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Discursos que deviam ter logar na sessão da camara dos dignos pares do reino de 11 do corrente, publicada no Diario de Lisboa n.° 37.

O sr. Moraes Carvalho: — Tratando eu, sr. presidente, de apreciar os capitulos de accusação que tinha formulado contra o sr. ministro da guerra, o sr. Sebastião José de Carvalho, a hora veiu interromper o fio das minhas considerações. Tenho pois hoje de continuar a minha tarefa.

Sr. presidente, tinha eu demonstrado que a primeira accusação, formulada pelo digno par, consistia em que o sr. ministro não tinha reprimido, ou pelo menos estranhado aos officiaes de artilheria terem elles dirigido manifestações ao seu commandante geral o sr. Francisco de Paula Lobo d'Avila. Tinha eu dito que não me parecia que este facto tivesse violado a lei, e que portanto caducava o argumento apresentado pelo digno par, assim como que o acto praticado pelos officiaes era innocente á vista das nossas leis.

Hoje nada mais tenho a acrescentar senão, que, segundo os principios de jurisprudencia de todas as nações em que se tem tratado de materias criminaes, não se admitte nunca interpretação ampliativa, e por consequencia não era possivel alterar o sentido obvio das palavras, para lhes fazer significar o que nunca significaram.

Sr. presidente, como segundo capitulo de accusação disse s. ex.ª — o sr. ministro da guerra encheu de distincções um individuo que a imprensa tinha enchido de improperios, e a que tinha imputado graves crimes e graves culpas. — S. ex.ª nomeou para commandante de artilheria um homem de cujas qualidades eu não tratarei; a camara sabe perfeitamente quaes são as expressões a elle dirigidas pelo nosso estimado collega, o sr. Baldy, n'essa despedida que fez aos seus subordinados, despedida que aqui foi lida; mas depois d'isso houve mais. O sr. ministro da guerra deu condecorações a esse individuo, deu-lhe as medalhas de oiro e prata, e isso não foi mais do que uma luva lançada á opinião publica, porque não se podia de fórma alguma galardoar esse militar emquanto elle se não justificasse.

Sr. presidente, a medalha militar foi instituida pelo decreto de 2 de outubro de 1863, foi regulamentada pelo decreto de 26 de janeiro de 1864, e esse decreto foi substituido pelo outro de 22 de julho do mesmo anno.

Quaes são as arguições que se fizeram, quaes os argumentos que se produziram para se provar este capitulo de accusação? Eu passo a enumera-los.

Não sei se com effeito os meus apontamentos falharam em alguma parte; mas ouvi dizer:

1.° Concedeu-se a medalha quando esse homem já estava, para assim dizer, infamado na opinião publica;

2.ª Foi a primeira medalha de oiro que se concedeu para mostrar a deferencia de s. ex.ª para com esse individuo ou a sua amisade e generosidade;

3.º Não se tem concedido a outros, e nomeou-se um nome distincto de um general que esta bem perto de mim, o sr. conde de Santa Maria, o qual ainda não tinha essa distincção;

4.° Concedeu o sr. ministro essa honra sem precedencia da consulta do supremo tribunal de justiça militar;

5.° Não se conformou com o parecer do tribunal quando se não (podia afastar d'elle;

6.° E isto um facto singular que nunca se praticou com outros;

7.° Houve uma portaria dirigida ao supremo conselho de justiça militar, pela qual o sr. ministro avocara a si todos os autos do mesmo tribunal (rumas de autos que ali existiam para a concessão de medalhas), a fim de entre elles tirar aquelle que pertencia ao tal general;

8.° A portaria de 28 de setembro de 1864 alterou as disposições do decreto de 2 de outubro de 1863 para favorecer o general Lobo á A vila.

