14 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
Costa e Silva, Campos Henriques, Ayres de Ornellas, Eduardo José Coelho, Fernando Larcher, Matozo Santos, Veiga Beirão, Dias Costa, Francisco José Machado, Francisco Maria da Cunha, Ressano Garcia, Baptista de Andrade, D. João de Alarcão, João Arrojo, Teixeira de Vasconcellos, Gusmão, José de Azevedo, Silveira Vianna, Julio de Vilhena, Luciano Monteiro, Rebello da Silva, Pimentel Pinto, Poças Falcão, Bandeira Coelho, Sebastião Telles e Sebastião Dantas Ba racho.
O Redactor,
ALBERTO BRAMÃO.
Representação enviada ao Digno Par Sr. Francisco José Machado
Dignos Pares do Reino. - Os abaixo assinados, proprietarios da grande maioria de pastelarias e confeitarias de Lisboa, vêem com o maximo respeito, e uso da faculdade que lhes faculta a Carta Constitucional da Monarchia Portuguesa no § 28.° do seu artigo 145.°, representar á Camara dos Dignos Pares do Reino, a fim de que na revisão dos decretos de 7 de agosto de 1907 e de 14 de outubro do mesmo anno, sobre o descamo se manai, seja attendida a justa pretensão que passam a expor:
Pelo decreto de 7 de agosto de 1907 foi estabelecido o descanso semanal obrigatorio para as classes trabalhadoras.
A forma, porem, como nesse decreto se mandou praticar tão justa como sympathica revindicação dos que trabalham levantou numerosos attritos e innumeras reclamações, que deram em resultado a publicação do decreto de 14 de outubro, que, modificando em alguns pontos o de 7 de agosto, não logrou todavia obviar a todos os inconvenientes, nem deu satisfação cabal a muitos dos justos protestos formulados contra o primeiro decreto, que havia regulado materia tão difficil e onde tantos interesses se chocam e embatem.
Assim, as reclamações formuladas pelos donos das pastelarias e confeitarias de Lisboa não foram attendidas, continuando para taes estabelecimentos o encerramento obrigatorio aos domingos e nos mesmos dias o o descanso dos seus empregados, com grave prejuizo conjunto do publico e dos referidos proprietarios dos estabelecimentos.
E, todavia, nada mais justo em si, e até em comparação com outras disposições do alludido decreto, do que permittir-se a abertura das pastelarias aos domingos, tendo os respectivos empregados um dia de descanso por turnos em cada semana.
Vejamos:
No artigo 3.° do decreto de 7 de agosto excepcionam-se, entre outros do encerramento e do descanso semanal os estabelecimentos industriaes em que a cessação do trabalho produza a destruição dos productos do fabrico e bem assim as padarias, talhos, estabelecimentos de venda de fruta, hortaliças, legumes e peixe fresco, [...], etc.
A ideia que presidiu a estas excepções foi, quanto a umas, a indispensabilidade dos referidos productos e generos para o consumo publico diario; quanto a outras, a facilidade com que os mesmos productos e generos se damnificam e deterioram de um dia para o outro.
Pois ambas estas razões colhem em favor das reclamações dos proprietarios das pastelarias e confeitarias, porquanto os respectivos productos, pelos usos e costumes d'esta capital, se tornaram indispensaveis para o consumo publico diario e os mesmos productos de deterioram de um dia para o outro com extrema facilidade ou pelo menos perdem as melhores das suas qualidades pelas quaes se recommendam e se impõem ao paladar.
Ninguem dirá que as frutas, as hortaliças e legumes e até o pão e a carne de não podem comprar ao sabbado para o consumo ao domingo.
E, todavia, o decreto excepcionou aquelles generos, e muito justamente, da prohibição da venda ao domingo, porque, se não todos, ao menos alguns d'esses generos se tornam inferiores e se damnificam com a demora, em casa do consumidor.
E, todavia, tambem se não pode dizer que, por exemplo, as frutas sejam mais indispensaveis ao consumo diario do que os generos de pastelaria e confeitaria.
