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SESSÃO DE 3 DE MARÇO DE 1873

Presidencia do exmo. sr. Marquez d'Avila e de Bolama

Secretarios - os dignos pares

Eduardo Montufar Barreiros
Augusto Cesar Xavier da Silva

(Assiste o sr. presidente do conselho de ministros.)

Pelas duas horas da tarde, tendo-se verificado a presença de 29 dignos pares, declarou o exmo. sr. presidente aberta a sessão.

Leu-se a acta da antecedente, contra a qual não houve reclamação.

Mencionou se a seguinte

Correspondencia

Um officio do ministerio da fazenda, remettendo 80 exemplares do relatorio e documentos dos actos do ministerio da fazenda durante o anno de 1872, a fim de serem distribuidos pelos dignos pares.

O sr. Marquez de Sabugosa: - Mando para a mesa uma representação do proprietario e redactor de um jornal, que se publicava em Loanda, intitulado o Mercantil, na qual chama a attenção d'esta camara para o attentado commettido pela auctoridade d'aquella provincia contra os seus direitos, mandando tomar posse de todos os utensilios da sua imprensa. Peço a v. exa., que este negocio seja remettido á commissão do ultramar, para os fins convenientes. Não peço agora explicações ao governo, não só porque não está presente, o sr. ministro da marinha, mas porque o mesmo sr. ministro já as deu na outra camara.

Julgo boa a providencia adoptada pelo governo de mandar para ali um novo governador, energico e intelligente, que ha de desaggravar a lei desacatada, e os direitos e interesses dos cidadãos offendidos.

O sr. secretario (Montufar Barreiros) leu a representação.

O sr. Presidente: - Os dignos pares que approvam que esta representação seja mandada com urgencia á commissão do ultramar, tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O sr. Visconde de Portocarrero: - A commissão dos negocios ecclesiasticos acha-se constituida, tendo nomeado para seu presidente, o sr. Cardeal Patriarcha e a mim para secretario, os relatores serão especiaes.

ORDEM DO DIA

O sr. Presidente: - Vae entrar-se na ordem do dia, que é o parecer n.° 94 sobre o projecto de lei n.° 83.

O sr. secretario leu-o e é o seguinte

Parecer n.° 94

Senhores. - As commissões reunidas de guerra, fazenda e de administração publica examinaram o projecto de lei n.° 83, vindo da camara dos senhores deputados, o qual tem por objecto chamar ao serviço activo os soldados e praças de pret actualmente licenciadas para a reserva, em harmonia com as disposições do § 3.° do artigo 4.° da lei de 27 de julho de 1855, e do artigo 1.° da lei de 9 de setembro de 1868.

Sobre o projecto submettido á vossa deliberação foram dadas explicações por parte do governo.

Considerando que as praças de pret em serviço effectivo reunidas ás licenciadas na reserva não excedem o numero preciso para completar os quadros organisados para tempo de paz;

Tendo em vista as circumstancias extraordinarias da actualidade:

São de parecer as vossas commissões, que o projecto d lei n.° 83 votado pela camara dos senhores deputados, de accordo com o governo, seja approvado por esta camara para subir á sancção real.

Sala das commissões, em 28 de fevereiro de 1873. =

18

Conde de Castro = Sá da Bandeira = Marquez de Fronteira = José Lourenço da Luz- Visconde da Praia Grande = Conde de Sobral = Conde de Rio Maior = Visconde de Ovar = Conde da Fonte Nova = João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Martens = Antonio de Gamboa e Liz = José Joaquim dos Reis e Vasconcellos = Alberto Antonio de Moraes Carvalho = Marino João Frazini, vencido = Diogo Antonio Correia de Sequeira Pinto.

Projecto de lei n.° 83

Artigo 1.° Os soldados e mais praças de pret que, em virtude do disposto no § 3.° do artigo 4.° da lei de 27 de julho de 1855 e no artigo 1.° da lei de 9 de setembro de 1868, estão actualmente licenciadas na reserva, são chamadas ao serviço activo do exercito.

§ unico. Exceptuam-se as praças cujo licenciamento na reserva terminar dentro de tres mezes contados da publicação da presente lei.

Art. 2.° As praças de pret de que trata o artigo antecedente deverão apresentar-se no praso de quinze dias aos respectivos corpos, ou, quando se achem distantes d'elles, ás auctoridades militares mais proximas.

§ 1.° Este praso será contado da data da publicação d'esta lei por editaes affixados nos logares publicos do costume, e especialmente nas portas das casas das administrações dos concelhos do continente do reino e ilhas adjacentes.

§ 2.° As praças chamadas ao serviço activo por virtude do artigo 1.° serão novamente licenciadas, preenchido que seja o quadro completo do pé de paz, á proporção que os contingentes do recrutamento militar forem entrando nos corpos do exercito, e ahi tiverem tres mezes de praça.

Art. 3.° O governo é auctorisado a fazer a despeza que for necessaria para a execução das disposições da presente lei, não excedendo a quantia de 660:000$000 réis no resto do corrente anno economico e no proximo futuro.

Art. 4.° O governo dará conta ás côrtes do uso que fizer da auctorisação concedida no artigo antecedente.

Art. 5.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 27 de fevereiro de 1873. = José Marcellino de Sá Vargas, presidente = Francisco Joaquim da Costa e Silva, deputado secretario = Ricardo de Mello Gouveia, deputado secretario.

O sr. Presidente: - Está em discussão na sua generalidade o parecer n.° 94, sobre o projecto de lei n.° 83.

O sr. Franzini: - Apesar de me julgar o menos competente para entrar em qualquer debate n'esta casa, antecipo-me hoje na discussão, e espero que a camara e muito especialmente os illustres oradores, relevarão a minha ousadia, attentas as circumstancias especiaes que me obrigam a usar da palavra. Como membro de uma das commissões encarregadas de relatar este parecer, assignei vencido. Desejo pois com a maior brevidade apresentar as considerações que me levaram a tomar esta resolução.

Sr. presidente, nos paizes regidos por instituições liberaes, como é o nosso, aonde os governos não são mais do que mandatarios da nação, encarregados de accordo e com a cooperação dos seus representantes, de gerir os negocios collectivos da sociedade, as leis para serem bem recebidas devem necessariamente ser justas. E digo que devem ser justas porque ha tambem leis injustas. Nos paizes em que o governo é tudo e a nação cousa alguma, não se attende muitas vezes se a lei é ou não justa, e recorre-se a outros meios violentos para ella se fazer.

Devia pois, o projecto de lei que hoje se discute, sa-

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tisfazer aos principios de justiça e só a duas das mais bellas maximas do systema liberal, consignadas no codigo fundamental da nação, e que têem por fim estabelecer a igualdade de todos os cidadãos perante a lei e perante o imposto. E refiro-me ao imposto, porque o recrutamento não é senão um onus d'essa especie, e o mais pesado de todos elles; e, no curso das minhas considerações, terei de fazer uma comparação com o imposto predial, e tirar conclusões que me parece não serão mui fóra de proposito. É facto que desde a promulgação da actual lei do recrutamento, existe nos differentes districtos do reino uma divida de 27:000 a 30:000 recrutas, divida mui desigual, porque emquanto nalguns toma grandes proporções, n'outros é diminuta.

Quaes são as causas porque se não cumpriu esta lei? São muitas, e a mais principal tem sido a ingerencia muitas vezes repetida, das auctoridades administrativas nas eleições.

Não quero com isto apresentar asserções desfavoraveis a qualquer governo, posto que alguns mais se tenham avantajado n'este systema de sophismar as instituições, mas apenas citar factos conhecidos e publicados por toda a imprensa periodica.

Tambem não quero attribuir sómente esta falta a ingerencia das auctoridades administrativas, no acto mais solemne da soberania nacional; attribuo-a tambem á não. execução da lei do registo civil, lei que se acha publicada já de ha muito, mas que infelizmente ainda nenhum governo teve força para fazer executar, e é esta, repito uma das causas, talvez das mais fortes, por que os contingentes dos recrutamentos não têem sido preenchidos, porque faltam bases certas para um exacto recenseamento militar.

Eu referi-me ha pouco a uma comparação que tinha a fazer, do projecto de lei que se acha em discussão com o imposto predial, e esta minha comparação, que parecerá talvez fóra de proposito, não o é, e antes tende bastante a fazer conhecer melhor a injustiça que se pratica, chamando ao serviço activo a reserva do exercito.

o bem elaborado relatorio sobre o imposto predial, apresentado pelo sr. deputado Carlos Ribeiro, mostra-se evidentemente qual é o rendimento da propriedade rustica e urbana em Portugal; calculado por aquelle illustre membro da outra casa do parlamento, em 50.967:000$000 réis.

S. exa. apresentou considerações muito sensatas, levando em vista as estatisticas e os calculos de diversos paizes que melhor se poderiam accommodar ao nosso, e não se póde dizer que o resultado fosse exagerado, e antes se póde considerar áquem do verdadeiro.

Ora, se sobre este rendimento se lançasse o imposto de 10 por cento, teriamos que o rendimento para o thesouro seria de 5.596:000$000 réis, e no entanto elle está muito longe d'essa importante somma, e sabe v. exa. porque? São bem diversas as causas; ha propriedades que se não acham registadas na matriz e que andam sonegadas, outras que teem rendimento collectavel muito áquem da verdade, outras estão effectivamente calculadas pelo seu justo valor e outras, emfim, têem o rendimento collectavel muito superior áquelle que deviam ter. Para estas desigualdades contribue ainda a corrupção eleitoral.

Ora, nós não precisâmos só reformar o exercito para termos mais soldados, precisâmos tambem augmentar os rendimentos do thesouro, para que se chegue a conseguir o tão desejado equilibrio entre a receita e a despeza.

Que se diria de uma lei que, excluindo de entre as relações dos contribuintes aquelles que menos cumprem com o dever de pagar as suas contribuições, fosse aggravar aquelles que são pontuaes, sobrecarregando-os com as quotas que os remissos deviam pagar?

Esta lei não podia ser alcunhada senão de injusta e iniqua. Ora, como o recrutamento é um imposto; d'aqui vem a comparação dos resultados do projecto de lei em discussão, com a hypothese anteriormente estabelecida, e que me obriga a considerar tambem como injusto e iniquo o chamamento da reserva, porque se pretende aggravar aquelles que já pagaram o imposto de sangue, obrigando-os a servir por outros que nunca o prestaram, esquivando-se por meios illicitos ou illegaes.

Não seria pois mais consentaneo com os principios de justiça compellir os refractarios?

Eu bem reconheço que as praças de pret, actualmente na reserva, não estão ainda desoneradas do serviço que lhes impõe a lei, mas já prestaram parte d'esse serviço durante cinco ou tres annos. conforme a epocha em que se alistaram, e como não podiam julgar que fossem chamadas senão em circumstancias muito urgentes, e quando a patria perigasse acham-se empregadas nas industrias, na agricultura, nos cargos publicos; muitos estão casados, e estabelecidos com as suas familias, a quem têem obrigação de alimentar. Ora, se estes homens forem afastados das suas occupações, as familias ficam lançadas na miseria, porque não é com o magro pret do soldado que elles podem attender aos encargos que contrahiram.

É pois uma grave injustiça que se vae commetter; embora as circumstancias não sejam normaes, não são taes que obriguem a recorrer a este meio. E se o são, é tambem preciso ponderar os inconvenientes que podem advir do chamamento de 6:000 ou 7:000 descontentes para as fileiras do exercito, e não será este ou outro qualquer augmento de força capaz de se oppor aos justos desejos da nação, tendentes ao aperfeiçoamento mais liberal das nossas instituições.