Eu tratarei, sr. presidente, de responder em termos succintos a todas estas questões. Primeiro é necessario ter em vista, que a medalha militar não é graça que possa ser concedida ou negada arbitrariamente pelo governo, depois de estabelecida como esta no decreto de 2 de outubro de 1863. Todos os militares que a ella tiverem direito podem requere-la, e o sr. ministro não a póde negar, porque esta medalha não é do arbitrio de s. ex.ª É uma medalha que todos que estiverem nas circumstancias de a requerer podem requere-la, e devem queixar-se do sr. ministro se elle a não conceder.

Mas nota-se que foi esta a primeira medalha de oiro que se concedeu. Sr. presidente, ha asserções que se não combatem com argumentos; mas quando os factos fallam, cala-se todo o raciocinio Capotados).

Eu tenho presente a ordem do exercito n.° 31, de 14 de julho de 1864, (note bem a camara, as medalhas de que se trata foram concedidas em dezembro de 1864), e n'essa ordem do exercito, entre outras concessões lê-se a seguinte:

«Medalha de oiro, tenente general reformado, Claudio Caldeira Pedroso; valor militar, bons serviços e comportamento exemplar.»

Seria pois o sr. general Lobo á A. vila o primeiro a quem se fazia essa concessão? Seria o unico a quem se tinha concedido a medalha de oiro, pelo contrario, uma a elle e tres áquelle. Não digo, nem preciso dizer, que na mesma ordem do exercito n.° 67, em que apparece publicada a medalha de oiro para o general mencionado, appareceu outra medalha de oiro para o meu amigo o sr. D. Antonio de Mello Breyner, irmão do sr. conde de Mello, que vejo presente.

Portanto esse fundamento de que foi um especial favor nunca antes concedido a nenhum outro militar cáe por terra.

Outros muitos generaes ainda a não tem; e para isto citou-se o nome illustre do sr. conde da Ponte de Santa Maria. Eu não venho aqui tecer elogios a s. ex.ª As suas virtudes, a sua valentia e os seus altos dotes moraes são conhecidos por todos (apoiados). Seria fazer offensa á sua modestia, porque, a camara muito bem o conhece. Sr. presidente, o sr. ministro respondeu muito categoricamente a esta asserção, quando disse que não sabia quem a queria usar, e por isso não a tinha concedido se não a quem a queria usar, o por isso não a tinha concedido senão a quem a tinha requerido. Aquelle general, o sr. Lobo d’Avila, requereu-a, e s. ex.ª esta munido com o requerimento que eu hontem vi na sua pasta; portanto, se elle a requereu, caduca a arguição de não ter sido concedida a muitos outros generaes, aliàs muito dignos. Se algum a tem requerido, e não lhe tem sido dada, queixe-se, porque eu estou persuadido que Oi sr. ministro da guerra ha de fazer justiça a todos.

Concedeu-se a medalha sem preceder consulta. Foi este um argumento apresentado aqui pelo sr. S. J. de Carvalho. S. ex.ª, lendo a consulta, estabeleceu estes argumentos (eu tambem li a consulta), e arguiu o sr. ministro por não se ter conformado com ella; são dois argumentos que se chocam; mas o digno par disse: houve consulta, é verdade, mas essa consulta falla na medalha de prata e não na de oiro. Se o sr. ministro de novo consultasse o tribunal, este diria: eu consultei a medalha de prata; a consulta esta feita.

Ha mais do que isto: ha o decreto de 2 de outubro, que estabelece tres classes de medalhas, que são: medalha de valor militar, medalha de bom serviço e medalha de bom comportamento militar. E n'estas differentes classes ha tres differentes especies de medalhas — medalha de oiro, medalha de prata e medalha de cobre. S. ex.ª consultou para todas as tres classes, já se vê que as especies estão comprehendidas nas classes.

Mas, sr. presidente, o digno par, o sr. S. J. de Carvalho, que, alem do seu alto talento, que eu lhe reconheço, é assás estudioso, esmerilhando com todo o cuidado os documentos, deixou de ler de certo, aliàs não traria similhantes argumentos, no decreto de 22 de agosto de 1864, o § do artigo 5.°, que é o seguinte:

«Tanto as propostas, como os requerimentos, referir-se-hão sómente á classe e nunca á especie da dita medalha.»

