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APPENDICE Á SESSÃO DE 7 DE JUNHO DE 1890 290-A

O sr. Firmino João Lopes: - Visto que sou forçado a usar da palavra n'este momento; devo dizer que tinha muito prazer e grande interesse em que s. exa. o sr. conselheiro José Luciano de Castro me precedesse.

Assim aconteceria nos termos do regimento e ordem da inscripção se o digno par não houvesse desistido da palavra.

Era justo o meu desejo e interesse não só porque a sua voz auctorisada não viria dar vulto e força a uma acusação violenta que não quadra bem á gravidade do tribunal de verificação de poderes em que a camara está constituida, mas porque, sendo s. exa. reconhecido por todo o paiz como jurisconsulto eminente, dado ao trabalho, infatigavel no exame e na interpretação das leis, escriptor publico, designada e especialmente sobre assumptos eleitoraes, queria ver se porventura a sua opinião de jurisconsulto era precisamente conforme com a sua opinião de homem politico, chefe do partido progressista e da situação que por alguns annos dirigiu os destinos do paiz.

Parecia-me que o digno par, fosse qual fosse o desejo de proteger os seus correligionarios, não viria contradizer os seus escriptos sobre materia eleitoral, precisamente nas notas respectivas aos artigos das leis eleitoraes de 1878 e de 1884 applicaveis aos casos de que nos occupâmos.

Não tive essa felicidade.

Cumpre-me, portanto, responder ao que disseram os dignos pares srs. Pereira Dias e Coelho de Carvalho.

O digno par sr. Pereira Dias principiou a fazer uma severa analyse de tudo quanto se referia á eleição de Bragança e, declarando que era medico, veiu introduzir o escalpello da sua palavra, acerado talvez por mão estranha, na reputação do governador civil daquelle districto!

E a proposito da eleição deduziu suspeitas e d'essas suspeitas artifidaes concluiu que, pela falta de numero de ordem em um nu dois officios, ou porque trazia numero repetido, tinha havido tramóia! Não sei se esta palavra é parlamentar j parece-me inferior á craveira correspondente á seriedade da camara e á gravidade do assumpto; mas seja ou não seja, não tornarei mais a empregai-a. Depois disso concluiu por pedir, em nome do decoro da camara, que não se deixasse ella enxovalhar pela approvação de uma eleição que era illegal, abusiva, violenta e não sei que mais.

Uma VOZ: - Abandalhar foi o termo.

O Orador: - Abandalhar f é verdade, peior do que enxovalhar; a idéa será a mesma, mas a expressão tem uma apreciação vulgar ainda mais inferior.

A camara dos dignos pares não acceita de certo a idéa nem a significação. Suppõe não ter ouvido para, conhecida a verdade e as provas, dar a sua decisão justa e conscienciosa.

Não quero ser desagradavel a pessoa alguma, e de certo não quero ser desattencioso para o digno par.

Quando vi s. exa. fazer um exame detido de variada legislação, combinar e interpretar artigos com certa liberdade, arguir severamente todos os incidentes da eleição, e criticar feroz e cruelmente o procedimento do governador civil de Bragança, lembrou me uma historia que já no meu tempo de rapaz se contava.

Passava um homem, em certo sitio, montado no seu cavallo: um camponio que o .encontrou, reparando bem na garbosa posição do cavalleiro, tirou respeitosamente o sou chapéu e disse:

- Viva, sr. doutor.

Surprehendido o cavalleiro, respondeu com fera catadura:

- O senhor donde me conhece?!

— Eu não o conheço, mas logo vi que era doutor. (Riso.)

— Tambem eu, quando vi s. exa. formulando hypotheses, argumentar com tal severidade ácerca de leis e resolver sem hesitação casos graves, conclui logo que era medico distincto. (Riso.)

Sr. presidente, desejo unicamente mostrar com verdade e rigor, á vista dos documentos que aqui estão, e offereço a todos especialmente aos dignos pares do reino que tomaram parte no debate, onde está a rasão.

O digno par sr. Coelho de Carvalho declarou que entrara n'esta discussão em nome dos bons e grandes principios, e sómente por isso. Assim conto com o seu valioso auxilio desde que bem conheça os factos, para castigar severamente os individuos que praticaram abusos de toda a ordem e gravidade, e para levantar aquelles que, atravez de sacrificios, desempenharam a sua missão, evitando conflictos, desprezando provocações e, com moderação inexcedivel, concorreram para a manutenção da ordem e liberdade dos cidadãos nos actos eleitoraes completamente correctos.