Estas considerações levam-me ao convencimento de que é necessario attender muito seriamente aos inconvenientes que resultam do modo porque actualmente se preenchem as fileiras do exercito.

A lei do recrutamento não é boa, e de certo tem defeitos, mas não é inexequivel, porque muitos districtos contribuem com o contingente que lhes é distribuido. Isto prova que a lei, apesar de defeituosa, não o é tanto que não se possa fazer cumprir, se uma outra causa, a que já alludi, não se oppozesse ao seu fiel cumprimento.

Um dos grandes defeitos da lei é, sem duvida, a remissão a dinheiro, que importa um privilegio concedido ás classes mais ricas. Os pobres, os que não podem juntar a quantia necessaria para se remirem, vão servir, emquanto que os ricos pagando as remissões, livram-se de um encargo, de certo dos mais penosos, mas tambem dos mais honrosos, porque, como tal, tem sido sempre considerado o de velar pelas instituições, pela ordem e pela independencia da patria.

agora devo declarar que me conformo muito com a idéa do serviço obrigatorio, que hoje vigora em muitas nações da Europa; é uma instituição essencialmente democratica, porque colloca todos os cidadãos, quaesquer que sejam os seus meios de fortuna, na igualdade perante a lei, igualdade que os obriga a não transferirem para outrem, por dinheiro, o encargo honroso de servir a patria. O serviço obrigatorio parece-me não ter os inconvenientes que o nobre ministro da guerra lhe attribue; aquelle systema não exige que todos os homens válidos em determinadas idades estejam nas fileiras; este serviço tem principalmente em vista fazer com que todos se adestrem nos exercicios militares e possam assim, na hora do perigo, prestar o serviço que no nosso paiz lhes é imposto pela carta constitucional, que declara todos os cidadãos obrigados a defender a patria dos inimigos internos e externos. E estarão (com a legislação actual) todos os cidadãos no caso de poderem cumprir com este encargo que a constituição do estado lhes impõe? Não o estão porque a limitada instrucção militar acha-se concentrada nos corpos, e fóra d'estes não ha nenhuma. Não temos escolas de tiro, nem qualquer outra instituição conveniente para levantar o exercito do estado de abatimento a que tem chegado. O povo portu-

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guez não é revolucionario, como ultimamente se tem pretendido fazer acreditar; nenhum perigo resultaria para a Ordem publica em se diffundir a instrução militar. É a minha convicção intima.

Não posso deixar de lamentar que o nobre presidente do conselho e ministro da guerra, a cujo talento eu presto a consideração devida, tenha descurado, durante a sua longa permanencia no governo, as nossas instituições militares, e mais ainda tendo s. exa. censurado por igual motivo n'esta casa em 1871 o governo de que fazia parte o nobre prelado de Vizeu.

S. exa. foi o creador de uma instituição que podia ser muito proveitosa. Refiro-me ao acampamento de Tancos. Infelizmente, pela exagerada despeza a que deu logar, tornou-se uma instituição odiosa, e que hoje só em bases muito mais modestas se poderia tornar a estabelecer. Entretanto reconheço que era uma instituição de primeira necessidade para se conseguir um exercito com a necessaria instrucção.

Portanto, sr. presidente, parece-me que com relação ao projecto não posso deixar de repetir que elle vae dar logar a grandes injustiças; e creio ter apresentado os motivos suficientes que me levam a rejeita-lo, tendo em vista as rasões de justiça.

Agora, com relação á urgencia, estaremos nós no caso de precisar recorrer a meios tão violentos para engrossar as fileiras do exercito? Creio que não. Apesar dos acontecimentos da nação vizinha não tenho receio algum que sejamos aggredidos, e n'isto vou de accordo com o nobre presidente do conselho. Com relação a ser perturbada a ordem publica entre nós, tambem não partilho esses receios que se apresentam. E como o sr. presidente do conselho de certo tinha previsto os acontecimentos que ha pouco se deram, podia ter recorrido a outros meios para conseguir um resultado muito melhor do que conseguirá com a promulgação da presente lei. S. exa. reconhece os defeitos da actual lei do recrutamento, e podia desde muito ter tomado alguma providencia a esse respeito. O illustre ministro está na opinião de substituir as remissões a dinheiro pelas substituições, systema que, apesar de ter muitos inconvenientes tem comtudo algumas vantagens. Os soldados que servem por outros geralmente não são os melhores, falta-lhes o estimulo, o brio e a honra; são mercenarios, não são cidadãos compellidos pela lei a desempenhar um serviço tão honroso como é o militar; apesar dos inconvenientes que me parecem existir nas substituições, ha sempre algumas vantagens, porque obriga a entrar nas fileiras do exercito um maior numero de praças, umas prestando serviço por si, outras por aquelles que substituem.

Em 1868 tiveram logar em Hespanha acontecimentos muito mais graves do que aquelles que se deram ali ultimamente. Então baqueou um throno que contava tradições de seculos, e primeiro que se chegasse á creação da monarchia, que ultimamente acaba de desapparecer d'aquelle paiz com a renuncia do illustre principe que presidiu aos destinos da Hespanha, correu um periodo de incertezas, em que podia haver perigos para nós, e alguma partidas podiam violar o territorio portuguez. O ministerio que então geria os negocios publicos, e que por certo não era inferior em patriotismo e dedicação ao actual, satisfez a todos os encargos, fez respeitar a integridade do nosso territorio, sem augmentar a força publica, a qual não era então superior á actual. Não vejo nas circumstancias presentes maior rasão, para termos receios de qualquer aggressão ou violação do nosso territorio, e portanto que haja urgencia de chamar as praças da reserva. O que o governo devia fazer, se entendesse que era indispensavel augmentar a força publica, era, antes de recorrer á reserva, fazer entrar nas fileiras, senão no todo, pelo menos em parte, os individuos dos contingentes atrazados; e quando todos que ainda não prestaram serviço no exercito tivessem pago esse tributo, seria occasião, se faltasse ainda força, e fossem urgentes as circumstancias, de chamar a reserva.

D'onde provirá a falta de cumprimento da lei do recrutamento? Será de aversão instinctiva do povo portuguez ao serviço militar, como se pretende asseverar? Não creio. A nação portugueza, que tem na historia paginas tão gloriosas, que abriu á civilisação europeia portas do Oriente, que em 1640 deu o exemplo mais sublime de quanto póde o amor patrio, que derramou, com tanta prodigalidade, o seu sangue em tantas batalhas e combates, lutando contra as hostes invenciveis de Napoleão I, não póde ser adeusada de repugnancia pela nobre profissão das armas. É uma accusação immerecia.

Limitando, porém, as minhas reflexões, devo considerar o chamamento da reserva debaixo do ponto de vista da disciplina. Effectivamente, sr. presidente, a disciplina é a primeira condição dos exercitos.

Ora, infelizmente, tem-se dado ultimamente exemplos de indisciplina, exemplos que mostram exuberantemente a necessidade de reformar o coligo penal militar e o systema de processo.

Ainda ha pouco um official, em cumprimento do seu dever e velando na fronteira para impedir a entrada de guerrilhas, desempenhando assim um serviço de campanha, foi cobardemente fuzilado por um soldado! Que prova isto se não a indisciplina! E n'estes termos será conveniente introduzir nas"fileiras do exercito 6:000 ou 7:000 descontentes? Diz-se que precisâmos de soldados feitos. As praças que têem permanecido na reserva quando são chamadas precisam novamente de instrucção, estão em peiores circumstancias do que as recrutas, porque estás são obedientes e procuram com boa vontade instruir-se nos exercicios que precedem a entrada nas fileiras.

Considero, pois, o chamamento da reserva como impolitico e perigoso. Longe de ser um elemento de ordem póde dar resultado contrario.

Examinemos agora o estado do exercito em relação ao material de guerra.

O material de guerra é o resultado da accumulação de muito trabalho, capital e tempo. Temos nós o necessario para o exercito em tempo de paz, isto é, para um effectivo de 30:000 homens? De certo que não. Computando a relação numerica de tres bôcas de fogo para 1:000 homens, o que não é exagerado, carecemos de noventa peças para uma força de 30:000 homens. Ora noventa bocas de fogo, segundo o regulamento, são 15 baterias a 6 peças cada uma, e o numero de viaturas correspondente, é de 360, que estamos bem longe de possuir.

Vê-se, pois, que ainda mesmo que se conseguisse com o chamamento da reserva, reunir os 30:000 homens, não tinhamos o material necessario para esta força. Falta uma grande parte do material relativo a artilheria, assim como falta tambem o material de engenheria, as ferramentas necessarias, e trens de pontos, que é cousa absolutamente indispensavel, principalmente n'um paiz como o nosso todo retalhado de rios, e não temos para os atravessar se não os pequenos barcos que se encontram nas localidades. Todos os exercitos bem organisados têem trens de pontes, e nós carecemos d'elles. As nossas fortificações não se acham em melhor estado. A praça de Elvas está sem material; as obras exteriores estão, é verdade, em bom estado, mas a artilheria é antiga, e só propria para figurar n'um museu archeologico. Não ha ai1 peças do systema moderno, peças estriadas que sirvam para uma efficaz defeza, e sem as quaes os sitiantes, mesmo de muito longe podem aggredir a praça, e obriga-la a capitular. Não temos, pois, material de praça, nem de sitio; faltam-nos uma immensidade de cousas indispensaveis para poder pôr o exercito em pé de guerra. Eu creio que sei podem dizer estas verdades, que são do conhecimento de todos. Não convem apresentar o nosso estado militar com exagero, porque nós sabemos qual foi o resultado da exageração na campanha en-

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tre a França e a Prussia. O marechal Le Boeuf, que era ministro da guerra em França, assegurou á nação que não faltava ao exercito nem um botão nem uma fivela para poder entrar em campanha. Mas qual foi o resultado? Foi devairar-se o espirito publico, e pedir em altos brados a declaração da guerra á Prussia. As consequencias de tudo isto foram as desgraças que infelizmente caíram sobre aquella nação, digna de melhor sorte.

Sr. presidente, supponhamos mesmo que tenhamos o exercito organisado em pé de paz com 30:000 homens. Em caso de aggressão estranha, não podemos contar com menos de 60:000 homens para a defeza do paiz, divididos em tres corpos de exercito de 20:000 homens cada um, sendo um d'esses corpos para as provincias do norte, outro para as do centro, e o terceiro para as do sul; 60:000 homens promptos a entrar em campanha, exigem, pelo menos, 80:000 armas, que devem ser das modernas, de precisão, e nós não temos esse armamento; e emquanto á artilheria, correspondente a essa forca, é tão numerosa e exige tanto material e tão dispendioso, que só em praso muito remoto o poderiamos obter. Dado mesmo o caso que tivessemos o exercito com o seu material prompto a entrar em campanha, com a força effectiva de 60:000 homens, faltam ainda os meios de defeza, que de certo são os mais efficazes de todos. Temos Lisboa, que é a chave da monarchia, o objectivo principal que o inimigo teria em vista, completamente indefeza; não temos fortificações, e a cidade está á mercê de qualquer attentado.

Temos o porto da capital desguarnecido, aberto e á mercê de qualquer diminuta força naval que queira vir aqui dictar a lei, como infelizmente aconteceu ainda não ha muito tempo, e como a camara deve estar lembrada. Creio que deve estar ainda na memoria de todos o facto de vir aqui contra todos os principios de justiça uma pequena força naval insultar a nação portugueza na propria capital. Eu não deveria recordar um facto que tanta indignação causou, e cuja recordação é e será sempre tão penosa para os portuguezes. Será elle para attentarmos melhor no futuro.

