102 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
O sr. RebellO da Slva: - Mando para a mesa este dois pareceres da commissão de fazenda.
O sr. Conde de Casal Ribeiro: - Aproveito a occasião de ver presente o meu nobre amigo o sr. ministro da obras publicas, para chamar a attenção de s. exa. sobre estado da construcção de certas estradas, cuja necessidade o nobre ministro conhece tão bem como eu.
Creio fazer completa justiça ao sr. ministro das obras publicas, suppondo que a consideração de pertencer a uma certa localidade em que s. exa. tem residencia e bens, não influirá no seu animo para que áquelle povo se faça, nem menos, nem mais a vontade, pois tão condemnavel seria não se lhes fazer o que elles justamente requerem, por um excesso de melindre, como fazer-se uma excepção injustamente favoravel.
O nobre ministro sabe perfeitamente que se estão construindo alguns lanços da estrada districtal que conduz desde Lisboa, por Loures, Bucellas, Sobral, Merciana e Atalaia ao Cadaval. Esta estrada é districtal, devendo, segyndo a lei, o governo concorrer com metade da despeza, e as camaras municipaes de Torres, Arruda e Alemquer com outra metade alem do preço das expropriações.
Creio que o nobre ministro sabe perfeitamente que quanto á parte ultimamente concluida d'esta estrada, alguma cousa se tem feito, que póde porventura servir de exemplo, que convirá imitar para casos similhantes. Ninguem ignora as difficuldades em que se encontram os municipios. A lei é boa, mas a execução difficil.
Se os municipios não forem habilitados com meios mais efficazes, difficil será que possam concorrer para a construcção das estradas districtaes com metade, e para as municipaes com dois terços, alem do preço das expropriações.
Este systema presuppõe uma lei de administração assentando em bases mais racionaes a fazenda municipal e a fazenda districtal. Até agora tem acontecido que geralmente o governo tem sido latitucinario da sua parte, e tem adiantado ás camaras municipres, talvez com pouca esperança de poder vir a reembolsar grande parte do que a ellas cabe; e quando assim o não faça, aconteceria que a verba votada para estradas não seria enpregada no todo. Nem se póde exigir o rigoroso cumprimento da lei, sem que o resultado seja a absoluta impossibilidade de fazer estradas de segunda e terceira classe. Seria então mais racional eliminar do orçamento a verba correspondente.
Voltando ao ponto stricto da estrada a que me referi; disse eu que alguma cousa ali se deu que podia servir de util exemplo. Os proprietaiios da Merciana, Carmões, Freiria, Sobral e outros logares, reuniram-se e estabeleceram commissões, uma na Merciana, outra em Carmões e outra no Sobral.
Estas commissões trabalharam para obter donativos em terrenos, dinheiro e trabalho. Os resultados que conseguiram são relativamente grandes, e os factos mostraram já que na parte que se encontra construida d'esta estrada as expropriações não custaram um real ao governo ou á camara, e que ha ainda um saldo importante em cofre prompto a entrar no das obras publicas. E este um facto importante, e eu acredito que para a continuação d'esta es trada se hão de conseguir iguaes resultados se se empregarem os mesmos meios.
Já está prompta metade da estrada entre Merceana e Freiria, e parece-me que ninguem deixará de considerar duro que se vão suspende os trabalhos de uma estrada que se vae construindo debaixo de tão bons auspicios. N'isto sou eu insuspeito, porque a parte que está prompta é a que me interessa directamente,
Se para a parte que está prompta os proprietarios interessados deram tão valioso auxilio, creio que iguaes resultados se poderão conseguir para o resto da estrada, tanto mais que o que falta a construir não tem grandes expropriações nem movimentos da terra importantes.
Pela minha parte conte o illustre ministro com a melhor boa vontade e esforços, e estou auctorisado a offerecer os das commissões respectivas, se o governo entender que deve continuar a estrada na direcção a que me tenho referido, e segui-la até ao Sobral, onde, se estou bem informado, se vae proceder ao competente estudo.
Como proprietario, e quasi residente no concelho de Alemquer, e disposto a mudar para ali domicilio effectivo e politico, estou prompto a continuar a concorrer com todos os meios ao meu alcance, influindo e promovendo boas vontades, a fim de auxiliar o governo, uma vez que elle não levante mão d'aquelles trabalhos.
Entre a Merceana e a Atalaia estão concluidos os estudos. Seria utilissimo decretar-se já e começar a construcção d'aquelle lanço.
Alem d'isto, consta-me tambem que a camara de Alemquer requereu ao governo, que concorresse com a parte que lhe compete para a estrada municipal que deve ligar a que vae de Alemquer á Merceana com a da Merceana á Atalaia. Esta estrada que desde o sitio da Boavista deveria seguir pelo Olhaivo á Atalaia, é tambem importantissima, e os proprietarios interessados estão promptos a concorrer para ella com meios valiosos.
A idéa que a alguns occorreu, e não me parece de modo algum desaproveitavel, foi fazerem um emprestimo gratuito á camara da somma com que ella deve concorrer, e esse emprestimo ser representado em acções que não vençam juro, e pagar em prestações annuaes no tempo que se fixasse, em cinco, seis ou sete annos, facilitando assim á camara o poder dar uma pequena quantia por anno para amortisação do emprestimo, e evitando a difficuldade que ella teria em despender a somma toda por uma vez.
Esta idéa é muito louvavel. Seja ella ou outra que se adopte, é certo que aquelles cavalheiros estão dispostos a concorrer de um modo eficaz para a construcção da estrada. O nobre ministro conhece os perfeitamente, são seus e meus amigos.
Tudo isto, porém, não deve prejudicar outra obra de não somenos importancia. É muito conveniente que o governo mande estudar quanto antes a continuação da estrada districtal que deve ligar Alemquer com Torres Vedras, a qual está concluida até á Merceana, e naturalmente deverá ir até Runa. Para este estudo o governo está auctorisado, e estou convencido de que quando se tratar da construcção d'esta estrada, o governo ha de encontrar o mesmo auxilio e boa vontade da parte dos interessados.
Creio que uma das grandes doenças do nosso paiz é a falta de iniciativa particular. Descansamos demais na acção do governo, e prestamos-lhe de menos os meios e o apoio para a exercer. Queremos todos a escola, a estrada, a policia ao pé da porta. Mas quando se trata de pedir dinheiro, ou recrutar soldados, vem logo as difficuldades e as reluctancias. Exige-se quasi que o governo de o sol e a chuva, e queixam-se todos d'elle por dar pouco ou por pedir o que seria preciso para dar rasoavelmente.
E por melhor vontade que tenha o governo, e por mais amplas que sejam as suas faculdades, nunca elle poderia satisfazer a todas as necessidades sociaes, desajudado da provincia e do municipio vigorosamente organisados, e sem o poderoso auxilio da iniciativa individual. A força d'esta iniciativa é o melhor indicio da virilidade de um povo. A alta d'ella denota decadencia.
É grande perigo sempre a centralisação exagerada. Esta não é uma questão que venha agora para aqui, porque seria muito larga de tratar. Mas direi de passagem, que as grandes desgraças porque está passando a França, tem por causa principal, talvez, que Paris absorvia toda a actividade, toda a vida da nação. Sendo assim, e quando n'uma nação sobrevem uma doença grave na cabeça, encontra-se em força de resistencia o resto do corpo e a nação perece. Temos em Paris o terrivel exemplo da centralisação não é politica e administrativa, mas de tudo quanto pertence á intelligencia, ao trabalho, á industria, á vida em uma pa-