Sr. presidente, eu não quero fazer grandes commentarios, preciso unicamente apresentar estes documentos e tirar delles a prova esmagadora contra a injuria e calumnia, armas de sentimentos rasteiros, que se empregaram com a maxima deslealdade, inventando factos repugantes no intento de macular reputações estabelecidas, e creando situações tragicas para exhibir o martyrio do soffrimento!

Sr. presidente. Só a inspiração de um homem superior poderia inventar scenas revestidas de circumstancias verozimeis, com o damnado intento de substituir a realidade dos factos e encobrir a mancha negra da vaidade contrariada.

Sem criterio, sem observação, predominando a idéa do terror e da jactancia, inventaram-se historias, com detrimento da dignidade propria e alheia.

Duscreveram-se e communicaram-se para todas as estações, chefes politicos, ministros, jornaes, cousas extraordinarias, completamente falsas, no intento de crear uma atmosphera capaz de encobrir a derrota, resultante dos accordos mal concebidos e das vinganças bem exercidas por espaço de quatro annos.

Sr. presidente. E não se receiava castigo! A brandira de nossos costumes, como bem disse o digno par Coelho de Carvalho, tolera a transgressão das leis e todas as demasias, como as da injuria propositada sob o pretexto de pedir providencias á auctoridade. A narina da tolerancia, levada ao ultimo grau pelo partido regenerador, qualifica como acto de dedicação a penuria dos seus amigos e consente a perseguição que lhe é feita pelo partido contrario!

N'estas condições, não vendo logo contestação de telegrammas e artigos de jornaes, houve credulos, por não conhecerem os factos e as pessoas, que attribuiram á eleição de Bragança pouca regularidade, quando, bem póde
affirmar-se, foi de certo uma das eleições que exprime com mais verdade a vontade dos eleitores.

Das expressões do sr. Coelho de Carvalho impressionou-me especialmente aquella com que deu um toque de mestre no quadro de violencias horrorosamente descripto pelo digno par sr. Pereira Dias.

S. exa. disse que foi tão violenta a eleição, que até correu sangue e houve um assassinato. Se o digno par quer levar á conta de responsabilidade a perda de uma vida succedida durante o periodo eleitoral, é necessario metter na couta os nascimentos durante a mesma epocha. (Riso.)

Os lances decisivos produzem effeito, se teem por base a verdade, e necessario é que sejamos cautelosos.

Sr. presidente, a desgraça a que alludiu o sr. Coelho de Carvalho não teve a menor relação com as eleições. Existe processo criminal para castigar quem tiver culpa; não sei se já foi dada pronuncia ou se ha prova sufficiente para isso.

Sei que houve um attentado, que as leis do paiz devem punir, praticado na distancia de alguns kilometros de Mirandella, já de noite, quando recolhiam ás povoações os individuos que nesse dia foram a Mirandella, uns por causa das eleições, outros por causa do mercado semanal.

A victima era natural do logar de Mascarenhas, mas ti-

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nhã casado em Cabanellas, e, começando a disputar qual das povoações devia preferir, terminaram os affectos de amisade por jogarem a pedrada tão desastrosamente que o infeliz caiu pelo embate de uma pedra, para mais se não levantar.

Foi uma enorme perda, rapaz novo, casado e com filhos. Não sei como se não succedem muitos outros conflictos, quando são excitados pelo vinho, que, por occasião das eleições, é posto á sua disposição, sem ordena e sem medida.

E são, ou melhor, todos somos, n'esta parte, responsaveis, não procurando a fórma e os meios de impedir abusos de que nunca a procedem bons resultados.

O vinho é considerado como grande eleitor, e conforme a sua qualidade e abundancia, acompanhado de pão e mais alguma cousa, assim augmenta a reputação dos candidatos e a probabilidade da victoria.

Este acontecimento, assas lamentavel, teria, como muitos outros, as lagrimas da viuva e dos filhos e a saudade dos parentes e amigos, se porventura não fosse aproveitado e explorado em supposta conveniencia partidaria, indo alguns cavalheiros de Mirandella, presididos pelo agrónomo chefe, assistir ao enterro feito em Cabanellas, 15 kllometros de Mirandella, estender a aza de protecção sobre o filhinho de a poucos annos, o que é louvavel, e protestar sobre o cadaver pela vingança contra Mascarenhas, o que é pessimo e perigoso.

