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SESSÃO DE 2 DE JUNHO DE 1869

Presidencia do exmo. sr. Conde de Lavradio

Secretarios - os dignos
Visconde de Soares Franco.
Conde de Fonte Nova.

Pelas duas horas e um quarto da tarde, tendo-se verificado a presença de 21 dignos pares, declarou o exmo. sr. presidente aberta a sessão.

Leu-se a acta da antecedente, contra a qual não houve reclamação.

Não houve correspondencia que mencionar.

O sr. Presidente: - Como nenhum digno par pede a palavra, vamos entrar na

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do parecer n.° 3

O sr. Presidente: - Estão inscriptos os dignos pares marquez de Sousa, visconde de Algés, e o sr. ministro da marinha; mas não estando presente s. exa., que é o primeiro a ter a palavra como ministro da corôa, mandei ver se estava na camara dos senhores deputados; e n'esse caso preveni-lo de que se achava aberta a sessão. Se o sr. marquez de Sousa quizer usar da palavra antes de vir o sr. ministro, tem a palavra.

O sr. Marquez de Sousa: - Sr. presidente, acho que não devo usar da palavra antes de estarem presentes alguns dos srs. ministros (apoiados), porque não posso atacar qualquer acto do governo sem elle estar representado (apoiados). Entretanto se a camara quer que eu use da palavra, estou prompto a faze-lo, embora me pareça inconveniente que o faça pela rasão que já acabei de apontar.

O sr. Presidente:- Como já disse, mandei ver se o sr. ministro estava na outra casa do parlamento. (Pausa.)

(Entrou o sr. ministro do reino.)

O sr. Presidente: - O sr. ministro da marinha não se acha na outra casa, mas acaba de entrar o sr. ministro do reino e portanto fica o governo representado. Tem por conquencia a palavra o digno par o sr. marquez de Sousa.

O sr. Marquez de Sousa: - Acha que a situação do paiz, que nos bancos do ministerio se tinha desenhado com cores um pouco sombrias, não data de janeiro de 1868, era conhecida por todos muito antes d'ella, e até não tinha sido outra a rasão de ser das propostas apresentadas em 1867 pelo ministerio que caíu n'aquella data.

Hoje trata-se de dar ou negar a sancção legislativa a varios actos do ministerio no uso de poderes extraordinarios que assumiu, e releva-lo d'esse excesso de poder. Quanto a esta parte não hesita em faze-lo, mas quanto áquelles entende que o voto que dá para sancciona-los seja bem significado pelo juizo que sobre elles ía fazer. (Entrou o sr. ministro da marinha.) Para esse fim dividiu-os em dois grupos, que são bem manifestos: o 1.°, dos que são puramente economicos; o 2.°, dos que, tomando por fundamento as economias, vieram perturbar mais ou menos profundamente alguns serviços publicos; neste grupo collocou uma medida de grande alcance politico, embora tambem para ella se invocasse a economia. Se se tratasse de discutir esses actos, como meros projectos de lei, não duvidaria approvar os do 1.° grupo, embora com algumas alterações; mas não assim os do 2.° e justificou esta resolução com detidas considerações; mas no estado actual das cousas tem de concorrer com o seu voto para dar-lhes a sancção legislativa por ser um mal menor do que seria o recusar-lho, mas sem que por isso se entenda que approva esses actos.

O sr. Ministro da Marinha (Latino Coelho): - Dividiu as dictaduras em politicas, administrativas e economicas, fazendo varias considerações sobre cada uma d'estas especies de dictadura; e tratando de caracterisar a que este ministerio exerceu, e que lhe fora imposta, não pelos barões de João Sem Terra, mas pelo povo, disse que a de que se occupava a camara fora puramente administrativa e economica, e que achou na indole de cada uma das medidas promulgadas, fazendo a apologia d'esta dictadura. Por isso declarou nutrir a esperança de que os dignos pares approvariam o projecto em discussão.

