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DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 93

sr. presidente, que eu, envergonhado por aquelle acontemento, approximei-me do chefe do estado maior, e disse-lhe: Não sei se é cousa que se proponha, ou mesmo que se aceite, mas se basta um homem para receber as armas, eu as recebo. A minha indicação foi aceite, e eu recebi as armas.

Sr. presidente, uma das primeiras necessidades para o nosso paiz é a paz. Nós estamos felizmente em paz com a Hespanha, mas, para a manter, é necessario que sejamos leaes. Ora, perguntarei eu: a camara reputa que seria indifferente, nas circumstancias actuaes, a repetição de factos similhantes aos que narrei? Eu julgo que não é indifferente, e se o não é, simplifica muito a nossa questão. Os que entendem que a força actual do exercito é sufficiente para guarnecer as fronteiras, a fim de manter a mais rigorosa neutralidade, votam contra este projecto; os que pelo contrario entendem que a força de que podemos dispor não é a necessaria, votam pelo chamamento da reserva como unico meio de que se póde lançar mão nas actuaes circumstancias para augmentar a força publica.

Com respeito á questão de fazenda direi tambem alguma cousa.

A questão de fazenda é a primeira, é a unica de que nos devemos occupar. Não sou suspeito dizendo-o porque sempre assim o declarei. Era n'esta casa opposição ao sr. conde de Thomar, mas votei-lhe as suas leis de fazenda, e não só votei essas leis, mas fiz quanto possivel para que ellas podessem vigorar. Vieram depois em 1855 52:000 assignaturas de peticionarios representando contra leis de fazenda, mas o meu nome não figura entre os d'elles. Portanto, estou no perfeito direito de dizer, que a questão de fazenda é a primeira e a unica, excepto quando a honra e a dignidade da nação se oppõem a isso.

Sr. presidente, como estou hoje contando historias antigas, contarei ainda, como velho, uma outra historia.

Quando houve uma invasão n'este paiz feita pelo primeiro exercito d'essa epocha, não se tratou da questão de fazenda. Os francezes não occuparam o territorio portuguez, mas atravessaram por cima das cinzas de Portugal.

Passados annos dividimo-nos em dois grupos, e nenhum d'esses grupos, nem o liberal nem o que defendia o throno do sr. D. Miguel pensaram na questão de fazenda, para fazer triumphar a sua causa. Os liberaes sei eu, despojavam-se de tudo quanto possuiam, arruinaram fortunas, sacrificaram haveres, e nem consta que se lamentassem. Os adversarios com a mesma fé, com a mesma dedicção pela sua causa, fizeram todos os esforços possiveis para a fazer triumphar.

Sr. presidente, é caso de dizermos como Francisco I "Tudo se perdeu, excepto a honra". A honra é o mais sagrado legado de nossos pães, e se a malbaratarmos, triste será a herança que deixaremos a nossos filhos.

O sr. Conde de Cavalleiros: - Sr. presidente, antes de entrar na questão, permitta v. exa. que eu louve os nobres e distinctos sentimentos do nosso collega, meu parente e amigo, o sr. marquez de Ficalho, que mostra n'esta casa qual é o seu patriotismo, qual e o desejo que ainda tem, ruão olhando aos serviços que já praticou, mas aos que póde praticar em defeza do paiz. Honra e louvor ao digno par! Mas, sr. presidente, se Portugal corresse os perigos que s. exa. apontou, não havia divergencia nem n'esta casa, nem fora d'ella (apoiados); todos calariamos as nossas opiniões, os nossos raciocinios, para darmos completa e inteira força ao governo. Esse caso felizmente se não dá. Todavia, pelo povo vizinho proclamar uma republica, e outros muitos a têem tido em differentes epochas, devemos nós, portuguezes, vizinho?, conscios da nossa liberdade, estar sempre de arma ao hombro? Entendo que não, e direi logo até onde podem chegar aquelles que tenham differente opinião e conceito ácerca da utilidade em se chamar a reserva.