Sr. presidente, apesar de tantas ameaças, tão repetidas provocações, intencionalmente praticadas pelos agentes da opposição, não houve, durante o acto de votar, alguma desordem de que proviesse a menor offensa corporal.

Conflictos sem gravidade, ou succederam antes de constituidas as mesas, como em Vimioso, ou depois, muito depois de findos os actos eleitoraes, e, ainda assim, apenas disputas ligeiras, a não ser aquelle facto gravissimo que deixo referido e que todos lamentâmos.

V. exa. e todos sabemos que os que tratam de angariar votos fazem juizo seguro, ou pelo menos approximado, do numero de listas que obterá qualquer dos grupos combatentes. Deixam de ser galopins de consideração se não informam ou não são capazes de fazer calculos.

Por isso a opposição já fazia calculos da sua derrota; para a impedir ou escurecer formava e fazia projectos, preferindo a todos o expediente de abusar das presidencias das mesas para as constituir exclusivamente suas, ou com maioria adaptada a acceitar as listas de nomes inscriptos nos recenseamentos viciados, sem que taes individuos existam ou existissem!

Repare v. exa., sr. presidente, e a camara, onde houve alguma cousa menos regular?

Foi exactamente n'aquelles pontos onde a opposição sabia bem que não podia vencer!!

Mas, sr. presidente, tem se dito tanta cousa ácerca dos acontecimentos de Bragança, tem-se descripto cá e lá tantos attentados de simples e maliciosa invenção que, surprehendidos na sua boa fé, alguns dignos pares podem achar-se impressionados com o exagero da descripção.

Entendo, pois, ser necessario fazer uma exposição clara das occorrencias principaes em todo o periodo eleitoral.

Esta exposição tem de ser dividida em tres partes: eleição de Mirandella, Vimioso e Bragança, por serem os pontos escolhidos pelos illustres oradores que me precederam, formulando accusações gravissimas tanto no que respeita ao procedimento da auctoridade administrativa, como no que especialmente affecta a validade da eleição.

A ferocidade da argumentação e a dureza das conclusões procede indubitavelmente do imperfeito conhecimento de todas as circumstancias occorridas.

Os dignos pares srs. Pereira Dias e Coelho de Carvalho não trocam de certo o imperioso cumprimento de justiça pelo interesse de facciosismo partidario.

Faço essa justiça ao seu caracter.

Começo por offerecer á camara todos os telegrammas que eu expedi, e todos os que recebi relativamente á eleição Bragança.

Quem representava o partido progressista n'aquelle districto era o sr. conselheiro Eduardo José Coelho. Não tencionava pronunciar o nome deste meu respeitavel collega, se o sr. Pereira Dias não tivesse dito no seu discurso que a eleição de Bragança significava um combate entre dois juizes, para saber qual d'elles dispunha de mais influencia.

Ora, sr. presidente, o digno par ainda nesta affirmação foi pouco feliz. Não ha similhante disputa, não a podia haver, todos conhecem os meios de poderosa influencia de que dispoz o sr. conselheiro Eduardo Coelho por muitos annos.

Deixou de ser ministro da corôa para ir por suas proprias mãos compulsar e dar rotação á machina eleitoral, montada com o mais primoroso cuidado; foi com os seus proprios braços apertar contra o peito aquelles a que tinha dispensado attenções, e mesmo os outros que de futuro quizessem entrar no gremio dos bemaventurados.

Todos, sr. presidente, parentes, muitos parentes, compadres, muitos compadres e afilhados, ouviam palavras de seductora esperança. Tinha e tem uma posição eminente dentro do seu partido de que dispõe até a perseguição.

Pelo contrario, o outro juiz, sem ter exercido funcções no districto ha muitos annos, soldado raso no seu partido, sem aspirações e sem a possibilidade de distribuir favores, tinha a oppor como norma de proceder a maxima correcção da politica regeneradora, e acceitar a espontaneidade dos perseguidos durante o periodo esmagador do partido progressista e dos que desejavam rehaver os empregos de que haviam sido despojados, ou a reparação de uma offensa, especialmente no que respeita a contribuições arbitrariamente lançadas e violentamente exigidas.