Como o fim principal que o levára a tomar a palavra tinha sido responder ao que o digno par, o sr. Miguel Osorio, dissera contra o acto que retirara o subsidio ao banco ultramarino, disse a este respeito que aquelle subsidio fôra concedido mediante a obrigação de estabelecer uma succursal em Loanda, e agencias em Benguella, Mossamedes, e nas outras provincias das duas Africas, dentro de tres annos, que findaram em setembro de 1868.

O banco ultramarino não cumpriu, pela sua parte, as obrigações que tinha contrahido, pois que ainda em novembro não tinha agencia em Moçambique; e sendo interrogado porque deixára de o fazer, allegára receios, pela provincia em consequencia dos actos do rebelde Bonga, em novembro. De sorte que já em setembro previa o que havia de succeder dois mezes depois, e deixava de cumprir o que era obrigado na previsão d'estes desastres.

Não cumprindo elle os onus, não devia gosar das vantagens que eram uma compensação delles. Retirou-lh'as, pois, o que era um acto ordinario do governo, e só por muito escrupulo constitucional é que este acto foi incluido nos dictatoriaes, para obter a sancção parlamentar e o decreto absolutorio.

O sr. Ministro do Reino (Bispo de Vizeu): - Sr. presidente, como o meu collega da marinha no discurso que acaba de proferir respondeu ao ultimo orador que fallou, e a quem eu me propunha responder, entendo que devo ceder da palavra.

O sr. Visconde de Algés: - Direi apenas duas palavras, porque a isso sou forçado por ter assignado o parecer da commissão com declarações. A discussão vae já muito longa, e a camara está tão anciosa de a ver terminar (apoiados), que não irei prolongar de modo algum o debate.

Sr. presidente, sou tambem dos fulminados pelo brilhante discurso que o illustre ministro da marinha acaba de pronunciar, porque, como os dignos pares que tomaram parte n'esta tão porfiada discussão, e a quem s. exa. se referiu, reprovo grande parte das medidas que o governo tomou, arrogando-se attribuições legislativas, e todavia concluo pela approvação do parecer da commissão. Parece haver n'isto contradicção da minha parte, mas não a ha. Voto o parecer, porque entendo que da sua rejeição resultariam consequencias mais graves, perturbações politicas mais consideraveis do que da sua approvação podem resultar. Se aqui viessem estas medidas dictatoriaes formuladas em propostas que fossem submettidas ao exame e discussão da camara, de certo as rejeitaria. Achando-me porém na collisão de escolher entre dois males, voto pelo menor. Assim, approvando o parecer, voto um mal menor, para evitar um maior. Eis as rasões por que assignei o parecer com declarações.

O sr. Costa Lobo: - Associando-me aos desejos que a camara acaba de manifestar apoiando o digno par, o sr. visconde de Algés, quando assegurou que a camara estava cansada, cedo dá palavra.

Vozes: - Votos, votos. .

O sr. Presidente: - Devo observar aos dignos pares que

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a discussão sobre o projecto foi na generalidade, e que é sobre ella que se vae votar. Depois trataremos da especialidade.

O sr. Secretario leu o projecto.

Posto á votação foi approvado na generalidade.

O sr. Presidente: - Agora vão votar-se os artigos do projecto em separado. Creio que a camara não quer abrir discussão na especialidade? (Vozes:-Votos, votos.)

Vae ler-se o artigo 1.°

O sr. Secretario leu.

Foi approvado, e bem assim o artigo 2°

O sr. Visconde de Fonte Arcada: - Sr. presidente, peço que se lance na acta que eu votei contra o projecto.

O sr. Presidente: - Sim, senhor. Agora terá a palavra para explicações o sr. Miguel Osorio.

O sr. Miguel Osorio: - Vejo a camara de tal fórma fatigada e anciosa de terminar por hoje os seus trabalhos, que limitarei as minhas explicações a poucas palavras.

Tenho, em primeiro logar, a dizer ao sr. ministro do reino que fiquei satisfeitissimo com a explicação que s. exa. deu, por isso que foi ella a confissão mais explicita e clara de que o governo estava convencido dos erras da dictadura.

