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N.º 18
SESSÃO DE 24 DE FEVEREIRO DE 1877
Presidencia do exmo. sr. Marquez d’Avila e de Bolama
Secretarios — os dignos pares
Visconde de Soares Franco
Montufar Barreiros
Depois das duas horas da tarde, tendo-se verificado a presença de 19 dignos pares, declarou o exmo. sr. presidente aberta a sessão.
Lida a acta da antecedente, considerou-se approvada.
O sr. Presidente: — Convido o digno par, o sr. visconde do Seisal, a vir exercer as funcções de segundo secretario.
O sr. Visconde de Fonte Arcada: — Peço a palavra, antes da ordem do dia, para quando estiver presente algum dos srs. ministros.
O sr. Vaz Preto: — Eu pedi a palavra para que v. exa. consultasse a camara sobre se permitte que sejam publicados no Diario do governo alguns documentos que vieram do ministerio da guerra, e que dizem respeito ao orçamento do estado.
O sr. Presidente: — O digno par, o sr. Vaz Preto, pede para que consulte a camara se permitte que sejam publicados no Diario do governo alguns documentos que foram remettidos pelo ministerio da guerra, que dizem respeito ao orçamento.
Os dignos pares que approvam este requerimento tenham a bondade de se levantar.
Foi approvado.
O sr. Vaz Preto: — Pedi a palavra para mandar para a mesa um requerimento, a fim de que, pelo ministerio das obras publicas, sejam remettidos a esta camara alguns esclarecimentos.
É do teor seguinte:
Requerimento
Requeiro que, pelo ministerio das obras publicas, se declare em que foram gastos 12:000$000 réis que o anno passado se votaram para compra de cavallos reproductores, e bem assim o numero de cavallos comprados, o preço de cada um e a raça a que pertencem.
Requeiro igualmente que se declare quantos cavallos reproductores tem o estado, e como foram distribuidos o anno passado e vão ser este anno.
Desejo tambem que se declare se ha requerimento das camaras municipaes pedindo cavallos, e quaes foram attendidos e os que não poderam ser. = Vaz Preto.
Sr. presidente, tenho aqui um requerimento, que é de um official do exercito, e que versa sobre um projecto de lei relativo ao monte pio militar.
Este requerimento parece-me que devia ser mandado á commissão que ha de examinar aquelle projecto.
Peço a v. exa. que lhe de o andamento conveniente.
O sr. Presidente: — Os dignos pares que approvam que este requerimento seja remettido ao governo, a fim de satisfazer o digno par, tenham a bondade de se levantar.
Foi approvado.
O sr. Gamboa e Liz: — Pedi a palavra para participar a v. exa. e á camara que por motivo de doença tenho faltado ás sessões desde o dia 21 do mez passado.
O sr. Presidente: — Tomar-se-ha nota da declaração do digno par.
O sr. Mello e Carvalho: — Peço a palavra para quando estiver presente o sr. ministro da fazenda.
O sr. Xavier da Silva: — Peço a palavra para mandar para a mesa um requerimento pedindo esclarecimentos ao governo.
Leu-se na mesa; é do teor seguinte:
Requerimento
Requeiro que pelo ministerio da justiça sejam remettidos com urgencia a esta camara os seguintes documentos:
Copia do decreto pelo qual foi transferido o escrivão da comarca da Povoa de Varzim, Agostinho José da Silva, para Barcellos;
Copia da ordem expedida ao presidente da relação do Porto, mandando suspender a posse do dito escrivão;
Copia da correspondencia do presidente da mesma relação com o ministro da justiça, a similhante respeito;
Informação de qual foi o dia em que o mencionado escrivão tomou posse, se já a tomou, ou dos motivos pelos quaes está suspenso ha mais de tres mezes.
Sala das sessões, 24 de fevereiro de 1877 . = Augusto Cesar Xavier da Silva.
Teve o competente destino.
(Entrou o sr. ministro dos negocios estrangeiros e interino da marinha, o sr. Andrade Corvo.)
O sr. Presidente: — Se alguns dignos pares teem pareceres a mandar para a mesa; podem fazel-o.
Parece-me que ò digno par, o sr. visconde Fonte Arcada, pediu a palavra para quando estivesse presente algum dos srs. ministros. Tem a palavra o digno par.
O sr. Visconde de Fonte Arcada: — Sr. presidente, tenho a chamar a attenção do governo sobre um objecto que entendo de grande importancia para a agricultura do paiz e para a sua subsistencia. Refiro-me á moléstia que está devastando os gados, tanto na Inglaterra como na Polonia, e que se vae espalhando pelos diversos pontos da Europa.
Peço licença á camara para ler os apontamentos que extrahi da importante obra sobre epizootia do gado vaccum de mr. Gamgee, membro do collegio dos veterinarios de Londres, pessoa de grande capacidade, em que expõe o estado da epizootia, e as precauções que é indispensavel tomar para que ella se não propague.
A camara desculpará esta leitura, porque o objecto é muito importante, e eu não poderei expor a materia tão bem como aquelle escriptor o expõe.
Diz, pois, o sr. Gamgee, no seu tratado sobre a epizootia da peste do gado vaccum, que «é necessario, assim que a epizootia» apparece, matar logo todos os animaes doentes; fazendo, porem, differença entre aquelles em que se reconhecem já alguns symptomas da epizootia, e os que só estão inficionados, por terem estado misturados com os doentes, os quaes serão tambem mortos quando haja rasão sufficiente para se julgar que já estão inficionados.
«A minha experiencia, continua o sr. Gamgee, tem-me mostrado que o unico meio de acabar com o contagio é matar todos os animaes em que já se manifestam alguns symptomas de epizootia, e bem assim os que tiverem estado misturados com os doentes, e se póde julgar que já estão inficionados, e haja tempo para que a moléstia esteja no periodo da inoculação; alem disto a sciencia mostra-nos que existindo a moléstia, o unico meio de evitar o
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contagio e de o prevenir é a extincção de todos os centros inficionados; nos paizes estrangeiros, na Prussia, é prohibido tratar o gado doente que é morto, porque o tratamento dá occasião á propagação do contagio pelo contacto das pessoas que tratam o gado doente, com o que ainda não o está, porque o virus contagioso é de tal natureza, que os homens que tratam do gado doente, quando vão entrar para as cavallariças em que está o gado são, são obrigados a lavarem-se e a mudar de fato; as gallinhas passando do logar em que está gado doente para outro, levam tambem o contagio, assim como os cães, que nas cacadas passam por entre os rebanhos de gado doente, e dali indo passar por outros sãos, ainda que a distancia seja grande, levam a molestia comsigo e a propagam; o gado que se mata é logo enterrado, sendo o couro golpeado, para que não possa ser aproveitado para cousa alguma, e quaesquer outros despojos do gado são queimados, assim como os retracos, camas, etc.: sendo tambem as cavallariças feitas de novo, e as mangedouras, as paredes caiadas, pintadas as portas, etc. Alem de tudo isto o gado não póde ser vendido senão mostrando o vendedor, e provando por juramento, que quarenta dias antes da venda não tem tido caso algum de moléstia no seu gado, e isto mesmo se observa na conducção do gado. E preciso notar que do gado que se mata, para prevenir que a molestia se propague, dá-se ao dono uma pequena indemnisação.
«As feiras tambem são prohibidas, e agora em Inglaterra se tem prohibido a circularão do gado.
«Esta epizootia do gado é já muito antiga, e já Virgilio, nas suas Georgicas a descreve.
«O sr. Williams Youat, na sua obra sobre a creação de raças e doenças do gado, conta que a epidemia devastou a Italia e parte da Europa no principio do seculo passado, e entre os medicos d’aquella epocha, que escreveram sobre aquella epizootia, menciona em especial o medico Romagine, que escreveu um tratado sobre a epizootia contagiosa dos bois.
«E para notar que na bibliotheca publica, segundo informações que tenho, existe uma traducção d’este livro escripto em latim, e traduzido por um lente da universidade.»
Como se ve. pelo que acabo de ler, o unico remedio para obstar ao progresso da epizootia é matar todo o gado doente, e aquelle que estiver mais ou menos inficionado, enterrado, e fazendo grandes côrtes nos couros para que não possam ser utilisados, tudo para que os despojos dos animaes doentes e mortos não possam ser aproveitados.
Parece-me, pois, que se devem dar todas as providencias necessarias, a fim de se evitar quanto possivel um tamanho mal.
Diz tambem esto auctor. «Quando mesmo no gado se não tenha manifestado a moléstia, mas que esteja já affectado do contagio, é preciso separal-o d’aquelle que o não está, aliás irá affectar este, porque, como o mesmo auctor diz, a propagação da moléstia é tão rapida, e o virus tão violento, que as mesmas gallinhas, passando por um logar em que estivesse gado inficionado, e vão para outros de gado são, levam a moléstia; e até cães, que acompanham os inglezes nas suas cacadas, quando o gado passa junto a um rebanho inficionado, da mesma maneira são atacados pelo virus.
A vista disto, sr. presidente, é preciso que se tomem as medidas mais severas com respeito á introducção de gados e dos seus despojos.
Eu vi n’um periodico a noticia que já havia sido prohibida a importação dos gados, mas que continuam a ser admittidos os couros, depois de beneficiados convenientemente.