Sr. presidente, quando se tratava das reformas politicas, e especialmente na parte relativa á lei eleitoral, ouvi dizer na camara dos senhores deputados a um distincto orador, que a nova lei não matava influencias locaes, se as influencias são legitimas, se provêem da virtude e das grande.- qualidades individuaes e civicas, ou se resultam do santo amor da humanidade pelo auxilio aos que padecem e soffrem, porém, a nova lei não garantia a influencia parasita, que vive do poder central, não á custa do proprio sacrificio, mas do sacrificio do thesouro. E os povos no seu instincto chegam a perceber.

Repellem a tyrannia, acceitam muitas vezes o que lhe offerecem, ou elles exigem, não como favor, mas como obrigação mal cumprida. Não devem por isso gratidão. Foi assim talvez que o sr. conselheiro Eduardo José Coelho succumbiu gritando contra os ingratos.

Talhar beneficios com exclusão dos mais necessitados, beneficiar pessoas, não pelos seus merecimentos, mas pela sua estouvada ousadia, exaltar, não o pequeno e humilde, mas o devasso e corrupto para o lançar como machina de combate contra o prestigio de cidadãos honestos, é expediente perigoso que muitas vezes prejudica pela contra-pancada.

Sr. presidente, dar sem distribuição equitativa é injuriar, dar ao valente e destemido para opprimir o trabalho honesto e honrado é affrontar, e a affronta não esquece, justifica a necessidade da desforra. D'aqui resulta muitas vezes o mais cruel desengano.

Quando se distribue ao parente ou afilhado por conta do thesouro grande fatia, é licito perguntar se deixa de acudir a necessidades publicas o magnanimo bemfeitor.

Inventar professores analphabetos, nomear professores sem escolas, pagar ordenados a empregados de circumscripções desconhecidas, excita a curiosidade pelo menos d'aquelles que, possuindo superiores habilitações, são esquecidos e até perseguidos se criticam o esbanjamento.

Não viria daqui o germen da infelicidade eleitoral da

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opposição n'aquella lucta insistente como de outra não tenho noticia?

Eu, sr. presidente, nunca contrariei o poder infinito do sr. conselheiro Eduardo Coelho, podia apenas oppor a lealdade de um simples soldado do partido regenerador e a coadjuvação valiosa de prestantes amigos e fieis partidarios. Não me aventurava sequer a promessas, porque o partido regenerador não quebra formulas e formalidades que tantas vezes deixam sem correspondencia pedidos de reparação justa. Tolerar é muitas vezes morrer, e o partido, sem lembrança da morte, soffre pelo grande principio da tolerancia até á extinção da paciencia de partidarios leaes e prestantes, - a perseguição e os perseguidores!

No districto de Bragança, e talvez em outros, andara incluidos nos recenseamentos milhares de individuos que não existem.

Quer dizer, que os recenseamentos eleitoraes comprehendem milhares de nomes que não correspondem a gente viva e são votos seguros, os melhores porque não falham, pouco despendiosos porque não bebem.

Um galopim e a maioria da mesa bastam para conseguir, através das maiores difficuldades, respeitaveis votações.

Trabalho facil e proveitoso!

O recenseamento d'aquelle districto está tão augmentado que a comparação rapida com o recenseamento de Lisboa denuncia a monstruosidade das operações e o criminoso pensamento dos operadores.

O circulo de Lisboa tem 101:868 varões e pouco mais de 20:000 eleitores; corresponde a 10 por cento.

Bragança tem 35:144 varões nos quatro concelhos de que é composto o circulo e tem mais de 16:000 recenseados; 50 por cento.

O circulo de Mogadouro com 17:863 varões, tem mais de 12:000 recenseados; 90 por cento.

O concelho de Alfandega da Fé com 4:792 varões, tinha 4:100 recenseados!

É inacreditavel!

Pensam os dignos pares que em taes paragens se procura idade, rendimento, habilitações litterarias?

Nada se precisa: basta que o concelho possua um tyrannete que se encarregue da execução!