N'esta occasião cabe-me prestar homenagem e manisfestar os meus sentimentos de respeito e subida consideração por um dos mais distinctos ornamentos d'esta casa e do exercito, o sr. marquez de Sá da Bandeira, que tanto tem pugnado pela independencia e liberdade da patria. S. exa. sempre que se trata de questões de defeza do paiz, tem constantemente demonstrado quanto é absolutamente necessario que se proceda ás obras de fortificação, e especialmente ás que dizem respeito á capital e seu porto. Infelizmente nem sempre tem sido attendidos os seus prudentes conselhos. Quando se tratou da construcção do caminho de ferro de leste, o nobre marquez demonstrou ser absolutamente indispensavel, que este caminho se estabelecesse de modo, que a sua directriz passasse ao alcance da artilhe na da praça de Elvas. Não foi attendido como devia este conselho de s. exa. Por circumstancias que não trarei agora para aqui, de modo que temos aquella via ferrea correndo em parte parallelamente á fronteira, em opposição ás mais simples considerações estrategicas.

Sr. presidente, creio que o passo mais conveniente que deviamos dar para levarmos as nossas instituições militares á altura a que devem chegar, a fim de podermos defender a integridade do nosso territorio, seria o procurarmos adquerir o material de guerra necessario, e não tratarmos simplesmente do pessoal; porque o material é de mais difficil acquisição, ao passo que o pessoal se adquire facilmente. Ora, se as sommas que têem dado entrada no cofre das remissões, e que devem ser importantes, tivessem sido applicadas na compra de material de guerra, as nossas condições militares eram de certo muito melhores do que são actualmente.

Sr. presidente, tenho considerado o projecto que se acha em discussão, sob o ponto de vista da justiça, da conveniencia e da urgencia. Resta-me agora apresentar algumas considerações com relação ás despezas que elle vae acarretar ao thesouro.

As nossas condições economicas não são as mais favoraveis. Tem-se procurado melhorar o estado da fazenda publica, mas o deficit ainda existe, e as suas tendencias são para augmentar e não para diminuir. Das medidas de fazenda, que têem sido apresentadas na outra casa do parlamento, creio que nada se póde esperar. O projecto de lei, por exemplo, sobre o real d'agua, nem mesmo chegou a ter relator, apesar da sessão estar quasi a terminar. Provavelmente não passará na actual sessão legislativa, e por consequencia deixará de ser convertido em lei um projecto que, segundo confessa o governo, póde dar vantajosos resultados para o thesouro. Note porém a camara que eu não tenho muitos desejos que elle passe como está, porque não me conformo com algumas das disposições, especialmente com as guias de transito.

O estado da nossa fazenda não é, pois, como seria para desejar. Temos uma grandissima divida fluctuante, que tende constantemente a augmentar; temos igualmente uma enorme divida consolidada, que nos absorve quasi metade dos rendimentos publicos no pagamento dos juros, e que tambem, está longe de diminuir; pelo contrario, augmenta sempre. Antevejo por consequencia um futuro pouco lisonjeiro. As grandes dividas são a ruina das nações. E qual é o resultado? Qual é o resultado immediato do chamamento da reserva? E augmentar a divida fluctuante. Eu não vejo outro meio de receita para fazer face a este encargo, e quanto maior for o augmento da divida fluctuante peior será o nosso estado financeiro.

Eu combato este projecto porque vae augmentar a despeza publica com mais 700:000$000 réis, e adiar a questão de fazenda. Em quanto se não resolver esta importante questão não poderemos intentar melhoramentos de qualidade alguma, porque entendo que este é o assumpto mais importante de que devemos tratar, contribuindo muito para essa resultado o salutar principio das economias tão desprezado.

Não quero fatigar mais a camara com as minhas reflexões; julgo ter assim satisfeito um encargo da minha consciencia, qual foi o de apresentar as rasões porque julgo este projecto de lei ineficaz, injusto e pernicioso para a fazenda publica, motivos estes, que me levam a rejeita-lo.

O sr. Marquez de Ficalho: - Pertencendo ás commissões que deram parecer sobre este projecto de lei, e não se achando assignado por mim, devo declarar que não o assignei porque não estava presente; mas, venho hoje dar o meu voto a favor d'elle.

Sr. presidente, quando o digno par no seu discurso nos deu a segurança de que não havia de ser preciso de fórma alguma pôr esta lei em execução, obrigou me a mudar a ordem que queria dar ao meu discurso. Peco a v. exa. que não se escandalise, visto ser moço, que um velho lhe queira contar uma historia, antiga sim, mas contemporanea.

Em 1826 sublevou-se a guarnição do Algarve; marchou o sr. duque de Saldanha contra os sublevados, que se retiraram para Hespanha. Logo depois levantou-se o sr. Magessi, e marchou contra elle o sr. conde de Villa Flor, e tivemos que combater depois nos campos de Arronches e nos campos de Coruche: obrigámo-los a tornarem a entrar em Hespanha, e por fim tivemos de os combater na ponte da Barca. Se a minha memoria me não falha, attribuiu-se aquelle facto á nenhuma lealdade da parte do governo hespanhol.

Em 1848 parte da guarnição de Sevilha sublevou-se e fez um pronunciamento, este pronunciamento não vingou, os revoltosos retiraram para a fronteira de Portugal, entrando ali um força consideravel de infanteria, cavallaria e baterias de montanha, quiz entregar as armas, mas não as entregou porque não teve a quem.

Essa força internou-se, marchou sobre Serpa, mas não entregou as armas, porque não teve a quem. Foi então,

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sr. presidente, que eu, envergonhado por aquelle acontemento, approximei-me do chefe do estado maior, e disse-lhe: Não sei se é cousa que se proponha, ou mesmo que se aceite, mas se basta um homem para receber as armas, eu as recebo. A minha indicação foi aceite, e eu recebi as armas.

Sr. presidente, uma das primeiras necessidades para o nosso paiz é a paz. Nós estamos felizmente em paz com a Hespanha, mas, para a manter, é necessario que sejamos leaes. Ora, perguntarei eu: a camara reputa que seria indifferente, nas circumstancias actuaes, a repetição de factos similhantes aos que narrei? Eu julgo que não é indifferente, e se o não é, simplifica muito a nossa questão. Os que entendem que a força actual do exercito é sufficiente para guarnecer as fronteiras, a fim de manter a mais rigorosa neutralidade, votam contra este projecto; os que pelo contrario entendem que a força de que podemos dispor não é a necessaria, votam pelo chamamento da reserva como unico meio de que se póde lançar mão nas actuaes circumstancias para augmentar a força publica.

Com respeito á questão de fazenda direi tambem alguma cousa.

A questão de fazenda é a primeira, é a unica de que nos devemos occupar. Não sou suspeito dizendo-o porque sempre assim o declarei. Era n'esta casa opposição ao sr. conde de Thomar, mas votei-lhe as suas leis de fazenda, e não só votei essas leis, mas fiz quanto possivel para que ellas podessem vigorar. Vieram depois em 1855 52:000 assignaturas de peticionarios representando contra leis de fazenda, mas o meu nome não figura entre os d'elles. Portanto, estou no perfeito direito de dizer, que a questão de fazenda é a primeira e a unica, excepto quando a honra e a dignidade da nação se oppõem a isso.

Sr. presidente, como estou hoje contando historias antigas, contarei ainda, como velho, uma outra historia.

Quando houve uma invasão n'este paiz feita pelo primeiro exercito d'essa epocha, não se tratou da questão de fazenda. Os francezes não occuparam o territorio portuguez, mas atravessaram por cima das cinzas de Portugal.

Passados annos dividimo-nos em dois grupos, e nenhum d'esses grupos, nem o liberal nem o que defendia o throno do sr. D. Miguel pensaram na questão de fazenda, para fazer triumphar a sua causa. Os liberaes sei eu, despojavam-se de tudo quanto possuiam, arruinaram fortunas, sacrificaram haveres, e nem consta que se lamentassem. Os adversarios com a mesma fé, com a mesma dedicção pela sua causa, fizeram todos os esforços possiveis para a fazer triumphar.

Sr. presidente, é caso de dizermos como Francisco I "Tudo se perdeu, excepto a honra". A honra é o mais sagrado legado de nossos pães, e se a malbaratarmos, triste será a herança que deixaremos a nossos filhos.

O sr. Conde de Cavalleiros: - Sr. presidente, antes de entrar na questão, permitta v. exa. que eu louve os nobres e distinctos sentimentos do nosso collega, meu parente e amigo, o sr. marquez de Ficalho, que mostra n'esta casa qual é o seu patriotismo, qual e o desejo que ainda tem, ruão olhando aos serviços que já praticou, mas aos que póde praticar em defeza do paiz. Honra e louvor ao digno par! Mas, sr. presidente, se Portugal corresse os perigos que s. exa. apontou, não havia divergencia nem n'esta casa, nem fora d'ella (apoiados); todos calariamos as nossas opiniões, os nossos raciocinios, para darmos completa e inteira força ao governo. Esse caso felizmente se não dá. Todavia, pelo povo vizinho proclamar uma republica, e outros muitos a têem tido em differentes epochas, devemos nós, portuguezes, vizinho?, conscios da nossa liberdade, estar sempre de arma ao hombro? Entendo que não, e direi logo até onde podem chegar aquelles que tenham differente opinião e conceito ácerca da utilidade em se chamar a reserva.

Sr. presidente, este projecto de lei já foi discutido, votado e approvado na camara dos senhores deputados, camara que tem o exclusivo privilegio da iniciativa nos tributos e no recrutamento. Por consequencia, a nossa responsabilidade, é muito menor do que seria se tivessemos de encetar a questão.

Mas, alem d'isso, temos o projecto assignado por uma serie de homens tão respeitaveis, tão dignos e tão competentes que eu na verdade não sei como tenho a ousadia de me apresentar questionando a conveniencia e utilidade d'elle, salvo se os dignos caracteres a que me referi sacrificaram um pouco á urgencia, imaginaria ou real, o que podiam discordar nessa utilidade e conveniencia.

Sr. presidente, se eu votasse silenciosamente contra o projecto, sem duvida alguma mostrava o meu desaccordo com o governo e seria tambem um falta de attenção com elle, tambem de alguma fórma afastaria de mim os costumes e habitos que tenho adquirido de, sempre que posso, motivar o meu voto em materias graves e serias.

Não se entenda por isso, sr. presidente, que tenho a mais leve idéa de menosprezar, de menoscabar a capacidade, a intelligencia, a probidade, a honra do sr. ministro que está presente e dos seus collegas. Creiam s. exas. que não é só por um dever de amisade com que me honro, não é pela benevolencia que têem tido comungo muitas vezes, é pela convicção profunda que faço esta declaração.

Sr. presidente, sempre que eu vejo por essa Europa, por esse velho e novo mundo, levantar questões de accusações vergonhosas a homens que governam, honro me de ser portuguez, porque aos homens que teem dirigido os destinos d'este paiz, lutando em fogo vivo com a imprensa, com a tribuna, com a má vontade publica, não tem a calumnia chegado a ponto de os manchar, e a prova é que algumas vezes têem voltado ao poder, prova de que teem capacidade e probidade para isso, no que se vêem honrados todos os partidos nas pessoas dos seus chefes. Isto prova a honradez do caracter portuguez, prova a bondade d'este povo; e um povo tão bom, tão probo, tão honrado, e que preza tanto a liberdade, é digno de existir. Trabalhemos todos por elle.

Trabalhemos todos, sr. presidente, mas sem precipitação nem receios, que são maus conselheiros.

