120 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
concebem de desbravar a África e trazer os seus habitantes ao gremio da civilisação. Igualmente podemos assegurar que o enthusiasmo que agora neste empenho se manifesta não é transitorio; que com estes bons auspicies a obra ha de ser proseguida com incansavel zelo, e que não hão de faltar peoneiros, uns seduzidos pela gloria das descobertas, outros attrahidos pelo prazer de commoções excitantes, outros pelo amor da sciencia, por intuitos religiosos e humanitarios, e não poucos pelos interesses mercantis. Ora nós, pela extensão das nossas possessões, dominámos os grandes caminhos por onde se ha de mover aquella invasão de pacificos conquistadores.
Esta situação especial em que estamos impõe-nos, portanto, o dever de seria reflexão.
Se as informações dos viajantes não são fallazes, e se suas previsões se confirmam, o Zaire e o Zambeze estão destinados a formar a principal arteria de communicação, d'onde ha de irradiar a circulação para o norte e sul do continente africano. Suspeita-se que as fontes d'estes dois rios, que podemos chamar nossos, não se distanceiam uma da outra, que será facil estabelecer entre elles uma ligação artificial, e que assim se poderá alcançar uma communicação fluvial ininterrupta, ou pouco menos, entre a costa occidental e oriental da África.
Ha ainda mais. No interior do continente africano ha lagos vastissimos que communicam com o Zambeze, o Niassa, o Tangenyka, que se suppõe communicar com o Zaire. Estes lagos são como mares mediterraneos, que ajudarão poderosamente a acção do missionario e do mestre escola, o trabalho do agricultor e do commerciante, o interesse e conversação entre colonos e indigenas.
Unia versão longiqua do futuro nos mostra por qualquer modo ligados a estes os lagos não distantes onde o Não tem a sua origem, e por ahi uma passagem aberta e frequentada entre o Mediterraneo e o mar das indias.
Mas deixando esta perspectiva risonha da imaginação, volvamos os olhos para a situação actual das nossas colonias africanas. E bem pouco lisonjeira. Mas, antes de tratar este ponto, apresentarei algumas observações ácerca de uma idéa que geralmente se tem a respeito das relações da metropole com as possessões ultramarinas, idéa que, para assim dizer, penetra em todos os discursos, em todos os jornaes, em todas as conversações particulares. Essa idéa consiste em que as colonias estão, relativamente aos direitos e deveres que para com ellas temos, na mesma situação em que está a mãe patria. Não participo d'esta idéa. Entendo que temos obrigação de defender a nossa patria per fas e per nefas, no bem e no mal, quer obre com acerto quer com desacerto, e se for atacada, temos obrigação de morrer por ella pelejando.
Já v. exa. vê que eu não sou dos homens que desprezam os sentimentos de nacionalidade, e que os subordinam aos sentimentos humanitarios, como aconselha a moderna philosophia; tenho todo este culto, toda esta veneração pela minha patria, mas a respeito das colonias o meu fanatismo não chega a esse ponto.
As colonias hão de separar-se fatalmente da metropole num tempo mais ou menos remoto; é mesmo para as preparar para essa separação que ellas nos foram, para assim dizer, confiadas pela Providencia; podem-se considerar como pupillas debaixo da nossa tutoria, temos obrigação de as administrar, de as civilisar n'uma palavra, temos obrigação de as collocar n'aquelle estado de desenvolvimento intelectual e moral que convem ao homem que attinge a maioridade.
Portanto, se acontece que a nossa administração colonial é apreciada, talvez com demasiada severidade, por pessoas estranhas ao paiz, é minha opinião que não devemos attender a essas observações que se fazem, com o mesmo sentimento, com a mesma indignação que teriamos se fossem dirigidas contra os actos da nossa personalidade nacional.
N'este seculo de scepticismo e critica em que nem os mysterios da religião, nem as instituições fundamentaes da sociedade, nem affectuosas e arreigadas tradições historicas, nem as reputações riais illibadas, estão ao abrigo da analyse, do debate, até das vaias publicas, não e para estranhar que a nossa administração colonial encontre censores.
O sr. ministro da marinha, em um discurso muito illustrado e eloquente que pronunciou na outra casa do parlamento, e que eu tive o gosto de ouvir, apontando como meios a seguir na nossa politica colonial para promover o desenvolvimento d'aquellas possessões, indicou as missões, as obras publicas e a reforma das pautas.
Sobre estes pontos indicados eu vou pedir ao governo alguns esclarecimentos, e creio que as declarações do sr. ministro muito interessarão ao publico, que provavelmente ignora tanto como eu muitos d'estes assumptos por falta de informações que o elucidem.
Quanto ás missões, estou de accordo. As missões, com a sua influencia religiosa e espiritual, são o instrumento mais fecundo de civilisação.
Desejaria saber o modo por que o governo influe n'isto assumpto e as condições em que essas missões são feitas.
Existe um collegio de missões, não pedirei sobre elle informações especiaes, contentando-me com saber quantos missionarios tem dado para a África, e qual o systema que se adopta para chamar a esse apostolado os educandos.
Quanto a mim, se elles são chamados, não pela sua vocação, iras pelos interesses temporaes que se lhes offerecem, ou lhes podem advir, a sua acção na África será o avesso de benéfica. Desde que o missionario não é levado á sua missão pelo sentimento dos seus deveres para com Deus e para com os outros, toda a sua obra e de proveito proprio.
Desejava, pois, que o sr. ministro me desse algumas informações sobre o systema que se adopta para com os missionarios, qual o modo de os admittir e de os attrahir a este lavor tão áspero e mortificante como é moralisador e heróico.
A proposito, lembrarei o quanto seria conveniente procurar attrahir ao collegio das missões os filhos de África, que pelas suas relações de naturalidade e pela facilidade em supportar os rigores e intemperies do clima mais facilmente do que quaesquer outros, se poderão desempenhar do seu encargo apostolico de alargar e amanhar nos climas inhospitos a vinha do Senhor.
Parece-me que o sr. ministro da marinha no seu discurso esqueceu-se de um ponto importante para as nossas colonias de África, isto é, uma boa administração.
O facto é que a administração das nossas colonias está abaixo da que se poderia esperar mesmo num paiz tão atrazado.
Eu podia citar á camara muitos documentos, porque elles, infelizmente, superabundam, em que se demonstra quão pouco as auctoridades administrativas subalternas das nossas possessões no ultramar comprehendem os seus deveres, quão falhas são de intelligencia, quantas vexações causam aos povos que lhes estão sujeitos; podia citar muitos discursos, muitas informações officiaes e não officiaes, mas creio-o inutil, porque estes factos são sobejamente conhecidos; todavia não posso deixar de ler o mais recente documento a este respeito, e que chegou no ultimo paquete; é um discurso pronunciado pelo governador na abertura dos trabalhos da junta geral de Angola. Não tenho a honra de conhecer este governador, mas pelo seu discurso se deprehende que e pessoa muito illustrada, muito zelosa no desempenho do serviço que lhe foi incumbido. Descreve elle o estado deploravel de diversos ramos da administração que existe n'aquella colonia, que não se póde considerar como a somenos das nossas possessões. Ainda ha pouco o sr. ministro mandou para lá um empre-