Ora, sr. presidente, em vista d'isto não se póde dizer que não houve consulta, houve consulta e foi em virtude d'ella que a medalha se concedeu. E verdade que o nobre ministro da guerra não se conformou com o parecer do supremo conselho de justiça militar, mas s. ex.ª podia conformar-se ou deixar de se conformar. Todavia ha aqui uma circumstancia que é muito interessante para a discussão, e é dizer-se que estando o general de que se trata desconsiderado perante a opinião publica, não devia o governo conceder-lhe a medalha que pertence ao comportamento exemplar. Se o governo, ou o sr. ministro da guerra concedendo esta medalha, póde ser censurado, tambem o deve ser o supremo

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conselho de justiça militar que aconselhou ao sr. ministro da guerra que a concedesse. Parece-me que nenhum digno par me poderá dizer que aquelle conselho não approvou a concessão da medalha de prata, pelo menos o proprio digno par conde de Mello, já o declarou aqui. Por consequencia, toda a censura que a este respeito caír sobre o sr. ministro da guerra, ha de necessariamente reflectir tambem sobre aquelle tribunal. Eu não sei se a camara esta duvidosa sobre este ponto, mas parece-me que não póde estar. O supremo tribunal de justiça militar reconheceu o direito que o general de artilheria tinha á medalha de prata da classe de comportamento exemplar, e aconselhou o governo a que lhe concedesse essa medalha; o sr. ministro da guerra porém, conformou-se n'esta parte com o parecer, no que elle discordou foi quanto á medalha por valor militar, que tendo sido consultada a de prata, concedeu a de oiro, medalha que não tem nada absolutamente com a de comportamento exemplar, não obstante insta-se ainda que não se devia fazer a concessão da medalha de oiro mas sim da de prata, que era a aconselhada pelo, tribunal! Parece impossivel, sr. presidente, que taes instancias se apresentem.

De maneira que o general de que se trata, apontado como um homem de conducta irreprehensivel, podia ser-lhe dada a medalha de prata comportamento exemplar, porém não lhe podia ser concedida a medalha de oiro valor militar, que nada tem com o comportamento!

Sr. presidente, ainda aqui ha outro argumento, e é sobre a consulta do supremo tribunal de justiça militar. A camara não ignora por certo que ha tribunaes cujas attribuições são — dar voto consultivo; outros que dão voto deliberativo, e entre uns e outros ha portanto grande differença.

Mas, sr. presidente, o voto do tribunal de que se trata, é consultivo e não deliberativo: o ministro tem a liberdade de se conformar com o voto que esse tribunal lhe der, ou de se afastar d'elle. Foi justamente o que succedeu com o sr. ministro da guerra. S. ex.ª não se conformou com a consulta, e fez aquillo que entendeu. Ora o digno par, o sr. Sebastião José de Carvalho, soccorreu-se a uma expressão que vem no artigo 10.° do decreto de 22 de agosto, que diz:

«Concluidos que sejam estes processos, pela maneira que fica estabelecida, serão remettidos pelo presidente do supremo conselho de justiça militar aos respectivos ministerios para os devidos effeitos e sancção final.»

D'estas palavras sr. presidente, quiz o digno par deduzir que a consulta do tribunal era uma deliberação. E necessario não alterar o nome ás cousas e não dizer que, para a concessão d'esta medalha, a deliberação do tribunal é definitiva, de fórma que o ministro não possa afastar-se d'ella.

Quando a lei quer que o ministro se conforme com o parecer de qualquer tribunal, essa lei exprime-se claramente para não deixar a menor duvida, e muitos exemplos temos d'isso em a nossa legislação. Eu citarei dois; um é tirado do decreto organico do conselho d'estado de 9 de janeiro de 1850 Diz esse decreto no artigo 22.° n.° 13, § unico:

«Para que possa ter logar a transferencia e reconducção dos juizes de 1.ª instancia, ou a demissão dos professores de instrucção superior cumpre que a consulta do conselho d'estado seja affirmativa.»

