O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

90 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

tisfazer aos principios de justiça e só a duas das mais bellas maximas do systema liberal, consignadas no codigo fundamental da nação, e que têem por fim estabelecer a igualdade de todos os cidadãos perante a lei e perante o imposto. E refiro-me ao imposto, porque o recrutamento não é senão um onus d'essa especie, e o mais pesado de todos elles; e, no curso das minhas considerações, terei de fazer uma comparação com o imposto predial, e tirar conclusões que me parece não serão mui fóra de proposito. É facto que desde a promulgação da actual lei do recrutamento, existe nos differentes districtos do reino uma divida de 27:000 a 30:000 recrutas, divida mui desigual, porque emquanto nalguns toma grandes proporções, n'outros é diminuta.

Quaes são as causas porque se não cumpriu esta lei? São muitas, e a mais principal tem sido a ingerencia muitas vezes repetida, das auctoridades administrativas nas eleições.

Não quero com isto apresentar asserções desfavoraveis a qualquer governo, posto que alguns mais se tenham avantajado n'este systema de sophismar as instituições, mas apenas citar factos conhecidos e publicados por toda a imprensa periodica.

Tambem não quero attribuir sómente esta falta a ingerencia das auctoridades administrativas, no acto mais solemne da soberania nacional; attribuo-a tambem á não. execução da lei do registo civil, lei que se acha publicada já de ha muito, mas que infelizmente ainda nenhum governo teve força para fazer executar, e é esta, repito uma das causas, talvez das mais fortes, por que os contingentes dos recrutamentos não têem sido preenchidos, porque faltam bases certas para um exacto recenseamento militar.

Eu referi-me ha pouco a uma comparação que tinha a fazer, do projecto de lei que se acha em discussão com o imposto predial, e esta minha comparação, que parecerá talvez fóra de proposito, não o é, e antes tende bastante a fazer conhecer melhor a injustiça que se pratica, chamando ao serviço activo a reserva do exercito.

o bem elaborado relatorio sobre o imposto predial, apresentado pelo sr. deputado Carlos Ribeiro, mostra-se evidentemente qual é o rendimento da propriedade rustica e urbana em Portugal; calculado por aquelle illustre membro da outra casa do parlamento, em 50.967:000$000 réis.

S. exa. apresentou considerações muito sensatas, levando em vista as estatisticas e os calculos de diversos paizes que melhor se poderiam accommodar ao nosso, e não se póde dizer que o resultado fosse exagerado, e antes se póde considerar áquem do verdadeiro.

Ora, se sobre este rendimento se lançasse o imposto de 10 por cento, teriamos que o rendimento para o thesouro seria de 5.596:000$000 réis, e no entanto elle está muito longe d'essa importante somma, e sabe v. exa. porque? São bem diversas as causas; ha propriedades que se não acham registadas na matriz e que andam sonegadas, outras que teem rendimento collectavel muito áquem da verdade, outras estão effectivamente calculadas pelo seu justo valor e outras, emfim, têem o rendimento collectavel muito superior áquelle que deviam ter. Para estas desigualdades contribue ainda a corrupção eleitoral.

Ora, nós não precisâmos só reformar o exercito para termos mais soldados, precisâmos tambem augmentar os rendimentos do thesouro, para que se chegue a conseguir o tão desejado equilibrio entre a receita e a despeza.

Que se diria de uma lei que, excluindo de entre as relações dos contribuintes aquelles que menos cumprem com o dever de pagar as suas contribuições, fosse aggravar aquelles que são pontuaes, sobrecarregando-os com as quotas que os remissos deviam pagar?

Esta lei não podia ser alcunhada senão de injusta e iniqua. Ora, como o recrutamento é um imposto; d'aqui vem a comparação dos resultados do projecto de lei em discussão, com a hypothese anteriormente estabelecida, e que me obriga a considerar tambem como injusto e iniquo o chamamento da reserva, porque se pretende aggravar aquelles que já pagaram o imposto de sangue, obrigando-os a servir por outros que nunca o prestaram, esquivando-se por meios illicitos ou illegaes.

Não seria pois mais consentaneo com os principios de justiça compellir os refractarios?

Eu bem reconheço que as praças de pret, actualmente na reserva, não estão ainda desoneradas do serviço que lhes impõe a lei, mas já prestaram parte d'esse serviço durante cinco ou tres annos. conforme a epocha em que se alistaram, e como não podiam julgar que fossem chamadas senão em circumstancias muito urgentes, e quando a patria perigasse acham-se empregadas nas industrias, na agricultura, nos cargos publicos; muitos estão casados, e estabelecidos com as suas familias, a quem têem obrigação de alimentar. Ora, se estes homens forem afastados das suas occupações, as familias ficam lançadas na miseria, porque não é com o magro pret do soldado que elles podem attender aos encargos que contrahiram.

É pois uma grave injustiça que se vae commetter; embora as circumstancias não sejam normaes, não são taes que obriguem a recorrer a este meio. E se o são, é tambem preciso ponderar os inconvenientes que podem advir do chamamento de 6:000 ou 7:000 descontentes para as fileiras do exercito, e não será este ou outro qualquer augmento de força capaz de se oppor aos justos desejos da nação, tendentes ao aperfeiçoamento mais liberal das nossas instituições.

Estas considerações levam-me ao convencimento de que é necessario attender muito seriamente aos inconvenientes que resultam do modo porque actualmente se preenchem as fileiras do exercito.

A lei do recrutamento não é boa, e de certo tem defeitos, mas não é inexequivel, porque muitos districtos contribuem com o contingente que lhes é distribuido. Isto prova que a lei, apesar de defeituosa, não o é tanto que não se possa fazer cumprir, se uma outra causa, a que já alludi, não se oppozesse ao seu fiel cumprimento.

Um dos grandes defeitos da lei é, sem duvida, a remissão a dinheiro, que importa um privilegio concedido ás classes mais ricas. Os pobres, os que não podem juntar a quantia necessaria para se remirem, vão servir, emquanto que os ricos pagando as remissões, livram-se de um encargo, de certo dos mais penosos, mas tambem dos mais honrosos, porque, como tal, tem sido sempre considerado o de velar pelas instituições, pela ordem e pela independencia da patria.

agora devo declarar que me conformo muito com a idéa do serviço obrigatorio, que hoje vigora em muitas nações da Europa; é uma instituição essencialmente democratica, porque colloca todos os cidadãos, quaesquer que sejam os seus meios de fortuna, na igualdade perante a lei, igualdade que os obriga a não transferirem para outrem, por dinheiro, o encargo honroso de servir a patria. O serviço obrigatorio parece-me não ter os inconvenientes que o nobre ministro da guerra lhe attribue; aquelle systema não exige que todos os homens válidos em determinadas idades estejam nas fileiras; este serviço tem principalmente em vista fazer com que todos se adestrem nos exercicios militares e possam assim, na hora do perigo, prestar o serviço que no nosso paiz lhes é imposto pela carta constitucional, que declara todos os cidadãos obrigados a defender a patria dos inimigos internos e externos. E estarão (com a legislação actual) todos os cidadãos no caso de poderem cumprir com este encargo que a constituição do estado lhes impõe? Não o estão porque a limitada instrucção militar acha-se concentrada nos corpos, e fóra d'estes não ha nenhuma. Não temos escolas de tiro, nem qualquer outra instituição conveniente para levantar o exercito do estado de abatimento a que tem chegado. O povo portu-