Sr. presidente, posto que n'um brilhante discurso o sr. Latino Coelho nos fizesse conhecer a grandeza da sua intelligencia e o apropriado das suas palavras, entretanto não foram ellas tão significativas como a phrase curta, sincera e despida de ornamentos do sr. ministro do reino.

S. exa. foi mais eloquente sem os atavios oratorios, que o seu collega da marinha com elles. As palavras do sr. bispo de Vizeu resumem o pensamento do governo, de quem elle é a força, a actividade e a acção.

Referindo-se a mim, disse s. exa. o digno par admira-se de que se commettesse uma injustiça contra o palacio de crystal? Pois a dictadura não foi para outra cousa.

Parece-me que ouvi dizer ao sr. ministro do reino isto mesmo?... Apoiado?! Então não me engano no que digo; foi para essa injustiça e para outras mais que se fez a dictadura. Justifica-se, sr. presidente, a dictadura para fazer justiça; mas para a injustiça parece-me que não póde haver justificação possivel. As dictaduras para a justiça podem levar ao capitolio os homens que adquiriram a admiração dos seus concidadãos pela energia das suas virtudes; as outras não.

Sr. presidente, o sr. ministro da marinha dirigiu no seu discurso, talvez sem querer, uma grave accusação a todos os seus antecessores n'aquellas cadeiras, quando disse que era forçoso reconhecer que tinha havido relaxação, que a pouco e pouso os parlamentos se tinham ido esquecendo dos deveres que deviam cumprir como mantenedores das leis e da boa administração na fazenda publica.

O sr. Costa Lobo: - Sr. presidente, se a discussão se renova, então peço a v. exa. que me dê tambem a palavra.

O Orador: - Se não estou na ordem, o digno par póde requerer que se me tire a palavra, mas eu entendo que estou no pleno uso dos meus direitos, dando estas explicações, que sou forçado a dar. Não cansarei porém a camara com ellas, e limitar-me-hei a dizer apenas duas palavras ácerca das inconveniencias que o sr. ministro do reino me attribuiu.

O sr. Presidente: - O digno par pediu a palavra para explicações, e recommendo a s. exa. que não saía do objecto para que ella lhe foi concedida.

O Orador: - Aceito a observação de v. exa., e creia que não me hei de desviar do objecto para que pedi a palavra.

Sr. presidente, o sr. ministro do reino disse que respondêra a uma pergunta que eu lhe tinha feito, mas que no dia seguinte se arrependera da resposta que me tinha dado, e que o contristava; foi esta a sua phrase: que eu para responder a s. exa. trouxesse um exemplo que não tinha paridade com o assumpto a que eu me referia. Parece-me porém que s. exa. se não devia contristar, antes pelo contrario, devia tomar a minha pergunta como filha do mais sincero desejo de não incorrer na injustiça de fazer accusações menos fundadas. Foi por isso que pedi a s. exa. o favor de me dizer se era verdade que o decreto a que me referira n'essa occasião tinha sido assignado pela mesma fórma que os outros. S. exa. disse que eu não devia ter tocado em um tal assumpto; eu porém não penso do mesmo modo; e não posso, sr, presidente, deixar sem reparo esta observação do sr. ministro, pois importa uma coarctação da liberdade que me dá a carta, e de que s. exa. não me póde privar.

Supponha o sr. ministro que só dava um caso analogo áquelle que citei, cccorrido em Hespanha, aonde se diz que um ministro ousou segurar a mão da soberana, para que ella não podesse recusar uma assignatura que se lhe exigia. Se tal se desse, sabendo o um membro do parlamento, não teria direito, e não deveria discutir e apreciar o facto, que importava uma coacção? De certo que tinha, nem podia deixar de te-lo.

Mas, acrescentou s. exa., que casos d'esta ordem nunca se deram entre nós, e que nem mesmo se sabia se era exacto que se tivesse dado, sendo para estranhar que eu trouxesse para aqui taes exemplos, que não tinham paridade com o que se estava discutindo; e que era tambem uma inconveniencia para o bom andamento dos negocios estarem a fazer sempre divagações historicas. N'este erro porem, que se apontou, já depois de mim incorreram os srs. ministros, que tambem as fizeram.

