SESSÃO N.° 17 DE 17 DE JUNHO DE 1908 11
Portugal, e garantido por uma apolice de seguro de vida, porque a Casa Real não tinha outros valores que o pudessem caucionar.
Se é certo que em Londres possuia o monarcha fallecido 80 contos, que é isso como valor fie espolio, para quem deixa uma divida conhecida de cerca de 300?
Sabe se que a casa de Bragança vale mais de 1:000 contos e ninguem ignora que ella rende cerca de 40 contos annualmente. O seu rendimento durante os annos de todo o reinado não devia ter sido inferior a 1:000 contos. Nada poderia admirar, portanto, que chegasse para a desonerar de encargos, deixando-lhe ainda o saldo de algumas centenas de contos. E, comtudo, as despesas da Casa Real tudo absorveram, o que bem demonstra quanto eram* verdadeiras as difficuldades financeiras com que lutou.
Vou concluir, Sr. Presidente, terminando as minhas considerações nos seguintes termos:
Não posso com o .meu voto, e com muito sentimento o digo, approvar o projecto do Digno Par o Sr. Baracho, porque não é funcção d'esta camara nomear a commissão de inquerito do fim do reinado, e nem lhe poderia conceder os poderes discrecionarios que S. Exa. pretende.
Dou porem o meu voto a uma commissão de inquerito nomeada nos termos do antigo 14.° do Acto Addicional, que, reunindo por meio das possiveis investigações os documentos existentes sobre o assunto dos adeantamentos, nos habilite a desempenhar a funcção que nos pertence e que é discutir e votar o projecto de lei sobre os adeantamentos e a lista civil. Até aqui chega na minha opinião o direito d'esta Camara. Mas d'aqui não pode passar. - Essa commissão é mais do que sufficiente para que a Camara possa conhecer o assunto em todos os seus pormenores e para que possa tornar effectiva a responsabilidade politica de quem fez qualquer adeantamento. Venham todos os documentos; não se occulte nada nem á Camara nem ao país. A questão dos adeantamentos não pode tratar-se em these; só verificando cada uma das hypotheses, cada uma das verbas, as circunstancias em que o adeantamento foi feito, é que pode pronunciar-se um juizo seguro. Se algum dos Ministros dos Governos regeneradores abonou alguma quantia, elle pela sua voz eloquente se justificará. De pouco servirá a minha palavra para o defender, mas chegará até onde eu a puder levar, porque sei de antemão que só o interesse publico poderia dirigir os seus actos. Ponhamos, porem; a questão no seu verdadeiro terreno.
Os partidos nada teem com isso.
Pois quê! Não vemos nós os proprios Ministros que serviram em situações em que se fizeram adeantamentos declinando a responsabilidade d'elles por não terem sido approvados em Conselho de Ministros? Como hão de então os partidos ser responsaveis por actos em que não collaboraram?
Então esses Ministros nem mesmo pertenciam aos partidos que agora pretendem sobrecarregar de responsabilidades? Quando sairam d'elles passaram o rio do esquecimento, e deixaram na margem toda a carga das responsabilidades contrahidas? Não comprehendo, Sr. Presidente. Eu não intento impor responsabilidades a ninguem; cada um toma as que quer; acceito as declarações que façam; mas seja-me ao menos permittido tirar as conclusões que logicamente d'ellas derivam. Não chego a perceber como elles estão isentos de responsabilidades, por não terem sido ouvidos pelos seus collegas, e ao mesmo tempo sejam tão crueis para com os partidos que nem ouvidos podiam ser.
Aqui termino, promettendo voltar ao debate, se eu entender que é necessario responder a qualquer impugnação que me fizerem.
Tenho, concluido. (Vozes: - Muito bem).
(O orador foi cumprimentado por muitos Dignos Pares de todos os lados da Camara).
O Sr. Sebastião Baracho: - Agradeço, essencialmente penhorado, as lisonjeiras referencias que me fez o Digno Par, ao iniciar o seu brilhante discurso, tão recheado de curiosas informações e, sem a menor duvida, amoldado pela mais selecta jurisprudencia.
Não obstam, porem, estes predicados a que eu me mantenha no pé em que me colloquei, derivante dos genui nos preceitos constitucionaes, sustentados na minha proposta, cujas conclusões convem desde já indicar, e são d'este teor:
1.º Que por ella (por esta Camara) seja nomeada uma commissão de 21 membros, que, dividida em secções, procederá a rigorosa syndicancia ás Secretarias do Estado e suas dependencias, a qual abrangerá todo o periodo do reinado transacto,
2.° Que a commissão inaugurará os seus trabalhos procedendo ao apuramento das responsabilidades de toda a ordem, motivadas pelos adeantamentos illegaes á fazenda da Casa Real e a quaesquer funccionarios do Estado - apuramento que deve abranger todos os beneficios de natureza varia, auferidos pela Coroa, por os diversos Ministerios, com violação das leis do Reino.
3.° Que a commissão seja investida de plenos poderes, indubitavelmente consentaneos com a melindrosa e alta missão que lhe é confia-la, e indispensaveis para que ella não passa, por circunstancia alguma, ser contrariada e diminuida no exercicio das suas importantes funcções. = Sebastião Baracho.
O Digno Par a que tenho a honra de responder iniciou a sua oração alludindo ás cartas, tão debatidas nesta casa, do fallecido Rei D. Carlos, e protestou não chamar ao debate a pessoa do Rei.
Contraditorio comsigo mesmo - e não foi a unica vez que se patenteou sob essa feição- o illustre orador concluiu o seu discurso tratando de adeantamentos á Familia Real, pela forma melindrosa por que eu o não faria.
De resto eu não tenho por habito occupar-me, nas discussões politicas, das pessoas reaes. Alvejo sim o Governo, que é o responsavel, segundo a letra constitucional, pelos actos do poder moderador,- que mais cabidamente se deve denominar poder perturbador - o Governo, que é o responsavel pelo poder neutral, conforme a designação de Benjamim Constant, e que mais apropriadamente se poderia intitular poder parcial.
Os actos verdadeiramente perturbadores da boa ordem, e de parcialidade manifesta, os quaes tanto teem contribuido para a anarchia politica em que vegetamos, justificam as denominações por mim empregadas, e ainda a extincção de um tal poder, que não encontrou guarida na Constituição de 23 de setembro de 1822, nem tão pouco na de 20 de março de 1838.
Posto isto, seja-me licito insurgir-me contra a asseveração do Digno Par e meu velho amigo, de que esta Camara carece de idoneidade para proceder a inqueritos e syndicancias.
Pretendeu o Digno Par, com razões de ordem juridica, firmar a preferencia da Camara Electiva para o desempenho de missões d'essa natureza.
Labora, no meu conceito, o meu contraditor no mais completo engano.
Nesta Camara não predomina o facciosismo politico, e nella revive a prudencia, derivante da idade provecta dos seus membros. Demais, pelo caracter vitalicio dos seus membros, qualquer commissão inquiridora por ella nomeada disporia do tempo preciso para se desempenhar do seu mandato.
Afigura-se-me que estas condições que, em todo o ponto se recommendam, não residem na Camara electiva, cujo organismo, por ser muito differente, a não permitte cultivar.
Na Italia, que pode servir de modelo aos países democraticamente constituidos, o Senado procede a syndicancias dos actos e serviços publicos; e nem por isso fica privado de exercer as funcções de alto tribunal de justiça. Assim, quando em 1904, eu pedi aqui uma syndicancia a uma repartição do Estado, o Senado italiano procedia, por delegação propria, a um inquerito referente a assuntos de marinha. Recen-