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SESSÃO N.° 17 DE 17 DE JUNHO DE 1908 7

Surgiram logo duvidas de todos os lados.

A que especie de commissão seria enviada a proposta?

Poderia executar-se a disposição da Carta sem lei regulamentar?

Por fim foi enviada á commissão de legislação, e só passado um anno é que se nomeou uma commissão que foi puramente nominal, porque nunca apresentou o resultado de quaesquer trabalhos.

Depois do fallecimento de D. Luis nenhuma commissão se nomeou.

É que acima de todas as leis reside o bom senso, que é o melhor interprete, e esse indica que ou o exame ha de ser precipitado, incompleto, pondo em relevo alguns casos e omittindo outros, praticando injustiças relativas, ou para ser completo e justo tem de levar largos annos.

Esta disposição da Carta tem de ser eliminada por inutil e substituida de modo a tornar rapida, pronta e effectiva a fiscalização parlamentar sobre os actos do Governo.

Não precisamos para isto de ir forragear preceitos á legislação constitucional dos países estrangeiros porque temos em nossa casa excellente doutrina, com algumas modificações. Está ella na Constituição de 1838.

Aqui está no artigo 38.°:

Cada uma das Camaras no principio das sessões ordinarias examinará se a Constituição e as leis teem sido observadas.

arece á primeira vista que esta doutrina é identica á que se encontra no artigo 139.° da Carta. Pois não é.

O artigo 139.° entrega ás Côrtes Geraes, e unicamente, as transgressões da Constituição; o artigo citado determina que qualquer das Camaras pode fazer o exame, e comprehende tambem as transgressões de todas as leis, embora não sejam constitucionaes.

A disposição da Constituição de 1838, com o simples acrescentamento de que a Camara é obrigada a nomear a commissão no prazo de oito dias depois de constituida e esta dar o seu parecer no maximo prazo de dois meses, estabelecera uma fiscalização parlamentar effectiva, e em todos os annos, o que dispensa certamente o exame improficuo de todo o reinado.

Basta uma disposição assina redigida e a sua execução pontual no principio de cada sessão ordinaria para se restabelecer o governo parlamentar.

O maximo prazo de nove meses de administração do Governo não exige um largo espaço de tempo para se examinar.

E assim teremos a fiscalização parlamentar effectiva em cada anno, não sendo portanto necessaria a fiscalização, realmente inutil, sobre factos occorridos muitos annos antes.

Não seria, parem, bastante reformai neste sentido o artigo da Carta.

Seria necessario fazer uma lei regulamentar, marcando as attribuições especiaes das commissões de inquerito e facultando-lhes todos os meios de desempenhar a sua funcção.

Presentemente, as commissões de inquerito não teem força coactiva para obrigar ninguem a depor perante ellas, não podem receber testemunhas com juramento, senão quando voluntariamente os interrogados quiserem depor com essa formula.

Como poderão as commissões obrigar os funccionarios publicos a fazer declarações sobre objectos do seu conhecimento official, quando não só os regulamentos das secretarias, mas até a lei penal, os pune com a demissão, pelo menos, se revelarem os segredos de que tiverem obtido conhecimento no exercicio dos seus empregos?

Não pode traduzir muitas vezes o depoimento uma inconfidencia e o desprezo do sigillo profissional?

Que penas se podem impor aos particulares que façam perante as commissões declarações falsas em materia de facto? Nenhumas.

A lei penal só castiga taes declarações quando tenham sido prestadas perante quem tenha autoridade legal para as exigir.

Desajudada de uma boa lei regulamentar que resolva todas estas difficuldades, nenhuma disposição constitucional poderia realizar o que todos desejamos, e que é ver funccionar as commissões de inquerito com resultados praticos e efficazes, auxiliando, pela larga copia de informações que possam alcançar, o exercicio de qualquer dos poderes do Estado.

Aqui está um ponto em que a nossa Constituição pode ser vantajosamente reformada. (Apoiados).

Mas, visto que falo em reforma constitucional, permitia-me a Camara que eu não deixe passar esta occasião sem affirmar mais uma vez o que penso a este respeito.

É possivel que esta breve digressão fatigue a attenção da Camara (Vozes de todos os lados: - Não, não), mas quero mais uma vez assegurar que não abdico em ponto nenhum das minhas ideias já manifestadas a este respeito. Entendo que a Carta deve ser sujeita a uma revisão geral, saindo d'essa revisão uniu Constituição nova, o que não quer dizer que se não conservem todas as disposições da Constituição actual que nenhuns inconvenientes tenham trazido até agora na sua execução.

A reforma deve ser essencialmente pratica e só a pode fazer quem conheça não somente o direito publico theorico mas toda a historia da nossa Carta durante o largo periodo da sua vigencia.

É preciso ter amplo conhecimento das duvidas e questões de interpretação até agora apparecidas no decurso de largos annos a fim de que fiquem as disposições imperfeitas ou de interpretação duvidosa devidamente esclarecidas.

Limpar a Carta de todos os vicios de redacção, determinar claramente o verdadeiro sentido dos seus preceitos, introduzir-lhe os principios mais liberaes, mas sempre exequiveis, que possam regular a Constituição e as attribuições dos poderes politicos, taes são as bases sobre que, em meu parecer, se deve erguer a nova obra constitucional.

Nada de theorias mais ou menos fantasiosas. Lembremo nos que nunca os grandes apostolos das emancipações sociaes conseguiram fazer constituições de execução duradoura.

Pediu o Estado da Carolina uma Constituição a Locke; pediu a Corsega uma Constituição a Rousseau.

Tambem a Kant pediu um- outro Estado, cujo nome me não occorre neste momento, porque a minha memoria vae tendo os desfallecimentos proprios da idade, uma lei constitucional para seu uso.

Que bellas Constituições não seriam essas geradas por tres dos mais potentes cerebros do mundo ! Não eram Kant e Locke os dois grandes metaphysicos? Não era Rosseau o grande patriarcha do direito publico, o architecto do novo edificio social? Pois o que saiu de tudo isso? Trabalhos perseverantes puramente theoricos. Não foram codigos para reger os povos; foram simplesmente compendios para as escolas.

O que poderia ser a Constituição da Corsega, nascida do cerebro de um homem que principiava o seu contrato social por uma affirmação puramente mataphysica: "O homem nasceu livre, por toda a parte está em ferros".

O homem nasceu livre!

Tão livre que nasce preso ao cordão umbilical e que precisa de mão estranha para o libertar da cadeia que o prende ao ventre materno! Tão livre que precisa de que o lavem e o limpem das impurezas que trouxe, da viscera em que foi gerado! Tão livre que carece de que o amamentem e o vistam para não morrer logo ao apparecer na terra! Tão livre que vem manchado por todas as taras hereditarias que podem impedir-lhe o movimento livre dos seus apparelhos ou limitar-lhe as criações do seu livre arbitrio! Tão livre que precisa do auxilio do po-