8 ANNAES DA CAMAKA DOS DIGNOS PABES DO REINO
der paternal que o alimenta, que o veste, que o educa até á acquisição plena dos seus direitos de homem e de cidadão!
Não. O homem nasceu escravo, e foi só pelo seu esforço, alliado ao dos seus concidadãos, que elle na luta de todos os dias foi conquistando a liberdade de que goza.
O que poderia ser uma Constituição, criada por quem possuia aquella noção do homem para o qual a mesma Constituição era feita? Um excellente livro de metaphysica, mas não um codigo que pudesse reger os direitos individuaes e as relações e attribuições dos poderes.
Não é por este processo. Sr. Presidente, que eu desejo ver reformada a nossa Constituição. (Apoiados).
Mas pondo de parte neste momento o direito a constituir, e tendo de não perder de vista que a questão é sobretudo de direito constituido, eu pergunto novamente se. a commissão de inquerito sobre o reinado findo pode exercer as funcções que lhe marca a proposta do Sr. Baracho, ou que funcções poderá exercer.
As funcções d'esta commissão estão preceptivamente fixadas no proprio § 5.° do artigo 15.°; ahi se diz que ella é destinada a fazer o exame da administração que acabou e a reformar os abusos nella introduzidos.
Nada mais e nada menos.
A sua funcção é exclusivamente legislativa. Se encontra abusos, o seu dever é reformá-los, evitando os de futuro e apresentando á assembleia que a elegeu os competentes projectos de lei.
Não póde fazer mais do que isso, porque as suas attribuições proveem da lei e a lei não lhe dá outras.
Encontra a commissão, por exemplo, actos ditatoriaes praticados por qualquer Governo e suppõe isso um abuso?
Deve apresentar á camara as providencias necessarias para que taes abusos se não repitam.
Encontra adeantamentos feitos a qualquer pessoa ou entidade?
O seu dever é identico; apresente os meios de reformar o abuso existente.
Para as ditaduras proponha, se quiser, o que por ahi se tem indicado como meio de as impedir no futuro.
Sobre os adeantamentos illegaes proponha, se quiser, a responsabilidade civil e criminal conjunta, ou só a primeira, não tendo havido intenção criminosa, para os Ministros que os tenham autorizado e a immediata restituição de quem os recebeu. Isso ou o que melhor entender.
Mas só pode fazer isto e nada mais, porque é unicamente para taes fins que a lei constitucional á autoriza.
Quer isto dizer que a commissão occulte um crime que por acaso encontre no seu exame? De medo nenhum.
Mas não lhe pertence a ella qualificá-lo, nem determiná-lo, nem designar-lhe as penas.
Refere apenas o facto e se a Camara entender que envolve responsabilidade criminal para o agente, pelo moio ordinario em taes casos deverá proceder.
E se a propria commissão da Camara dos Deputados tem de proceder assim, quando tem faculdades exclusivas de accusação, como seria admissivel que a Camara dos Dignos Pares pudesse, por via de tal commissão, proceder ao apuramento de responsabilidades de toda a ordem, incluindo, portanto, as puramente criminaes?
Esta Camara tem competencia exclusiva, para o julgamento dos delictos praticados pelos Ministros de Estado, tem de estar livre de toda a suspeição; para que a sua sentença seja imparcial não pode pronunciar-se antes d'ella sobre a existencia do delicto.
O delicto chega ao seu conhecimento pela accusação proveniente da outra Camara, só depois d'essa accusação pode verificar a sua existencia, determinar a sua qualificação, assinar as penas que lhe são applicaveis.
Antes d'isso, se tal fizesse, ficaria inhibida de funccionar como tribunal.
E quantos conflictos não surgiriam entre as duas Camaras!
Ambas a apurarem as mesmas responsabilidades com opiniões porventura diversas, intromettendo-se cada uma na esphera da outra!
Seria uma completa e irremediavel anarchia.
A Camara dos Dignos Pares julgava que esse determinado facto era delicto; não o considerava assim a Camara dos Deputados e não propunha a accusação.
Ao contrario a Camara dos Deputados considerava delictuoso um determinado facto, mas não o reputava assim a Camara dos Dignos Pares.
Como poderia este constituir-se em tribunal quando já de antemão tinha manifestado o seu voto?
Não, Sr. Presidente, se tal commissão pudesse ser nomeada sem transgressão da lei constitucional, elle nunca poderia desempenhar as multiplas e complexas funcções que lhe incumbe a proposta do Digno Par.
Mas a proposta quer que a commissão proceda ao apuramento de responsabilidades de toda a ordem motivadas pelos adeantamentos illegaes á fazenda da Casa Real, e assim entro na terceira questão que me proponho trata.
Não desejo nesta occasião discorrer acêrca da questão, dos adeantamentos, se porventura existem, sob o aspecto de quem os fez, nem das pessoas a quem pertençam quaesquer ordens de responsabilidades. Isto ficará para mais tarde 5 por emquanto julgo a discussão intempestiva.
Só á vista dos documentos é que poderemos, creio eu, fazer juizo seguro.
Eu ignoro absolutamente o que ha a tal respeito. Conheço unicamente as declarações feitas nestes casos pelos dois chefes dos partidos; as declarações do chefe do Governo passado, o decreto ditatorial sobre o assunto e a declaração feita ultimamente pelo ex-Ministro da Fazenda.
Refiro-me á questão sob o ponto de vista dos principios e não me parece que isso seja inutil, porque, fixada a boa doutrina, é possivel que a questão entre no seu verdadeiro terreno, do qual anda manifestamente transviada sem vantagens para ninguem nem para os homens, nem para os partidos.
Ora eu pergunto: pode qualquer das Camaras directamente, ou por intermedio das suas commissões de inquerito, fixar o debito da Casa Real ao Estado e decretar o modo do seu reembolso? Respondo positivamente que não.
Nos adeantamentos feitos á Casa Real ha duas questões de natureza diversa, que até agora teem andado confundidas e que é necessario destrinçar.
Uma é a das relações estabelecidas entre a Casa Real e o Estado por via dos adeantamentos feitas e recebidos.
Outra é a da responsabilidade de qualquer ordem que pertença aos Ministros que fizeram os adeantamentos.
A primeira é de ordem puramente civil; a segunda é que é de ordem politica.
A Casa Real é uma pessoa moral com capacidade civil, representada pelo seu administrador, o seu mordomo como lhe chamava a Constituição de 1822, ou o seu vedor como lhe chamam os alvarás de 1733 e 1735, susceptivel de direitos e obrigações.
O Estado ou a Fazenda Nacional é outra pessoa moral tambem com a sua capacidade civil reconhecida.
Os adeantamentos feitos pelo Estado á Casa Real são verdadeiros emprestimos sem prazo fixo de reembolso, mas reembolsaveis pelo credor, no tempo e conforme as condições que se ajustarem.
A liquidação ou o apuramento das quantias em divida nunca pode pertencer á Camara dos Senhores Deputados, nem á Camara dos Dignos Pares, nem ás duas funccionando como poder legislativo, pela simples razão de que é uma questão entre partes, que pode tornar-se litigiosa no momento em que qualquer d'ellas não esteja de acordo no apuramento.
Onde é que a Carta Constitucional concede ás commissões de inquerito esta faculdade., que é na sua essencia uma faculdade judicial, porque a deli-