4 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
rias e confeitarias de Lisboa, contra algumas disposições do decreto que estabeleceu o descanso semanal.
A circunstancia de ter chegado a hora de se entrar na ordena do dia impede-me de dizer algumas palavras em abono das razões allegadas neste documento; todavia, para que essas razoes sejam conhecidas, peco a V. Exa. que se digne consultar a Camara sobre se permitte que esta representação seja publicada nos nossos Annaes 1.
Consultada a Camara resolveu affirmativamente.
ORDEM DO DIA.
O Sr. Presidente: - Vae passar-se á primeira parte da ordem do dia, que é a discussão da proposta do Digno Par o Sr. Baracho.
Foi lida na mesa.
O Sr. Julio de Vilhena: - Inqueritos e adeantamentos: eis a questão. Folgo de ver, Sr. Presidente, que o Digno Par e meu antigo amigo o Sr. Baracho tenha apresentado a proposta que V. Exa. acaba de submetter á apreciação da Camara. Ella representa mais uma das muitas manifestações que o Digno Par tem dado, nesta assembleia, do seu elevado talento, do seu despelado estudo e da sua acrisolada dedicação pelos interesses do país. Nenhuma voz nesta Camara é mais persistente, nenhuma tem abrangido em mais largo ambito a vasta encyclopedia dos interesses nacionaes.
Com a apresentação d'esta proposta, o Digno Par reconheceu, que mal procederia a Camara dos Pares deixando em silencio., ou sem um debate especial, um assunto que é, neste momento, o principal, se não o unico, que occupa e interessa a attenção do país. Tenho muito prazer em prestar esta homenagem ao Digno Par, o que é ditado, não só pela justiça que todos lhe devemos, mas ainda pela amizade que desde muitos annos me prende a S. Exa. E por que é a primeira vez que me encontro combatendo as opiniões do Digno Par, é tambem .esta a primeira occasião em que cumpro este, para mim, gratissimo dever.
Nesta proposta envolvem-se as attribuições das duas Camaras em materia de inqueritos, a sua acção conjunta ou separada, a esfera da acção das diversas especies de inqueritos, permittidos pela Constituição, e ainda a questão dos adeantamentos, na parte da jurisdição, competente para a apreciar e julgar. É, como se vê, Sr. Presidente, um assunto sob todos os aspectos interessante nesta occasião, e se a politica, na accepção perturbadora d'esta palavra, não vier envenenar o debate; se a questão for discutida com a placidez e serenidade que devera presidir sempre ás lutas da palavra nesta casa do Parlamento, eu creio que alguma luz sairá da discussão da proposta do Digno Par, e que novo rumo seguirá essa questão, que tem, infelizmente para todos, assumido até agora um aspecto inconveniente e, por vezes, irritante e apaixonado.
Por mim asseguro a V. Exa. que vou occupar-me do assunto sem preconceitos nem prevenções de ordem politica. Farei todos os esforços, não para que a minha palavra seja eloquente, que nunca o foi, mas para que seja clara, nitida e precisa e leve o convencimento á razão dos que me ouvem. Não pretendo despertar as emoções do sentimento alheio, pretendo convencer o país d'aquillo que se me afigura uma verdade juridica e moral. Um dos Dignos Pares que me está ouvindo, o Sr. Arroyo, num dos seus eloquentes discursos proferidos em 1896, dizia, referindo-se a um orador a quem respondia: teve um successo, mas não teve um syllogismo. Excellente frase é esta que mostra bem quanto convem, na maior parte dos casos, procurar mais uma boa argumentação do que os effeitos de uma declamação brilhante.
Um d'esses casos é este. Antes de tratarmos de responsabilidades seja de quem for, antes de abrangermos em condemnações fulminantes homens e partidos, colloquemo-nos a nós mesmos dentro da ordem constitucional, deixemos o Rei em paz, tiremo-lo das nossas discussões de todos os dias, porque se hoje o chamamos ao debate para o elogiar, amanhã, estabelecido o principio de que a sua pessoa pode entrar nos nossos discursos, acontecerá que possa ser censurado quando qualquer orador assim o julgar conveniente. Neste ponto eu proporia um acordo sob a fiscalização de V. Exa. e esse seria não nos referirmos á pessoa do Rei, respeitando sempre e para todos os effeitos a irresponsabilidade real, sem a qual não é possivel o systema monarchico, e direi mesmo nenhum outro systema, porque desde que o Chefe do Estado, qualquer que seja a sua denominação, Rei ou Presidente, for arrastado aos debates dos partidos não pode existir nem o vitaliciado das monarchias, nem o septennado, ou qualquer outro periodo de duração da presidencia das republicas. Por mim cumprirei tal acordo, e quando acordo se não faça, manterei na minha acção individual o principio que foi sempre um dos pontos fundamentaes do credo regenerador.
Lembrada estará certamente a Camara de que ainda na sessão passada quando se discutiram aqui as cartas do Rei eu empreguei todos os esforços para afastar do debate a sua pessoa. (Apoiados).
Apresentei a verdadeira doutrina constitucional e mostrei que, uma vez envolvida nas lutas dos partidos a pessoa do Rei, desprezado o principio da sua irresponsabilidade, ficava ferida no cerce a instituição monarchica, porque perderia a estabilidade, ficando a fluctuar á mercê dos embates das opiniões apaixonadas.
Deixei bem assinalado o meu parecer de que a primeira obrigação do homem do Governo é impedir que o Rei seja arrastado ás lutas dos partidos, devendo o estadista que comprehenda a sua missão collocar-se sempre como um antemuro entre o Rei e o seu aggressor, assumindo todas as responsabilidades e evitando por todos os modos esse combate terrivel entre o Chefe do Estado e os partidos e que termina geralmente por um desenlace fatal. Não é só um principio theorico é tambem uma verdade historica.
Posto isto que constitue uma conversação preambular, vou entrar propriamente no assunto para que pedi a palavra.
A proposta do Digno Par tem tres artigos: no primeiro propõe S. Exa.:
Que por ella seja nomeada uma commissão de 21 membros, que, dividida em secções, procederá a rigorosa syndicancia ás Secretarias do Estado e suas dependencias, a qual abrangerá todo o periodo do reinado transacto.
Fundamenta o Digno Par a sua proposta no § 5.° do artigo l5.° da Carta e ainda sob a egide do artigo 14.° do Primeiro Acta Addicional. É, como se vê, uma commissão encarregada de examinara administração de todo o reinado transacto.
A primeira questão a resolver é, pois, a seguinte:
Pode a Camara dos Dignos Pares, com o fundamento nos referidos artigos da Constituição, nomear uma commissão de inquerito aos actos do reinado findo, ou esta funcção parlamentar deve começar na Camara dos Srs. Deputados?
Eu penso que se nós approvassemos a proposta ao Digno Par praticariamos um abuso de poder, collocando-nos fora da Constituição.
Vejamos qual é a doutrina constitucional a este respeito.
Segundo o § 5.° do artigo l5.° é de attribuição das Côrtes, na morte do Rei ou vacancia do Throno, instituir exame da administração que acabou e reformar os abusos nella introduzidos e, conforme o § 1.° do artigo 36.°, tambem principiará na Camara dos Se-
1 Esta representação vae publicada no final da sessão.