Ora, sr. presidente, eu estou convencido de que fiz um grande serviço á camara e ao paiz em perguntar pelo facto em questão, pois provoquei a declaração do sr. ministro de que o decreto tinha seguido os tramites ordinarios, como todos os outros. Fiz pois com isto um verdadeiro serviço á corôa, ao governo e ao paiz, e devia receber elogios em vez de recriminações, posto que nem os quero nem preciso de taes elogios.

Quanto ao que me disse o sr. ministro da marinha, não responderei aos argumentos que s. exa. apresentou; e só direi que me parecem todos de facil refutação, tanto mais quanto sobre o banco ultramarino s. exa. disse que não precisava de um decreto dictatorial para tomar a medida que tornou relativamente a elle. Pois precisava. O illustre ministro ao dizer isto esqueceu-se de certo que ha fórmas legaes que obrigam os poderes publicos a examinar e a averiguar as cousas. Se assim não fosse, s. exa. com a sua intelligencia esclarecida, com o conhecimento profundo que tem dos negocios publicos, com a rectidão do seu espirito, faria por uma portaria o que fez por um decreto dictatorial, e escusava de vir por esta fórma completar o pensamento do sr. ministro do reino de que a dictadura fora para fazer injustiças. E é com estas injustiças que se quer alevantar o nosso credito? É com estas injustiças que só pretendem regenerar as finanças? Deploravel expediente é este! A dictadura foi a negação da justiça, foi um não a tudo; assim o disse o sr. ministro da marinha, e é verdade. Disseram ao credito não, e o credito respondeu com outro não. S. exa. tem a prova n'esse malfadado emprestimo que ha de aqui vir em breve, e que bem mostra; falta de confiança que ha em nós, Recorrestes ao credito, e o credito disse: faltasses á fé dos contratos, negastes aos prestamistas o que lhes deveis; dae lhes primeiro o que lhes é devido...

O sr. Ministro do Reino: - Se a discussão se renova, peço a palavra.

O Orador: - E tereis um sim. Ahi está a resposta á dictadura... (Susurro.)

Tenho concluido.

O sr. Marquez de Sousa: - Sr. presidente, eu peço a palavra, se a discussão torna a começar (apoiados}.

O sr. Costa Lobo: - Eu já pedi tambem a palavra, se voltâmos á discussão do bill.

(Susurro.)

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O sr. Presidente: - Peço aos dignos pares attenção. Vou ler a disposição do regimento ácerca das discussões (leu).

Deixei ir mais alem do que devia ir nas suas explicações o digno par que acaba de fallar, e portanto não posso deixar continuar esta discussão fôra do campo em que deve correr.

Tem apalavra o sr. ministro do reino.

O sr. Ministro do Reino: - Sr. presidente, eu não quero voltar á discussão do assumpto que aqui se debate. Alteraram-se as minhas palavras e o meu pensamento. Entrego isso ao juizo da camara e do publico, para que faça justiça (apoiados).

O sr. Presidente: - Não ha negocios alguns sobre a mesa que possa apresentar á camara. Por conseguinte vou encerrar a sessão. Como ámanhã é dia de despacho, e os srs. ministros não podem aqui vir, e na sexta feira é dia santo, darei sessão para sabbado, sendo a ordem do dia pareceres de commissões.

Está levantada a sessão.

Eram quatro horas e meia da tarde.

Relação dos dignos pares que estiveram presentes na sessão de 2 de junho de 1869

Os exmos. srs.: Condes, de Lavradio, de Castro; Duque, de Palmella; Marquezes, de Ficalho, de Fronteira, de Sá da Bandeira, de Sousa, de Vianna; Condes, das Alcáçovas, de Azinhaga, de Cabral, de Cavalleiros, de Fonte Nova, de Fornos, da Ponte, de Thomar; Bispo de Vizeu; Viscondes, de Benagazil, de Algés, de Chancelleiros, de Condeixa, de Fonte Arcada, de Porto Covo, de Soares Franco, de Villa Maior; Barão, de S. Pedro; D. Antonio José de Mello, Costa Lobo, Rebello de Carvalho, Barreiros, Silva Ferrão, Margiochi, Braamcamp, Pinto Bastos, Reis e Vasconcellos, Lourenço da Luz, Baldy, Rebello da Silva, Miguel Osorio, Fernandes Thomás, Ferrer.