E se assim é com relação a qualquer ponto do pais; mais flagrante se torna a comparação se nos referirmos a Lisboa, onde, como é do dominio publico, os artigos de pastelaria e confeitaria são de consumo permanente e indispensavel, graças ao fino gosto na popução da capital, e esse consumo attinge muito maiores proporções aos domingos e das destinados a descanso e a prazeres e em que as classes menos abastadas, que nos dias de somma se privam d'esses generos, os não dispensam naquelles dias já transportando-os para suas casas, já, e principalmente, com-prando-03 e consumindo-os nos respectivos estabelecimentos.
Assim, pois, no vigor do decreto de 7 de agosto, nem os consumidores do referido artigo podem fazer convenientemente os seus fornecimentos aos sabbados, não só porque muitos d'esses generos se deterioram de um dia para outro, mas tambem porque se não confeccionam outros que exigem consumo immediato, na incerteza de venda aos sabbados e na certeza da prohibição da venda aos domingos; nem o innumeravel publico que concorria aos estabelecimentos aos domingos, e ali fazia largo consumo, tem presentemente essa regalia, por se acharem fechados os estabelecimentos.
Resulta pois do disposto no decreto de 7 de agosto não só o prejuizo do publico, mas tambem o prejuizo dos proprietarios das pastelarias e confeitarias; e uma lei que regule o descanso semanal não pode nem deve concorrer para o prejuizo de quem quer que seja e estabelecer regalias á custa do sacrificio de interesses legitimos e respeitaveis;
E tanto assim é, que o proprio decreto de 7 de agosto, em o n.° 1.° do § 1.° do artigo 4.°, estabelece que, quando haja prejuizo para o publico, possa ser escolhido outro dia que não o domingo para o descanso semanal.
E tanto no caso de que nos occupamos ha prejuizo para o publico e para os donos dos estabelecimentos, que o mesmo decreto, no § 2.° do artigo 4.° assim o reconheceu, exceptuando do descanso e do encerramento dos estabelecimentos o domingo gordo, 1 de novembro, 8 de dezembro, os dias que decorrem de 24 de dezembro a 10 de janeiro e do domingo de Ramos ao domingo de Páscoa. Estas excepções, porem, valiosas como prova a razão que assiste aos representantes em suas reclamações, não se poderá chamar justiça, porque conteem apenas uma parcela de justiça e não ha justiça que não seja inteira e completa.
A população de Lisboa são compra extraordinariamente os productos de pastelaria e confeitaria somente naquelles dias excepcionaes, antes faz d'elles largas compras o consumo todos os domingos.
De resto a pretensão dos abaixo assinados não prejudica os seus empregados, os quaes da mesma forma terão um dia de descanso em cada semana por turnos, e ao que deve attender se é ao descanso em si e não ao dia em que elle tenha de executar-se.
Tambem os representantes não vêem que das suas reclamações provenha prejuizo para terceiros, mas caso o haja remedeie-se e faça-se desapparecer na lei esse inconveniente, pois que os abaixo assinados de forma alguma desejam prejudicar quem quer que seja e apenas aspiram a elles proprios e o publico não serem prejudicados, como sem sombra de duvida o são pelas disposições em vigor.
Os representantes, pois, conscios da justiça que lhes assiste, esperam do poder legislativo a satisfação das suas relamações a fim de que os estabelecimentos de pastelaria e confeitaria fiquem comprehendidos na disposição do artigo 3.° e no § unico do decreto de 7 de agosto de 1907, ou nas disposições da lei que haja de substituir aquelle decreto, por forma que possam estar abertos e transaccionar em todos os dias, tendo os respectivos empregados por turnos um dia de descanso em cada semana.
Lisboa, 30 de maio de 1908. = José Rodrigues Pires = M. Rodrigues & Rodrigues = A- Martins & C.a = José Alces = Feliciano Carvalho Vasconcellos Junior = João Ferreira de Castro = J. D. Wagner = Guedes & Ennes = J. Fernandes Junior = Manuel Gomes Vianna = Manuel Marques & C.ta = Casimira Benard = Diogo da Cunha = Antonio R. Mauricio = Empresa Bijou des Gourmets, L.da = Luis Pedro Nunes Ribeiro = Joaquim Antonio Henriques = Porto & C.ta