O governo tem sempre trazido leis de momento, leis de occasião; leis que se votam com o pensamento sujeito, preso ás reflexões que acaba de fazer o digno par; leis que se votam, mas que não deixam a consciencia satisfeita.

Ainda não se votou n'esta camara uma lei para o ultramar, que é o unico recurso que nós temos para a nossa existencia, que não seja filha da necessidade e da occasião. Ha uma revolta em qualquer das nossas provincias ultramarinas, e o governo vem immediatamente ás côrtes, pede auctorisação para formar um batalhão expedicionario, para gastar alguns contos de réis, e muda o governador; mas, não se mandam missionarios nem padres para moralisar aquelles povos e fazer-lhes conservar o amor ao dominio d'este paiz, que elles sempre respeitaram. Pelo contrario, mandam para lá os degredados, que são os encarregados de civilisar aquella desgraçada gente!

Este modo de proceder é que tem dado logar ás revoltas de que nos queixâmos.

Sr. presidente, isto que digo com relação ao ultramar, digo-o tambem a respeito do exercito, para quem só tem havido leis de occasião.

Em tempo de paz é que nos devemos preparar, não com apparatos, porque o paiz não tem meios para o apparelho que lhe querem pôr, mas com os meios modestos de que elle precisa para sustentar a sua independencia.

Sr. presidente, na insignificancia da minha pessoa, e com a pouca auctoridade da minha palavra, tenho trabalhado para chamar a attenção do governo sobre este assumpto.

Ha dois ou tres annos, que eu tenho levantado n'esta casa a minha voz, mostrando a necessidade de alterar a primeira das leis militares, que é a do recrutamento, e tão infeliz fui, que nunca consegui n'essas occasiões, ver ali

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sentado (apontando para as cadeiras dos srs. ministros), o meu amigo o sr. Fontes!

Tratou se uma vez de destruir o artigo 54.° da lei do recrutamento de 1855, artigo que era uma garantia para o cumprimento da lei, e sabe a camara o que succedeu? Achou se injusto o artigo, e como a consequencia logica era modifica-lo ou revoga-lo, fez-se o contrario; ficou o artigo de pé para os pobres e desvalidos, facilitando se aos ricos e remediados os meios de se rehabilitarem, pagando uma multa igual á que tem de pagar um refractario Isto é, os ricos salvam-se com a multa, e os pobres continuara a não poder concorrer aos empregos publicos, porque não podem pagar a remissão ou antes a multa. Eis aqui está como se resolveu uma questão grave!

Chamei a attenção da camara por varias vezes para o artigo 12.° da lei de 4 de julho de 1859, que é um artigo immoral, que ataca a propriedade e a familia, e tive a fortuna de ver a camara acompanhar me na apreciação e indignação que aquelle artigo me causava, artigo que é improprio para presistir n'aquella lei.

Sr. presidente, a questão do chamamento da reserva e para fazer numero? Se é para ter um grande exercito, empreguem todos os meios que quizerem, chamem quem lhe parecer, entreguem armas a todos e defendam-se depois, se é possivel com esse exercito indisciplinado; mas a questão não vae no grande numero, sr. presidenta, a questão reduz-se a haver um exercito com moralidade, disciplinado, bem armado e equipado, e sobretudo bem fortificado, com as fortificações de guerra indispensaveis em campanha, embora esse exercito seja pequeno porque um pequeno exercito n'essas condições, resiste e desbarata um grande exercito indsciplinado, ainda mesmo que esteja muito bem armado. Se me perguntarem, qual é o meio de disciplinar o nosso exercito hoje, não sei responder. A disciplina que hoje tem o exercito eu vou referir. Desgraçadamente ha pouco tempo que se deu um caso bem grave e significativo. Um soldado estando em serviço de campanha na fronteira, assassinou pelas costas, cobarde, traiçoeira e vilmente o seu commandante, o seu official e sabe v. exa. que castigo terá este soldado?

Irá para a costa de Africa!... Para a costa de Africa, onde muitos tratantes têem ido fazer fortuna d'este modo! E aquelle vae para lá e d'aqui a dois dias risse da morte que fez!...

Assim tem havido outros factos horrorosos, sem que haja castigo capaz de corrigir!

É preciso, sr. presidente, que os infelizes e os pequenos tambem tenham alguem que levante a sua vós no parlamento, para os defender ou pelo menos para pedir que se lhes faça justiça.

Em 19 de maio, alguns sargentos incitados e seduzidos por promessas a revoltarem-se, indisciplinaram-se e fizeram uma revolução indo á Ajuda, fuzilar o paço, o Rei, e as instituições! Um tão grande crime foi premiado! Sabe v. exa. qual foi o castigo que estes homens tiveram? Foram feitos officiaes, poz-se-lhes á cinta uma banda, que e a mortalha honrosa de um official! Emquanto aos que os seduziram, seus novos chefes, foram tambem premiados!

Eis a disciplina do exercito! E quando na camara dos senhores deputados se fez uma lei em que estes militares soffriam uma correcção, indo á costa de Africa adquirir o direito de gosar das patentes que lhes foram dadas, esse projecto de lei morreu n'esta casa! Contra rodo o direito e usos parlamentares.

Assim como os srs. deputados não têem direito para annullar e reter em si os projectos de lei que d'aqui vão, tambem nós o não temos para annullar e reter os que de lá vem, deve se approvar, rejeitar ou alterar, e nunca embaraçar o seu andamento, retendo-os nas commissões. O pernicioso exemplo do que se praticou com os sargentos de 19 de maio, alguma cousa havia de concorrer para os que conspiraram em 1872.

Mas quer v. exa. saber o procedimento que houve com estes infelizes de 1872?

Foram presos, exautorados, arrancaram-se-lhes as divisas, metteram-nos nas enxovias e masmorras, foram vilipendiados, injuriados e humilhados perante os seus camaradas que lhes viram arrancar as divisas dando-lhes baixa redonda!! Isto sem sentença nem processo, ou antes quando os remettiam para os tribunaes os processarem! Isto é o que se não deve fazer. Contra todos os principios de direito, applicar dois castigos, duas penas pelo mesmo delicto, e por tribunal incompetente, é novo e extraordinario! Haja todo o rigor pelo crime que praticaram, mas seja com legalidade, e tribunaes competentes.

Sr. presidente, desgraçado é o paiz em que todos os seus membros, em que todos os cidadãos d'elle se não magoara e offendem da injustiça feita ao mais pequeno d'elles. Eu, sr. presidente, confesso a v.exa. que d'entre os facto?, que ha poucos annos para cá os governos diversos têem praticado sobre politica, este é um dos que eu reprovo completamente e mais tenho estranhado.

Sr. presidente, eu não posso ser penicheiro, vi nascer aquella facção, era então governador civil de Lisboa, e quer v. exa. saber o que o chefe d'aquelle partido dizia nas suas reuniões? Era que não fazia guerra ao governo porque era amigo e respeitava o sr. Fontes; mas que guerreava o governador civil, porque era um tyranno e um despota, um dragão!

Era pois um tyranno e um despota, e porque? Porque cumpria com os meus deveres, o que de certo os contrariava; mas nunca fiz injustiça a ninguem e muito menos a elles.

Permitta-me a camara esta divagação, que julguei necessario. para explicar as rasões porque não fiz parta do tribunal de justiça, pois que eu não podia julgar um homem que se tornou meu inimigo sem que eu lhe fizesse mal algum. Alem da questão de direitos para a convocação do tribunal em que não entro agora, havia as rasões antigas que acabo de expor, que me inhibiam de fazer parte do tribunal.

O privilegio do julgamento pela camara dos pares é injusto porque offende a igualdade, e não se funda na utilidade publica, como muitas vezes aqui o tenho dito. Todos devem ser julgados pelos mesmos tribunaes, e pela lei commum.

Quando muito as duas casas do parlamento devem ter o privilegio de fazer parar os processos emquanto dura a sessão, e mais nada.

Sr. presidente, falla-se em moralisar o exercito! Mas a disciplina não existe! No nosso antigo exercito havia uma disposição que obrigava certos individuos ao serviço militar por tempo de tres annos, eram os senhores de morgados e os possuidores de bens da corôa e ordens.

Resultavam d'aqui as conveniencias que hoje se não encontram no actual systema de organisação militar.

Ora, em virtude d'aquella disposição, havia nos corpos a classe dos cadetes, que não era pequena. O regimento de cavallaria n.°4 tinha trinta e tantos cadetes; o de n.° 1 tinha vinte e tantos e o n.° 7 dezenove ou vinte.

Veja v. exa. a influencia que tinham nos corpos estes homens de brio, de educação e de haveres. Que effeitos não produzia sobre o soldado o contacto com estes homens? E isto fazia com que houvesse emulação e brio no serviço militar; para os corpos de cavallaria do norte alistavam-se os filhos dos fazendeiros e lavradores, de sorte que no tempo de dar o verde aos cavallos, eram elles confiados aos soldados, que os levavam para suas casas, onde os tratavam perfeitamente!

Era tal o brio d'estes soldados, que nunca tinha logar o castigo das varadas, bastava a prisão e a reprehensão.

Mas hoje não vão d'estes homens ao exercito; quem tem que empenhar ou vender, rime-se a dinheiro, e ás fi-

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leiras só vão os pobres, os proletarios, os vadios e quantos maus sujeitos ha.

E porque será isto? E porque a lei do recrutamento tem um principio iniquo, que é o das remissões a dinheiro.

Diz o governo que precisa de gente, e consente as remissões a dinheiro, conservando de pé aquelle artigo quando precisa chamar as reservas.

Existe hoje um banco, de que o sr. Serpa. actual ministro da fazenda, é um dos instituidores; banco que tem por fim afastar do exercito todos os homens capazes de lá estarem, e que têem com que pagar a sua remissão de soldado, associando-se ao dito banco!

Pois e crivel que se queira augmentar o numero de soldados no exercito, facilitando-se ao mesmo tempo as remissões com a creação de um banco que põe quasi ao alcance de toda a gente o poder remir-se do serviço do exercito?

Os cavalheiros que crearam esse banco, de certo dirigiram-se previamente aos srs. ministros para saber se esse artigo da lei continuaria a subsistir, pois que, se acabasse o artigo, sem duvida acabaria o banco; ora, o banco creou-se, logo o artigo continua.

Peço ao meu nobre amigo, o sr. ministro da guerra, que n'este meu modo de argumentar não veja a menor intenção de lhe dirigir accusações; eu só pretendo expor a minha opinião.

A verdade é que se creou um banco para facilitar as remissões, de sorte que todas as familias que tiverem 500 réis a mais por anno, podem salvar um individuo do recrutamento.

Que exercito poderemos ter nós, quando toda a gente podo, com, um pequeno dispendio, livrar seus filhos de serem soldados?

Quando na outra camara se discutia a lei do recrutamento, alguns senhores deputados vinham pedir que se dispensasse do serviço militar o lavrador que tivesse uma junta de bois. Respondeu-se-lhes: ha quatro mil freguezias, não haverá quatro mil juntas de bois? São, pois, quatro mil soldados que se tiram ao exercito, suo quatro mil recrutas que ficam de fóra, e isso não póde ser.

Era tal o desejo de livrar do recrutamento os filhos do lavrador que se pedia que uma junta de bois fosse titulo bastante para isentar do serviço militar.

Era a annullação da lei, não havia quem recrutar!

Não se póde admittir similhante pretensão. Agora bastam 500 réis por anno para qualquer se poder remir do serviço militar, e esse tributo pesadissimo, chamado de sangue, fica a cargo dos que não têem um vintem para se resgatar, nem se associar ao banco!

