SESSÃO N.º 17 DE 17 DE JUNHO DE 1908 3
firmada por trinta e um vendedores tabaquistas de Braga, que se queixam das exorbitancias da Companhia; e outra provem dos operarios manipuladores do Porto, contraditando com os melhores fundamentos as asseverações feitas pelo Sr. Ministro da Fazenda, quando num dos ultimos dias o interpellei sobre o assunto.
Outras questões de avultado interesse tenho a versar com respeito á privilegiada e absorvente Companhia dos Tabacos; e igualmente me proponho a tratar do onzeneiro e illegal emprestimo de 500:000 libras esterlinas, não menos illegalmente caucionado com o rendimento do monopolio dos fosforos.
Ha dias pedi a comparencia do Sr. Ministro da Fazenda, chamando-o a terreno nos assuntos que deixo esboçados. Agora insisto pela sua presença, porque, ao contrario do que suppõe a ingenuidade indigena, o Sr. Conselheiro Espregueira está de pedra e cal no Governo.
Os seus meritos rotativos estavam já potentemente affirmados: mas desde que S. Exa. attingiu até á consagração de se manifestar na outra Camara, como réu confesso de illegalidades e como adeantador autenticado, tem pasta garantida, com caracter inamovivel e vitalicio. Não ha que duvidar. Posso portanto esperar alguns dias pela comparencia do titular da pasta da Fazenda, o que não succede referentemente ao Sr. Presidente do Conselho, por cuja presença nesta casa insto igualmente. Para que não haja surpresas, direi muito perfunctoriamente. a rim de que algum dos Srs. Ministros presentes lh'os transmitia, quaes os motivos determinantes do convite que lhe endereço.
Desejo ouvir o Chefe do Governo acêrca da arbitrariedade commettida com a censura previa theatral. Nem ella é permittida, nem quando o fosse a poderia exercer o chefe da policia administrativa. O artigo 1.° e seu § unico do decreto de 29 de marco de 1890 e o artigo 2i-l.° do decreto de 20 de janeiro de 1898 são explicitos a tal respeito. Reservo-me para o ler na presença do Sr. Presidente do Conselho; e nessa occasião o chamarei, simultaneamente, á autoria pelo que se está passando com as prisões arbitrarias, realizadas pela policia preventiva, de que são victimas varios individuos, cuja. cruel incommunicabilidade dura ha dezoito dias.
Estes processos terroristas, que só teem cabimento nos paises corroidos pelo despotismo, produzem, fatalmente resultados contrarios aos que são previstos pelos autocratas e tyrannos que os empregam.
O desenlace patenteado ante-hontem, na Boa Hora, do processo motivado ela explosão na Rua de Santo Antonio á Estrella, fala mais alto do que quaesquer considerações que eu me permittisse adduzir.
Na execranda Bastilha foram os dois accusados inquisitorialmente tratados. Nem menos de seis meses e tres dias 'orara conservados na mais completa incommunicabilidade. Não pode haver attestado de maior crueza e perversidade.
Duas testemunhas d'esse mesmo processo, Augusto José Vieira e José do Valle, do quadro do pessoal do Mundo, estiveram detidos á ordem da Bastilha, em calabouços infectos, na qualidade, repito, de meras testemunhas, o primeiro 76 dias e o segundo 65, a maior 3arte do tempo incommunicaveis. Dezenas de cidadãos se acharam, por identico motivo, submettidos a iguaes tratos de polé.
O jury popular soube, felizmente, ante-hontem, fazer justiça, pondo em liberdade os dois accusados, que foram os dois unicos apurados para responder em audiencia, de tantos martyrizados no inicio da instrucção da causa.
Com o supposto cadastro a realizar do pessoal d'O Mundo, algo tenho a dizer tambem ao Sr. Presidente do Conselho, não obstante a violencia que se commettia ter deixado de ser praticada aã alguns dias.
O cadastro policial é a peor recommendação que podem ter os homens honestos. É exclusivo dos criminosos.
Para elaboração de outra especie de adastro não é idonea a Bastilha, cujo desprezivel pessoal exercita, especialmente, a suspeição, a delação, e a espionagem.
Nesse aviltante mester, e para retribuir despesas inconfessaveis, vão gastos no anno economico de 1907-1908 61 contos de réis, isto é, mais 25 contos de réis do que a dotação orçamental.
Attenta a miseria que atravessa o país, é positivamente um crime, e dos mais graves, desbaratar por forma tão impropria os dinheiros publicos, com o degenerado objectivo de pôr em relevo doentio um outro salafrario e de irritar os espiritos e de cultivar os odios, o que tudo é indubitavelmente lesivo para o viver social.
Tenciono, por ultimo, convidar o Sr. Presidente do Conselho para que faça publicar quanto antes a syndicancia realizada em virtude dos sangrentos acontecimentos de 5 de abril.
O Diario de Noticias publicou hontem e hoje duas notas de feição officiosa que, se ellas traduzissem, o apuramento do inquerito, seriam o corollario da nota igualmente, officiosa de 6 de abril preterito, que procurava irresponsabilizar os pretorianos discolos policiaes, civis e militares, que fuzilaram cobardemente o povo inerme da capital.
Hoje, como nas occasiões anteriores em que me tenho occupado do assunto, consigno a indispensabilidade de que ás victimas que sobreviveram, e ás familias de todas ellas, seja dada a devida reparação, com o merecido castigo dos delinquentes.
Demais, ao exercito, que soube em circunstancias extraordinarias desempenhar suasoria e suavemente o serviço policial, tem tambem de ser dada a necessaria satisfação.
Não pode elle, orador, naturalmente, conformar-se com que fiquem impunes as barbaridades e os delictos praticados por alguns dos seus membros, destacados nos corpos policiaes.
Appareça pois a lume, e sem demora, a syndicancia effectuada, para que d'ella possa ser feita a critica imparcial, que terá de abranger os syndicantes, os syndicados e quem mandou syndicar.
De outra forma, e pela parte que me respeita, servir me-hei das notas officio-sas publicadas, para verberar, como me é licito fazê-lo; este ainda candente assunto.
(S. Exa. não reviu}.
O Sr. Ministro da Justiça (Campos Henriques): - Sr. Presidente: são unicamente duas palavras em resposta ao Digno Par que acabou de falar.
Em primeiro logar certifico a S. Exa. que communicarei aos meus collegas das Obras Publicas e da Fazenda as considerações que S. Exa. acaba de apresentar, e tenha S. Exa. a certeza de que elles se apressarão a tomar as providencias que reclamarem as circunstancias que o Digno Par apontou, dando-lhe em seguida as explicações necessarias.
Quanto á syndicancia ás occorrencias de 5 de abril, o Governo nenhuma duvida tem em que ella seja publicada.
Communicarei ao Sr. Presidente os desejos do Digno Par.
Por ultimo devo declarar que as prisões ultimamente realizadas o teem sido em harmonia com as disposições legaes.
Quanto a incommunicabilidade, sou informado de que já acabou ha dias, e que foi determinada por motivos e causas attendiveis.
São estas as informações que, muito resumidamente, posso dar ao Digno Par.
(S. Exa. não reviu).
O Sr. Sebastião Baracho: - As minhas informações dizem-me que a incommunicabilidade dos presos se mantem ainda.
O Sr. Francisco José Machado: - Mando para a mesa uma representação dos proprietarios de algumas pastela-