Esta situação aggravou-se, porque os cidadãos de partido contrario foram excluidos, donde resultou a assombrosa desproporção, por exemplo, Macedo de Cavalleiros com o dobro da população, ficou inferior a Alfandega da Fé, na somma dos recenseados, na rasão de dois para tres; Macedo com menos de 3:OO0; Alfandega com muito mais de 4:000.

Escusado será dizer que as commissões de recenseamento eram na maior parte de individuos affectos ao partido progressista, que estava no poder quando se fizeram os recenseamentos de 1889, e ainda quando se elegeram as commissões de 1890.

Aqui tem v. exa. a situação verdadeiramente difficil do partido regenerador no districto de Bragança, e póde facilmente comprehender que o embate seria rude.

O dever da auctoridade administrativa era manter a ordem e a liberdade.

Nada conseguiria se não empregasse todos os esforços no sentido de fazer cumprir as leis. A transgressão é sempre o pretexto de conflictos.

Foi por isso que chamei a attenção dos administradores especialmente para evitar o crime punido no artigo 130.° do decreto eleitoral de 1852.

Fazer bem manifesto que seriam punidos os falsificadores e que, ou seriam impedidos de votar com um nome supposto, ou levantados autos para castigar os que, advirtidos, insistissem no abuso de exercer um direito que a outro pertencia.

Sr. presidente, são inuteis todas as prescripções em similhante materia, se a impunidade substitue o rigor da lei.

Já viram castigado algum d'estes fabricantes de recenseamentos monstruosos?

No districto de Bragança tem sido o serviço mais patrioticamente progressista e mais bizarramente premiado com honras e proveitos.

Sr. presidente, em 7 de janeiro d'este anno, em Mirandella como nos demais concelhos, procurou fazer-se a eleição da commissão recenseadora para o anno de 1890. Reuniram-se vinte e um dos maiores contribuintes nos paços do concelho. Esperaram, sem que o presidente da camara comparecesse - era o agrónomo chefe e o secretario da camara, que sem receio de responsabilidade effectiva faltavam á sessão! - era já o ensaio do expediente salvador que devia trazer nas eleições os incidentes de que nos occupâmos.

Mas os dois eleitores eram dotados de persistencia e bom humor.

Ficaram na casa da camara de dia e de noite para evitar a embuscada. Convidaram o sr. Basilio Costa que era o administrador a que comparecesse.

Tambem se recusou.

Procederam depois á escolha de presidente da assembléa, e fizeram a eleição debaixo de todos os preceitos.

Offereço aos dignos pares documento comprovativo do que fica dito, e de como era administrador o mesmo indiduo que se recusou a comparecer, que foi depois recorrente para o tribunal administrativo de Bragança, e ainda recorrente no dia 22 de março.

Dispõe este cavalheiro do tempo que não precisa para exercer o seu rendoso emprego na 2.ª circumscripção hydraulica, destinada naquelle districto ao ensino de levar e dirigir cada um a agua ao seu moinho.

D'esta vez não ficou logo completa a obra projectada; pretendia-se por assalto uma commissão recenseadora; houve contratempo que podia ser vencido com os proprios recursos, e por isso o eterno recorrente o sr. Basilio Costa mais outra vez dirigiu, não as aguas pela sua especialidade na hydraulica, mas um outro recurso pela sua especialidade na politica partidaria.

Fez-se o recurso para o tribunal administrativo e ahi teve provimento. Houve tambem recurso d'este tribunal para o supremo tribunal administrativo de Lisboa, que deu provimento e mandou subsistir a commissão eleita em 7 de janeiro.

Por effeito de accordão do tribunal administrativo de Bragança, procedeu-se a nova eleição em que o governo progressista ficou com a minoria, e assim procedeu á revisão do recenseamento até que por 18 ou 20 de março chegou a decisão do supremo tribunal administrativo.

Em virtude do disposto no artigo 19.° da lei de 8 de maio de 1878, não se consideram invalidadas as operações do recenseamento até então praticadas, e a nova commissão funcciona sómente nos actos da sua competencia que posteriormente hajam de ser desempenhados até ao fim do anno.

O presidente da nova commissão era o sr. Leopoldo Ferreira Sarmento Pimentel, e vogaes outros cavalheiros, dos quaes não leio agora os nomes para poupar tempo.

Todos porém perfeitamente accordes no sentido de guerrear a situação progressista, que em 7 de janeiro era poder, e depois accordes em coadjuvar o candidato regenerador até á separação dos chamados esquerdistas.