A lei aqui determinou que a consulta fosse affirmativa, e bem claramente o manifesta. Tambem o decreto organico do tribunal de contas, de 19 de agosto de 1859, quando se trata de aposentações involuntarias, determina que ellas tenham logar só depois da consulta affirmativa d'aquelle tribunal; e acrescenta «Quando a consulta do tribunal for negativa só poderá o governo aposentar o conselheiro do tribunal com audiencia, e voto affirmativo do conselho distado».

Já se vê portanto, sr. presidente, que as leis fallam mui claramente quando querem que o voto consultivo obrigue o governo. Mas o tribunal a que se allude não esta n'esse caso, e o governo não se conformando com o seu parecer, estava no uso dos seus direitos.

Sr. presidente, ainda produzirei outro argumento sobre este objecto. A carta constitucional diz que, a belleza do systema representativo esta na divisão e harmonia das attribuições dos poderes; e no artigo 35.° § 11.0, dá ao poder executivo a prerogativa do conceder ordens militares e condecorações em 'recompensa de serviços prestados, etc... Ora já vê a camara que o sr. ministro da guerra não exorbitou, porque concedendo a medalha de oiro, exerceu o direito que lhe esta garantido pela carta, e nenhuma lei limitou, direito que, segundo as doutrinas do digno par Sebastião José de Carvalho, só pertence ao supremo conselho de justiça militar.

Passando ao sexto ponto, tratarei do argumento que foi apresentado pelo digno par o sr. conde de Mello, ao qual respondeu o sr. ministro da guerra. Refiro-me á asserção que se apresentou, de que a primeira consulta com que o governo se não conformava, fôra a que dizia respeito ao general de que se trata. A isto respondeu, como disse, o sr. ministro da guerra, lendo um documento, pelo qual demonstrava que outra consulta emanara do supremo conselho de justiça militar ácerca do sr. D. Antonio de Mello Breyner, irmão do digno par conde de Mello; consulta, com a qual o sr. ministro da guerra não se conformou, e estava no seu direito. Mas que importava, sr. presidente, que fosse o primeiro caso? Que importava que fosse esta a primeira consulta (se assim fôra), com que o governo se não conformasse? O caso é se podia faze-lo.

O sr. Conde de Mello: —......:..................

O Orador: — Eu estimo que o digno par rectificasse as suas palavras; porém peço licença a s. ex.ª para lhe dizer que não attendeu á epocha das concessões. A concessão da medalha ao sr. D. Antonio de Mello Breyner é da mesma data que a concessão ao sr. general Lobo d'Avila; e a respeito daquella tambem o governo se não conformou com a consulta, não sendo portanto exacta a asserção de ser facto unico o respeitante ao dito general.

Mas quando o sr. ministro da guerra respondia ao sr conde de Mello com a consulta do tribunal a respeito do sr. D. Antonio de Mello Breyner, disse aquelle que não sabia cousa alguma a respeito de um negocio em que não tinha tomado parte, por isso que o agraciado era seu irmão. Parece-me que foi isto que o digno par disse, nem eu desejo adulterar as palavras de s. ex.ª... Bem o digno par annue.

O sr. Conde de Mello: —.........................

O Orador: — Sr. presidente, na idade em que me acho, bem como o digno par, o sr. conde de Mello, porque somos da mesma idade, nascemos no mesmo anno de 1801, tenho o almanach em casa que assim o indica, n'esta idade, repito, a primeira faculdade que começa a abandonar-nos é a memoria; e eu, sentindo já esses estragos, declaro que não só a memoria me falta, mas, pelo que succede, parece que até os proprios olhos, e em tal caso, para desengano, eu peço ao nobre ministro da guerra a bondade de me facultar a consulta original do tribunal que diz respeito ao sr. Mello Breyner, porque me parece que hontem a vi entre os papeis que s. ex.ª me mostrou.

