca será manchado por quaesquer artificios politicos.
Se eu fosse Ministro e visse o Chefe de Estado prejudicado na sua autoridade moral por exigencias dos seus credores, que elle não pudesse satisfazer pelos seus recursos proprios, se taes exigencias representassem o que se chama um escandalo, dentro ou fora do país, e se as circunstancias fossem urgentes, eu acudir-lhe-hia com os recursos necessarios para o evitar, e viria dizer immediatamente á Camara. Assumo inteiramente todas as responsabilidades do acto que pratiquei, porque entendo que é bem desgraçado o país que não tem um Ministro, não direi bastante corajoso, mas vulgarmente correcto para manter, evitando um escandalo, o prestigio da Monarchia, que lhe cumpre defender.
Austeridades á custa dos outros sempre as detestei. Nem do Rei, nem do mais humilde funccionario. Se alguma vez as pratiquei foi sempre á minha propria custa. Mas isso é commigo e não merece elogios nem louvores. Alcançar applausos por ter deixado exposto á irrisão publica o credito e o prestigio moral da pessoa que consubstancia em si a mais elevada das funcções monarchicas, isso nunca. Isso não é austeridade, é egoismo, quando não é timidez ou covardia. Estou convencido de que a Camara me absolveria, porque eu havia de justificar-me como o devem fazer os homens honestos. Mas se me condemnassem, não seria uma condemnação deshonrosa, porque dentro da minha consciencia encontraria a plena justificação do meu acto.
Conheço as difficuldades com que arrostou a Casa Real no ultimo reinado. Assisti ao contrato de cerca de 300 contos, que é do dominio publico e parlamentar, celebrado com o Banco de