Isto não basta, porque o virus é tão violento, que todos os cuidados são poucos para evitar a sua propagação, nem se póde saber se as medidas usadas em Inglaterra a respeito dos despojos do gado se empregaram nos couros que de lá nos são remettidos. Tal é a força do virus e a facilidade com que se propaga e desenvolve a molestia.
Estas medidas, tão restrictivas como prudentes, provam bem a necessidade de haver o maior cuidado em prohibir que os despojos dos gados possam ser admittidos em Portugal, sem que ao menos se saiba se na Inglaterra, ou nos portos donde vem, satisfizeram ás indicações prescriptas pelos regulamentos do sanidade.
Sr. presidente, este assumpto não póde ser indifferente, é da maior importancia para todos nós, e eu julgo do meu dever chamar a attenção do governo na pessoa do sr. ministro que está presente, para estes factos; tanto mais que a courama ainda e admittida, e se lhe póde fazer a desinfecção, que não poderá ser de tal ordem, que nos garanta do contagio.
Julgo desnecessario acrescentar mais considerações sobre o assumpto, para que se tomem as providencias necessarias. O meu fim é apenas dizer a minha opinião, corroborando-a com a do illustre veterinario que citei; o perigo de que estamos ameaçados por aquella epizootia é muito para receiar.
Era necessario que s. exas. mandassem examinar tudo isto, tendo em attenção as opiniões dos auctores que citei, a fim de ver se se evitava uma calamidade d’esta natureza.
Peço desculpa de chamar a attenção de s. exas. sobre este assumpto, mas em attenção á importancia, que de todos é conhecida, serei desculpado.
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros e interino da Marinha (Andrade Corvo): — Sr. presidente, eu pedi a palavra para dizer ao digno par que o assumpto sobre que chamou a attenção do governo, está no espirito de todos que se occupam da importante questão agricola no nosso paiz.
O assumpto de que s. exa. fallou — a epizootia, que tem invadido uma parte da Europa, está hoje largamente estudada, e a origem d’ella a perfeitamente conhecida.
Nos confins da Europa, para o lado da Asia, é aonde se manifestou primeiro, o ultimamente appareceu na Allemanha, chegando mesmo a Berlim; suppõe-se que começa a apparecer na Hollanda, e que existe já em Inglaterra. Meio de evitar o contagio não se conhece, senão o de interromper as communicações, porque não só os animaes o communicam, mas os seus despojos, até mesmo depois de soffrerem os meios inventados pela sciencia para o destruir ou annullar.
Já em outro periodo, não afastado, chegou muito mais adiante, na Europa, do que actualmente; comtudo houve a felicidade de não se propagar para o sul, graças ás medidas rigorosissimas que se adoptaram.
Para o nosso paiz o contagio só poderia vir através da Hespanha, mas não e provavel que isto aconteça, porque as relações d’esta nação, póde-se dizer, que são unicamente com o meio dia da França, que nunca chegou a ser invadido.
Quanto ao contagio que póde vir de Inglaterra, a não ser por meio de algum animal de raça, não será para receiar o perigo, porque, geralmente, o nosso commercio de gado com aquelle paiz é só de exportação.
A importação da courama da Inglaterra para Portugal não se dá, nem conviria que se désse, porque seria um Unau negocio.
Como o digno par sabe, a importação de gado dos territorios aonde actualmente se dá a enfermidade está prohibida.
Creio que não se tomou resolução nenhuma a respeito da introducção da courama, porque, em regra geral, este genero vem-nos da America, quasi que mal conservados para depois serem preparados melhor, e entrarem nos
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mercados da Europa; e não consta que venham do centro da Europa para Portugal.
O que posso affirmar ao digno par é que as suas considerações serão tomadas, sem duvida, em .grande conta como merecem, porque ellas são sempre fundadas no saber e na experiencia. Creia, pois, que o governo tomará as providencias necessarias para que as medidas que são applicadas ao gado sejam tambem applicadas a todos os despojos dos animaes procedentes do paizes onde actualmente existe a doença..
O sr. Visconde de Fonte Arcada: — Eu estimei muito ouvir o sr. ministro da marinha, porque vejo que s. exa. está inteiramente ao facto dá questão, e ha de providenciar conforme exigem os interesses publicos. Por consequencia, não tenho mais nada a dizer, e concluo insistindo com s. exa. para que nas relações com os paizes infestados dá molestia haja a maior cautela, de maneira a evitar um contagio que póde ser extremamente funesto para os nossos gados, e que mandará prohibir a entrada de quaesquer despojos.
O sr. Presidente: — Na ultima sessão os dignos pares os srs. Costa Lobo e Carlos Bento pediram para ser inscriptos, a fim de fazerem algumas observações ao sr. ministro da marinha sobre ás nossas colonias, quando s. exa. comparecesse n’esta casa. Como o illustre ministro está presente, parece-me que e occasião opportuna de dar a palavra aos dignos pares, mas antes de o fazer perguntarei ao sr., ministro da marinha se não tem duvida em se prestar a dar aquelles dignos pares as explicações que s. exas. desejam.
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros e interino dá Marinha: — São muitos emui variados os assumptos que a respeito das colonias se podem debater, e incluir nos termos vagos em que a indicação vem proposta: mas, dentro dos limites em que posso responder n’esta occasião, estou á disposição de todos os dignos pares para lhes dar as explicações, não tão completas como desejaria dar, se a occasião e o tempo permittissem munir-me dos documentos e esclarecimentos precisos, mas aquellas que me for possivel dar.
O sr. Costa Lobo: — Os esclarecimentos que tenho a pedir ao sr. ministro, não se referem ã nenhuns promenores ou a factos particulares sobre que s. exa. tenha de consultar relatorios ou documentos. A rasão por que eu desejo ter este colloquio parlamentar com o sr. ministro da marinha, é para que tenhamos conhecimento de certas circumstancias das nossas relações coloniaes que não se acham bem esclarecidas, e que é necessario tornar bem patentes á camara e ao paiz.
V. exa., sr. presidente, sabe que a Europa tem dirigidas as suas vistas para a Africa, e que, quer nós queiramos quer não, este vasto continente é objecto de estudo e explorações, não só da parte dos homens de sciencia, mas tambem da parte dos governos. Ora, nós temos importantes possessões n’aquellas regiões, póde mesmo dizer-se que as portas que dão entrada para as regiões africanas, e cujo percurso é mais facil, estão cru nosso poder. O nosso dominio ali é vastissimo, temos indeléveis recordações historicas que nos ligam áquelle continente.,
A primeira politica de Portugal, depois de conquistado este canto dá Peninsula que habitamos, foi alargar é seu territorio por áquelle continente, foi estender-se pela Africa.
Infelicidade foi talvez para a nossa patria o ter abandonado esse primeiro pensamento e o ter-se derramado pelos mares e terras longinquas da Asia, porque apesar da gloria que d’ahi resultou foram tantas as mortes, as miserias e tão funesto o influxo dá riqueza e corrupção oriental, e tão sacrificado em conquistas insustentaveis e inuteis o cultivo do nosso solo e o desenvolvimento moral e intellectual do nosso povo, e tão facil se tornou assim a perda das liberdades publicas e a perda da independencia nacional, que, torno á repetir,- talvez fora melhor a nossa sorte se tiveramos não mais que estendido o nosso territorio pelos Algarves de alem mar em Africa.
Todas estas considerações nós levam, a seguir com attenção o movimento de curiosidade e philanthropia que na Europa se manifesta em relação á Africa.
Não está já em nossa mão deixar de olhar attentamente para ás nossas possessões.
Por toda à parte se formam associações geographicas; cujo fim unico se póde dizer que é a exploração da Africa, como acontece com a sociedade que se formou na Belgica, a que preside o Soberano d’aquelle paiz, e a que ultimamente. se organisou em Hespanha, e qual tem igualmente o apoio dos poderes publicos.
É occasião de considerar e reflectir sobre a nossa situação n’aquelle continente de examinar qual o caminho que temos seguido; de fazermos, por assim dizer, um exame de consciencia do que temos praticado, de estudarmos a nossa historia passada, de confrontarmos a nossa legislação actual com os dictames da rasão governativa, e deduzirmos qual a linha de procedimento que devemos seguir.
Sr. presidente, tanto está voltada para este assumpto a attenção geral, que até existe uma folha periodica nos Estados Unidos que, de associação com outro jornal inglez, subsidia um explorador em Africa, que actualmente se acha n’aquelle continente, viajando por couta d’estes dois jornaes.
Tudo isto mostra, como já disse, que a attenção dos homens da sciencia e dos governos está voltada para este assumpto; e que não se trata de uma tentativa, por assim dizer spasmodica, que tenha de parar em breve, mais que ha de ser continuada e levada a cabo.
As tres partes do mundo que até agora têem sido objecto de exploração eram a America, a Asia e a Oceania, hoje são muito mais conhecidas é não offerecem tanta novidade como a Africa, que é tão nossa vizinha. A irrequieta actividade do europeu não consentirá que ella seja por mais tempo ignorada. E um vasto dominio que se offerece á necessidade de expansão que existe na nossa raça.