Sr. presidente, creia v. exa. uma cousa, e é que a reserva é chamada praticando-se um acto de iniquidade, que eu vou referir á camara.

Em doze annos ha 15:820 homens que se tem remido a dinheiro, e n'esse mesmo espaço de tempo o governo apenas tem conseguido contratar 4:570 homens; ha portanto um deficit de 11:250 homens.

Aqui tem v. exa. 11:250 individuos que escaparam ao serviço contra todos os principies, e que hoje estavam meio disciplinados para poderem ser chamados ao serviço.

Estes. 11:000 e tantos individuos estão incluidos n'aquelles 27:000 que os districtos devem; e eu vou provar como o estão.

Ha um deficit annual de 940 homens, tirando 40 para as restituições, ficam 900, e como não é possivel engaja-los, o exercito tem falta d'estes homens. Vem então o governo declarar que não ha a força precisa, que tem um deficit, que não espera engajar gente para substituir os que se remiram, e então é necessario pedir um contingente maior.

N'elle se incluem os 900 homens que constituem o deficit annual, e assim se tem chegado ao de 27:000 homens.

Se estes 11:000 homens tivessem servido muitos dos infelizes que pagaram o tributo de sangue não teriam hoje necessidade de vir occupar, no serviço publico, o logar que outros deixaram de occupar cavilosamente. Recáe a injustiça toda sobre a reserva, sobre os que já serviram, ao passo que outros que se escaparam do serviço, e que não deviam escapar, agora são isentos completamente d'elle.

Sr. presidente, note v. exa,, emquanto durar o artigo, assusta-me a mais pequena advertencia n'este sentido, porque eu sei que o artigo das remissões tem trazido ao governo uma somma que o anno passado estava em réis 1.010:000$000, é entretanto sabe v. exa. o que ficou existindo realmente no ministerio da guerra? 659:000$000 réis porque 340:000$000 réis illegal e indevidamente estão no ministerio da fazenda, já consumidos e gastos. Isto é até o anno passado de 1872.

Ora, como ha de o povo ter confiança, como ha de continuar a pagar os contingentes em recrutas, se elle sabe que outros pagaram em dinheiro as remissões de sorteados que nunca foram substituidos porque nunca se engajaram os homens precisos para isso!

O que aceitou o governo na outra camará? Foi o § 2.° do artigo 2.°, obrigando-se a despedir a reserva quando poder elevar o exercito a 30:000 homens, que é o completo em tempo de paz. Mas isso é impossivel alcançar-se emquanto persistirem as remissões a dinheiro, que n'este anno com um contingente de 10:000 homens não dará menos de 3:000 remissões ou 200:000$000 réis de tributo sobre os sorteados!

Pelo systema que se vae usando nas discussões, todos os esclarecimentos de que se carecem são dados pelos srs. ministros nas commissões, mas a camara não os ouve nem os vê, tem de votar portanto em boa fé, e só por confiança na respeitabilidade dos membros das commissões, ou favor dos srs. relatores. É pois licito perguntar ao sr. ministro qual é o motivo imperioso que exige o chamamento da reserva? Será a proclamação da republica hespanhola? Ella foi ordeira, pacifica, e tem com que se entreter com os carlistas no norte.

Não nos ameaça. E então só por isto havemos de estar de espingarda ao hombro, com voz de sentido? Parece-me que não é preciso tanto. Se o paiz se arruinar com os preparativos da sua defeza, como poderá satisfazer a novos sacrificios?

Para um povo amar o que possue e o não querer perder, é preciso estar contente e feliz.

Felicitem o paiz regularisando as suas finanças, poupando as suas forças productivas e pecuniarias; façam-no amar as instituições e a liberdade de que gosa, e elle correrá pressuroso á defeza da patria.

Escolham o que quizerem os nossos vizinhos, e deixem-nos a nós dizer que o systema constitucional, com a monarchia liberal é innofensivel, sem sophismas nem illusões, e diremos que é esta a melhor das republicas.

Sr. presidente, houve uma promessa do meu amigo o sr. Fontes, na outra casa do parlamento, de que havia de acabar com as remissões, mas não proporia o serviço obrigatorio. S. exa. entende que o serviço obrigatorio é o serviço de uma classe inteira, e que essa classe não podia dar menos de 40:000 homens, e tirando um quarto para falhas, ficava a força do exercito em 90:000 homens, a rasão de tres annos de serviço effectivo, é com uma reserva de 150:000 homens, queria dizer s. exa. que seria preciso gastar milhares do contos de réis. O que ouvi a s. exa. não me convenceu.

Em primeiro logar a substituição que s. exa. quer propor - e a este respeito hei de dirigir uma pergunta ao nobre ministro, porque eu ainda não disse que votava este projecto, nem digo sem ouvir s. exa. - em primeiro logar, digo, a substituição que s. exa. quer propor, é o estado actual.

Não ha homem poderoso, rico, e mesmo que não seja rico, mas que possa empenhar a sua propriedade, que não

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vá atanazar seus paes para procurar um homem que o substitua no serviço militar, e assim teremos um exercito de vadios, de mercenarios. Aqui está com que nós ficâmos. Não era essa a providencia que eu esperava do illustre ministro da guerra.

O serviço obrigatorio não se póde entender o serviço de uma classe inteira. Isso não póde fazer senão uma nação grande, uma nação militar, e não uma nação pequena como a nossa, que não deve ser militar, e que não deve tratar se não da sua defeza, sem offender ninguem, e sendo complacente para com todos.

Proclamem os hespanhoes todos os disparates que ha no mundo, que nós não temos nada com isso, comtanto que nos deixem em paz. Entendo o serviço obrigatorio para os sorteados, e que se por exemplo o contingente for de 10:000 homens, sejam esses 10:000 homens obrigados a servir pessoalmente, sem se poderem fazer substituir por outros. Morram pela patria, se for necessario, sem deixar isso á vontade d'elles, porque ha muitos que só pela força se prestam ao sacrificio, e é preciso obriga-los pela lei.

É pois o serviço obrigatorio para aquelles que forem sorteados, que eu desejava ver estabelecido, sem se lhes permittir nenhuma substituição ou remissão. Não ha precisão de ser obrigatorio para uma classe inteira, basta chamar os que a sorte designar para os contingentes votados.

Sr. presidente, eu não quero cansar a camara, e apenas direi, que a bandeira da republica do reino vizinho tem um lema, que se os hespanhoes tiverem a fortuna de o fazer vigorar, ha de merecer o meu louvor; é a unica cousa que peço para cá, mas entenda-se que não é a republica que peço, porque eu já declarei, que não conheço melhor republica que é o governo constitucional monarchico; mas sem sophismas, claro, aberto, e positivo. Os hespanhoes dizem hoje que querem ordem, liberdade e justiça. Querem o mesmo que nós queremos, e é o que peço - ordem, sem pressão, liberdade, mas com igualdade, justiça igual para todos: para os infelizes, para os pequenos, para os grandes, e até para os proprios sargentos da conspiração de 1872.

A justiça é uma inspiração divina que ninguem ensina melhor que a religião, que nos diz, que não deve haver duas medidas, nem duas balanças, uma viciada e outra não. É isto que eu peço - ordem, liberdade e justiça.

Agradeço á camara a attenção que teve a bondade de me prestar.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Fontes Pereira de Mello): - Sr. presidente, vejo-me um pouco embaraçado para responder cabalmente aos argumentos produzidos pelos dignos pares que me precederam, não porque me seja impossivel, melhor ou peior, dizer alguma cousa sobre os pontos em que s. exas. atacaram o projecto de que se trata, mas porque os dignos pares se occuparam quasi exclusivamente de assumptos relativos a esse projecto, mas sem entrarem na apreciação d'elle. Creia a camara que não existe n'esta minha declaração a menor idéa de censura ao procedimento dos seus membros, porque sou o primeiro a reconhecer não só o direito dos dignos pares de tratarem qualquer assumpto que venha a proposito d'aquelle de que se occupam, mas tambem da relação em que esse assumpto está com o de que se trata. E eu vejo que os dignos pares occuparam-se mais especialmente de discutir a lei do recrutamento, do que do projecto de que nos occupâmos, e que é simplesmente uma medida de occasião e de opportunidade, como muito bem disse o digno par o sr. conde de Cavalleiros, e não é nem póde ser um projecto de organisação militar.

Estou inteiramente de accordo com o digno par que me precedeu, e com todos aquelles que desejam ver tratar em paz e tranquillamente, da nossa organisação militar, do augmento do nosso material de guerra, e de tudo quanto seja necessario para que se colloque o paiz em circumstancias de em momento dado, poder resistir a qualquer invasão estrangeira. Estou de accordo com s. exa. em que é melhor prevenir as occorrencias que se podem dar, do que vir numa occasião precisa e urgente pedir ao parlamento certas auctorisações; mas v. exa. e a camara sabem muito bem que estes negocios militares, que têem chamado a attenção dos governos em todos os tempos e em todas as circumstancias, não são considerados do mesmo modo por toda a nação; e em tempo de paz (posto que nós não temos guerra alguma), todos aquelles que têem a incumbencia das cousas publicas e de dar voto sobre assumpto de tanta gravidade, quando se está em paz, repito, e longe de todas as circumstancias que possam alterar a marcha regular que o paiz segue, alem de não lhes parecer necessario occuparem-nos das cousas militares, até se eximem a votar as sommas indispensaveis para que o paiz possa achar-se em estado de offerecer resistencia em qualquer momento de aggressão.

Ha muito tempo que nós affirmamos e sustentamos que a primeira de todas as necessidades publicas é a da organisação da fazenda. E ainda bem que o dizemos e affirmâmos. Não posso ser accusado de não ter prestado o maior testemunho de homenagem a todos os cavalheiros que tem occupado estes logares, querendo reservar para mim só a honra que tambem pertence a muitos homens publicos que têem tratado dos negocios mais importantes da sua terra. Mas eu tenho já por muitas vezes declarado e não me canso de o dizer, que é difficil organisar um bom systema de administração de fazenda, sobretudo nas circumstancias em que estamos de attendermos ao desenvolvimento das cousas militares á compra de material de guerra, como muito bem disse um digno par, que tomou parte n'este debate, e que insistiu muito na necessidade que temos de augmentar o nosso material de guerra. Estou de accordo com s. exa., e acompanho-o nos seus desejos, mas é preciso que todos conheçam e façam justiça uns aos outros, de que não é por culpa d'este governo, ou de qualquer dos que o têem precedido, o não se ter podido levar ao estado conveniente o material de guerra. Todos sabem que esse material tem adquirido lá fóra um prodigioso desenvolvimento, e não é possivel, sem fazer uma grande despeza, melhorar as condições do nosso, para o pôr em condições iguaes.

Sr. presidente, estas queixas que se fazem, e em que eu acompanho os meus collegas, fazem-se em toda a parte, quando as circumstancias são normaes; e o sr. conde de Cavalleiros, que é bastante lido no que se passa lá fóra, terá de certo visto que nos outros parlamentos não faltam censuras aos governos pelo mesmo facto, porque somos aqui censurados; isto é, de que só se occupam de um certo numero de providencias quando se approxima qualquer perigo. Isto, repito, acontece em toda a parte, porque os povos no remanso da paz julgam sempre dever addiar a adopção de meios que possam levar a desenvolver a organisação militar e o material de guerra; mas quando o perigo bate á porta, quando todos pesam os inconvenientes que resultam de não estarem preparados devidamente, todos procuram tambem applicar o remedio ao mal, succedendo-se as providencias e as medidas umas ás outras, e esquecendo assim o rifão que diz, que na paz é que nos devemos preparar para a guerra.

