116 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
Palacio das côrtes, em 12 de fevereiro de 1880. = José Joaquim Fernandes Vaz, presidente - Thomás Frederico Pereira Bastos, deputado secretario = Antonio José d'Avila, deputado secretario.
Proposta de lei n.º 65-M
Artigo l.º É auctorisado o governo a cobrar, por arrematação, o imposto do real de agua.
Art. 2.° A arrematação poderá ser feita por districtos ou por concelhos ou grupos de concelhos, com relação a todos os de um districto ou sómente áquelles em que o governo o julgue conveniente.
Art. 3.° É permittido ás camaras municipaes arrematar o imposto do real de agua nos seus concelhos, em concorrencia com quaesquer particulares.
Art. 4.° O governo fará uso da auctorisação concedida pelo artigo 1.° quando entender que a occasião é opportuna.
Art. 5.º A auctorisação concedida por esta lei só caducará por força de outra que a revogue.
Art. 6.° O governo fica tambem auctorisado a regular as condições para a arrematação, attendendo ao maximo proveito e garantia possiveis para a fazenda publica e para os contribuintes.
Art. 7.° Fica revogada toda a legislação em contrario.
Ministerio dos negocios da fazenda, gabinete do ministro, em 13 de janeiro de 1880. = Henrique de Barros Gomes.
O sr. Presidente: - Está em discussão na generalidade.
Tem a palavra o sr. Serpa Pimentel.
O sr. Serpa Pimentel: - Sr. presidente, tendo assignado vencido o parecer que v. exa. acaba de submetter á discussão, pedi a palavra unicamente para declarar as rasões do meu voto.
Sinto, sr. presidente, e sinto muito não poder acompanhar com o meu voto este projecto, porque tendo apresentado, ainda na sessão legislativa do anno passado, na qualidade de ministro da fazenda, varias propostas de lei cujo pensamento foi constantemente combatido, embora contribuissem para o augmento da receita, e tendo apenas conseguido, depois de longo tempo de sessão e depois de grandissimo debate, fazer com que se votasse uma unica d'essas propostas, que era a que dizia respeito ao augmento do imposto do tabaco, augmento que está calculado no orçamento que o governo apresentou este anno ao parlamento, em mais de 600:000$000 réis, desejava, em contraposição a estes factos, poder votar todos os projectos apresentados pelo meu successor no sentido de melhorar as nossas finanças.
Já votei alguns, hei de votar outros, mas o que não posso é votar o que está em discussão; e não posso votal-o por tres rasões.
A primeira é que o systema que se vae restaurar me parece ter gravissimos inconvenientes.
O sr. ministro da fazenda diz que vae fazer uma experiencia.
Eu comprehendo, sr. presidente, que se faça a experiencia de uma cousa nova, mas de uma cousa velha, já experimentada e já condemnada, não é uma experiencia, é uma restauração e uma triste e infeliz restauração.
O sr. ministro da fazenda disse que queria fazer uma experiencia, que pretendia ensaiar um novo methodo de cobrança; mas a arrematação é o methodo mais antigo que se conhece, é o methodo primitivo, é o methodo de que se usou durante muitos seculos, não só no antigo regimen, das que chegou até ao nosso tempo.
Considerar como um methodo novo o systema de arrematação para a cobrança dos impostos, equivale a conceder auctorisação ao sr. ministro da guerra para substituir no exercito o armamento moderno pelas espingardas de pederneira.
Sei que ha nações aonde existe ainda o systema de arrematação, e creio que o proprio sr. ministro cita a Hespanha e a Turquia. Na Hespanha ha estadistas eminentes e economistas distinctos. Creio que tambem os ha na Turquia; ruas, francamente o estado financeiro d'estes dois paizes não auctorisam o exemplo e a situação.
Mas prescindamos do exemplo, levemos a nossa isenção e o nosso scepticismo a prescindir de toda a auctoridade, da opinião de todos os economistas e dos exemplos das nações mais adiantadas. Recorramos unicamente á rasão e ao raciocinio.
Em que consiste a arrematação?
Em transferir para um particular, para uma empreza, para o arrematante, n'uma palavra, todos os direitos do estado em relação ao contribuinte.
Quaes são os meios que tem o arrematante para cobrar o imposto?
Exactamente os mesmos que tem o estado, menos a auctoridade moral e até material que tem sempre o governo; menos a circumstancia do que tudo; o que cobram as auctoridades do governo é para o estado, e tudo o que cobra o arrematante, alem da parte que contratou com o governo, é para elle proprio; menos á circumstancia de que as auctoridades têem (e em muitos casos devem tel-as) certas contemplações pelos contribuintes, contemplações que o arrematante não tem, porque não convem aos seus interesses, nem á cubica natural do lucro, que foi o seu incentivo para arrematar.
Eu bem sei que o sr. ministro da fazenda diz que esta arrematação agora não é a antiga arrematação por districtos.
Diz-nos por sua parte a commissão que o contribuinte tem hoje garantias, que não tinha n'outra epocha, que hoje se manifesta livremente a opinião publica, e que isto é um obstaculo aos antigos vexames.
Oh! sr. presidente, isto o que prova é que hoje os inconvenientes da arrematação não são tão grandes como antigamente; mas não prova que o systema seja bom. É verdade tambem que a legislação actual garante melhor, aos contribuintes que as suas reclamações sejam attendidas nos limites da justiça, e que a imprensa livre representa um correctivo ás demasias dos arrematantes; mas isto não prova mais que o systema seja bom.
Se admittissemos estas circumstancias como obstaculos, a todos os abusos, poderia o sr. ministro da fazenda vir tambem propor-nos a restauração do contrato do tabaco, porque s. exa. poderia allegar que não era verdadeiramente uma restauração, porque hoje existem, outros meios que removeriam os inconvenientes d'esse systema.
Ora, nós já tivemos este imposto arrematado no nosso tempo, no tempo constitucional, quando já havia estas garantias, systema de arrecadação que provou muito mal; e se em vista das garantias que hoje já se espera que os vexames sejam menores, a mim parece-me que o vexame ha de por outro lado crescer em consequencia da taxa ser hoje muito mais elevada, e os vexames hão de augmentar na rasão directa do augmento da taxa e do lucro do arrematante.
É esta tambem uma circumstancia a que não podemos deixar de attender; o imposto do antigo real de agua sobre o vinho era de 1 real em canada e hoje é nada menos do que 7 réis em litro; por consequencia o vexame ha de necessariamente crescer na rasão d'este augmento e do interesse por consequencia maior do arrematante.
Cousa notavel! Clamou-se contra a cobrança do imposto nas barreiras, que é um vexame que soffrem os habitantes de Lisboa, do Porto e de París, que é um systema usado em muitos paizes civilisados, e que, direi mais, é eminentemente justo e até democratico, porque paga igualmente o rico e o pobre.
Clamou-se contra este systema, contra os vexames dos impostos de barreira, e agora vae-se crear um systema que