Tambem se conhece agora que a reputação da insalubridade que por tanto tempo desviou da Africa transequatorial os passos dos audazes exploradores não é merecida senão pélas ourelas do mar; mas que as altas planicies do interior gosam de ares saudaveis, de luxuriante vegetação, de paizagens pittorescas, de terrenos ferazes, e que os negros são de uma notavel docilidade que contrasta com a degradação d’aquelles que estão em contacto com as colonias estranhas. Desgraçadamente até agora os habitantes d’essas colonias não têem inculcado aos indigenas senão os vicios da civilisação. Esta observação e a facilidade com que os negros nos paizes cultos, como por exemplo nós Estados Unidos, recebem a educação intellectual e moral, prova quanto elles são faceis de policiar, e como só distinguem das raças da America e da Oceania, para quem são mortaes os habitos da civilisação.
Nem me espanta a ingenuidade de caracter que os viajantes attribuem aos pretos do interior. Nas narrações das nossas antigas viagens ve-se que os exploradores que ali mandavamos certificavam não menos a fidelidade com que os negros se haviam nas relações com os europeus. Confiava-se, por exemplo, a um preto um fardo para transportar ás costas para o interior, contendo mercadorias valiosas aos olhos d’aquelles povos, cuja predilecção por objectos de cores vivas todos conhecem, taes como pannos encarnados; pois apesar da tentação que naturalmente lhe despertaria a vista de objectos de que se poderia tornai senhor com facilidade, respeitava escrupulosamente tudo quanto lhe fóra entregue, e cumpria com a maior fidelidade a sua incumbencia, trazendo o retorno de marfim ou oiro em pó.
Desculpe, a camara esta digressão, mas o meu fim é mostrar que não são nenhuma utopia as esperanças que se
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concebem de desbravar a África e trazer os seus habitantes ao gremio da civilisação. Igualmente podemos assegurar que o enthusiasmo que agora neste empenho se manifesta não é transitorio; que com estes bons auspicies a obra ha de ser proseguida com incansavel zelo, e que não hão de faltar peoneiros, uns seduzidos pela gloria das descobertas, outros attrahidos pelo prazer de commoções excitantes, outros pelo amor da sciencia, por intuitos religiosos e humanitarios, e não poucos pelos interesses mercantis. Ora nós, pela extensão das nossas possessões, dominámos os grandes caminhos por onde se ha de mover aquella invasão de pacificos conquistadores.
Esta situação especial em que estamos impõe-nos, portanto, o dever de seria reflexão.
Se as informações dos viajantes não são fallazes, e se suas previsões se confirmam, o Zaire e o Zambeze estão destinados a formar a principal arteria de communicação, d'onde ha de irradiar a circulação para o norte e sul do continente africano. Suspeita-se que as fontes d'estes dois rios, que podemos chamar nossos, não se distanceiam uma da outra, que será facil estabelecer entre elles uma ligação artificial, e que assim se poderá alcançar uma communicação fluvial ininterrupta, ou pouco menos, entre a costa occidental e oriental da África.
Ha ainda mais. No interior do continente africano ha lagos vastissimos que communicam com o Zambeze, o Niassa, o Tangenyka, que se suppõe communicar com o Zaire. Estes lagos são como mares mediterraneos, que ajudarão poderosamente a acção do missionario e do mestre escola, o trabalho do agricultor e do commerciante, o interesse e conversação entre colonos e indigenas.
Unia versão longiqua do futuro nos mostra por qualquer modo ligados a estes os lagos não distantes onde o Não tem a sua origem, e por ahi uma passagem aberta e frequentada entre o Mediterraneo e o mar das indias.
Mas deixando esta perspectiva risonha da imaginação, volvamos os olhos para a situação actual das nossas colonias africanas. E bem pouco lisonjeira. Mas, antes de tratar este ponto, apresentarei algumas observações ácerca de uma idéa que geralmente se tem a respeito das relações da metropole com as possessões ultramarinas, idéa que, para assim dizer, penetra em todos os discursos, em todos os jornaes, em todas as conversações particulares. Essa idéa consiste em que as colonias estão, relativamente aos direitos e deveres que para com ellas temos, na mesma situação em que está a mãe patria. Não participo d'esta idéa. Entendo que temos obrigação de defender a nossa patria per fas e per nefas, no bem e no mal, quer obre com acerto quer com desacerto, e se for atacada, temos obrigação de morrer por ella pelejando.
Já v. exa. vê que eu não sou dos homens que desprezam os sentimentos de nacionalidade, e que os subordinam aos sentimentos humanitarios, como aconselha a moderna philosophia; tenho todo este culto, toda esta veneração pela minha patria, mas a respeito das colonias o meu fanatismo não chega a esse ponto.
As colonias hão de separar-se fatalmente da metropole num tempo mais ou menos remoto; é mesmo para as preparar para essa separação que ellas nos foram, para assim dizer, confiadas pela Providencia; podem-se considerar como pupillas debaixo da nossa tutoria, temos obrigação de as administrar, de as civilisar n'uma palavra, temos obrigação de as collocar n'aquelle estado de desenvolvimento intelectual e moral que convem ao homem que attinge a maioridade.
Portanto, se acontece que a nossa administração colonial é apreciada, talvez com demasiada severidade, por pessoas estranhas ao paiz, é minha opinião que não devemos attender a essas observações que se fazem, com o mesmo sentimento, com a mesma indignação que teriamos se fossem dirigidas contra os actos da nossa personalidade nacional.
N'este seculo de scepticismo e critica em que nem os mysterios da religião, nem as instituições fundamentaes da sociedade, nem affectuosas e arreigadas tradições historicas, nem as reputações riais illibadas, estão ao abrigo da analyse, do debate, até das vaias publicas, não e para estranhar que a nossa administração colonial encontre censores.
O sr. ministro da marinha, em um discurso muito illustrado e eloquente que pronunciou na outra casa do parlamento, e que eu tive o gosto de ouvir, apontando como meios a seguir na nossa politica colonial para promover o desenvolvimento d'aquellas possessões, indicou as missões, as obras publicas e a reforma das pautas.
Sobre estes pontos indicados eu vou pedir ao governo alguns esclarecimentos, e creio que as declarações do sr. ministro muito interessarão ao publico, que provavelmente ignora tanto como eu muitos d'estes assumptos por falta de informações que o elucidem.
Quanto ás missões, estou de accordo. As missões, com a sua influencia religiosa e espiritual, são o instrumento mais fecundo de civilisação.
Desejaria saber o modo por que o governo influe n'isto assumpto e as condições em que essas missões são feitas.
Existe um collegio de missões, não pedirei sobre elle informações especiaes, contentando-me com saber quantos missionarios tem dado para a África, e qual o systema que se adopta para chamar a esse apostolado os educandos.
Quanto a mim, se elles são chamados, não pela sua vocação, iras pelos interesses temporaes que se lhes offerecem, ou lhes podem advir, a sua acção na África será o avesso de benéfica. Desde que o missionario não é levado á sua missão pelo sentimento dos seus deveres para com Deus e para com os outros, toda a sua obra e de proveito proprio.
Desejava, pois, que o sr. ministro me desse algumas informações sobre o systema que se adopta para com os missionarios, qual o modo de os admittir e de os attrahir a este lavor tão áspero e mortificante como é moralisador e heróico.
A proposito, lembrarei o quanto seria conveniente procurar attrahir ao collegio das missões os filhos de África, que pelas suas relações de naturalidade e pela facilidade em supportar os rigores e intemperies do clima mais facilmente do que quaesquer outros, se poderão desempenhar do seu encargo apostolico de alargar e amanhar nos climas inhospitos a vinha do Senhor.
Parece-me que o sr. ministro da marinha no seu discurso esqueceu-se de um ponto importante para as nossas colonias de África, isto é, uma boa administração.
O facto é que a administração das nossas colonias está abaixo da que se poderia esperar mesmo num paiz tão atrazado.
Eu podia citar á camara muitos documentos, porque elles, infelizmente, superabundam, em que se demonstra quão pouco as auctoridades administrativas subalternas das nossas possessões no ultramar comprehendem os seus deveres, quão falhas são de intelligencia, quantas vexações causam aos povos que lhes estão sujeitos; podia citar muitos discursos, muitas informações officiaes e não officiaes, mas creio-o inutil, porque estes factos são sobejamente conhecidos; todavia não posso deixar de ler o mais recente documento a este respeito, e que chegou no ultimo paquete; é um discurso pronunciado pelo governador na abertura dos trabalhos da junta geral de Angola. Não tenho a honra de conhecer este governador, mas pelo seu discurso se deprehende que e pessoa muito illustrada, muito zelosa no desempenho do serviço que lhe foi incumbido. Descreve elle o estado deploravel de diversos ramos da administração que existe n'aquella colonia, que não se póde considerar como a somenos das nossas possessões. Ainda ha pouco o sr. ministro mandou para lá um empre-
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gado como fiscal do governo, e encontrou-se; creio eu, um alcance de perto de 400:000$000 réis.
"A administração da fazenda tinha pouco antes passado por violentos transes, que ninguem desconhece. Era indispensavel levar a luz e a ordem a uma repartição onde imperava uma intencional anarchia e obscuridade."
A administração judicial...
"Os minguados conhecimentos dos juizes ordinarios do interior, e muitas vezes a sua calculada parcialidade, dão em resultado insanaveis irregularidades e como consequencia a prolongada detenção de individuos presos ha seis nove e dez annos."
Acerca do sacerdocio e dos missionarios tambem as noticias não são muito lisonjeiras.