Discurso do sr. ministro da fazenda (conde de Samodães) proferido em a sessão de 29 de maio do corrente anno, que se publicou por extracto, na 2.ª col., pag. 65, d'este Diario

O sr. Ministro da Fazenda (Conde de Samodães): - A occasião não é muita opportuna para fallar n'esta camara, sobre o gravissimo assumpto que tem occupado a sua attenção. A hora está muito adiantada, e portanto eu não posso demorar-me em largas considerações sobre esta questão. Comtudo ha uma rasão que me obrigou a pedir a palavra, e a usar d'ella, independente dos discursos que se hão de seguir, dos dignos pares que já pediram a palavra, e é porque eu talvez não possa vir a esta camara na proxima sessão de segunda feira. N'esse dia entra em discussão na outra casa do parlamento uma questão importantissima; e como eu tenho de assistir a toda a discussão, é por esse motivo que não posso comparecer á sessão d'esta camara. Por isso, peço licença para dizer poucas palavras, não sobre a questão em geral, nem sobre os inconvenientes das dictaduras, nem sobre alguns dos decretos que foram impugnados pelo meu nobre amigo e parente o sr. Miguel Osorio, mas unica e tão sómente sobre um dos decretos que mereceu mais os reparos do digno par, e que dimana do ministerio a meu cargo, pelo que me julgo no dever de dar algumas explicações á camara.

Tanto menos preciso de responder immediatamente sobre tão variados assumptos, quando esta discussão tem de demorar-se, e alguns dos meus dignos collegas teem de tomar parte n'ella, e podem dar explicações sobre os outros assumptos que fizeram objecto da discussão.

Eu não posso deixar de, pela maneira mais solemne, agradecer tantos comprimentos e tantas palavras de benevolencia como foram aquellas que me dirigiu o meu illustre collega e amigo o sr. Osorio. Sou amigo de s. exa. ha muitos annos, amigo sincero, e cujas relações nunca foram interrompidas, nem espero que o sejam; por isso eu não podia esperar menos de s. exa., mas confesso que as palavras que
me dirigiu durante o seu discurso, e embora parecessem acrimoniosas, em relação á questão politica, foram tão benevolas que eu não posso deixar de as agradecer.

Limito-me á questão do tal decreto que tirou o subsidio ao palacio de crystal, e passo em claro todas as outras questões, porque não é agora occasião de as tratar, pois a hora está adiantada, e a camara fatigada.

O assumpto que o digno par tratou foi largamente considerado por mim, e discutido pelos meus collegas.

Esta questão do palacio de crystal tem de vir novamente á camara, e hei de ser eu que hei de traze-la. Hei de traze la, porque, preciso necessariamente faze-lo.

Todos sabem como é que se fundou o palacio de crystal. Primeiramente organisou-se uma companhia para levar a eifeito aquella empreza, e então não se lembraram de pedir subsidio nenhum ao governo, e até consideraram que seria improprio da sua dignidade recorrer aos poderes publicos para que aquella empreza fosse subsidiada. Consideraram, os cavalheiros que se pozeram á testa d'aquella empreza, que nos seus recursos tinham meios para levar a effeito essa grandiosa obra.

Mais tarde lembraram-se de fazer uma exposição, e em breve conheceram que a sua boa vontade e melhores desejos eram mais largos que os seus recursos, e vieram então, como era natural, pedir aos poderes publicos para que subsidiassem os seus trabalhos. Foi n'essa occasião que se votaram 70:000$000 réis para auxiliar aquella exposição.

Porém não ficou aqui sómente o subsidio que os poderes publicos deram ao palacio de crystal; alem disso concedeu-se-lhe que todos os objectos que fossem importados, necessarios para a construcção do edificio, entrassem completamente livres de direitos.