O partido progressista quando poder não supportava contrariedades; queria tudo sem escolha dos meios para conseguir.

Em Mirandella queria maioria, minoria, toda a commissão, como já tinha o recenseamento á vontade. E com taes elementos, desenvolvidos pelo esquadrão de empregados de diversas categorias, vencimentos e misteres, independentes do governo e da sua fiscalisação, a victoria era proclamada como incontestavel.

O plano era manifesto. Em toda a parte dispunha a

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opposição do meios identicos, á excepção de poucos concelhos.

Portanto a missão especial da auctoridade, que não é pedir votos, mas manter a genuidade do suffragio, duplicava em cuidados porque o partido regenerador não se accommodava com a derrota alcançada por modos tão condemnaveis.

Queria, não obstante, luctar perante a urna, livre de pressões, votando só quem fosse recenseado, e para este ponto foi que muito especialmente fiz convergir a attenção dos administradores; os eleitores reclamavam actos de manifesta justiça; o governador civil tinha obrigação de satisfazei-os, como a todos, sem distincção de partido se acaso fossem offendidos nos seus direitos.

O presidente da nova commissão, Leopoldo Ferreira Sarmento Pimentel, fora nomeado administrador do concelho por 38 ou 20 de janeiro, e por isso o vice presidente da commissão José Benedicto Araujo Leite, foi occupar a presidencia, o que é regular e correcto; o exercicio de funcções administrativas estorvava o exercicio de funcções eleitoraes.

O recenseamento de 1890 correu sem incidentes.

O recenseamento de 1889 era o importante, visto ser este que servia para a eleição de 30 de março.

Em todo o anno de 1889 foi sempre administrador de concelho, em exercicio, effectivo e constante, o recorrente nato Basilio da Costa.

Sr. presidente, suspeitavam os esquerdistas de Mirandella, meus amigos, e desde sempre regeneradores, que o seu chefe Almeida Pinheiro coadjuvaria a opposição. Não acreditei, apesar da insistencia dos boatos, tão extraordinaria me parecia a ligação de dois homens ainda na véspera em completa discordancia.

Na exposição de factos que contendem directamente a pessoas ha sempre difficuldade; vamos ver se eu a posso vencer sem offensa de ninguem.

Chegara o sr. conselheiro Eduardo José Coelho a Mirandella pela segunda ou terceira vez.

S. exa. é inexcedivel na actividade eleitoral. Chegava a todas as localidades quasi ao mesmo tempo. As difficuldades para os amigos do governo eram sem duvida maiores pelos motivos já referidos, se fosse real o accordo indica do. Nesta supposição, que os factos posteriores não justificaram, entendi que era dever meu, instado por amigos regeneradores e esquerdistas, que a todo o transe queriam conservar a união antiga, e prestante de parentes e amigos em Mirandella, expor as circumstancias e lembrar o nome do sr. Almeida Pinheiro que, sem repugnancia, seria apoiado pelos regeneradores.

Era uma lembrança; não pedi auctorisação de qualidade alguma. Eu cumpria o meu dever, o governo responderia o que lhe approuvesse; não recebi, porém, a menor indicação.

Vim a Lisboa pouco depois, e por essa occasião, na presença de alguns cavalheiros, faltei com Almeida Pinheiro, com quem tinha relações de amisade e parentesco. Pareceu-me cheio de hesitações e incertezas, inclinado á recusa por aquelle circulo, comquanto lhe fosse agradavel a sua candidatura por outro circulo do mesmo districto.

Aquella conversa de amigos, que não era um accordo ainda na sua mais singela significação, terminou, e eu fiquei na liberdade de pensar nos motivos que determinavam o sr. Almeida Pinheiro na sua resolução.

Confesso que tinha por minha parte grande desejo do concorrer para que os regeneradores e esquerdistas em Mirandella se conservassem em completa harmonia. Era, póde dizer-se, uma herança de familia.

Sempre regeneradores, eu acredito que foi enorme sacrificio, a imposição de guerrear o candidato regenerador. Era naturalmente indicado o sr. Antonio Pavão, cavalheiro distincto por todos os motivos, que fora deputado regenerador na anterior situação, mas, livre de ambições e sacrificando tudo á união dos amigos; não teve a menor duvida em lembrar o nome do d r. Candido Joaquim de Macedo Baptista, juiz no ultramar, em quem convergiam condições especiaes para evitar, menos para a occasião, do que para o futuro, a separação de velhos correligionarios.