"No sertão, principalmente, a vida do sacerdocio deve ser um continuo sacrificio. Infelizmente, na actualidade, mesmo nos filhos da igreja a dedicação não snperabunda, e por isso ahi está uma provincia enorme immersa em um profundo obscurantismo, sem ainda sonhar com o dia em que ha de libertar-se das cadeias da mais estreita animalidade."
Quanto á instrucção, escuso de ler, porque é igualmente deploravel.
Quanto ao exercito, diz o seguinte. (Leu.)
Já me parece indispensavel ceder das minhas primitivas idéas, e portanto conveniente sentar praça aos individuos que vem cumprir sentença por crimes leves, isto até que na Europa se reconheça que o soldado portuguez tem como o marinheiro obrigação de servir e defender a bandeira nacional em qualquer parte do mundo onde tremule.
Melhoramentos materiaes:
"Nem descortino que applicação se daria ás crescidas receitas provenientes do imposto de 3 por cento ad valorem por tantos annos cobrado. Templos derrubados, fortalezas desmanteladas, quarteis infectos, prisões antros, etc. "
Ha uma instituição importante, que é a dos chefes militares, que governam, pouco menos que irresponsaveis, nas circumscripções da colonia.
"Sendo certo que das surdas animosidades e disfarçadas vexações têem resultado sempre as lamentaveis guerras em que nos empenhamos. A nossa população europea, que não é sedentaria, nem caseira, se não procura estas terras, é porque a par das inclemencias do clima, se acobarda das injustiças dos homens."
Estas são as informações que nos dá o governador de Angola.
Ainda num destes ultimos dias encontrei a confirmação destas verdades em um artigo de jornal escripto evidentemente por pessoa intimamente conversante com assumptos coloniaes.
Eu bem sei que as leituras são sempre fatigantes para a camara, mas a questão é de tal ordem que julgo dever solicitar ainda a sua attenção para outro excerpto em que a verdade appareça despida d'aquelle véu em que a posição official governativa obriga a envolvel-a.
É verdade que eu não estou dando novidades á camara, porque todas estas informações coincidem infelizmente com muitas outras que todos têem, e que quantos seguem os desenvolvimentos das nossas colonias conhecem.
Eu, sr. presidente, entenda-se bem, não venho aqui accusar o governo, o que eu desejo tão somente provocando as explicações do sr. ministro, é esclarecer-me; e ao paiz, sobre o verdadeiro estado das nossas colonias.
Falla-se muito sobre a África, falla-se muito sobre as nossas possessões, o seu estudo desenvolve-se felizmente; eu pela minha parte tenho lido alguma cousa, tenho feito indagações, tenho procurado esclarecer-me sobre o assumpto, mas ha muitas e muitas cousas que ignoro.
Eis o trecho do jornal: "Ainda ha pouco affirmava alguem, que vivia em Angola, que a principal receita dos chefes do concelho do interior consistia na venda dos logares de commandantes de divisões (especie de regedores de parochia), dos quaes recebiam de 30$000 a 170$000 réis fortes. Estes commandantes de divisão não têem vencimento algum, mas os logares são muito cobiçados por causa dos rendimentos indirectos que proporcionam. Quasi sempre são pretos boçaes, manhosos e broncos. Estes factos foram referidos por mais de uma vez nos jornaes da colonia, e nunca foram desmentidos".
Sr. presidente, estes extractos são o sufficiente para mostrar o estado das nossas possessões, para nos obrigar a procurar conhecer as rasões por que a administração subalterna se desempenha tão mal das suas funcções, e aquelles, a quem está confiada, procedem por um modo tão singular.
Quanto a mim a rasão é simples.
A remuneração dos funccionarios é insuficiente, o clima doentio, a vida no sertão entre selvagens não é de certo agradavel, e por isso poucos homens de illustracão e probidade se prestam a servir ali.
Se são estas as rasões, como julgo, a primeira necessidade é a elevação dos ordenados ás auctoridades coloniaes, as quaes, ao mesmo tempo que para ali convidem homens dignos, os ponham ao abrigo das solicitações da necessidade e á prova da corrupção.
Eu sou tanto mais insuspeito avançando esta proposição, porquanto em toda a minha vida parlamentar tenho sempre advogado a maxima economia; mas o ser partidario d'ella é differente de deixar de reconhecer a necessidade suprema de certas despezas.
Nas colonias, a primeira e mais indispensavel necessidade é augmementar os ordenados das auctoridades.
Temos por consequencia, sr. presidente, dois meios de civilisação na África, de que podemos lançar mão, são as missões religiosas e a boa administração. Emquanto ás primeiras, a acção do poder civil não póde senão ser indirecta, porque as vocações religiosas não se encommendam, e mais faz um S. Francisco Xavier que um exercito de sacerdotes mundanos.
Mas vae muito na escolha dos homens para os primeiros logares da administração, porque no ultramar os poderes dos funccionarios superiores são? de necessidade, quasi illimatados e isentos de toda a responsabilidade effectiva.
Este instrumento civilisador, de que o sr. ministro não fallou no seu discurso, dou-lhe eu a primazia entre os que o poder civil póde e deve empregar para o desenvolvimento das colonias africanas.
O segundo meio de progresso, de que fallou o sr. ministro, é o desenvolvimento das obras publicas.
Sr. presidente, nós somos um paiz pobre, falto de braços e de capitães, cujas obras publicas estão longe de terem tido o desenvolvimento necessario; precisámos de todos os capitães de que podermos dispor para nós mesmos, e portanto não posso, desgraçadamente, dar ás obras publicas no ultramar o primeiro logar que o sr. ministro lhe attribue. Não é que devamos eliminar as obras publicas do nosso programma. Mas o trabalho do politico é o trabalho do dia de hoje. Governar é realisar hoje o aperfeiçoamento mais relevante, para amanhã passar a outro. Edificar é profundar solidamente os alicerces, para sobre elles erigir uma construcção solida, e não levantar muros de gesso sobre um solo movediço.
Este aperfeiçoamento, desde já indispensavel, base fundamental de todo o ulterior desenvolvimento material, é a. reforma das pautas. A esse deve-se dar um logar de primeira ordem, e não póde ser considerado senão abaixo da boa administração.
Tanto para augmentar os ordenados dos empregados das colonias, como para o desenvolvimento das obras publicas, está claro que são precisos meios; é necessario pois crear fontes de receita, porque a nossa posição de paiz, que não póde dispensar nem braços nem capitães, obri-
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gani-nos a ser muito cautelosos do dispendio a fazer, com relação ás colonias, ainda que ellas, sobretudo as de África, sejam muito productivas e ricas. Realmente, a descripção que se faz da feracidade d'esse territorio é tal que nos faz pasmar. Moçambique, por exemplo, segundo dizem os homens entendidos, é uma cornucopia inexgotavel, onde ha quasi todas as producções de África, da America, e do Oriente., e não poucas da Europa. E apesar disso não rende senão um déficit. Eu bem sei que se diz que, para aproveitar e desenvolver todas estas riquezas, são necessarias as obras publicas. Mas havemos de exhaurir a metropole para esse fim? E muito de suppor que um paiz tão opulento pague as suas proprias obras, e não sobrecarregue a velha mãe patria, que, com difficuldade, ganha o seu pão quotidiano.
O facto é que se as colonias não rendem para o desenvolvimento de seus proprios recursos, e porque, no meu entender, o nosso systema de pautas, que até hoje temos adoptado, não o consente. Eu não desconheço, torno a insistir sobre este ponto, a importancia das obras publicas, não desconheço a utilidade que ha em fazer estradas, abrir canaes, melhorar o regimen dos rios, fazer caminhos de ferro, e seria absurdo querer contestar esta utilidade; mas entendo que por onde devemos principiar, e principiar desde já, é pelo principio, é pela reforma pautal.
Essa reforma é que nos ha de dar meios de augmentar os ordenados aos funccionarios e para custear as obras publicas. Eu tenho grande affeição pelas colonias, seduz-me a imaginação, a idéa de fundar um outro Portugal africano, como fundámos um Portugal americano. Uma nação que tenha a nossa lingua, os nossos costumes, a nossa litteratura, que perpetue o nosso nome, e onde, se acaso alguma catastrophe que a Providencia e o nosso esforço desviarão, fizesse desapparecer Portugal do mappa da Europa, ficasse um monumento, mais perenne que bronzes e marmores, dos nossos serviços á causa da religião e da humanidade.
É essa uma idéa grandiosa; comtudo, se bem que eu desejo tudo isto, se bem que queira que se de o maximo desvelo ás nossas colonias, ainda assim não devemos sacrificar a patria ás colonias. Para que estas se desenvolvam por si mesmas, isto é, pelos seus proprios recursos, eu dou a maxima importancia á reforma das pautas, e sobre este ponto desejo que o sr. ministro da marinha me de informações.
Segundo os esclarecimentos que tenho colhido, ha differentes pautas nas nossas diversas possessões. Cada uma tem a sua pauta, o que acho natural; mas o que não é natural é que estas pautas sejam complicadissimas, tendo cada uma de cem a duzentos artigos! Ora ninguem ignora os inconvenientes que traz essa multiplicidade de barreiras, que se levantam ao commercio e á circulação, mesmo nos paizes cultos, onde porem, a actividade e a energia do negociante, as multiplas necessidades do consumidor, as facilidades da producção e a regularidade e illustração fiscal attenuam aquelles obstaculos.