Eu ultimamente mandei proceder a uma liquidação a respeito d'estes direitos, e essa liquidação subia, na occasião em que se decretou aquella disposição, a 73:000$000 réis, que, reunidos aos 70:000$000 réis, dá já uma somma consideravel; porém a liquidação continua, e ultimamente recebi mais um addicional de uns dezeseis contos e tanto.

Não para ainda aqui; a sociedade do palacio de crystal não só considerou que tinha direito a receber, livre de todos os impostos aduaneiros, os artigos que eram necessarios para a construcção do edificio, mas que esta isenção devia estender se a todos os artigos necessarios para o ornato do edificio, isenção que nenhuma lei auctorisava.

Effectivamente isto não estava introduzido na lei; porem houve uma portaria do ministerio da fazenda em que se permittia que aquelles artigos entrassem independentemente do pagamento dos respectivos direitos, mas que esta permissão ficasse dependente da approvação das côrtes.

Esta proposta nunca veiu ao parlamento, e esse negocio anda por 17:000$000 réis, e necessariamente para este caso é que hei de trazer, em occasião opportuna, uma proposta á outra camara para que ella resolva a fórma como o governo ha de haver o que aquella sociedade está devendo, ou se deve ser absolvida de tal pagamento.

Porém, sr. presidente, esta exposição que faço agora á camara é unicamente para mostrar que todo o valor actual do palacio de crystal é inferior ás sommas que o estado tem dado para a sua construcção e brilhantismo, e não para defender o decreto dictatorial; porque este tem outra defeza mais concludente, e as reflexões que precedem só podem levar os poderes publicos a decidirem se depois de todos estes subsidios, se deve ainda continuar a dar esse outro subsidio annual. Sempre tive a opinião de que não deve continuar.

Alem d'estes encargos que o palacio de crystal trouxe ao estado, foi elle armazem de deposito, e ainda não está liquidada a conta da sua responsabilidade. Alem d'isto a isenção dos impostos traz um desfalque aos rendimentos geraes do estado e colloca-o em posição excepcional, que é insustentavel em presença dos principios da igualdade.

Vamos porem á questão do tal subsidio, que eu offendi

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pelo decreto de que se trata. Diz-se que o governo dera á companhia do palacio de crystal uma somma para pagamento dos juros de um emprestimo até á quantia de réis 75:000$000, e disse aqui o sr. Miguel Osorio - que o governo recebera em deposito aquella quantia em acções ao par, as quaes, o governo havia de passar, e que a empreza do palacio de crystal ficou pagando a annuidade para amortisação da quantia emprestada.

Pela lei que concedeu o subsidio ao palacio eu troca das suas acções, o governo tornou-se um verdadeiro corretor, quer dizer que o governo se encarregou de passar aquelles 75:000$000 réis em acções, e já se vê que a sua corretagem era gratuita; e o corretor talvez por isso foi infeliz nas suas operações.

Em virtude desta lei fez-se aquillo que o digno par leu, mas s. exa. não leu senão o prospecto para um emprestimo, quer dizer que o palacio de crystal apresentou um prospecto para quem quizesse subscrever para um emprestimo. Este prospecto foi mandado tambem ao governo, que por uma portaria lhe fez algumas alterações, e depois que mais vemos nós? Vemos uma escriptura publica em que se ratifica esse prospecto com as alterações apresentadas pelo governo, e diz-se n'esta escriptura: que em vez do prospecto primitivo, será o mesmo prospecto, mas com as alterações designadas pelo governo.

Eu não vejo mais nada, nem na secretaria da fazenda apparece cousa alguma a este respeito alem d'essa escriptura que se publicou no papel, de que eu tive plenissimo conhecimento antes de me decidir a retirar o subsidio.

