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122 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

gani-nos a ser muito cautelosos do dispendio a fazer, com relação ás colonias, ainda que ellas, sobretudo as de África, sejam muito productivas e ricas. Realmente, a descripção que se faz da feracidade d'esse territorio é tal que nos faz pasmar. Moçambique, por exemplo, segundo dizem os homens entendidos, é uma cornucopia inexgotavel, onde ha quasi todas as producções de África, da America, e do Oriente., e não poucas da Europa. E apesar disso não rende senão um déficit. Eu bem sei que se diz que, para aproveitar e desenvolver todas estas riquezas, são necessarias as obras publicas. Mas havemos de exhaurir a metropole para esse fim? E muito de suppor que um paiz tão opulento pague as suas proprias obras, e não sobrecarregue a velha mãe patria, que, com difficuldade, ganha o seu pão quotidiano.

O facto é que se as colonias não rendem para o desenvolvimento de seus proprios recursos, e porque, no meu entender, o nosso systema de pautas, que até hoje temos adoptado, não o consente. Eu não desconheço, torno a insistir sobre este ponto, a importancia das obras publicas, não desconheço a utilidade que ha em fazer estradas, abrir canaes, melhorar o regimen dos rios, fazer caminhos de ferro, e seria absurdo querer contestar esta utilidade; mas entendo que por onde devemos principiar, e principiar desde já, é pelo principio, é pela reforma pautal.

Essa reforma é que nos ha de dar meios de augmentar os ordenados aos funccionarios e para custear as obras publicas. Eu tenho grande affeição pelas colonias, seduz-me a imaginação, a idéa de fundar um outro Portugal africano, como fundámos um Portugal americano. Uma nação que tenha a nossa lingua, os nossos costumes, a nossa litteratura, que perpetue o nosso nome, e onde, se acaso alguma catastrophe que a Providencia e o nosso esforço desviarão, fizesse desapparecer Portugal do mappa da Europa, ficasse um monumento, mais perenne que bronzes e marmores, dos nossos serviços á causa da religião e da humanidade.

É essa uma idéa grandiosa; comtudo, se bem que eu desejo tudo isto, se bem que queira que se de o maximo desvelo ás nossas colonias, ainda assim não devemos sacrificar a patria ás colonias. Para que estas se desenvolvam por si mesmas, isto é, pelos seus proprios recursos, eu dou a maxima importancia á reforma das pautas, e sobre este ponto desejo que o sr. ministro da marinha me de informações.

Segundo os esclarecimentos que tenho colhido, ha differentes pautas nas nossas diversas possessões. Cada uma tem a sua pauta, o que acho natural; mas o que não é natural é que estas pautas sejam complicadissimas, tendo cada uma de cem a duzentos artigos! Ora ninguem ignora os inconvenientes que traz essa multiplicidade de barreiras, que se levantam ao commercio e á circulação, mesmo nos paizes cultos, onde porem, a actividade e a energia do negociante, as multiplas necessidades do consumidor, as facilidades da producção e a regularidade e illustração fiscal attenuam aquelles obstaculos.

Mas o que será num paiz barbaro, cujos habitantes são pretos, sem os primeiros rudimentos de educação? Porque, em todas as nossas possessões do continente africano não creio que haja mais de 6:000 portuguezes.

E singular meio este para civilisar os pretos, o entrepor entre elles e o mundo uma tranqueira irriçada de defezas fiscaes. Como se as febres africanas não fossem já de per si assas repellentes, nós acrescentamos ainda em seu auxilio o valioso reforço das vexações do guarda barreira.

Não para, porem, aqui o absurdo do nosso systema financeiro nas colonias.

Eu não posso fallar com precisão n'esta materia, porque é muito difficil fazel-o. As alterações succedem-se a miudo, porque o governo providenceia a seu bel-prazer nos intervallos das sessões, e até os governadores geraes tomam medidas de caracter legislativo. Porem o que se póde affirmar é que os direitos de importação variam entre 20, 50 Q mais por cento ad valorem.

É facil de ver que os productos, que hão de ser transportados, com grandes difficuldades, da Europa para qualquer ponto da África, ficam de uma carestia, que parece ter por unico fim o tolher o desenvolvimento commercial.

Ao custo da materia prima, do da mão de obra, ao frete, aos lucros do negociante juntem-se os direitos de 50 e 60 por cento, e faremos uma idéa da maneira por que auxiliámos os trabalhos do colono, e animamos o negro a trocar a tanga pelas calças e a cubata pela casa de pedra e cal.

Mas o desatino aggrava-se ainda pela iniquidade do direito differencial. Este direito consiste no seguinte: as mercadorias que vão sob a bandeira nacional pagam 30 por cento menos do que aquellas que vão sob a bandeira estrangeira. Assim, por exemplo, as mercadorias que mais consumo têem no interior da A'frica são os algodões de que se vestem os pretos. Estes algodões manufacturados provem geralmente de Inglaterra, e quando têem de ser transportados para África, se forem em navios inglezes, hão de pagar mais 30 por cento do que pagariam se fossem transportados em navios portuguezes, o que faz com que venham a Lisboa, a fim de serem baldeados para navios nacionaes, e depois é que partem para o seu destino!

Vou apresentar á camara uma imagem perfeita deste nosso systema pautal.

Supponha a camara que a companhia dos caminhos de ferro de norte e leste publicava uma determinação, em virtude da qual todos os viajantes que tivessem de ir para o Porto, deviam ir primeiro a Eivas esperar pelo comboio que d'ali parte para o entroncamento, para depois seguirem para o Porto, e que, quem não quizesse fazer este passeio, havia de pagar mais 30 por cento. E o mesmo em relação ás mercadorias.

Este é o systema aduaneiro que nós seguimos em relação ás nossas provincias do ultramar.

Este systema não tem outro resultado senão difficultar o commercio, e difficultando-se o commercio difficulta-se a producção, e difficultando-se esta não cresce a riqueza publica, nem com ella os rendimentos da colonia, e dahi resulta como consequencia immediata não se poder pagar ás auctoridades administrativas, nem fazer obras publicas. Nem é com tal systema, se systema se lhe póde chamar, que podemos melhorar as condições em que as nossas colonias se acham sob o ponto de vista administrativo; não é com elle que havemos de attrahir para ellas os capitães e os braços de que tanto carecem, e por muitos que vão, sempre serão poucos, attenta a vastidão d'ellas; não é dizendo a todos os negociantes e productores do mundo, quando querem levar os seus generos aos mercados coloniaes: não podeis entrar nesses mercados, sem mandar as vossas mercadorias para Lisboa, e por esta via seguirem para o ultramar, ou então haveis de pagar 30 por cento mais; não é travando com taes demoras o commercio que promoveremos a prosperidade nas nossas provincias de alem mar.

E perguntarei, que direito temos nós de obrigar o preto a pagar esses 30 por cento mais pelos generos transportados em navios estrangeiros? É essa uma imposição não só contra os principies de economia politica, mas tambem contraria a toda a justiça.

Direi mais, não ha só injustiça, ha insensatez num tal modo de manter relações commerciaes com as colonias, e neste ponto podiamos nós dar lições ao mundo inteiro.

Fomos já senhores absolutos e tivemos o monopolio do commercio do Oriente e do Brazil, como hoje queremos ter o da África, só com a differença que noutro tempo este monopolio era exercido unicamente pela coroa, ou por aquelles a quem ella dava tal concessão; hoje por via d'estes favores, o monopolio é exercido por certos capita-