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Discursos que deviam ter logar na sessão da camara dos dignos pares do reino de 11 do corrente, publicada no Diario de Lisboa n.° 37.
O sr. Moraes Carvalho: — Tratando eu, sr. presidente, de apreciar os capitulos de accusação que tinha formulado contra o sr. ministro da guerra, o sr. Sebastião José de Carvalho, a hora veiu interromper o fio das minhas considerações. Tenho pois hoje de continuar a minha tarefa.
Sr. presidente, tinha eu demonstrado que a primeira accusação, formulada pelo digno par, consistia em que o sr. ministro não tinha reprimido, ou pelo menos estranhado aos officiaes de artilheria terem elles dirigido manifestações ao seu commandante geral o sr. Francisco de Paula Lobo d'Avila. Tinha eu dito que não me parecia que este facto tivesse violado a lei, e que portanto caducava o argumento apresentado pelo digno par, assim como que o acto praticado pelos officiaes era innocente á vista das nossas leis.
Hoje nada mais tenho a acrescentar senão, que, segundo os principios de jurisprudencia de todas as nações em que se tem tratado de materias criminaes, não se admitte nunca interpretação ampliativa, e por consequencia não era possivel alterar o sentido obvio das palavras, para lhes fazer significar o que nunca significaram.
Sr. presidente, como segundo capitulo de accusação disse s. ex.ª — o sr. ministro da guerra encheu de distincções um individuo que a imprensa tinha enchido de improperios, e a que tinha imputado graves crimes e graves culpas. — S. ex.ª nomeou para commandante de artilheria um homem de cujas qualidades eu não tratarei; a camara sabe perfeitamente quaes são as expressões a elle dirigidas pelo nosso estimado collega, o sr. Baldy, n'essa despedida que fez aos seus subordinados, despedida que aqui foi lida; mas depois d'isso houve mais. O sr. ministro da guerra deu condecorações a esse individuo, deu-lhe as medalhas de oiro e prata, e isso não foi mais do que uma luva lançada á opinião publica, porque não se podia de fórma alguma galardoar esse militar emquanto elle se não justificasse.
Sr. presidente, a medalha militar foi instituida pelo decreto de 2 de outubro de 1863, foi regulamentada pelo decreto de 26 de janeiro de 1864, e esse decreto foi substituido pelo outro de 22 de julho do mesmo anno.
Quaes são as arguições que se fizeram, quaes os argumentos que se produziram para se provar este capitulo de accusação? Eu passo a enumera-los.
Não sei se com effeito os meus apontamentos falharam em alguma parte; mas ouvi dizer:
1.° Concedeu-se a medalha quando esse homem já estava, para assim dizer, infamado na opinião publica;
2.ª Foi a primeira medalha de oiro que se concedeu para mostrar a deferencia de s. ex.ª para com esse individuo ou a sua amisade e generosidade;
3.º Não se tem concedido a outros, e nomeou-se um nome distincto de um general que esta bem perto de mim, o sr. conde de Santa Maria, o qual ainda não tinha essa distincção;
4.° Concedeu o sr. ministro essa honra sem precedencia da consulta do supremo tribunal de justiça militar;
5.° Não se conformou com o parecer do tribunal quando se não (podia afastar d'elle;
6.° E isto um facto singular que nunca se praticou com outros;
7.° Houve uma portaria dirigida ao supremo conselho de justiça militar, pela qual o sr. ministro avocara a si todos os autos do mesmo tribunal (rumas de autos que ali existiam para a concessão de medalhas), a fim de entre elles tirar aquelle que pertencia ao tal general;
8.° A portaria de 28 de setembro de 1864 alterou as disposições do decreto de 2 de outubro de 1863 para favorecer o general Lobo á A vila.
Eu tratarei, sr. presidente, de responder em termos succintos a todas estas questões. Primeiro é necessario ter em vista, que a medalha militar não é graça que possa ser concedida ou negada arbitrariamente pelo governo, depois de estabelecida como esta no decreto de 2 de outubro de 1863. Todos os militares que a ella tiverem direito podem requere-la, e o sr. ministro não a póde negar, porque esta medalha não é do arbitrio de s. ex.ª É uma medalha que todos que estiverem nas circumstancias de a requerer podem requere-la, e devem queixar-se do sr. ministro se elle a não conceder.