Foi enviada a consulta ao orador pelo sr. ministro da guerra.

O orador leu a.

Eis-aqui a consulta original do supremo conselho, a respeito do distincto militar, o sr. Mello Breyner (leu).

Aqui esta a deliberação em que s. ex.ª diz que não tomou parte. Vem aqui assignado — conde de Mello. Faz V. ex.ª favor de ver se reconhece a sua assignatura...

O sr. Conde de Mello: — (verificando) Tem rasão V. ex.ª

O Orador: — Basta; a tal respeito não direi mais uma palavra.

O sr. Conde de Mello: — Não me lembrava que tinha estado presente á assignatura, mas conhece-se bem que não fui o relator.

O sr. J. 8. de Carvalho: — Peço a palavra.

O Orador: — Sr. presidente, avocaram-se todos os autos, eis outra accusação; chamaram-se todos os processos que estavam no supremo conselho de justiça militar ao ministerio da guerra, para que? Para dentre elles tirar unicamente aquelle que dizia respeito ao general Lobo d’Avila! Foi este um dos argumentos que aqui se estabeleceu.

Eu já disse que esse decreto de 2 de outubro tinha sido regulamentado pelo decreto de 26 de janeiro de 1864; mas considerando-se posteriormente que devia ter uma outra fórma o processo d'estas concessões, veiu o decreto de 22 de agosto do mesmo anno substituir o de janeiro. Ora, pergunto se depois de se estabelecer um novo processo, o sr. ministro da guerra tinha ou não direito de fazer descer aquelles processos que já estavam no tribunal, para lhes dar andamento, na conformidade das novas disposições?

Sr. presidente, a portaria por si só falla mais alto do que cousa nenhuma, diz ella:

«Manda Sua Magestade El Rei, pela secretaria d'estado dos negocios da guerra, que o supremo conselho de justiça militar envie a este ministerio todos os requerimentos e propostas que até esta data tenha recebido para a concessão da medalha militar, a fim de que depois de instruidos devidamente em harmonia com os §§ 1.° e 2.° do artigo 5.° do regulamento ultimamente publicado lhe sejam devolvidos para os effeitos convenientes.»

Sr. presidente, ninguem ignora que as leis que estabelecem as regras do processo têem o effeito retroactivo para todos aquelles processos que podem abranger, a fim de que sejam todos sujeitos ás novas regras, n'aquillo que ainda não esta executado pelas anteriores.

Mas a insinuação cáe por terra, em se sabendo outra cousa. Note-se que o requerimento do sr. general Lobo d’Avila não se achava entre esses que estavam no supremo conselho de justiça militar. Não se achava lá, sr. presidente, nem era possivel, porque a portaria é datada de 30 de setembro, tinha de ser enviada, tinha de se fazer a remessa dos processos; o que devia ser em dia posterior, e no mesmo dia 30 é que foi feita a consulta a respeito do individuo de que se falla. Vê-se pois que esta portaria não tem a menor relação com o objecto da imputação. Por outra portaria se alteravam as disposições do decreto de 2 de outubro; nova accusação.

Sr. presidente, o digno par o sr. S. J. de Carvalho, quando orou, mostrou que esta portaria não tinha preenchido os seus desejos. S. ex.ª, quando a pedia aqui para esta questão, suppunha que ella tinha alguma analogia com ella; mas aquella portaria não tem nada com relação á concessão feita ao general Lobo d'Avila; as considerações que encerra foram suscitadas por uma consulta do supremo conselho de justiça militar, e estabelece disposições genericas, que são iguaes para todos que se acharem nas circumstancias lá mencionadas, mas não aproveitam áquelle individuo; por consequencia, toda a argumentação que esta portaria podia prestar a esta questão desapparece completamente. Fica portanto o negocio reduzido a sabermos se uma portaria podia revogar ou não disposições de um decreto. Eu acho que ella traz disposiçoes derogativas do decreto. (O sr. Conde d'Avila: — Apoiado.)