Mas o que será num paiz barbaro, cujos habitantes são pretos, sem os primeiros rudimentos de educação? Porque, em todas as nossas possessões do continente africano não creio que haja mais de 6:000 portuguezes.
E singular meio este para civilisar os pretos, o entrepor entre elles e o mundo uma tranqueira irriçada de defezas fiscaes. Como se as febres africanas não fossem já de per si assas repellentes, nós acrescentamos ainda em seu auxilio o valioso reforço das vexações do guarda barreira.
Não para, porem, aqui o absurdo do nosso systema financeiro nas colonias.
Eu não posso fallar com precisão n'esta materia, porque é muito difficil fazel-o. As alterações succedem-se a miudo, porque o governo providenceia a seu bel-prazer nos intervallos das sessões, e até os governadores geraes tomam medidas de caracter legislativo. Porem o que se póde affirmar é que os direitos de importação variam entre 20, 50 Q mais por cento ad valorem.
É facil de ver que os productos, que hão de ser transportados, com grandes difficuldades, da Europa para qualquer ponto da África, ficam de uma carestia, que parece ter por unico fim o tolher o desenvolvimento commercial.
Ao custo da materia prima, do da mão de obra, ao frete, aos lucros do negociante juntem-se os direitos de 50 e 60 por cento, e faremos uma idéa da maneira por que auxiliámos os trabalhos do colono, e animamos o negro a trocar a tanga pelas calças e a cubata pela casa de pedra e cal.
Mas o desatino aggrava-se ainda pela iniquidade do direito differencial. Este direito consiste no seguinte: as mercadorias que vão sob a bandeira nacional pagam 30 por cento menos do que aquellas que vão sob a bandeira estrangeira. Assim, por exemplo, as mercadorias que mais consumo têem no interior da A'frica são os algodões de que se vestem os pretos. Estes algodões manufacturados provem geralmente de Inglaterra, e quando têem de ser transportados para África, se forem em navios inglezes, hão de pagar mais 30 por cento do que pagariam se fossem transportados em navios portuguezes, o que faz com que venham a Lisboa, a fim de serem baldeados para navios nacionaes, e depois é que partem para o seu destino!
Vou apresentar á camara uma imagem perfeita deste nosso systema pautal.
Supponha a camara que a companhia dos caminhos de ferro de norte e leste publicava uma determinação, em virtude da qual todos os viajantes que tivessem de ir para o Porto, deviam ir primeiro a Eivas esperar pelo comboio que d'ali parte para o entroncamento, para depois seguirem para o Porto, e que, quem não quizesse fazer este passeio, havia de pagar mais 30 por cento. E o mesmo em relação ás mercadorias.
Este é o systema aduaneiro que nós seguimos em relação ás nossas provincias do ultramar.
Este systema não tem outro resultado senão difficultar o commercio, e difficultando-se o commercio difficulta-se a producção, e difficultando-se esta não cresce a riqueza publica, nem com ella os rendimentos da colonia, e dahi resulta como consequencia immediata não se poder pagar ás auctoridades administrativas, nem fazer obras publicas. Nem é com tal systema, se systema se lhe póde chamar, que podemos melhorar as condições em que as nossas colonias se acham sob o ponto de vista administrativo; não é com elle que havemos de attrahir para ellas os capitães e os braços de que tanto carecem, e por muitos que vão, sempre serão poucos, attenta a vastidão d'ellas; não é dizendo a todos os negociantes e productores do mundo, quando querem levar os seus generos aos mercados coloniaes: não podeis entrar nesses mercados, sem mandar as vossas mercadorias para Lisboa, e por esta via seguirem para o ultramar, ou então haveis de pagar 30 por cento mais; não é travando com taes demoras o commercio que promoveremos a prosperidade nas nossas provincias de alem mar.
E perguntarei, que direito temos nós de obrigar o preto a pagar esses 30 por cento mais pelos generos transportados em navios estrangeiros? É essa uma imposição não só contra os principies de economia politica, mas tambem contraria a toda a justiça.
Direi mais, não ha só injustiça, ha insensatez num tal modo de manter relações commerciaes com as colonias, e neste ponto podiamos nós dar lições ao mundo inteiro.
Fomos já senhores absolutos e tivemos o monopolio do commercio do Oriente e do Brazil, como hoje queremos ter o da África, só com a differença que noutro tempo este monopolio era exercido unicamente pela coroa, ou por aquelles a quem ella dava tal concessão; hoje por via d'estes favores, o monopolio é exercido por certos capita-
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listas nacionaes abastados, mas o principio é o mesmo; hoje não ha o exclusivo directo e formal que havia no seculo XVI, mas indirectamente chega-se ao mesmo resultado por via dos 30 por cento sobre os generos que vão para ali em navios estrangeiros. Já tivemos, digo, o monopolio do commercio da Ásia com as suas valiosissimas riquezas em especiarias e sedas, pedras preciosas, com os productos mineraes, manufacturados, e agricolas d'aquelles vastos territorios da india, China, Japão, Persia e Arabia.
Tivemos conjunctamente o monopolio do Brazil e da África, isto é, o monopolio do commercio de a metade do mundo. O que nos resultou porem d'ahi? A pobreza e habitos de imprevidencia.
E em ultima analyse é essa sempre a consequencia desta legislação egoista,, tão condemnada pela experiencia como pela sciencia e pela justiça.
Exemplos da ordem d'aquelles que temos em casa bastariam ao simples bom senso para abandonar uma prática tão prejudicial para os colonos, como para a metropole.
É preciso que exploremos a África no sentido geographico, mas não no sentido ante-economico.
Portanto, eu entendo que a primeira cousa de que devemos tratar é de reformar as pautas coloniaes. O desideratum consistiria em reduzir todos, os artigos a. cinco ou seis com o direito minimo de 10 por cento, e abrir francamente os portos sem os taes direitos differenciaes; mas as pautas não se reformam, e o sr. ministro começou com as obras publicas. Quem é que vae fazer uma canalisação sem ter aberto o manancial? Quem é que vae adubar uma terra sem a ter arroteado? O sr. ministro mandou já para o ultramar duas commissões de engenheiros, e levantou um emprestimo de 1.000:000$000 réis para fazer face ás despezas com os, caminhos de ferro e outros melhoramentos; mas de que vale tudo isto?. É uma gota de agua no Sahara.
Eu desejava convencer o sr. ministro da marinha de que primeiro se deviam reformar as pautas, e depois se trataria das obras publicas. Ha dez annos que anda uma commissão a trabalhar na reforma, das pautas, e nada apparece n'este sentido; portanto, duvido tambem que appareça a reforma da pauta de Moçambique, como s. exa. prometteu para esta sessão legislativa.
Supponha s. exa. que se tinha conseguido a construcção de caminhos de ferro estradas, portos de abrigo, canaes, a costa illuminada por pharoes, os rios navegaveis, cães com guindastes a. vapor, docas e armazens; mas se não ha mercadorias que entrem, e circulem para que serve tudo isto? A não ser para collocar as colonias n'aquella situação de Sancho Pança na ilha Baratoria, sentado a uma mesa esplendidamente adereçada e com rica baixella,. mas sem se lhe permittir tocar uma unica iguaria. As iguarias passavam-lhe, diante dos olhos como agora acontece ás nossas, colonias africanas, diante de cujos portos passam os. navios carregados que navegam para. as indias, e que por ali poderiam facilmente fazer escala.
Das colonias, sr. presidente, tira-se proveito. Não procurando fazer monopolio no seu trafego, mas tornando-as accessiveis ao commercio e á civilisação do mundo inteiro. A metropole lucra pelo estabelecimento ali de seus fiámos, pela implantação dos seus costumes e da sua lingua, de maneira que uma parte da riqueza colonial se derive espontaneamente para a metropole. Uma colonia não é; uma charneca do Alentejo, de quem só o seu dono tem direito a tirar a minguada renda.
A minha opinião, sr. presidente) é que, em vez do medo com que as colonias se. preservam do contacto estranho, para ellas se devem convidar todas as intelligencias, braços e capitães, venham elles donde vierem. E o que. devemos não só. ao nosso interesse, mas, o que importa mais. que elle, á civilisação, da raça africana, para com a qual, a Europa está empenhada, perante a justiça divina, em uma completa reparação pela crueldade de Cain que com ella, usou durante seculos.
A missão do homem politico, sr. presidente, não consiste nem em repousar á sombra de recordações historicas, nem em devanear no porvir a possibilidade de grandes, venturas, mas em, recordado do passado e com a vista no futuro, tratar do presente. Ora o que p presente offerece de mais urgencia em relação ás colonias é o derribar as barreiras de que a legislação fiscal as tem cercado.
O sr. Carlos Bento: - Sr. presidente, pouco direi, porque o meu estado de sau4e mo não permitte, não deixarei todavia de apresentar algumas considerações sobre, o assumpto.
Eu julgo que o sr. ministro dos estrangeiros fez muito bem em apresentar os documentos officiaes, que provam contra a injustiça feita a algumas das auctoridades portuguezas na África.
A apresentação d'esses documentos é importante, refutando tão cabalmente as asserções, e num dos principaes jornaes inglezes podemos offerecer aos que nos accusam a mais insuspeita refutação e resposta a essas accusações.
Sr. presidente, eu entendo que nós não podemos ser solidarios, nem q governo, nem nós, pelos excessos praticados por qualquer auctoridade subalterna.