Sr. presidente, nós estamos porém a exagerar a questão, estamos a tratar da nossa organisação militar para tempo de guerra, quando o governo foi mais modesto no seu projecto. O governo não reputa necessario o augmento militar para o pé de guerra, não reputa imminente o perigo, nem a alteração da paz, e se o reputasse faltaria ao seu dever deixando de apresentar á camara, não este simples projecto, mas outro auctorisando-o a completar o exercito em pé de guerra, e pedindo auctorisação necessaria para fazer as despezas que fossem para esse fim indispensaveis.

A questão não é essa. Não se trata de completar o exercito em pé de guerra, e nem mesmo pela providencia apresentada pelo governo se chega a completa-lo em pé de paz.

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Comtudo, sr. presidente, se estamos em paz com o paiz vizinho, senão esperâmos a guerra, nem por isso devemos deixar de reconhecer a gravidade das circumstancias, pois seria necessario fechar os olhos diante dos acontecimentos, e querer desconhece-los para não estar convencido de que as circumstancias são graves, pois que sempre mais ou menos influem sobre nós os movimentos da Europa. Isto que digo não é uma novidade, pois todos os oradores que me precederam, pelo menos o primeiro que tomou parte no debate, reconheceram que as circumstancias são graves. Ora se as circumstancias são graves, é evidente que se torna necessario o augmento da força publica.

Eu, se estivesse sentado na minha cadeira de par do reino, e apreciasse as circumstancias actuaes do mesmo modo que as apreciam alguns dignos pares, votava contra este projecto; mas, entendendo, como o governo e outros dignos pares entendem que a gravidade das circumstancias aconselham a previsão para nos collocarmos em termos de manter a ordem publica, não punha a menor duvida em votar por elle. E como o entendo assim, é que propuz este projecto de lei. Se outros ministros, fossem quaes fossem, apresentassem um projecto identico, eu tambem votava por elle sem hesitação alguma.

Portanto a questão aqui é sómente de apreciação, e n'este caso o meu convencimento não vem das minhas opiniões pessoaes, vem dos factos; todos os factos que actuam sobre o meu animo levam-me ao convencimento de que devo augmentar a força do exercito por esta fórma que proponho. Em outro caso, debaixo do ponto de vista em que se collocaram os adversarios do projecto, acho que é perfeitamente logica a sua argumentação.

Disse-se, sr. presidente, que este projecto e injusto, porque vae chamar ao serviço militar os homens que já serviram no exercito, quando ainda ha outros que não cumpriram este encargo, não sendo as actuaes circumstancias extraordinarias. Por isso não me parece que o projecto seja injusto. As praças que estão na reserva são chamadas ao serviço do exercito desde que as circumstancias exijam que se augmente a força publica...

O sr. Sequeira Pinto: - Peço a palavra.

O Orador: - O que era justo na opinião dos dignos pares, o que s. exas. quereriam, é que fossemos chamar outros homens, por exemplo, os individuos que estão em divida para virem servir nas fileiras do exercito. Eu estou de accordo com o digno par. Se eu entendesse que podia recorrer aos homens que estão em divida ao exercito pela lei do recrutamento, não hesitava, e chamava os contingentes, em logar de chamar a reserva.

Mas, sr. presidente, o que queremos nós? Queremos reunir uma força sufficiente para fazer face a eventualidades externas ou internas que podem vir a realisar-se.

Se a lei do recrutamento podesse ter sido executada, não havia falta de soldados no exercito; bastava chamar as licenças. Mas ella não o tem sido por dificuldades insuperaveis, e isso não basta. Supponhamos que se chamavam os que estão em divida, e que essa força vinha, o que só por hypothese póde admittir-se; ella viria, mas tarde e a más horas; e quando viesse era necessario que tivesse instrucção, e nós não teriamos por muito tempo soldados no exercito.

Nas condições reaes em que nos encontramos, uma vez demonstrada a necessidade de augmentar a força publica, é preciso isto que propomos.

Mas, sr. presidente, quem me ouvir,, ha de parecer-lhe que me estou defendendo de uma arguição que estão fazendo ao governo por não ter chamado os recrutados, como se todos os cavalheiros que se têem sentado n'estas cadeiras não tivessem empenhado os seus esforços e meios de acção, e influencia legal para que o recrutamento se cumpra; e qual é a rasão porque isto se não tem conseguido? Seja qual for, o facto é que não se tem cumprido a lei; e os factos são a verdade provada. Não se tem podido até hoje conseguir que se preencha a força votada para o exercito; e eu, sr. presidente, quando tenho sido ministro, e sobretudo quando fui ministro do reino empreguei todos os esforços, que estavam ao meu alcance, para que a lei do recrutamento desse o maior numero possivel de soldados para o exercito; e como eu o fiz, assim o têem feito os que me precederam, e se me seguiram.

O meu illustre amigo, que foi distinctissimo governador civil, e de certo não deixou de empregar todos os meios ao seu alcance para cumprir a lei, é impossivel que não conheça quaes são as dificuldades que para o conseguir se encontram, que de certo encontrou, e que em tempo procurei vencer, sendo ministro do reino, como já disse, e governador civil outro cavalheiro que está presente e póde dar testemunho do que estou dizendo. Não venham, pois, fallar nas nossas glorias, na guerra da Peninsula, e em todas as demais guerras, porque tudo isso pouco aproveita para o caso. Com estas expressões não pretendo tirar o merecimento ao exercito nem ás qualidades valorosas da nação portugueza; quero, sim, dizer, que em geral o paiz, talvez em consequencia dos habitos contrahidos por uma longa paz, sente-se com pouca disposição para ser soldado, e ninguem de boa fé, como são todos os que estão aqui, deixa de reconhecer que nas provincias sobretudo ha uma certa reluctancia para entrar no serviço militar. Porventura essa reluctancia, da qual nasce a dificuldade de cumprir a lei, desappareceria agora? Desappareceria como por encanto, se o governo quizesse pedir os contingentes antigos em divida? Viriam elles correndo pressurosos e contentes para as fileiras do exercito? Pois imagina o digno par que todos aquelles individuos, que se recusaram ao serviço, inventando qualquer pretexto para isso, muitos dos quaes estão já casados e com familia, vinham agora muito satisfeitos fazer o seu serviço no exercito? Satisfeito nenhum vem, digamos a verdade. Vem, porque a lei os chama a cumprirem o seu dever, e porque as auctoridades se empenham em fazer executar a lei; mas contentes, satisfeitos, muito desejosos de servir, de certo que não, nenuhum.

Esta divida, como todos sabem, segundo a lei de 27 de julho de 1855, prescreve decorridos quinze annos. Nós estamos em 1873, por conseguinte os contingentes até 1858 já prescreveram, mas, ainda assim, temos contingentes de quatorze, de treze, de doze annos, etc.

Perguntarei aos meus illustres collegas n'esta casa, se não imaginam que uma parte d'estes individuos tenha casado e esteja sujeito a certas ligações de familia?

Não quero com isto dizer que o governo não deva empregar todos os meios para que elles cumpram o seu dever, mas unicamente estou respondendo á observação que se fez, isto é, que os da reserva hão de vir muito descontentes e tristes. E estes hão de chegar muito satisfeitos e alegres?

Sr. presidente, eu abundo nos desejos do digno par, e na manifestação dos seus sentimentos emquanto ás remissões a dinheiro. Já o disse na outra casa do parlamento, já o disse aqui, e repito agora.

Asseguro ao sr. conde de Cavalleiros que ninguem me fallou ácerca de companhia de seguros para remissões; não tenho parte alguma n'isso, não approvo similhante cousa, que reputo detestavel debaixo de todos os pontos de vista e que em relação ao exercito é perniciosissima.

Já declarei tambem, sr. presidente, que n'esta sessão legislativa hei de ter a honra de apresentar uma proposta de lei, modificando a lei do recrutamento, mas não proponho o serviço obrigatorio.

este respeito peço licença para fazer algumas considerações muito rapidas.

Eu entendo que o serviço obrigatorio não é só o serviço pessoal, mas tambem de classes inteiras.

Eu entendo que o serviço obrigatorio organisado, como se acha actualmente organisado em França, e como está

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estabelecido na Prussia e n'uma parte da Allemanha, e agora se tenta fazer na Russia, não poderá ser applicavel ao nosso paiz, onde seria mal recebido.

Ainda que todo o cidadão portuguez deva pegar em armas e servir nas fileiras do exercito pelo menos o tempo necessario para a sua instrucção no serviço, sem ser preciso grande numero de armas, porque isso traz grandes inconvenientes, assim mesmo repugna aos costumes do paiz.

E não é só aqui. Na Suecia, na Dinamarca e na Belgica, teve de adiar-se; na França, depois dos desastres por que passou ali, ainda está em principio de execução.

A Hespanha acaba agora de adoptar um systema, que é outra cousa, é o de armar os voluntarios; mas este systema traz grande gravame ao thesouro, augmenta de uma maneira consideravel a despeza publica, e eu não terei tambem de certo a honra de pedir a adopção d'elle no nosso paiz; pois não concordo absolutamente com esta fórma de organisação de exercitos, e até mesmo não concordo com o principio, porque não estamos em circumstancias de o podermos pôr em pratica. Querem v. exas. saber quanto era preciso dispender para ter um exercito, não de nenhuns 22:000 ou 23:000 homens, mas muito mais inferior de 15:000, teriamos de gastar por anno mais de 1.200:000$000 réis.

Uma VOZ: - Ouçam!

O Orador: - Já disse, pois, que este systema não o posso adoptar, e expendi tambem as rasões que me levam a pensar assim, como tambem disse que o serviço obrigatorio não seria bem recebido em Portugal, como se acha actualmente organisado na Allemanha, como se está pondo em pratica em França, e se trata de organisar na Russia,. Declaro, não obstante, que o adoptaria em these, porque todos têem obrigação de servir o seu paiz; mas temos que amoldar-nos ás circumstancias, porque o primeiro quesito indispensavel para um governo, n'um paiz que se rege como nós, é governar sempre em harmonia com a opinião publica, e o governo que o não fizer não póde governar bem (apoiados).

Eu entendo que a opinião publica não aceita o serviço obrigatorio, por isso o julgo praticamente inadmissivel em Portugal. Quando houvesse um cataclismo como o que infelizmente assolou a França durante a guerra da Allemanha, e depois de uma invasão excepcional n'estes tempos modernos de civilisação, nenhum portuguez se recusaria a pegar em armas, e o serviço tornava-se assim obrigatorio:; como, porem, felizmente, não succede assim, o serviço obrigatorio não é aceite pela opinião publica. É possivel que eu divirja n'esta minha opinião de alguns dos dignos pares, mas o governo comprehende a questão pelo modo que acabei de expender. Comprehendo que todos devem saber manejar as armas; e se me perguntarem, repito, se seria bom o serviço obrigatorio, debaixo do ponto de vista de defeza nacional, eu diria que sim.

Tambem não sou concorde no serviço pessoal, o que ò muito diverso do serviço obrigatorio; porque este e para todos, e aquelle para os que tiraram a sorte, e são por isso obrigados pessoalmente a servir (apoiados). Ora este systema é um pouco duro, porque depende do capricho da sorte, e uma cousa tão seria não deveria nunca deixar-se entregue a elle, porque ha casos excepcionaes a que é preciso attender.