Não é senão um prospecto para se fazer um emprestimo; a sociedade aceitou-o com as alterações que o governo lhe fez, mas daqui ao contrato de emprestimo propriamente dito, vae uma differença muito grande. Onde está a escriptura definitiva? Não a vi. Pois eu faço um programma em que digo que contrahiria um emprestimo em certas condições, e que quem quizer emprestar-me venha ter commigo, e por este simples annuncio recebi a somma que me propunha a aceitar?

D'aqui a ter recebido e ter-se mutuado a mim essa somma, vae uma differença consideravel. Eu não VI mais nada no ministerio da fazenda, e n'esse papel não existo cousa alguma pela qual se prove que se fez esse emprestimo: existe uma escriptura de ratificação de condições, mas não a entrega effectiva da somma mutuada, nem a quitação da companhia. Não vejo ali que o governo interviesse por modo algum n'esse contrato de emprestimo, nem vejo mesmo que elle se realisasse. Eu ponho de parte todas as asserções que vem nessa escriptura, que não são verdadeiras, e na qual se diz que o governo é accionista do palacio de crystal; não é, nem ha lei que o determine; o governo era incumbido de pôr á venda 750 acções da empreza, e para esse effeito unicamente é que as recebeu. O ministro que se obrigou a fazer esse negocio não o póde levar por diante, e eu de certo me não incumbo de similhante operação, e por isso as ponho á disposição da sociedade para ella se encarregar de realisar a sua negociação, que na minha mão não espero seja feliz.

Sr. presidente, o negocio está exactamente nos termos em que acabo de dizer á camara, e não está consummado. Negocio muito mais grave do que esteja foi approvado em outra epocha que vae distante. Foi tambem um acto de dictadura que foi depois approvado pelo bill similhante áquelle de que se trata agora. Mas, sr. presidente, esse negocio era muito mais grave do que este. Era em 1852 em que havia um contrato bilateral entre o governo e a companhia dos vinhos do alto Douro, pelo qual contrato o governo se tinha obrigado a dar 150:000$000 réis por anno aquella companhia, impondo certas condições, devendo o contrato durar até 1858, e seis annos antes o governo, por um acto de dictadura, retirou os 150:000$000 réis, e deixou a companhia sem o subsidio que o contrato e a lei determinava que lhe desse.

Sr. presidenta, esta negocio era muito mais grave, porque havia um contrato celebrado entre o governo e uma companhia, e foi revogado esse contrato por um acto simples do governo, e depois pelo parlamento, ao passo que n'esta questão pequena e insignificante não vejo nenhum instrumento mutuo ou de contrato oneroso entre o governo e a companhia do palacio de crystal, e apenas vejo um prospecto para se fazer um emprestimo. Portanto, sr. presidente, a questão está reduzida a este ponto, se se deve ou não continuar a dar o subsidio ao palacio de crystal. Se a camara entender que é de conveniencia publica que se continue a subsidiar aquelle estabelecimento, póde faze-lo. Póde-se subsidiar o palacio de crystal, como se póde subsidiar qualquer outra empreza particular; porém a, questão está em se saber se convém continuar com estes privilegios, e com outros muitos que tem aquelle estabelecimento, que está n'uma posição inteiramente excepcional, e com o qual as outras industrias não podem concorrer, porque elle tem a isenção completa de todos os impostos, pagamento de sei-los, e outras condições analogas. Por consequencia o que o parlamento deve ver, é se ha alguma conveniencia em se continuar a dar um subsidio áquelle estabelecimento. Se a camara quizer continuar a dar-lh'o, dê-lh'o, muito embora, mas pela minha parte hei do votar contra.

Julgo ter dado á camara as convenientes explicações sobre este negocio, que dizia respeito particularmente ao meu ministerio, posto que, como membro do governo, tenha responsabilidade solidaria em todos os actos, e estamos habilitados a responder uns pelos outros, não quiz todavia deixar aos meus collegas a tarefa de responder sobre este assumpto, não só por ser negocio particular da minha repartição, como já disse, mas porque fui eu que tomei a sua iniciativa..

Estimei bastante ter occasião de dar estas explicações, porque talvez na segunda feira não possa vir assistir a discussão n'esta casa.

1:206-IMPRESNSA NACIONAL-1868

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