Sr. presidente, exige-se aos governos toda a qualidade de providencias, que nem sempre favorecem absolutamente o interesse geral do. paiz e o sobrecarregam com excesso de despezas. Por exemplo - exigiu-se ha pouco tempo que se formasse uma companhia de navegação nacional para regularisar as nossas communicações com as colonias que nos pertencem; havia de ser por forca uma companhia de transportes, sob a bandeira nacional e em que tomassem parte capitalistas d'este paiz.
Não creio que seja de grande vantagem para o estado ter a bandeira nacional nos navios que nos communicam com as provincias ultramarinas, sujeitando-se a ser credor de sommas importantes, como ha pouca aconteceu com uma companhia para identico fim, protegida; pelo governo, acto de que me cabe a responsabilidade e a muita gente, ainda que com os melhores desejos possiveis.
Acho, pois, que o sr. ministro da marinha fez muito bem, em contratar com uma companhia estrangeira o estabelecimento das nossas communicações maritimas com Moçambique, mantendo-se a devida regularidade, porque é essa regularidade que constitue uma verdadeira vantagem de administração para a metropole e para as colonias.
Alem de que, uma companhia estrangeira tem mais meios de effectuar regularmente uma navegação a pontos mui distantes, ha tambem a considerar que o paiz não tem de dar subsidio que teria de dar a uma companhia que se; organisasse de novo, que estava sujeita a immmeras contingencias e poderia, influir muito para aggravar a crise commercial, pois se requeriam capitães de diversos bancos, a fim de crear o fundo necessario.
Estas reflexões, creio não serem superfluas, porque, servem para dar força ao sr. ministro do ultramar quando,, se lhe apresentem exigencias, aliás inspiradas por muito bons desejos, mas que o interesse do estado, aconselha a que sejam repellidas.
Eu não posso abusar da paciencia, da camara, e por isso limito-me a estas- simples indicações.
De passagem direi a uma observação do meu collega, que ella prova bem como um falso principio póde destruir, os interesses que se pretendem salvaguardar.
Fallo dos direitos differenciaes.
Na opinião, de um cavalheiro distincto, que foi ao ultramar inspeccionar diversos, serviços d'aquellas provincias, a conservação do direito differencial que existe, fez perder á provincia de... um rendimento de 50:000$000 reis, e em vista do desenvolvimento que ultimamente tem tido, o, prejuizo, devêra calcular-se em, 100:000$000 reis.
Sirva de exemplo o que nos diz, uma cavalheiro que tem
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assento n’esta casa, o sr. visconde da Praia Grande, que encontrou na provincia do seu governo um artigo que só exclusivamente podia ser transportado para a metropole, resultando d’esse exclusivo não só o prejuizo dos interesses do paiz, mas do proprio thesouro. O sr. visconde da Praia Grande, acabando com o exclusivo, deu logar a que a exportação se desenvolvesse em proporções superiores áquellas a que até então se faziam, o que deu em resultado, em um curto espaço, o augmento do rendimento em 60 por cento.
N’estas medidas porém, que podem affectar os rendimentos do estado, deve haver certa prudencia, para que se não vá affectar os interesses geraes do paiz.
Antes de quaesquer modificações das pautas deve cuidadosamente examinar-se se da medida podem advir inconvenientes para a receita publica, tanto mais que no ultramar ha muita difficuldade em poder recorrer a outros meios de imposto, que não sejam os rendimentos da alfandega.
Lá fora estes assumptos são sempre tratados com a maxima circumspecção.
O governo inglez foi interpellado sobre se tinha duvida em diminuir em Malta e em... os direitos das subsistencias, como o arroz e... A esta interpellação respondeu negativamente, declarando que o não faria emquanto não soubesse se essa diminuição comprometteria o rendimento do estado.
Com referencia á India, sendo pedida a diminuição dos direitos que pagam as manufacturas inglezas em prejuizo dos interesses da propria metropole, declarou que não podia satisfazer ao pedido, porque da diminuição d’esses direitos adviriam prejuizos de 800:000 libras para o rendimento das indias, e portanto que não tomava a responsabilidade de provocar esse desfalque.
Por consequencia, entendo que o governo não deve desprezar, como não despreza, a primeira consideração que deve ter em vista na escolha do pessoal administrativo para as nossas provincias ultramarinas, porque a boa escolha das pés soas para a administração d’essas provincias póde substituir tudo o mais, e tudo mais não póde substituir o pessoal idóneo e competente. A escolha dos governadores é um ponto importantissimo, e n’estes ultimos tempos, honra seja feita aos differentes governos, tem havido mais esmero n’essa escolha. Principiou a dar o exemplo n’esta parte um homem que infelizmente já não póde causar invejas a ninguem; fallo no sempre chorado marquez de Sá da Bandeira, o qual tinha tanto cuidado na escolha das auctoridades superiores para o ultramar, que talvez até fosse taxado de demasiado escrupuloso, tal era a solicitude d’aquelle nobilissimo caracter para com as colonias e interesses que a ellas se ligam. O seu maior empenho era achar homens capazes e com toda a competencia para aquelles logares, e isso mostra os elevados sentimentos d’aquelle espirito superior, que deixou um eterno monumento de si nos seus actos, escriptos e trabalhos, que são a resposta mais victoriosa que se póde dar a todos que duvidam de que n’esta terra haja quem saiba desposar as idéas mais nobres e civilisadoras, as cousas mais uteis e sympathicas, e ponha acima de todas as ambições e interesses mesquinhos o bem da humanidade. (Apoiados.)
Vozes: — Muito bem,
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros e interino da Marinha: — Disse eu antes de se encetar este debate, que era difficil responder de prompto ás variadas questões de que se podiam occupar os dignos pares com relação ás colonias; mas que todavia estava á disposição de s. exas. para dar todas as explicações que me fosse possivel dar n’esta occasião. Effectivamente os dignos pares nos seus mui desenvolvidos discursos não trataram de um ou dois assumptos restrictos, mas de multiplicadas questões que abrangem nada menos que toda a administração colonial nas suas mais variadas fórmas e complicados problemas, e d’ahi se segue que, por maior que seja a minha vontade de satisfazer aos desejos de s. exas., de certo nas circumstancias em que me acho n’este momento não o poderei fazer cabalmente. Comtudo, por deferencia para com v. exa., para com a camara e para com os dignos pares que me pedem esclarecimentos, e para cumprir com o meu dever, esforçar-me-hei por dar as explicações que me seja possivel dar, tendo em vista principalmente indicar bem a minha maneira de ver a respeito da questão colonial, reservando-me para mais tarde e em occasião opportuna occupar-me minuciosamente d’ella.
Não me referirei ás observações que fez o sr. Costa Lobo sobre a importancia que de dia para dia estão tomando os assumptos que dizem respeito ao vasto e productivo continente onde possuimos extensas colonias como nenhuma nação possue. É fora de duvida que a Africa está chamando a attenção de todos os governos e de todos os paizes, pelas rasões que o digno par indicou, sobretudo por áquellas que resultam da necessidade absoluta que têem cada vez mais as populações que se acham comprimidas na Europa de se expandir por vastas regiões em que encontrem os meios de producção necessarios para desenvolver a sua riqueza, onde possam occupar vantajosamente a sua actividade e assegurar o seu bem estar, e o dominio do homem sobre a natureza, que é um dos maiores progressos que tem feito o presente seculo.
Ha porém muito que vencer, e por isso tambem ha muito que combater: ha as difficuldades que offerecem um territorio quasi desconhecido, a variedade e natureza do clima, as raças humanas que occupam áquellas regiões e que em muitos pontos se têem mostrado sempre recalcitrantes a toda a tentativa de civilisação; ha a necessidade de transportar para ali os variadissimos instrumentos de riqueza e de trabalho de que o homem póde dispor na Europa, e que faltam absolutamente no continente africano; é preciso, n’uma palavra, crear muitos dos elementos indispensaveis para levar a effeito o grande emprehendimento de fazer entrar a civilisação na Africa. Nós, que possuimos ali tão dilatados dominios, não podemos ficar indifferentes a esse movimento que se levanta na Europa e tem por objectivo aquelle continente. Ainda que não seja senão por dignidade nossa como nação civilisada e civilisadora temos obrigação de nos preoccupar com a sorte das nossas colonias.
É isso, sr. presidente, o que ha muito tempo fazemos, e que de dia para dia se faz com mais intensidade. ha muitos annos que um homem, a todos os respeitos notabilissimo n’esta terra, e que infelizmente já não existe, se occupava dos negocios da Africa, e occupava-se d’elles com aquelle amor entranhado que consagrava a todos os negocios da sua patria.
Quando a Africa era completamente uma incognita geographica, nós estendemos por ella a navegação, e passeia-mos por todo aquelle continente para chamal-o á civilisação, e chegando n’esse empenho ao interior do Congo e da Abyssinia, e a todas as partes aonde os viajantes modernos vão fazer descobertas, que nós já tinhamos feito antes d’elles.
Para cumprirmos hoje a nossa obrigação, são precisos recursos, muitos recursos. Nós não somos ricos, mas o que não se vence de uma vez pela falta de abundancia de recursos, vence-se com o trabalho, se soubermos seguir o traço luminoso que nos deixou o nobre marquez de Sá. Eu; esforço-me em seguil-o, passo a passo, e julgo-o meu mestre.