É verdade que a carta constitucional diz "que todo o cidadão portuguez tem obrigação de pegar em armas para defender o territorio"; mas n'este ponto de serviço pessoal suspendo por emquanto a minha opinião. Ainda não posso dizer que a tenho formada, e limitar-me-hei a dizer que acho duro deixar entregue ao capricho da sorte uma questão tão grave.

S. exa. já tem, de certo, reflectido muito, mas peco-lhe que reflicta iam pouco mais, e me diga, se não lhe parece justo, que não se exigindo a todos o serviço militar, mas sómente áquelles a quem coube por sorte, lhes vamos exigir esse serviço, meramente pelo capricho da sorte ou do acaso, sem lhes admittir qualquer recurso como a substituição por outro individuo?

Sr. presidente, eu não vejo que haja grande inconveniente para o exercito, em estabelecer-se a substituição do um homem por outro e d'esta maneira evitamos ver traduzido, em dinheiro para o estado o imposto de sangue, e conseguiremos um recrutamento muito mais aproximado da verdade; entretanto, confesso que este systema, encarado debaixo de outro ponto de vista, se presta ás observações feitas pelo meu nobre amigo o sr. conde de Cavalleiros. A isto, porém, póde-se responder, que é difficil, nas actuaes circumstancias, não permittir que um recrutado possa dar em seu logar um irmão, um amigo, ou um individuo qualquer.

A questão, como já disse, tem versado mais sobre a lei do recrutamento, a respeito do que já me comprometti a apresentar na outra casa do parlamento uma proposta, que talvez não satisfaça o digno par, mas que, ainda assim, me parece ser um melhoramento no estado actual das cousas.

Eu não tenho a pretensão de dar ao projecto que se discute mais fóros do que elle merece. Não se trata de pôr o exercito em pé de guerra, nem de fazer uma nova organisação militar; trata-se unicamente de elevar a força ao pé de paz, porque o governo assim o entende necessario. E por esta occasião direi que, desde que se reduziu o serviço effectivo de cinco a tres annos, temos tido uma força muito mais pequena, porque o que, se tem augmentado na reserva, tem diminuido nas fileiras da actividade, o que demonstra tambem a necessidade da approvação d'este projecto.

Eu termino aqui as minhas considerações; entretanto, se algum digno par desejar que eu diga mais alguma cousa sobre o assumpto, pedirei novamente a palavra para dar os esclarecimentos que me forem pedidos.

(O orador não reviu as notas d'este discurso.)

O sr. Marquez de Sabugosa: - Expondo com franqueza o seu voto, não tem a pretensão de querer esclarecer a camara, mas unicamente de cumprir um dever do seu cargo.

No seu conceito, e contrariamente ao que acaba de dizer o sr. presidente do conselho, esta lei é injusta, como tratou de mostrar com diversos argumentos; mas reconhecendo que são graves as circumstancias, não duvida sujeitar-se ao sacrificio de votar pela sua approvação para não crear difficuldades ao governo, que não propoz uma medida mais justa. Mas não se entenda que o seu voto exprima confiança no governo, pois não tem nenhuma; e faz votos para que esta lei não venha a servir para especulação.

O sr. Sequeira Pinto: - Sr. presidente, na qualidade de relator do parecer n.° 94 pedi a palavra para apresentar algumas explicações indispensaveis, e demonstrativas dos motivos que convenceram os vogaes das commissões de fazenda, guerra e administração, da necessidade de approvar o projecto de lei n.° 83, votado pela camara dos senhores deputados, o qual tem por fim chamar ao serviço effectivo do exercito as praças de pret licenceadas para a reserva, segundo o disposto nas leis de 27 de julho de 1855 e 9 de setembro de 1868.

As circumstancias graves e extraordinarias em que nos collocam os ultimos acontecimentos politicos justificam a urgente necessidade de augmentar o effectivo do exercito; os interesses do estado exigem que seja concedido ao governo este elemento de ordem, para que a dignidade do paiz possa ser mantida em toda a sua plenitude.

No decurso do debate têem sido apresentadas observações por parte de alguns dignos pares combatendo o parecer em discussão, por isso que o chamamento da reserva é uma medida injusta, iniqua e que aggrava o estado menos lisonjeiro da fazenda publica.

O augmento do activo do exercito, o ingresso approxi-

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mado de 8:000 homens nas fileiras, de certo produz despeza mais larga; é para sentir que haja necessidade de tomar está medida, mas demonstrada a sua urgencia a consequencia é o augmento da verba destinada ao ministerio da guerra.

Sr. presidente, póde ser um acto menos conveniente, e de certo assim deve ser considerado o não ter sido cumprida a lei do recrutamento, mas não póde ser taxado de iniquo o procedimento actual do governo, por isso que pede ao parlamento auctorisação para exercer um direito garantido no § 3.° do artigo 4.° da lei de 27 de julho de 1855. Se os dignos pares que combatem o parecer estão convencidos de que as circumstancias da actualidade não exigem o chamamento da reserva rejeitem o projecto, mas em face da lei não póde sustentar-se a classificação apresentada pelo digno par que abriu o debate.

O direito vigente, que tem de ser considerado para a resolução do incidente que se discute; encontra-se nas leis de 27 de julho de 1855, 9 de setembro de 1868 e nas disposições que annualmente fixam a força publica e os contingentes para o exercito de terra.

Os contingentes que serviram por espaço de oito annos, cinco effectivamente nos corpos e tres na reserva, conta dos para cada mancebo desde o dia em que presta juramento, servem hoje durante o mesmo periodo, mas por maneira differente; tres annos é o praso para a actividade e cinco para a reserva, este é o preceito da lei de 9 de setembro de 1868.

Annualmente é votada a forca publica em conformidade com os quadros estabelecidos para pé de paz na organisação do exercito de 23 de junho de 1864, e auctorisado o governo a licenciar as praças de pret, que forem dispensaveis, cujo numero regularmente é de 12:000 homens, permanecendo no effectivo 18:000 homens; os contingentes annuaes deviam ser de 10:000 praças de pret para se har-monisarem com o serviço actual de tres annos na actividade.

Se as leis do recrutamento tivessem sido executadas, e os contingentes preenchidos, não carecia o governo de chamar a reserva; reconhecida a necessidade de augmento de força devia procura-la na que fôra já votada, sem obrigar ao serviço os que o prestaram; mas a verdade é que nenhuma das disposições legaes a que já fiz referencia tem sido executada; 3:000 homens é o que muitas vezes se tem apurado de contingentes de 7:500; as remissões concorrem aos cofres publicos com valiosas quantias, mas afastam do serviço milhares de mancebos; as dividas de recrutas pertencentes aos diversos districtos orçam por 30:000 homens; todos estes factos dão em resultado, que na actualidade não se podem encontrar soldados um pouco adestrados senão nas reservas que são chamadas.

Como doutrina concordo com os dignos pares os srs. Franzini e marquez de Sabugosa, quando sustentam, que as reservas não são destinadas a preencher os quadros em pé de paz, mas eu já tive a honra de demonstrar a s. exa. e á camara, que o chamamento da reserva tem logar por motivo de circumstancias muito graves, e por se não encontrarem preenchidos os contingentes de muitos annos; falta, cuja responsabilidade cabe a todos os cavalheiros, que desde 1856 tem dirigido a administração publica.

Sr. presidente, voto o projecto que se discute, approvo o chamamento da reserva; para mim é apenas uma questão de ordem publica, sob este ponto a considero; se caracter politico tivesse o parecer, não teria, aceitado a qualidade de relator, assim tive a honra de o declarar na reunião que teve logar, das commissões de fazenda, administração e guerra.

Entrei n'esta casa por virtude da lei da successão do pariato, e da benevolencia de v. exa. e da camara, que por sua votação unanime auctorisou a que tomasse logar n'esta assembléa; não tenho compromisso com algum dos partidos politicos do nosso paiz; respeito os cavalheiros, que lhes pertencem, mas não estou ligado pelo sentimento da probidade politica a apoiar ou regeitar certas medidas; tenho como indispensavel, que os gabinetes devem ser escrupulosos na fiscalisação dos dinheiros publicos, sou sectario do principio da economia, mas da economia que não prejudique a posição grave e seria, que compete a uma nação livre e independente; na actualidade a negação dos meios necessarios para collocar o governo á altura da sua missão seria um acto que de futuro poderia acarretar sobre o paiz graves responsabilidades.

Por emquanto não encontro objecções a que não tenha já respondido; se porem algumas outras forem apresentadas, e as quaes julgue necessario refutar, pedirei de novo a palavra.

O sr. Conde de Cavalleiros: - Direi só duas palavras, sr. presidente, começando por declarar ao meu nobre e sympathico collega que me precedeu, o que me succedeu ha vinte annos quando entrei no parlamento. Entrei exactamente nas condições que acaba de expor s. exa. Fui taxado de ecletico, e conjunctamente com um grupo de amigos, ora approvava, ora rejeitava as medidas do governo, e algumas approvei que me peza de o ter feito, mas não ha remedio se não penitenciar-me recordando-o. Combati differentes medidas apresentadas pelos meus amigos que estavam no poder, mas elles foram sempre tão benevolos para commigo, que eu ficava penalisadissimo de os contrariar, e sabe v. exa. o que me aconteceu? De ecletico que era, passei a amigo incommodo, e hoje sou pirronico intransigente.

Sr. presidente, agradeço ao meu amigo, o sr. Fontes, a bondade que teve em responder a algumas pequenas questões que apresentei, mas não posso deixar de pedir a s. exa. me esclareça sobre um ponto.

Não tenho a mais pequena idéa de recusar ao governo os meios de governar, e ainda ha pouco n'esta casa o provei votando os meios extraordinarios que s. exas. propozeram para as colonias, na questão de Angola.

Se o governo precisa uma auctorisação para chamar a reserva quando julgasse necessario e urgente, auctorisando-se para esse fim com os meios convenientes, votava-a eu de boa vontade. Igualmente o fazia se a auctorisação fosse para elevar logo o exercito ao completo do estado de paz. Ambas as cousas eram diversos do que se dispõe n'este projecto. Então folgaria a reserva até ao momento absolutamente preciso de a chamar, e o governo seria o juiz nessa occasião, ficando para isso habilitado com as necessarias auctorisações parlamentares. Votava com consciencia, porque votava uma cousa boa; n'estas circumstancias, porém, é que eu por ora ainda não vejo que estejamos, e por isso me parece que esta lei não seja precisa para já.

Mas, sr. presidente, uma das causas que mais me tem impressionado é ver que estão hoje accumulados dois contingentes de cinco e de tres annos para terem baixa n'este anno, e o projecto não traz declaração alguma a respeito do numero de praças a que fica reduzido o exercito. Creio que fica reduzido muito pouco, porque dois contingentes não podem andar por menos de 10:000 homens, de sorte que fica o exercito reduzido a menos de metade. Eu não sei qual é a força precisa para guarnecer as fronteiras, nem creio que seja preciso faze-lo em força. Mas, sr. presidente, n'esta questão o ponto principal é julgar que o chamamento da reserva é uma necessidade, não porque tal creia, mas porque assim o diz e declara o governo assumindo a responsabilidade, que eu não ouse embaraçar, e que só o tempo póde demonstrar Será porque o recrutamento não póde satisfazer; e se o governo quer este anno augmentar o exercito, revogue o artigo da remissão, porque certamente os 10:000 homens dos contingentes ficam reduzidos a menos de metade. Mas quando o sr. ministro levar ao parlamento uma proposta n'aquelle sentido, muita gente deve comprehender que ha de ser votada porque melhora a situação militar.