Sr. presidente, foi tudo elevado e nobre. O governo queria o sr. Antonio Pavão, não contrariava a sua vontade só outro por elle fosse indicado; o sr. Pavão indicava o dr. Candido Baptista. Ao governador civil cumpria acceitar os factos coadjuvando no campo da legalidade e ordem o partido a que se honra de pertencer tanto mais que acresciam as probabilidades da victoria.

Esta historia, que interessa do veras aos eleitores de Mirandella, é fatigante, mas tenha a camara paciencia. Serei resumido.

O sr. Candido Baptista ficou pois candidato regenerador, partido era que sempre tem militado e a que póde prestar bons serviços.

O administrador, cavalheiro de nobilissimas qualidades é sobrinho do sr. Pavão.

Foi n'essa occasião que suspendi esse administrador.

O digno par, o sr. Pereira Dias, descobriu n'este simples pacto uma grande violencia. Assombroso acontecimento, que um governador civil suspenda qualquer dos seus subordinados, usando da faculdade consignada no codigo administrativo!!

Sabe o digno par se na occasião devia ter confiança politica apesar das suas excellentes qualidades? Ou se outro me dava na occasião melhores garantias e maiores vantagens?

Será preciso que um governador civil pergunte á opposição o que a esta convem?

Até este momento nada sabia da discordancia de alguns vogaes da commissão recenseadora.

Fui surprehendido.

Eu achava natural que, dispondo a opposição de tres presidencias em Villa For do mesmo circulo, não levaria a, mal, quando não houvesse pensamento reservado, que o governo ficasse com outras tres; o que representava igualdade de condições.

Mas a verdade foi que a esquerda dynastica no dia 22 descobriu as suas baterias postas á disposição do sr. conselheiro Eduardo Coelho.

Foi preciso, sr. presidente, que a teimosia do vice presidente durasse alguns dias para acreditar que elle e os seas parentes se haviam rendido d descripção! E esta minha surpreza foi geral.

Ura accordo repugnante lembrou a todos a necessidade da união.

Quem é que vem dispor do que é nosso? Preferir um homem desconhecido ao nosso querido vizinho não póde ser.

Que interesses se jogam n'este momento por nossa conta e á nossa custa?

Fizeram-se calculos e commentarios.

0 primeiro telegramma que recebi foi este:

" Mirandella 22, 12, 32. - Governador civil. - Urgente.- Os agentes de v. exa. deste concelho, prenderam hoje o vice-presidente e secretario da commissão recenseadora. Se v. exa. não dá providencias promptas, tornamol-o responsavel pela segurança pessoal e vida dos cidadãos d'este concelho. = Eduardo José Coelho = Almeida Pinheiro. "

Imagine v. exa., sr. presidente, o meu assombro. O fim manifesto era augmentar o terror, arma predilecta e muito progressista no districto de Bragança.

Não podia de momento segurar a vida de toda a gente e eu responsavel pela vida dos cidadãos de todo o concelho! Quanto me devera os que não morreram desde então e quanto agradecido lhe sou, aliviando-me da tremenda

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responsabilidade das suas vidas. Impressionou-me a união das assignaturas do telegramma!

Ora eu, que sempre tive muita consideração pelo sr. Eduardo José Coelho, respondi com o seguinte telegramma:

"Bragança, 22, tarde.- Eduardo Coelho e Almeida Pinheiro.- Pedi á auctoridade local informação exacta dos acontecimentos que v. exas. accusam. As minhas providencias serão cumprimento da lei, segurança individual e manutenção da ordem, pugnando pelo castigo dos transgressores, sejam elles quaes forem. Se houver excessos hão de ser punidos e a responsabilidade a quem tocar. Peço a v. exas. que secundem o meu desejo e esforços, aconselhem a evitar provocações. = Governador civil."

Sr. presidente, alguem responderia, não digo melhor, attendendo aos meus pequenos recursos, mas em sentido e fórma mais apropriada a dissipar receios e a socegar os animos se estavam excitados?