Se soubermos seguir constantemente esse caminho, que elle nos deixou traçado, havemos de ganhar a posição a que temos direito, não só pelo nosso trabalho, mas pelo amor que temos á civilisação.
Se somos accusados de não podermos fazer tanto como devemos, cumpre-nos proceder de modo que possamos asseverar, que fazemos tudo o que está era nossas forças, e que estamos promptos a executar as indicações impostas pela nossa posição e tradições.
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Por este motivo não lamento que os nossos maiores alargassem as suas navegações e conquistas, como o digno par pareceu que lamentava. Não acho que fosse nenhuma infelicidade possuirmos tão grandes dominios. Não creio que possa ser considerado como uma desgraça o facto de ter de levar a acção civilisadora a tão extensos territorios, nem que se deva considerar como uma calamidade o termos de sustentar perante as outras nações da Europa as nossas tradições de primeiros descobridores e de mestres da navegação.
São tão grandes as vantagens que resultam das abençoadas descobertas e conquistas dos nossos maiores, que estou persuadido, que, se não podem ser julgadas suficientes para manterem illesa a independencia portugueza, o glorioso o nome de Portugal, ou pelo menos extremamente respeitado, constituem comtudo a sua pagina mais brilhante na historia da Europa, e parecem quasi um milagre, se se olhar para os pequenos recursos de que dispunhamos.
Temos hoje de completar essas conquistas por meio da civilisação, e é do que se trata.
Quando comecei a ouvir o sr. Costa Lobo, pareceu-me que, entre s. exa. e a minha humilde pessoa, havia grande differença de opiniões, mas por fim entendi que estavamos mui perto um do outro. Com o que não concordava, s. exa. era com classificação dos assumptos, e com a ordem que segui. Ora, eu não ligo interesse nenhum á classificação, nem á ordem por que me referi aos assumptos, nem essa ordem significa que aquelles de que fallei em primeiro logar sejam aquelles que deviam ter a primazia.
Eu fallei nos assumptos conforme me occorreram á memoria, pondo de parte toda e qualquer idéa de ordem na sua successão, porque eu não podia fallar em todos ao mesmo tempo. Por consequencia já se ve que não tem importancia absolutamente nenhuma a ordem que segui na referencia ás questões que tratei; e só direi, n’esta parte, que eu ponho as questões moraes acima das matcriaes, e as rasões que tenho para isso é porque supponho que a primeira das condições para civilisar a Africa é ensinuar áquella população a fé, mostrar-lhe a verdade, e dar-lhe o ensinamento moral de que tanto carece. (Apoiados. — Vozes:— Muito bem, muito bem.) E por isso que eu quero missionarios; mas como se faz essa preparação demissionarios, pergunta-se? Faz-se nos seminarios. Mas nós temos seminario especial para ultramar? Temos, e esse seminario, como todas as instituições novas, ha de levar muito tempo a aperfeiçoar e desenvolver para ser productivo. Se o digno par quizer informar-se d’este particular, saberá que todos os annos um numero consideravel de missionarios sáe d’aquelle estabelecimento para Africa, onde vão servir tão bem os interesses do paiz como os interesses da religião e da civilisação. Não vão tantos missionarios como deviam ir em vista do nosso vasto dominio, mas já vão em bastante numero; não são tantos, repito, como seria para desejar, mas estas cousas levam muitos annos a conseguir; é preciso muito tempo para crear um abundante viveiro de homens de dedicação, que tenham a capacidade, a instrucção e todas as condições necessarias para desempenharem a sua difficil tarefa, e conseguirem os resultados desejados. A frente d’aquelle estabelecimento está um homem, cujo caracter todos respeitam, e cujas qualidades eminentes para aquelle nobre encargo ninguem póde desconhecer. Alem d’isso todos os governos têem procurado melhorar successivamente aquelle estabelecimento, que mais tarde ha de haver precisão de ser transferido para logar mais espaçoso, onde possa caber maior numero de alumnos.
Mas como se obtem esse augmento de concorrencia? Obtem-se abrindo a porta a todos que têem vocação, levando áquelle seminario todos aquelles que desejem dedicar-se ao serviço da religião, fornecendo aos que precisem os auxilios necessarios para a sua sustentação, vestuario, e para a sua completa instrucção e educação, procurando, mas não forcando ninguem a proseguir n’uma carreira de que mais tarde se póde arrepender, como ha provas numerosas. Não se criam missionarios, preparam-se, e o meio de conseguir isto, como já disse, é abrir seminarios.
Mas diz o digno par: «é melhor ter missionarios indigenas na Africa, missionarios negros».
Sr. presidente, nós temos seminario em Cabo Verde, temos seminario em Angola, e felizmente póde conseguir o prelado de Moçambique que se creasse tambem ali um seminario; e de todos estes pontos saem ou podem sair missionarios nas condições exactamente que o digno par indicou.
Portanto, tambem n’esta parte estamos de accordo. Somente o digno par queria que se fizesse tudo isto mais depressa; tambem eu queria; mas não conheço outro meio para conseguir este resultado senão o que está posto em pratica.
Depois d’isto disse s. exa. que, antes das obras publicas e tudo o mais, é preciso a reforma das pautas; mas essa questão já se está tratando.
Disse tambem s. exa. que é preciso reformar a administração publica, e indicou como meio de obter uma boa administração pagar largamente aos funccionarios; mas para isso é preciso ter dinheiro, e não se póde fazer de um jacto que o haja.
As colonias, n’um certo periodo, careciam de auxilio da metropole; hoje vão vivendo com os proprios recursos; todavia precisam de auxilio e conselho sobre os seus meios de administração, precisam de estar ligadas com a mãe patria, porque para isso é que ella é mãe, para as proteger por todos os modos possiveis, como as mães protegem e aconselham os seus filhos.
Dizia ainda agora o sr. Carlos Bento qual era o sentimento de desvello e escrupulo com que o sr. marquez de Sá da Bandeira escolhia os funccionarios para o ultramar.
Esse sentimento que era admiravel no illustre varão de saudosissimas lembranças nossas, não se apagou no coração dos homens que se occupam actualmente de bem servir o seu paiz.
Posso dizer que estão hoje á frente do governo das nossas principaes colonias, individuos zelosissimos no desempenho dos seus deveres, e que são modelo de probidade e honra.
Em muitos dos governos subalternos se encontram homens notaveis pela sua intelligencia, pelo seu saber e pelo seu caracter; lembrarei, por exemplo, o filho do sr. conde de Thomar, official distinctissimo educado na marinha ingleza, com costumes e habitos perfeitamente apropriados para servirem de typo de prudencia e systema; lembrarei tambem outro official não menos distincto, governador de Lourenço Marques, o sr. Castilho, homem de sciencia, que os inglezes respeitam muito.
Pois o discurso que o digno par o sr. Costa Lobo leu ha pouco, quando fallou, não mostra o interesse com que, para assim dizer, o sr. Almeida e Albuquerque quereria desde o primeiro dia em que" chegou a Angola, ver n’aquella provincia tudo transformado e melhorado?
E a proposito referir-me-hei a uma nova medida, que indica bem qual é o caminho que vae seguindo a nossa administração colonial, e que, por falta de pessoal, só no anno passado se póde conseguir pôr em pratica; fallo da junta geral:
Falta o pessoal, mas em Angola o anno passado, e este anno tambem, já se reuniu a junta geral e realisou trabalhos que a camara ha de ter occasião de apreciar, pois os mandei imprimir para serem presentes ao parlamento, e por elles verá que ha n’aquellas terras quem se occupe de questões de administração, e que não foram estereis os
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esforços que o governo fez para que se reunissem as juntas geraes, discutissem e formulassem os seus desejos.
Póde dizer-se que n’aquella colonia se reuniu já um pequeno parlamento que se póde pôr a par dos parlamentos coloniaes das nações mais adiantadas na organisação da sua administração interior.
Disse o digno par que as auctoridades que estrio á frente do governo das colonias têem nos concelhos do interior agentes ou governadores subalternos, que são individuos incompetentissimos para occuparem esses cargos, que são meio militares e meio paizanos, mas que servem para tudo e fazem tudo, não obstante a sua incapacidade, e d’ahi resultam graves inconvenientes.
Que quer. porém, s. exa. que os governadores geraes façam, se lá não têem mais ninguem? Não se póde fazer tudo de repente, é indispensavel ir pouco a pouco; remediar todos os males de uma vez é impossivel.
É necessario attender a que não ha muito quem tenha capacidade para exercer bem esses cargos, e ao mesmo tempo se preste a ir servil-os, ainda que offereçamos larga remuneração; e nós não podemos obrigar ninguem a, ir fazer um serviço de tal natureza como esse de ir administrar os concelhos interiores.
N’esta parte temos uma grande procura e uma limitadissima offerta, ao passo que é grande a escassez de homens nas condições precisas para desempenhar aquellas funcções, é indispensavel que ellas se façam.
N’estas circumstancias o que temos a fazer é ver se podemos conseguir dispor as cousas de modo que a offerta cresça na proporção da procura, e para que isso aconteça, para que se encontre facilmente quem queira ir exercer os logares subalternos, tendo a instrucção e aptidão precisas, é necessario primeiro que tudo levar a civilisação, pelo menos nos seus rudimentos mais essenciaes, a esses pontos interiores das nossas possessões, e facilitar a essas auctoridades subalternas o estarem em communicação constante com a administração central da colonia e com as suas familias e patria.
