SESSÃO N.° 1Z DE 17 DE JUNHO DE 1908 9
beração definitiva não pode deixar de ter forca de sentença e execução apparelhada? Onde está esse poder que seria a invasão de todas as legitimas jurisdições?
Já tive occasião de dizer que a Carta e o Acto Addicional referem-se a inqueritos em tres artigos.
O primeiro é o artigo 15.°, § 5.°, que trata do fim do reinado. Tal disposição não autoriza a commissão a fazer apuramentos de contas. Só lhe permitte que, se encontrar abusos, venha á Camara propor a sua reforma. Nada mais.
O segundo é o artigo 139.°, que se refere á commissão de inquerito no começo das sessões e que só tem competencia para conhecer das violações da Constituição no intervallo d'ellas.
Onde está ahi o direito de apurar débitos em liquidação?
O terceiro é o artigo 14.° do Primeiro Acto Addicional, que permitte a cada uma das Camaras nomear commissões de inquerito sobre qualquer objecto da sua competencia. "Da sua competencia", note se bem. E qual é o artigo da Carta que dá competencia a qualquer das Camaras para dirimir questões de interesses de ordem civil entre as partes interessadas!
Que extraordinario absurdo!
Figuremos uma hypothese para tornar bem frisante o contra-senso de semelhante doutrina.
A commissão de inquerito apura os debitos da Casa Real e declara que elles importam em 2:000 contos de réis por exemplo. Mas a Casa Real, no uso do seu pleno direito, contesta a cifra por qualquer dos muitos motivos que se podem imaginar, ou porque foram comprehendidas na totalidade dos debitos verbas que não podem reputar-se de adeantamentos por serem despesas a cargo do Estado, ou porque não foram as quantias indicadas precisamente aquellas que recebeu, ou por qualquer outra razão. Desde este momento quem ha de julgar a controversia?
A propria Camara? Como poderá ser juiz e parte ao mesmo tempo? Que força executiva tem a deliberação que ella tão illegalmente tomasse?
E é sobre um erro tão evidente que ha mais de um mês se architectam as mais extraordinarias doutrinas!
Eu tive conhecimento do primitivo projecto do Governo aqui mesmo nesta Camara, porque me foi mostrado por um dos Srs. Ministros e francamente nada me repugnou a sua materia.
D'esta vez tive conhecimento do projecto do Governo antes d'elle ter a devida publicidade.
Não foi só d'esta vez. Porque é preciso que eu declare que não tenho, nem desejo ter, com relação ao Governo, outra responsabilidade que não seja a do meu apoio a fim de realizar o seu conhecido programma de administração.
O Governo tem responsabilidades proprias indeclinaveis e intransmissiveis aos partidos que o apoiam.
Ainda no outro dia um dos mais eloquentes0 oradores d'esta casa, o Sr. Alpoim, num dos seus admiraveis discursos, me censurava porque o Discurso da Coroa não fazia a menor referencia á liberdade de imprensa, ao direito de reunião e de associação e a outros assuntos sobre os quaes eu tinha aqui mostrado, por diversas vezes, opiniões definidas. Nunca houve accusação mais injusta.
Eu só conheci o Discurso da Coroa quando o ouvi ler pelo Chefe do Estado. O mesmo me aconteceu com o projectado contrato de S. Carlos, com o emprestimo contraindo pelo Sr. Ministro da fazenda, com o concurso para a construcção de navios e com tudo o mais. Só conheci esses factos quando todos os conheceram.
Que responsabilidade directa posso eu ter em qualquer d'elles?
Não tenho eu affirmado que fui contrario á dissolução das Côrtes e não foi isso aqui confirmado pelo Sr. Presidente do Conselho, que justificou esse acto como entendeu conveniente?
E comtudo foi-me attribuida a responsabilidade d'esse acto.
Tem o partido regenerador no Governo dois dos mais eminentes dos seus estadistas, mas nem o partido nem o seu chefe intentam exercer a menor especie de tutela sobre os seus actos. Isso seria indecoroso, porque representaria um attentado contra a dignidade de quem tão nobremente acceitou o poder.
Governa o Sr. Presidente do Conselho com as suas ideias e as dos seus collegas e governa muito bem e por isso lhe damos a nossa confiança. Mas essa confiança não precisa de que eu conheça previamente os actos do Governo e nem exige qualquer acto que tire ao Governo a absoluta liberdade de proceder com as responsabilidades respectivas.
Não me repugnou a materia do projecto, porque eu suppunha que não ha para se fazer o apuramento do debito da Casa Real senão um de tres caminhos a seguir, traçados todos pelo mesmo pensamento fundamental:
1.° Entregar o apuramento a um dos tribunaes existentes no país, onde, com a audiencia da Casa Real, se fizesse a liquidação definitiva. Poderia sem inconveniente ser o Tribunal de Contas;
2.° Entregar a um tribunal, expressamente constituido para este fim, a solução da questão, que foi a doutrina do projecto do Governo;
3.° Entregar ao julgamento de um tribunal arbitral, constituido por dois arbitros nomeados pelo Governo, doia pela Casa Real e um arbitro de desempate, de reconhecida competencia e respeitabilidade, a definitiva liquidação dos debitos em litigio.
De todas as soluções, esta ultima seria para mim a preferivel, porque é a mais vulgar em circunstancias identicas e tambem a mais equitativa. Então a Casa Real pode merecer-nos menos consideração do que a Companhia dos Tabacos, a Companhia Real dos Caminhos de Ferro do Norte e Leste, a Companhia das Aguas ou qualquer outra companhia, das muitas que teem visto liquidar os seus débitos por meio de tribunaes arbitraes. Então os adeantamentos feitos em 1891 á Companhia, do Norte e Leste, em importancia muito superior aos da Casa Real, não foram liquidados directamente em controversia entre o Estado e aquella companhia? Houve, porventura, commissões de inquerito parlamentar com funcções juridicas de apuramento de contas? E não se tornou effectiva na Camara dos Deputados a responsabilidade dos Ministros que os autorizaram? Significa isto liquidar a occultas os débitos da Casa Real?
Não, Sr. Presidente. A liquidação teria a publicidade que teem todos os tribunaes e que, até agora, por falta d'esse requisito, ninguem se atreveu a declarar suspeitos. Quem impedia a Camara de pedir copia de todo o processo? Quem obstava a que ella interpellasse o Governo ou occultasse os autores dos adeantamentos por quaesquer irregularidades praticadas?
Mas ha tambem uma questão de ordem politica e não serei eu, certamente, quem a conteste ou quem pretenda impedir, a sua discussão. Essa questão é da competencia de ambas as Camaras e para a esclarecer pode nomear-se uma commissão de inquerito, por virtude do artigo 14.,° do Acto Addicional, não para apurar débitos nem fazer liquidações, mas para verificar a existencia das responsabilidades politicas de quem fez os adeantamentos.
Quero referir-me á declaração feita aqui pelo extincto chefe do partido regenerador, Hintze Ribeiro, na sessão de 21 de novembro de 1906. Concordo com o que disse o Digno Par Sr. Arroyo, em uma das ultimas sessões, e é que a declaração feita por Hintze Ribeiro deixou no nosso espirito a impressão de que os Governos regeneradores não tinham feito nenhuns adeantamentos á Casa Real. Comtudo, examinando attentamente essa declaração, sou levado a concluir que não é essa a interpretação rigorosa das suas palavras. Eis o que elle disse e consta do Annuario das Sessões. Depois de estranhar e censurar a declaração feita