Sr. presidente, n'outras epochas em que os poderes do estado estavam concentrados no monarcha, todos assentavam que uma portaria não podia revogar uma lei, porque a assignatura do rei era tudo. A do ministro era nada. Borges Carneiro, esse campeão da liberdade, no seu direito civil, diz que depois que os secretarios d'estado passaram a ser ministros, mudavam as cousas, e que por muitas portarias se tinham estabelecido disposições e que por outras se alteraram outras disposições; mas eu acrescento que ha na carta constitucional um artigo que diz que a responsabilidade dos ministros não póde por fórma nenhuma ser destruida pela ordem do rei, vocal ou por escripto; por consequencia direi: que hoje para a responsabilidade o que é tudo é a assignatura dos ministros. O sr. ministro é tão responsavel por assignar um decreto como por assignar uma portaria. Compulsemos os grossos volumes da nossa legislação; vejam-se os Índices, notem-se as portarias, e lá acharmos muitas a que nunca se negou a execução. (O sr. Rebello da Silva: — Peço a palavra) estabelecendo, sr. presidente, disposições em contrario umas ás outras, e até a decretos.

Mas ha uma circumstancia: até entre nós, por portarias se têem revogado leis expressas. Eu vou referir um facto, não para constituir principio, porque isso seria um paradoxo, mas para mostrar o que entre nós tem acontecido.

Uma lei do paiz que passou nas duas camaras legislativas datada de 29 de março de 1859, tinha auctorisado o governo para poder prorogar o praso para a substituição das moedas de oiro e de prata, que se haviam mandado retirar da circulação; mas acrescentou estas formaes palavras = com tanto que esta prorogação não exceda a 31 de janeiro de 1860 =. Pois o ministro da corôa que se achava então á frente" dos negocios da fazenda, um dos mancebos mais talentosos da nossa epocha, vendo que os interesses da nação exigiam que essa lei não fosse executada, que fez? Publicou a portaria de 17 de dezembro de 1859, mandando que fossem recebidas, ainda depois d'aquella epocha, essas moedas. Não reprovo o procedimento de s. ex.ª, obrou, de uma maneira dictatorial, porque viu que as circumstancias exigiam aquella medida; o partido que eu quero d'aqui tirar é fazer ver que, havendo necessidade de revogar uma lei, s. ex.ª não a revogou por um decreto, revogou-a por uma portaria; portanto, essa questão da portaria ou decreto, uma vez que tenha a assignatura de s. ex.ª, para mim é de pouco interesse, lá esta a responsabilidade da mesma fórma.

Vou ao ultimo capitulo da accusação: «O sr. ministro da guerra, não obstante tudo quanto se publicou contra aquelle official, a que me tenho referido, conservou-o no commando da arma de artilheria, quando deveria ou demitti-lo ou, pelo menos, suspende-lo ».

Disse-se, sr. presidente, que esse mesmo general que tinha declinado entrar por emquanto no exercicio das funcções legislativas, porque o seu pundonor a isso o obrigava, seria mais coherente se tivesse pedido a exoneração do commando d'essa arma, e uma vez que o não fez, o sr. ministro devia te-lo suspendido.

Sr. presidente, a diversidade de circumstancias auctorisa a diversidade de procedimentos. Houve iam facto que os jornaes publicaram, e foi que, quando na camara dos senhores deputados se tratava de approvar a eleição d'aquelle individuo, muitos membros da camara se retiraram. Isto, sr. presidente, é um acto de desconsideração para aquelle individuo que, ferido no seu pundonor, com rasão disse: «Eu não tomo parte nas resoluções da camara emquanto me não justificar». Mas, pelo contrario, como commandante de artilheria recebeu felicitações dos seus subditos, acto de consideração, e n'este caso dar-se-hão as mesmas circumstancias?