Para isso servem as obras publicas, alem de servirem para outras cousas não menos importantes, como é acabar com os denominados carregadores, que é uma das condições que têem mantido por mais largos annos a escravidão na Africa; substituindo esses carregadores pelos meios de que na Europa se faz uso para o serviço que elles desempenham.
Se não se fizerem estradas ou caminhos de ferro baratos, quando estas se não possam fazer com vantagem; se não se melhorar a navigabilidade dos rios, e se não se proceder a outros melhoramentos, não podem deixar de haver os carregadores, ou então ha de deixar de haver commercio, o que é impossivel. Todas essas obras evitarão um grande desdouro para nós, que é o existirem ainda nas nossas colonias homens que fazem as funcções de animaes de carga, não fallando já nos outros resultados uteis que deverão dar as obras publicas, e nas enormes vantagens que proporcionarão ao commercio facilitando a circulação, se ao mesmo tempo empregarmos outros meios não menos efficazes para attrahir ás nossas colonias o commercio do inundo. Um d’esses meios é sem duvida a reforma das pautas, para acabar com os obstaculos que estão levantando ao commercio. Não quero dizer com isto que existe realmente o monopolio, como noutro tempo, mas existe um mal grave que resulta de serem as pautas extremamente elevadas. Já tive occasião de dizer na outra casa do parlamento o que pensava a este respeito, isto é, que julgo indispensavel a reforma d’essas pautas.
E a proposito lembrarei ao digno par, em cujas palavras me pareceu ver uma especie de censura á commissão que foi encarregada de estudar essa reforma e propor sobre esse assumpto o que mais acertado julgasse, que essa, commissão não existe ha dez annos, como disse s. exa., más simplesmente ha tres ou quatro mezes, e é seu presidente um dos homens mais zelosos que se podiam encontrar, refiro-me ao sr. conselheiro Nazareth, cuja aptidão todos reconhecem, que é incansavel, que tem sempre muita pressa, e não sabe o que é vagar. Se o sr. Nazareth estivesse a presidir a uma commissão que levasse dez annos sem apresentar trabalho algum, de certo já teria morrido de frenesi; por consequencia posso assegurar ao digno par que não ha de haver demora na conclusão dos trabalhos da commissão a que me referi, e que espero brevemente poder trazer ao parlamento alguma proposta no sentido de melhorar o systema pautai das colonias, a qual não póde ter por fim, como indicou o sr. Carlos Bento, senão o abaixamento racional d’essas pautas. Mas não podemos deixar ao mesmo tempo de considerar que este negocio é summamente grave, e que se deve andar n’elle com toda a prudencia.
Com esta reforma deve coincidir uma medida de não menor importancia, refiro-me á necessidade de multiplicar os portos,, sobretudo em Moçambique, de modo que o commercio possa chegar sem difficuldade a todos os pontos d’aquelle vasto territorio.
Por estes meios estou certo que ha de melhorar a situação do commercio ali.
É preciso modificar as pautas e augmentar os portos, disse eu. Para augmentar os portos é necessario estabelecer ali os meios necessarios de abrigo e as garantias indispensaveis aos navegadores. Para isso um dos systemas que se indica e crear pequenos fortins ou depositos, onde as mercadorias possam ser guardadas, e onde o negociante não seja roubado nem assassinado.
As obras publicas de que se trata são as necessarias para produzir estes resultados, e assim desenvolvendo por esta fórma as prosperidades das colonias, habilitamo-nos a poder-lhes dar melhor administração.
Por isso talvez aconteceu fallar eu em primeiro logar das obras publicas; e continuo a consideral-as como um dos mais importantes elementos para o desenvolvimento das colonias.
Eu concordo com o digno par, em que 1.000:000$000 réis para as obras de que carecem as nossas provincias ultramarinas, é um copo de agua no oceano. Mas o que quer s. exa. que se faça? Por muito ricos que fossemos não podiamos fazer tudo de repente.
E preciso primeiro começar, para depois proseguir, e d’esta fórma depois dos 1.000:000$000 réis virão outros e outros destinados para aquelle fim, segundo as circumstancias o forem permittindo.
Uma das cousas que todos lamentam é o povoarmos as colonias com os degredados. Se elles, porém, não fossem para lá, não havia a maior parte das vezes um operario habil a que se podesse recorrer. É uma desgraça que seja assim, confesso-o, mas de que meios podemos dispor para o evitar? Dar ás obras publicas o maximo desenvolvimento, enviando para lá operarios a quem possamos convenientemente remunerar, os quaes, alem do trabalho que lhes incumbe, desempenhem, quantas vezes inconscientemente, a missão de civilisar pelo exemplo e habito do trabalho os indigenas, que ainda o olham com desamor.
Nas expedições devem considerar-se não só os meios de melhoramento, que são incumbidas de realisar, mas os de propaganda moralisadora.
Assim pois o desenvolvimento das obras publicas não póde deixar de considerar-se como um dos meios mais civilisadores para o desenvolvimento das colonias.
São uma gota de agua esses 1.000:000$000 réis, é certo, mas deverão successivamente ser, como disse, seguidos por outros, considerando-se as despezas de agora como prologo ou introducção d’esses melhoramentos.
Emquanto a dizer-se que na nossa terra ha falta de braços e de capital, eu devo dizer que effectivamente ha falta de braços, porque a maior parte emigra para terras estranhas. Ora deixará de haver essa falta, se podermos
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desviar a emigração, fazendo com que elles procure as nossas colonias em vez dos outros paizes.
Eu não sou contra a emigração, como muita gente, e tenho boas rasões para isso.
Em algumas nações bastante adiantadas não só se não prohibe a emigração, mas trata-se de a fomentar, com o fundamento de que aonde vae um individuo d’essa nação vae a sua lingua, e por consequencia a sua influencia.
Este assumpto porem não vem para aqui, para que mais largamente o possa desenvolver.
Nós não temos braços para as colonias, porque os emigrantes se dirigem a buscar a riqueza em outros paizes.
Seria infinitamente curioso fazer-se uma estatistica de quanto custou cada um d’esses que volta rico.
Por outro lado não temos capitães. Mas, sr. presidente, os capitães destinados para obras publicas nas nossas colonias teem uma origem tal que não trazem encargo algum para o thesouro da metropole; e a rasão é simples é que nas colonias cobra-se um imposto de 3 1/2 ad valorum na entrada e saída de mercadorias, e o producto d’esse imposto tem applicação exclusiva áquelles melhoramentos. Em Angola, por exemplo, este rendimento sobe a oitenta e tantos contos annualmente, mas apenas chega para concertos nas casas dos quarteis ou levantar alguma parede dos armazens da alfandega, ou qualquer outra obra de pequena importancia.
Está claro que muito maior desenvolvimento se poderia dar ás obras publicas n’aquella provincia, considerando o referido rendimento como juro e amortisação de um emprestimo para esse fim levantado, sem comtudo pesarem os seus encargos nem sobre a metropole nem sobre a colonia, que continua a pagar os mesmos 3 por cento de imposto e realisa successivamente as obras publicas de que mais carece para se desenvolver.
Eis aqui por que, respeitando eu muito as observações expostas, não as julgo inteiramente poderosas para me convencerem a mudar de opinião.
O orador não reviu o seu discurso.
O sr. Presidente: — Está terminado este incidente.
Vamos proceder á eleição de um membro para a commissão especial, que tem de dar parecer sobre a proposta do sr. conde do Casal Ribeiro, para a reforma d’esta camara.
Convido os dignos pares a prepararem as suas listas.
(Pausa.)
Feita a chamada, e realisada a votação.
O sr. Presidente: — Convido os dignos pares marquez de Penafiel e visconde da Praia para virem servir de escrutinadores.
Corrido o escrutinio, verificou-se terem entrado na uma 24 listas. Saiu eleito o sr. Barjona de Freitas com 21 votos.
O sr. Presidente — Não ha numero na sala. A primeira sessão será na proxima terça feira, 27 do corrente.
A ordem do dia é a discussão dos pareceres n.ºs 197, 198 e 200.
Está levantada a sessão.
Eram cinco horas.
Dignos pares presentes na sessão de 24 de fevereiro de 1877
Exmos. srs.: Marquezes, d’Avila e de Bolama, de Fronteira, de Monfalim, de Penafiel, de Sabugosa, de Vallada; Condes, do Bomfim, de Cabral, do Casal Ribeiro, da Fonte Nova, da Louzã; Bispos, do Porto, de Vizeu, Viscondes, de Bivar, de Fonte Arcada, das Laranjeiras, de Monforte, de Porto Covo, da Praia Grande, da Villa da Praia, do Seisal, da Silva Carvalho, de Soares Franco, de Villa Maior; Barão de S. Pedro, D. Affonso de Serpa, Agostinho Ornellas, Moraes Carvalho, Mello e Carvalho, Gamboa e Liz, Barros e Sá, D. Antonio de Mello, Serpa Pimentel, Costa Lobo, Barjona de Freitas, Xavier da Silva, Palmeirim, Carlos Bento, Custodio Rebello, Sequeira Pinto, Moraes Pessanha, Corvo, Martens Ferrão, Reis e Vasconcellos, Vaz Preto, Franzini, Menezes Pita.