DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 121
gado como fiscal do governo, e encontrou-se; creio eu, um alcance de perto de 400:000$000 réis.
"A administração da fazenda tinha pouco antes passado por violentos transes, que ninguem desconhece. Era indispensavel levar a luz e a ordem a uma repartição onde imperava uma intencional anarchia e obscuridade."
A administração judicial...
"Os minguados conhecimentos dos juizes ordinarios do interior, e muitas vezes a sua calculada parcialidade, dão em resultado insanaveis irregularidades e como consequencia a prolongada detenção de individuos presos ha seis nove e dez annos."
Acerca do sacerdocio e dos missionarios tambem as noticias não são muito lisonjeiras.
"No sertão, principalmente, a vida do sacerdocio deve ser um continuo sacrificio. Infelizmente, na actualidade, mesmo nos filhos da igreja a dedicação não snperabunda, e por isso ahi está uma provincia enorme immersa em um profundo obscurantismo, sem ainda sonhar com o dia em que ha de libertar-se das cadeias da mais estreita animalidade."
Quanto á instrucção, escuso de ler, porque é igualmente deploravel.
Quanto ao exercito, diz o seguinte. (Leu.)
Já me parece indispensavel ceder das minhas primitivas idéas, e portanto conveniente sentar praça aos individuos que vem cumprir sentença por crimes leves, isto até que na Europa se reconheça que o soldado portuguez tem como o marinheiro obrigação de servir e defender a bandeira nacional em qualquer parte do mundo onde tremule.
Melhoramentos materiaes:
"Nem descortino que applicação se daria ás crescidas receitas provenientes do imposto de 3 por cento ad valorem por tantos annos cobrado. Templos derrubados, fortalezas desmanteladas, quarteis infectos, prisões antros, etc. "
Ha uma instituição importante, que é a dos chefes militares, que governam, pouco menos que irresponsaveis, nas circumscripções da colonia.
"Sendo certo que das surdas animosidades e disfarçadas vexações têem resultado sempre as lamentaveis guerras em que nos empenhamos. A nossa população europea, que não é sedentaria, nem caseira, se não procura estas terras, é porque a par das inclemencias do clima, se acobarda das injustiças dos homens."
Estas são as informações que nos dá o governador de Angola.
Ainda num destes ultimos dias encontrei a confirmação destas verdades em um artigo de jornal escripto evidentemente por pessoa intimamente conversante com assumptos coloniaes.
Eu bem sei que as leituras são sempre fatigantes para a camara, mas a questão é de tal ordem que julgo dever solicitar ainda a sua attenção para outro excerpto em que a verdade appareça despida d'aquelle véu em que a posição official governativa obriga a envolvel-a.
É verdade que eu não estou dando novidades á camara, porque todas estas informações coincidem infelizmente com muitas outras que todos têem, e que quantos seguem os desenvolvimentos das nossas colonias conhecem.
Eu, sr. presidente, entenda-se bem, não venho aqui accusar o governo, o que eu desejo tão somente provocando as explicações do sr. ministro, é esclarecer-me; e ao paiz, sobre o verdadeiro estado das nossas colonias.
Falla-se muito sobre a África, falla-se muito sobre as nossas possessões, o seu estudo desenvolve-se felizmente; eu pela minha parte tenho lido alguma cousa, tenho feito indagações, tenho procurado esclarecer-me sobre o assumpto, mas ha muitas e muitas cousas que ignoro.
Eis o trecho do jornal: "Ainda ha pouco affirmava alguem, que vivia em Angola, que a principal receita dos chefes do concelho do interior consistia na venda dos logares de commandantes de divisões (especie de regedores de parochia), dos quaes recebiam de 30$000 a 170$000 réis fortes. Estes commandantes de divisão não têem vencimento algum, mas os logares são muito cobiçados por causa dos rendimentos indirectos que proporcionam. Quasi sempre são pretos boçaes, manhosos e broncos. Estes factos foram referidos por mais de uma vez nos jornaes da colonia, e nunca foram desmentidos".
Sr. presidente, estes extractos são o sufficiente para mostrar o estado das nossas possessões, para nos obrigar a procurar conhecer as rasões por que a administração subalterna se desempenha tão mal das suas funcções, e aquelles, a quem está confiada, procedem por um modo tão singular.
Quanto a mim a rasão é simples.
A remuneração dos funccionarios é insuficiente, o clima doentio, a vida no sertão entre selvagens não é de certo agradavel, e por isso poucos homens de illustracão e probidade se prestam a servir ali.
Se são estas as rasões, como julgo, a primeira necessidade é a elevação dos ordenados ás auctoridades coloniaes, as quaes, ao mesmo tempo que para ali convidem homens dignos, os ponham ao abrigo das solicitações da necessidade e á prova da corrupção.
Eu sou tanto mais insuspeito avançando esta proposição, porquanto em toda a minha vida parlamentar tenho sempre advogado a maxima economia; mas o ser partidario d'ella é differente de deixar de reconhecer a necessidade suprema de certas despezas.
Nas colonias, a primeira e mais indispensavel necessidade é augmementar os ordenados das auctoridades.
Temos por consequencia, sr. presidente, dois meios de civilisação na África, de que podemos lançar mão, são as missões religiosas e a boa administração. Emquanto ás primeiras, a acção do poder civil não póde senão ser indirecta, porque as vocações religiosas não se encommendam, e mais faz um S. Francisco Xavier que um exercito de sacerdotes mundanos.
Mas vae muito na escolha dos homens para os primeiros logares da administração, porque no ultramar os poderes dos funccionarios superiores são? de necessidade, quasi illimatados e isentos de toda a responsabilidade effectiva.
Este instrumento civilisador, de que o sr. ministro não fallou no seu discurso, dou-lhe eu a primazia entre os que o poder civil póde e deve empregar para o desenvolvimento das colonias africanas.
O segundo meio de progresso, de que fallou o sr. ministro, é o desenvolvimento das obras publicas.
Sr. presidente, nós somos um paiz pobre, falto de braços e de capitães, cujas obras publicas estão longe de terem tido o desenvolvimento necessario; precisámos de todos os capitães de que podermos dispor para nós mesmos, e portanto não posso, desgraçadamente, dar ás obras publicas no ultramar o primeiro logar que o sr. ministro lhe attribue. Não é que devamos eliminar as obras publicas do nosso programma. Mas o trabalho do politico é o trabalho do dia de hoje. Governar é realisar hoje o aperfeiçoamento mais relevante, para amanhã passar a outro. Edificar é profundar solidamente os alicerces, para sobre elles erigir uma construcção solida, e não levantar muros de gesso sobre um solo movediço.
Este aperfeiçoamento, desde já indispensavel, base fundamental de todo o ulterior desenvolvimento material, é a. reforma das pautas. A esse deve-se dar um logar de primeira ordem, e não póde ser considerado senão abaixo da boa administração.
Tanto para augmentar os ordenados dos empregados das colonias, como para o desenvolvimento das obras publicas, está claro que são precisos meios; é necessario pois crear fontes de receita, porque a nossa posição de paiz, que não póde dispensar nem braços nem capitães, obri-