Sr. presidente, o sr. ministro disse que não tinha nem nas notas respeitantes áquelle militar, nem na sua secretaria, documento algum que mostrasse criminalidade, nem julgada por sentença nem indiciada por pronuncia, e por isso não o suspendeu. E, segundo o systema da nossa legislação, a demissão dos empregos publicos vem pela sentença condemnatoria, e a suspensão, em muitos casos, depois do despacho que indicia o individuo como criminoso. S. ex.ª não teve conhecimento de nenhuma d'estas hypotheses, e por consequencia não demittiu nem suspendeu.

Sr. presidente, o sr. ministro esta persuadido que praticando d'esta maneira não viola de fórma alguma a lei. Não ha lei nenhuma que obrigue s. ex.ª a demittir ou suspender um individuo, porque em artigos dos jornaes se lhe façam accusações ou assaquem crimes por mais horrendos que sejam.

Sr. presidente, eu vou mais adiante, e ha de ser esta a ultima parte do meu discurso, se discurso se póde chamar a esta mal alinhavada serie de considerações; eu vou apresentar algumas asserções, que talvez pareçam arrojadas e estranhas, mas que não deixam de conter a verdade.

A proposta do sr. Sebastião José de Carvalho, mandada para a mesa, é uma das mais momentosas que têem vindo ao parlamento; é uma das mais momentosas porque encerrra em si um dos principios mais perigosos que se podem estabelecer, principio que é a negação de toda a administração, e a destruição de todo o governo. Principio que tendendo a estabelecer a moralidade, porque ninguem mais do que eu faz inteira justiça ás intenções puras de s. ex.ª, em vez de a estabelecer, pelo contrario, vem dar-lhe vida, animação e incremento, principio que, sr. presidente, ha de ser fatal para os mesmos que o sanccionarem, porque bem cedo hão de expiar a culpa innocente com a pena de talião. Sr. presidente, a moral é filha do Eterno, e immutavel como elle; a moral é a mesma em todos os povos; a moral é a mesma em todos os tempos; a moral é a mesma em todas as circumstancias; a moral deve ser a mesma em todos os homens. Se o sr. ministro devia suspender o commandante de artilheria pela suspeita á sua honra, que tinha sido lançada pelos orgãos da imprensa, é necessario que aquelle principio seja tambem applicado a todos os empregados; porque nós temos um só individuo irresponsavel; e todos os outros funccionarios publicos devem estar sujeitos á mesma dispoposição; e parece-me que n'isto apresento uma asserção que ninguem poderá negar. Vamos examinar as consequencias de um tal principio: o militar, que tiver motivos de desgosto contra o seu superior, póde conceber a má idéa de o

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desconceituar pela imprensa, e para isso vae buscar um responsavel, e entre nós ainda não faltaram editores responsaveis para a calumnia (apoiados). Sinto não ver presente o sr. marquez de Vallada, porque de certo me havia de dar apoiados.

O sr. Marquez de Vallada: — Eu hei de replicar.

O Orador: — Eu fallava a favor de V. ex.ª, que tambem tem sido calumniado, e por isso disse que nunca faltavam editores responsaveis para a calumnia___

O sr. Marquez de Vallada: —......................

O Orador: — Eu não fallei em documentos, disse que infelizmente, não tem faltado editores responsaveis para a calumnia, e julguei fazer justiça a s. ex.ª e a todos que têem sido calumniados pela imprensa.