Sr. presidente, este projecto de lei já foi discutido, votado e approvado na camara dos senhores deputados, camara que tem o exclusivo privilegio da iniciativa nos tributos e no recrutamento. Por consequencia, a nossa responsabilidade, é muito menor do que seria se tivessemos de encetar a questão.

Mas, alem d'isso, temos o projecto assignado por uma serie de homens tão respeitaveis, tão dignos e tão competentes que eu na verdade não sei como tenho a ousadia de me apresentar questionando a conveniencia e utilidade d'elle, salvo se os dignos caracteres a que me referi sacrificaram um pouco á urgencia, imaginaria ou real, o que podiam discordar nessa utilidade e conveniencia.

Sr. presidente, se eu votasse silenciosamente contra o projecto, sem duvida alguma mostrava o meu desaccordo com o governo e seria tambem um falta de attenção com elle, tambem de alguma fórma afastaria de mim os costumes e habitos que tenho adquirido de, sempre que posso, motivar o meu voto em materias graves e serias.

Não se entenda por isso, sr. presidente, que tenho a mais leve idéa de menosprezar, de menoscabar a capacidade, a intelligencia, a probidade, a honra do sr. ministro que está presente e dos seus collegas. Creiam s. exas. que não é só por um dever de amisade com que me honro, não é pela benevolencia que têem tido comungo muitas vezes, é pela convicção profunda que faço esta declaração.

Sr. presidente, sempre que eu vejo por essa Europa, por esse velho e novo mundo, levantar questões de accusações vergonhosas a homens que governam, honro me de ser portuguez, porque aos homens que teem dirigido os destinos d'este paiz, lutando em fogo vivo com a imprensa, com a tribuna, com a má vontade publica, não tem a calumnia chegado a ponto de os manchar, e a prova é que algumas vezes têem voltado ao poder, prova de que teem capacidade e probidade para isso, no que se vêem honrados todos os partidos nas pessoas dos seus chefes. Isto prova a honradez do caracter portuguez, prova a bondade d'este povo; e um povo tão bom, tão probo, tão honrado, e que preza tanto a liberdade, é digno de existir. Trabalhemos todos por elle.

Trabalhemos todos, sr. presidente, mas sem precipitação nem receios, que são maus conselheiros.

O governo tem sempre trazido leis de momento, leis de occasião; leis que se votam com o pensamento sujeito, preso ás reflexões que acaba de fazer o digno par; leis que se votam, mas que não deixam a consciencia satisfeita.

Ainda não se votou n'esta camara uma lei para o ultramar, que é o unico recurso que nós temos para a nossa existencia, que não seja filha da necessidade e da occasião. Ha uma revolta em qualquer das nossas provincias ultramarinas, e o governo vem immediatamente ás côrtes, pede auctorisação para formar um batalhão expedicionario, para gastar alguns contos de réis, e muda o governador; mas, não se mandam missionarios nem padres para moralisar aquelles povos e fazer-lhes conservar o amor ao dominio d'este paiz, que elles sempre respeitaram. Pelo contrario, mandam para lá os degredados, que são os encarregados de civilisar aquella desgraçada gente!

Este modo de proceder é que tem dado logar ás revoltas de que nos queixâmos.

Sr. presidente, isto que digo com relação ao ultramar, digo-o tambem a respeito do exercito, para quem só tem havido leis de occasião.

Em tempo de paz é que nos devemos preparar, não com apparatos, porque o paiz não tem meios para o apparelho que lhe querem pôr, mas com os meios modestos de que elle precisa para sustentar a sua independencia.

Sr. presidente, na insignificancia da minha pessoa, e com a pouca auctoridade da minha palavra, tenho trabalhado para chamar a attenção do governo sobre este assumpto.

Ha dois ou tres annos, que eu tenho levantado n'esta casa a minha voz, mostrando a necessidade de alterar a primeira das leis militares, que é a do recrutamento, e tão infeliz fui, que nunca consegui n'essas occasiões, ver ali