94 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
vindo-me de uma expressão usada entre os militares, direi que a despeza tem furtado muitas marchas á receita.
Quando esteve no ministerio, em 1860, o meu respeitavel amigo o sr. conde do Casal Ribeiro, o rendimento do estado era approximadamente metade do que é hoje.
Parecerá á primeira vista que o augmento da receita, que tem havido desde então para cá, é devido só á elasticidade do imposto, em resultado do desenvolvimento da riqueza publica; pois não é assim, em absoluto.
Esse augmento de receita não constitue um facto proveniente da elasticidade do imposto, porque elle é devido tambem em parte consideravel aos esforços do honrado cavalheiro a que acabo de me referir, e aos diversos ministros da fazenda que succederam a s. exa., os quaes, mais ou menos, têem concorrido para elle por meio da creaçao de novos impostos.
Isto demonstra que os governos têem achado um pouco tardio o progresso da receita em virtude da elasticidade do imposto, e se têem visto obrigados a recorrer a outras fontes de receita de mais prompto resultado.
É assim que sendo em 1860 a receita do pouco mais de 12.000:000$000 réis, está hoje duplicada, concorrendo para isso o producto de novos impostos n'uma somma que é superior á metade da importancia do augmento que tem tido a nossa receita.
Já se vê que se fossemos a esperar o augmento ao imposto calculado pelo desenvolvimento da materia collectavel, nós hoje apenas teriamos mais um decimo do rendimento do que temos na realidade; e isto mesmo está em harmonia com o que diz o relatorio do illustre ministro da fazenda.
Não ha nada que forneça tantos argumentos dissuasorios como a impugnação de qualquer imposto de que se proponha a creação ou o augmento; mas se é verdade que o augmento do imposto encontra sempre protestos energicos, não acontece o mesmo com qualquer augmento de despeza; isto encontra sempre apologias quando se propõe; e do resultado, que se vê depois no orçamento, é sempre o pobre ministro da fazenda a victima expiatoria.
Por isso nós devemos sempre sympathisar com qualquer ministro da fazenda, porque é elle quem faz ou deve fazer maior resistencia para não aggravar o estado das finanças do paiz; tem sempre que lutar com as exigencias, até dos proprios collegas dos outros ministerios.
E tão importante e pesado é o cargo do ministro da fazenda, que até em Italia se julgou agora necessario dois ministros da fazenda; alem do presidente do conselho, que é ao mesmo tempo ministro da fazenda, creou-se um outro ministro da fazenda, a que se chama ministro do thesouro.
Ordinariamente todas as vezes que se apresenta a perspectiva de qualquer receita nova pelo ministerio das obras publicas, é preciso conhecer-se que essa receita traduz-se quasi sempre primeiro n'uma despeza maior e immediata.
Ora, dizia eu que esta situação desfavoravel da fazenda publica era uma situação que devia chamar a attenção das camaras e do paiz, sempre tão avido em melhoramentos; e sobre tudo os homens praticos deviam entender que a exigencia d'esses melhoramentos se devia sempre conter dentro de certos limites, embora no futuro productivos, e que ao mesmo tempo que se decretassem, se devia crear nova receita para fazer face aos encargos immediatos que trazem ao thesouro.
Não acontece porém assim, e mais de um ministro da fazenda tem reconhecido os inconvenientes d'essa falta, motivo por que mais de uma vez se tem recorrido á nomeação de commissões externas.
Entre nós é quasi um objecto de irrisão fallar agora em tal; diz-se que de nada servem, não se tira partido algum d'ellas. Não é assim em toda a parte.
Todavia, homens importantissimos d'este paiz têem recorrido á nomeação de commissões de fazenda externas.
Em 1841, o sr. duque de Palmella tornou-se presidente de uma commissão então nomeada para tratar da questão financeira.
Do relatorio d'essa commissão, trabalho o mais completo que existe publicado sobre finanças e organisação administrativa do nosso paiz, adoptou s. exa., sendo ministro da fazenda, muitas disposições vantajosas; n'essas disposições incluia-se uma, que infelizmente não tem sido muito observada, e era a de que não se creasse despeza sem se votar a receita necessaria para lhe fazer face. Este principio, que parecia principio de rotina, tem sido considerado apenas como verdadeiro paradoxo financeiro, se attendermos ao que se tem praticado.
Subsequentemente nomearam-se mais commissões externas, e o resultado d'ellas não parece haver sido inteiramente desfavoravel.
Em 1846, sendo ministro da fazenda o sr. duque de Palmella, nomeou outra commissão externa. Essa commissão, na presença das maximas difficuldades politicas por que póde passar um paiz, havendo quasi desapparecido a acção centralisadora do governo, pela independencia das localidades; essa commissão, repito, adoptou medidas rigorosas, mas conseguiu um resultado importante, e foi que providenciando duramente em relação á divida externa, fez com que os nossos credores não apresentassem nem uma só reclamação a esse respeito.
Mais tarde, o actual presidente do conselho de ministros, o sr. Fontes Pereira de Mello, accedendo a uma indicação do sr. duque de Loulé, entendeu que devia tambem nomear uma commissão de fazenda externa.
Tudo isto, que venho dizendo, serve para affirmar que sem o concurso de todas as pessoas competentes, seja qual for a sua parcialidade politica, difficilmente se poderá melhorar a situação em que nos achamos, que, ainda assim, offerece vantagens sobre outras que se têem passado, algumas das quaes não me faltou occasião de examinar de perto. Incontestavelmente houve crises muito mais violentas, houve depreciação do preço dos fundos, chegando estes a 27 ou 28 por cento; mas a verdade é tambem que essas situações apresentavam caracter agudo, e a situação actual tem caracter caronico, e eu não sei de onde póde vir damno maior, se de umas, se de outra.
É muito conveniente não se pagarem juros tão elevados como se pagavam em algumas occasiões; mas não é menos certo que existia permanentemente e augmenta sempre a divida fluctuante, e o orçamento consuetudinariamente tem a innocencia de suppor que essa divida fluctuante é a representação da receita dentro do exercicio.
Todos nós, que temos sido ministros da fazenda, temos sido forcados a respeitar a ingenuidade de suppor que a divida fluctuante é a representação da receita dentro do exercicio!
O regulamento de contabilidade de 4 de janeiro de 1870, sem ter tanta ingenuidade, tambem não apresenta um systema mais efficaz para obstar ao desenvolvimento da divida fluctuante.
Por este regulamento a divida fructuante devia ser amortisada pela receita dos exercicios anteriores, mas, apesar d'isso, as cousas não melhoraram, porque esta divida não é realmente a representação da receita dentro do exercicio, e por consequencia essa divida não se póde amortisar sem ser por meio de uma providencia extraordinaria, o que demonstra que a nossa divida fluctuante não é senão dviida fundada em perspectiva.
Agora cumpre examinar se as outras nações têem considerado, não direi com tanta indifferença, mas com tanta inactividade, o processo indispensavel para poder fazer desapparecer uma divida de tanta importancia, para que todos temos contribuido; e aqui direi que não são demasiados os esforços que faço para tirar a questão de fazenda d'esta rivalidade de amor proprio, e d'estes artificios que fazem com que se lance em rosto uns aos outros a culpa do crescimento da mesma divida.