N'este caso, sr. presidente, todo o inferior tem os meios de desconsiderar o seu superior, e o sr. ministro da guerra em nome da moralidade, suspende-o até que se justifique; o litigante injusto e doloso que temer a imparcialidade de um juiz probo, segue o mesmo alvitre, e o sr. ministro da justiça em nome da moralidade suspende-o, até justificar-se; o bandido, o assassino, todos os criminosos que temerem a vigilancia, o zêlo e a actividade de uma auctoridade administrativa, lançam mão do mesmo meio, e o sr. ministro do reino, em nome da moralidade, suspende-a até se justificar; qual será o resultado d'este principio? Não póde haver administração possivel com tal principio, nem governo que se possa manter um dia. Mas não é só isso, em Portugal, não sei se em toda a parte acontece o mesmo, formigam pretendentes aos empregos publicos, e tanto mais facilmente conseguirão os seus intentos, quantos mais logares houverem em que possam ser providos; e entendo que por aquelle meio conseguirão o seu fim, não duvidarão lançar mão da calumnia; aqui esta a rasão porque eu disse que isto era um incitamento para praticar actos que a moralidade reprova, e para dar vida á calumnia, que é mais terrivel do que o ferro do assassino, porque este fere o corpo, e aquella fere a honra (apoiados).

Sr. presidente, os dignos pares do reino a quem tenho respondido, os srs. Sebastião José de Carvalho e marquez de Vallada, são moços de alta intelligencia, são' moços assás estudiosos, e são moços muito esperançosos para a nação, e nós, mais cedo ou mais tarde, havemos vê-los sentados daquellas cadeiras, e hão de ser alvo da calumnia, como têem sido todos os outros; e se então uma voz n'esta casa ou na outra se levantar, e nem é mister que se levante; se a voz da consciencia lhes bradar, em nome da coherencia, em nome da honra, em nome do pundonor, em nome da moralidade publica — segundo os vossos principios = largae essas cadeiras porque o vosso conceito esta maculado, largae essas cadeiras até que vos justifiqueis =, o que fareis? Como cavalheiros ireis logo ao paço pedir a Sua Magestade a vossa exoneração. Mas o ministerio que se seguir tem a mesma sorte, e assim é impossivel o governo do estado.

Já se vê, sr. presidente, que pelas considerações que tenho feito não posso deixar de votar contra a moção de censura, que esta sobre a mesa. A camara terá observado que em todo o meu discurso não proferi uma só palavra nem a bem nem contra o sr. general Lobo á Avila; não vim aqui ser seu accusador nem seu defensor, não podia nem devia faze-lo, porque não vejo aqui o réu, nem vejo aqui tribunal com competencia para o julgar. O sr. Sebastião José de Carvalho disse bem: «Essa questão, disse s. ex.ª, deixo-a fóra das portas d'este templo»; o sr. marquez de Vallada um pouco se afastou d'esta senda, mas respeitou o principio, e lá fóra ficou essa questão. Eu não sei se aquelle general é um criminoso ou um innocente, não sei se o que se diz' nos jornaes é uma verdade ou uma calumnia; mas como esta questão já esta entregue aos tribunaes, aguardemos o seu Veredictum, e direi a V. ex.ª que se esse veredictum for contrario a esse cidadão, e o sr. ministro, da guerra não cumprir com o seu dever, não póde contar com o meu voto.

O sr. S. J. de Carvalho: —.......................

O sr. Moraes ¦ Carvalho: — Se V. ex.ª me dá licença, eu explico.

Eu não disse que ao supremo de justiça militar cumpria só consultar; mas disse que se o sr. ministro tinha a responsabilidade - de conceder a medalha de prata pelo comportamento exemplar, essa responsabilidade tambem cabia ao supremo conselho de justiça militar, que tinha consultado a favor da concessão.

O sr. S. J. de Carvalho: —......................

O sr. Moraes Carvalho: — No contencioso administrativo tratou-se de uma questão em que o governo não se conformou com a consulta, e decidiu contra ella. Isto foi na questão do sr. barão de Barcellinhos.

O sr. S. J. de Carvalho: —......................

O sr. Moraes Carvalho: — Se V. ex.ª me dá licença eu rectifico. O que eu disse foi que a nota de censura ser collectiva ao ministerio era bastante para votar contra ella, mas se fosse relativa só ao sr. ministro da guerra tambem votava contra, e portanto já vê-o digno par que eu votava contra a sua proposta ou fosse collectiva, abrangendo o governo, ou restrictiva ao sr. ministro da guerra.

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