Mas nota-se que foi esta a primeira medalha de oiro que se concedeu. Sr. presidente, ha asserções que se não combatem com argumentos; mas quando os factos fallam, cala-se todo o raciocinio Capotados).
Eu tenho presente a ordem do exercito n.° 31, de 14 de julho de 1864, (note bem a camara, as medalhas de que se trata foram concedidas em dezembro de 1864), e n'essa ordem do exercito, entre outras concessões lê-se a seguinte:
«Medalha de oiro, tenente general reformado, Claudio Caldeira Pedroso; valor militar, bons serviços e comportamento exemplar.»
Seria pois o sr. general Lobo á A. vila o primeiro a quem se fazia essa concessão? Seria o unico a quem se tinha concedido a medalha de oiro, pelo contrario, uma a elle e tres áquelle. Não digo, nem preciso dizer, que na mesma ordem do exercito n.° 67, em que apparece publicada a medalha de oiro para o general mencionado, appareceu outra medalha de oiro para o meu amigo o sr. D. Antonio de Mello Breyner, irmão do sr. conde de Mello, que vejo presente.
Portanto esse fundamento de que foi um especial favor nunca antes concedido a nenhum outro militar cáe por terra.
Outros muitos generaes ainda a não tem; e para isto citou-se o nome illustre do sr. conde da Ponte de Santa Maria. Eu não venho aqui tecer elogios a s. ex.ª As suas virtudes, a sua valentia e os seus altos dotes moraes são conhecidos por todos (apoiados). Seria fazer offensa á sua modestia, porque, a camara muito bem o conhece. Sr. presidente, o sr. ministro respondeu muito categoricamente a esta asserção, quando disse que não sabia quem a queria usar, e por isso não a tinha concedido se não a quem a queria usar, o por isso não a tinha concedido senão a quem a tinha requerido. Aquelle general, o sr. Lobo d’Avila, requereu-a, e s. ex.ª esta munido com o requerimento que eu hontem vi na sua pasta; portanto, se elle a requereu, caduca a arguição de não ter sido concedida a muitos outros generaes, aliàs muito dignos. Se algum a tem requerido, e não lhe tem sido dada, queixe-se, porque eu estou persuadido que Oi sr. ministro da guerra ha de fazer justiça a todos.
Concedeu-se a medalha sem preceder consulta. Foi este um argumento apresentado aqui pelo sr. S. J. de Carvalho. S. ex.ª, lendo a consulta, estabeleceu estes argumentos (eu tambem li a consulta), e arguiu o sr. ministro por não se ter conformado com ella; são dois argumentos que se chocam; mas o digno par disse: houve consulta, é verdade, mas essa consulta falla na medalha de prata e não na de oiro. Se o sr. ministro de novo consultasse o tribunal, este diria: eu consultei a medalha de prata; a consulta esta feita.
Ha mais do que isto: ha o decreto de 2 de outubro, que estabelece tres classes de medalhas, que são: medalha de valor militar, medalha de bom serviço e medalha de bom comportamento militar. E n'estas differentes classes ha tres differentes especies de medalhas — medalha de oiro, medalha de prata e medalha de cobre. S. ex.ª consultou para todas as tres classes, já se vê que as especies estão comprehendidas nas classes.
Mas, sr. presidente, o digno par, o sr. S. J. de Carvalho, que, alem do seu alto talento, que eu lhe reconheço, é assás estudioso, esmerilhando com todo o cuidado os documentos, deixou de ler de certo, aliàs não traria similhantes argumentos, no decreto de 22 de agosto de 1864, o § do artigo 5.°, que é o seguinte:
«Tanto as propostas, como os requerimentos, referir-se-hão sómente á classe e nunca á especie da dita medalha.»
Ora, sr. presidente, em vista d'isto não se póde dizer que não houve consulta, houve consulta e foi em virtude d'ella que a medalha se concedeu. E verdade que o nobre ministro da guerra não se conformou com o parecer do supremo conselho de justiça militar, mas s. ex.ª podia conformar-se ou deixar de se conformar. Todavia ha aqui uma circumstancia que é muito interessante para a discussão, e é dizer-se que estando o general de que se trata desconsiderado perante a opinião publica, não devia o governo conceder-lhe a medalha que pertence ao comportamento exemplar. Se o governo, ou o sr. ministro da guerra concedendo esta medalha, póde ser censurado, tambem o deve ser o supremo