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Sr. presidente, eu já disse á camara como votaria se fosse uma simples auctorisação para chamar a reserva quando fosse necessaria e urgente. Já disse que votava pela abolição das remissões, e quanto á substituição parece-me que II não deixará de ser bem aceita, porque é um mal menor do que o das remissões, e n'esta parte estou de accordo com s. exa. Cada um modifica o seu systema. Eu não vejo que haja injustiça n'este caso com relação ao contingente que foi decretado pelas côrtes, como s. exa. disse, e que não seja uma grande injustiça para a reserva que não se póde remir.

Sr. presidente, eu declaro a v. exa. e á camara que em consciencia voto por esto projecto, e que hei de dar força ao governo em tudo quanto julgar em minha consciencia que o devo fazer. Cumpro o meu dever em não lhe negar a força de que carece á face das circumstancias.

Outro dever que tenho tambem a cumprir, é não negar ao governo os meios do que precisar n'esta situação, mas peco-lhe que reforme a lei do recrutamento antes de pôr este projecto em execução, para que em legar da remissão seja a substituição, e assim não seja disfalcado o contingente dos 10:000 homens pedido. Não quero carregar com a responsabilidade de qualquer perturbação que na actualidade provenha á ordem publica pela negação do meu voto, que só por isso o presto.

O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. bispo de Vizeu.

O sr. Bispo de Vizeu: - Cedo da palavra.

O sr. Presidente: - Então dou a palavra ao sr. visconde de Fonte Arcada.

O sr. Visconde de Fonte Arcada: - N'uma questão tão importante como esta, não posso deixar de dizer algumas palavras para motivar o meu voto.

Primeiro que tudo tenho a fazer uma pergunta ao sr. ministro da guerra e espero que S. exa. me responda agora mesmo, porque d'essa sua resposta tirarei as conclusões que me parecerem adquadas. É preciso que não nos estejamos aqui a enganar mutuamente; é preciso que conheçamos o Verdadeiro estado do paiz,- e portanto desejo que s. exa. me diga cathegoricamente se estamos em perigo da que a nação vizinha venha avassalar-nos, seja debaixo de que pretexto for? Estamos n'esse perigo? Só estamos, não examinarei se a lei é boa ou má, se é justa ou injusta; votarei por ella, assim como por todas as que forem necessarias para fazer de cada cidadão um soldado para defender a nossa independencia e conserva-la por todos os modo; mas no caso contrario hei de rejeita-la.

Não ha de ser de mim, sr. presidente, que se possa dizer que tirarei força ao governo, quando se tratar da independencia nacional. Quaes são as minhas opiniões a esse respeito não preciso manifesta-las agora; todo o mando as sabe, porque mais de uma vez aqui as tenho enunciado. Mas estamos ou não n'essas circumstancias?

edia ao sr. ministro que tivesse a bondade de não responder para eu saber o modo porque hei votar.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: -

Devo dizer ao digno par que não reputo o paiz em perigo. Esta medida é unicamente para o estado de paz e não para o estado de guerra.

O Orador: - S. exa. não reputa o paiz um perigo. Estimo muito e desejo que efectivamente as circunstancias nos levem a fazer esse juizo do estado das cousas.

Agora, peço perdão á camara, se me demora, ainda em fazer mais algumas reflexões, que espero não serão muito longas, até porque estou hoje muitissimo incomodado.

As nações rodeadas por outras mais poderosas e que por qualquer motivo têem de recear pela sua independencia, devem fazer todo o esforço para que as suas instituições nacionaes formem o seu caracter e costumes, desenvolvendo em todos os cidadãos as virtudes patrioticas para que todos corram á defesa da patria, e só apesar d'isto forem vencidos, os seus costumes, formados pelas instituições, fôra na phrase de Rousseau, nas suas considerações sobre a constituição da Polonia, que apesar de engolidos não poderão ser digeridos.

Para evitar, pois, que os paizes mais pequenos sejam absorvidos pelas nações ambiciosas que os rodeiam, cumpre constitui-las por tal modo que não possam ser senão o que são, e isto devido ao caracter do povo, formado pelas suas instituições; é este o verdadeiro modo de resistir ás invasões das nações estrangeiras.

Peço licença ao meu amigo e digno par, o sr. Mártens Ferrão, para citar as suas palavras em resposta a um dos srs. ministros, sobre os acontecimentos de Hespanha, o que eu não posso fazer senão com louvor.

O digno par disse o seguinte: "Cada nação tem direito de se constituir como entender, e de escolher a fórma de governo que prefere, sem que arraste comsigo as nações, que embora lhe estejam proximas, tem politica absolutamente differente; e a sua separação e independencia firmada por muitos seculos, pelos interesses mais caros, sobretudo pela vontade soberana e decidida da nação (apoiados).

"A Belgica, monarchia apenas de quarenta annos de existencia, atravessou com o respeito da Europa a luta travada em torno de si pelas duas principaes nações do mundo. Deve-o á firmeza e vontade do seu povo, ao bom juizo, prudencia e firmeza do seu governo."

Isto é assim; mas a Belgica deve esta situação á sua constituição, principalmente depois da lei de 26 de maio de 1848 sobre incompatibilidades parlamentares, que faz que o povo tenha a maior confiança no seu parlamento, que representa os seus verdadeiros interesses e as opiniões do paiz.

Qual é a causa porque a Belgica tem atravessado tantas difficuldades sem perigo da perda da sua autonomia? É a constituição do seu parlamento, porque não se dá effeito sem uma causa que o determine.

Sr. presidente, quando se tece um elogio d'estes, como o que fez o digno par, o sr. Mártens Ferrão, á nação belga, está-se muito perto da convicção, senão já convencido, de que a constituição d'esta nação é realmente boa e digna de ser imitada.

Estimo muito que o digno par me désse, nas suas palavras, occasião ara n'ste discurso fazer algumas considerações.

Sr. presidente, é preciso que, por meio da reforma parlamentar, se de ao corpo legislativo toda a independencia, e constituâmos um parlamento que mereça a confiança de todos, e que possa promover todas as outras reformas que são necessarias para que o pais seja administrado com toda a economia, o que fará crear novo um verdadeiro amor pela independencia da sua patria.

Talvez se diga que o que eu estou dizendo é inteiramente fóra do que estamos a tratar, mas eu não o entendo assim, porque tudo o que disser respeito á conservação da nossa independencia é proprio d'esta occasião, porque tende o povo toda a confiança nas suas instituições quando for necessario ha de defende-las.

Sr. presidente, é por isso que tenho clamado sempre n'esta camara pela reforma e independencia parlamentar, porque é ella póde fazer com que o povo, satisfeito com as suas instituições, não se possa amoldar ao dominio de outras nações. N'isto consista a verdadeira autonomia e defeza do paiz, contra a ambição das nações que nos quierem avassallar. Sr. presidente, que na constituição das nações, e no amorz da patria, está o verdadeiro elemento da sua defesa, é uma verdade. O exemplo temo-l'o de casa. Sessenta annos fomos opprimidos pelos hespanhoes, bastou porem o glorioso, dia do 1.° de dezembro de 1640, para arrancar as quinas das garras do leão, dando occasião aos feitos gloriosos de tantos heroes, que á custa do seu sangue e sacrificios, por tantos annos continuados, firmaram a independencia da patria.

Os nossos heroicos vizinhos tambem nos deram igual exemplo.

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A Hespanha, na guerra da Peninsula, foi invadida pelos mais distinctos generaes de Napoleão e pelos seus famosos e numerosos exercitos; mas os hespanhoes correram todos ás armas, e no glorioso dia 2 de maio, em Bailen e Saragoça quebraram o sceptro de ferro que opprimia as nações da Europa.

Pela mesma epocha deu Portugal exemplo analogo, resistindo ás invasões de Junot, Soult e Massena. A batalha do Vimeiro obrigou Junot a abandonar o paiz; Soult saíu de Portugal acossado pelas nossas forcas e alliados, fez uma retirada precipitada, e os nomes respeitaveis de Sepulveda e Silveira não podem esquecer aos portuguezes que sentem o coração a palpitar pela patria, bem como Bussaco e Amarante. Finalmente Massena teve de parar defronte das linhas de Torres Vedras, porque a defeza de Portugal estava no coração de todos os portuguezes; e tanto assim era, que os povos todos abandonaram os seus lares, destruiram os seus haveres para que não podessem aproveitar ao inimigo, fazendo a si proprios mais prejuizo, do que talvez lhes fariam as tropas francezas, se elles se conservassem nas suas terras, e isto só movidos pelo amor da patria, e para tirar todos os recursos ao inimigo.

É praticando taes actos que se resiste ás invasões estrangeiras.

Não posso, porem, deixar de estimar que um homem tão intelligente como o sr. presidente do conselho nos diga, que effectivamente não estamos em circumstancias perigosas; mas tambem entendo que para as evitar, é necessaria a reforma parlamentar, que despertará em todos o mais acrisolado amor da patria.

Se o sr. ministro se convencesse do que eu acabo de expor, e promovesse esta reforma, eu daria a s. exa. o meu sincero apoio.

Exprimi o meu voto como pude, e resumindo direi, que se não estamos em perigo, não julgo que seja necessaria a approvação d'esta lei; porém, se as circumstancias mudarem, voto tudo quanto se propozer, para não ser escravo dos hespanhoes.

O sr. Braamcamp: - Pedi a palavra para explicar o motivo por que o meu nome não se encontra no parecer das commissões. Uma grave ophtalmia me tem inhibido de tomar parte nos trabalhos da camara, e por isso não pude comparecer nas reuniões das commissões e assignar o parecer.

Direi mais, que o meu voto é contrario ao projecto. Não tomarei muito tempo á camara; mas não posso eximir-me de declarar que as minhas aspirações, é que a questão de fazenda preceda ao actual projecto...

O sr. Presidente: - Eu tenho a observar que ha ainda um orador inscripto antes de v. exa. ter pedido a palavra.

O sr. Braamcamp: - Eu desejo só motivar o meu voto.

O sr. Presidente: - Se v. exa. quer fazer algumas considerações, motivando o seu voto, inscrevo-o; porem agora só podia fazer a declaração, que já fez, visto que ha quem tenha a palavra antes de v. exa. Se o digno par quer entrar em alguns desenvolvimentos quanto ao seu voto, eu o inscrevo.

O sr. Braamcamp: - Como v. exa. quizer.

O sr. Presidente: - A primeira sessão será amanhã, e a ordem do dia a continuação da de hoje.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas e um quarto da tarde.

Relação dos dignos pares que estiveram presentes na sessão de 3 de março de 1873

Exmos. srs.: Marquez d'Ávila e de Bolama; Conde de Castro; Patriarcha de Lisboa; Duque de Palmella; Marquezes, de Ficalho, de Fronteira, de Sabugosa; Condes, de Cavalleiros, de Linhares, do Sobral; Bispos, de Bragança,, de Lamego, do Porto, de Vizeu; Viscondes, de Fonte Arcada, de Portocarrero, da Praia Grande; Moraes Carvalho, Mello e Carvalho, Gamboa e Liz, Fontes Pereira de Mello, Xavier da Silva, Rebello de Carvalho, Sequeira Pinto, Barreiros, Mártens Ferrão, Braamcamp, Pinto Bastos, Reis e Vasconcellos, Lourenço da Luz, Franzini Menezes Pita.

Depois de aberta a sessão entraram os exmos. srs.: Condes, de Castello Branco, de Fornos de Algodres, de Paratv, da Ribeira; Viscondes, da Asseca, de Condeixa; Barreiros; Viscondes, de Soares Franco, de Seabra; Marquezes de Sousa, de Benagazil; Costa Lobo; Condes, de Bertiandos, da Ponte, de Fonte Nova; Castro Guimarães.

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