Pois o sr. conselheiro, Eduardo Coelho, ficou mal satisfeito por perguntar á auctoridade administrativa da localidade, em telegramma urgente o que se pasmara, exigindo a declaração dos motivos, para tomar resoluções adequadas.

Queria logo, ao que parece, algum fuzilamento; e eu, com a responsabilidade das vidas de todo o concelho!

Pouco depois tive outra communicação telegraphica dos srs. Rocha e Almeida Pinheiro, bastante significativa, por não vir n'ella assignado o sr. Eduardo José Coelho.

"Mirandella, 22, ás cinco da tarde - Exmo. sr. governador civil, Bragança..

" Eu e os meus amigos desejâmos unicamente a manutenção da ordem e a legalidade em todos os actos eleitoraes.

"A prisão arbitraria do presidente e secretario da commissão recenseadora e mais actos que se lhe seguiram, parece iniciar um periodo de illegalidades e violencias, cujas consequencias .podem ser muito deploraveis pelas graves desordens, que principalmente no acto eleitoral podem ter logar, pela exaltação a que os animos são arrastados.

"Chamando muito particularmente a attenção de v. exa. para este ponto, declinamos sobre v. exa. toda a responsabilidade, na certeza de que o grupo esquerdista, daqui estará ao lado de quem se mantinha nos limites da legalidade. = Rocha e Almeida Pinheiro."

Respondi logo com o seguinte telegramma: -

" Rocha e Almeida Ribeiro.- Emprego todos os meios para que a ordem e legalidade não sejam alteradas. Espero que se cumpram os preceitos da lei. Como v. exas. manifestam este desejo, conto com o seu apoio e dos seus. Se alguem se exceder, ha de soffrer as consequencias dos seus actos. = Governador civil. "

Devo dizer que o sr. Rocha é um medico distinctissimo, chefe effectivo dos chamados esquerdistas, no concelho de Mirandella, homem muito capaz, que gosa de bons creditos e meu amigo especial.

Cheguei a suppor que a acção dos esquerdista na eleição findara com aquelle telegramma.

Dirigi ao administrador do concelho varias perguntas e recommendações e mandei ao vice-presidente José Benedicto de Araujo Leite, os seguintes telegrammas:

"Lamento se alguma occorrencia desagradavel se deu com v. exa. que tanto estimo e considero.

"Peço que me de informações com a verdade de que é capaz."

Sr. presidente, bem sei que as leituras repetidas fatigam quem lê e quem escuta. A camara não quer tolher o direito de defeza, tanto mais que até hoje não soltei uma queixa. Li e ouvi rudes ataques á minha levitação, desnecessarios como argumentos contra a eleição.

Portanto, peço aos dignos pares que me escutem para poderem julgar seguramente se o governador civil de Bragança se excedeu no mais pequeno ponto, ou se tudo que se tem inventado se destina a encobrir a derrota de espectaculosas vaidades, convergindo ao mesmo tempo para uma perseguição atroz.

Ao menos n'isto a harmonia do partido progressista mostra se completa.

Antes de mais nada, vou ler a propria, declaração do vice-presidente, que nunca chegou a ser preso.

Vejam os dignos pares se tão singelo lacto condiz com a enorme gritaria que ha mais de dois mezes se faz no paiz inteiro.

O documento diz:

"Cedo perante a força, não reconhecendo no meritissimo administrador deste concelho a faculdade de uma tal intimação, por isso que tendo o cidadão Leopoldo Ferreira Sarmento Pimentel sido nomeado administrador effectivo, como consta do Diario do governo n.° 24, não mostra por decreto algum posterior a sua exoneração, não sendo o telegramma de suspensão do meretissimo governador civil, que neste acto me foi apresentado pelo mesmo sr. Leopoldo Ferreira Sarmento Pimentel, sufficiente documento para, segundo a lei, assumir o cargo de presidente da commissão recenseadora d'este concelho para os trabalhos eleitoraes da proxima eleição.

"Mirandella, 22 de março de 1800. = 0 vice-presidente da commissão recenseadora, José Benedicto de Araujo Leite."

Tem reconhecimento feito no mesmo dia 22.

O telegramma do administrador dizia que apenas o vice-presidente entregara os papeis e recenseamento, fora, posto em liberdade, e tudo se achava em socego.

Deu a hora, e como de certo não posso concluir em poucos minutos as minhas considerações, espero que v. exa. me reservará a palavra.

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