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DIARIO DA CAMARA DOS DOS DIGNOS PARES DO REINO 91

guez não é revolucionario, como ultimamente se tem pretendido fazer acreditar; nenhum perigo resultaria para a Ordem publica em se diffundir a instrução militar. É a minha convicção intima.

Não posso deixar de lamentar que o nobre presidente do conselho e ministro da guerra, a cujo talento eu presto a consideração devida, tenha descurado, durante a sua longa permanencia no governo, as nossas instituições militares, e mais ainda tendo s. exa. censurado por igual motivo n'esta casa em 1871 o governo de que fazia parte o nobre prelado de Vizeu.

S. exa. foi o creador de uma instituição que podia ser muito proveitosa. Refiro-me ao acampamento de Tancos. Infelizmente, pela exagerada despeza a que deu logar, tornou-se uma instituição odiosa, e que hoje só em bases muito mais modestas se poderia tornar a estabelecer. Entretanto reconheço que era uma instituição de primeira necessidade para se conseguir um exercito com a necessaria instrucção.

Portanto, sr. presidente, parece-me que com relação ao projecto não posso deixar de repetir que elle vae dar logar a grandes injustiças; e creio ter apresentado os motivos suficientes que me levam a rejeita-lo, tendo em vista as rasões de justiça.

Agora, com relação á urgencia, estaremos nós no caso de precisar recorrer a meios tão violentos para engrossar as fileiras do exercito? Creio que não. Apesar dos acontecimentos da nação vizinha não tenho receio algum que sejamos aggredidos, e n'isto vou de accordo com o nobre presidente do conselho. Com relação a ser perturbada a ordem publica entre nós, tambem não partilho esses receios que se apresentam. E como o sr. presidente do conselho de certo tinha previsto os acontecimentos que ha pouco se deram, podia ter recorrido a outros meios para conseguir um resultado muito melhor do que conseguirá com a promulgação da presente lei. S. exa. reconhece os defeitos da actual lei do recrutamento, e podia desde muito ter tomado alguma providencia a esse respeito. O illustre ministro está na opinião de substituir as remissões a dinheiro pelas substituições, systema que, apesar de ter muitos inconvenientes tem comtudo algumas vantagens. Os soldados que servem por outros geralmente não são os melhores, falta-lhes o estimulo, o brio e a honra; são mercenarios, não são cidadãos compellidos pela lei a desempenhar um serviço tão honroso como é o militar; apesar dos inconvenientes que me parecem existir nas substituições, ha sempre algumas vantagens, porque obriga a entrar nas fileiras do exercito um maior numero de praças, umas prestando serviço por si, outras por aquelles que substituem.

Em 1868 tiveram logar em Hespanha acontecimentos muito mais graves do que aquelles que se deram ali ultimamente. Então baqueou um throno que contava tradições de seculos, e primeiro que se chegasse á creação da monarchia, que ultimamente acaba de desapparecer d'aquelle paiz com a renuncia do illustre principe que presidiu aos destinos da Hespanha, correu um periodo de incertezas, em que podia haver perigos para nós, e alguma partidas podiam violar o territorio portuguez. O ministerio que então geria os negocios publicos, e que por certo não era inferior em patriotismo e dedicação ao actual, satisfez a todos os encargos, fez respeitar a integridade do nosso territorio, sem augmentar a força publica, a qual não era então superior á actual. Não vejo nas circumstancias presentes maior rasão, para termos receios de qualquer aggressão ou violação do nosso territorio, e portanto que haja urgencia de chamar as praças da reserva. O que o governo devia fazer, se entendesse que era indispensavel augmentar a força publica, era, antes de recorrer á reserva, fazer entrar nas fileiras, senão no todo, pelo menos em parte, os individuos dos contingentes atrazados; e quando todos que ainda não prestaram serviço no exercito tivessem pago esse tributo, seria occasião, se faltasse ainda força, e fossem urgentes as circumstancias, de chamar a reserva.

D'onde provirá a falta de cumprimento da lei do recrutamento? Será de aversão instinctiva do povo portuguez ao serviço militar, como se pretende asseverar? Não creio. A nação portugueza, que tem na historia paginas tão gloriosas, que abriu á civilisação europeia portas do Oriente, que em 1640 deu o exemplo mais sublime de quanto póde o amor patrio, que derramou, com tanta prodigalidade, o seu sangue em tantas batalhas e combates, lutando contra as hostes invenciveis de Napoleão I, não póde ser adeusada de repugnancia pela nobre profissão das armas. É uma accusação immerecia.

Limitando, porém, as minhas reflexões, devo considerar o chamamento da reserva debaixo do ponto de vista da disciplina. Effectivamente, sr. presidente, a disciplina é a primeira condição dos exercitos.

Ora, infelizmente, tem-se dado ultimamente exemplos de indisciplina, exemplos que mostram exuberantemente a necessidade de reformar o coligo penal militar e o systema de processo.

Ainda ha pouco um official, em cumprimento do seu dever e velando na fronteira para impedir a entrada de guerrilhas, desempenhando assim um serviço de campanha, foi cobardemente fuzilado por um soldado! Que prova isto se não a indisciplina! E n'estes termos será conveniente introduzir nas"fileiras do exercito 6:000 ou 7:000 descontentes? Diz-se que precisâmos de soldados feitos. As praças que têem permanecido na reserva quando são chamadas precisam novamente de instrucção, estão em peiores circumstancias do que as recrutas, porque estás são obedientes e procuram com boa vontade instruir-se nos exercicios que precedem a entrada nas fileiras.

Considero, pois, o chamamento da reserva como impolitico e perigoso. Longe de ser um elemento de ordem póde dar resultado contrario.

Examinemos agora o estado do exercito em relação ao material de guerra.

O material de guerra é o resultado da accumulação de muito trabalho, capital e tempo. Temos nós o necessario para o exercito em tempo de paz, isto é, para um effectivo de 30:000 homens? De certo que não. Computando a relação numerica de tres bôcas de fogo para 1:000 homens, o que não é exagerado, carecemos de noventa peças para uma força de 30:000 homens. Ora noventa bocas de fogo, segundo o regulamento, são 15 baterias a 6 peças cada uma, e o numero de viaturas correspondente, é de 360, que estamos bem longe de possuir.

Vê-se, pois, que ainda mesmo que se conseguisse com o chamamento da reserva, reunir os 30:000 homens, não tinhamos o material necessario para esta força. Falta uma grande parte do material relativo a artilheria, assim como falta tambem o material de engenheria, as ferramentas necessarias, e trens de pontos, que é cousa absolutamente indispensavel, principalmente n'um paiz como o nosso todo retalhado de rios, e não temos para os atravessar se não os pequenos barcos que se encontram nas localidades. Todos os exercitos bem organisados têem trens de pontes, e nós carecemos d'elles. As nossas fortificações não se acham em melhor estado. A praça de Elvas está sem material; as obras exteriores estão, é verdade, em bom estado, mas a artilheria é antiga, e só propria para figurar n'um museu archeologico. Não ha ai1 peças do systema moderno, peças estriadas que sirvam para uma efficaz defeza, e sem as quaes os sitiantes, mesmo de muito longe podem aggredir a praça, e obriga-la a capitular. Não temos, pois, material de praça, nem de sitio; faltam-nos uma immensidade de cousas indispensaveis para poder pôr o exercito em pé de guerra. Eu creio que sei podem dizer estas verdades, que são do conhecimento de todos. Não convem apresentar o nosso estado militar com exagero, porque nós sabemos qual foi o resultado da exageração na campanha en-