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DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 117

é tido por toda a gente e por toda a parte, e em todos os paizes, como é mais vexatorio que se conhece! Façam-se as considerações que se fizerem, attenuem quanto quizerem os inconvenientes d'esse systema, que o resultado da arrematação dos impostos ha de ser sempre necessariamente, e em maior ou menor grau, o vexame, a especulação, a agiotagem, os processos, as letras protestadas, os pedidos de indemnisações, emfim todo este cortejo de cousas desagradaveis que tem acompanhado, em todas as epochas e em todos os paizes, a arrematação dos impostos de consumo.

Aqui está uma das rasões que me parece importante e fundada, na qual eu não posso dar o meu voto á restauração do systema de arrematação na cobrança do imposto do real de agua. A segunda rasão, igualmente muito importante, e para alguns importantissima, sobretudo financeiramente fallando, é que este systema não dá nada. Se ainda por elle nós tivessemos a certeza, ou pelo menos a probabilidade, de augmentar em centenares de contos de réis a receita publica, comprehendia-se e poder-se-ia acceitar esse systema, embora fosse com sacrificio dos nossos principios, uma vez que chegassemos por via d'elle ao fim desejado de, pelo menos, nos approximarmos do equilibrio das nossas finanças. Então, ao contrario d'aquelles que dizem «morram as colonias, mas salvem-se os principios», poderia-mos dizer: «padeçam os principios, mas salvem-se as finanças».

Mas, repito, este systema não dá nada, e o proprio sr. ministro da fazenda é d'esta opinião como se póde inferir do seu substancioso, erudito e desenvolvido relatorio, o qual faz honra á sua intelligencia, aos seus conhecimentos, ao seu estudo, e aos seus desejos de bem servir a causa publica. S. exa. calculou dezena por dezena de contos toda a receita que lhe póde vir dos projectos que apresentou, e é natural que assim fizesse. Tratou s. exa. de avaliar o estado da fazenda publica e o deficit entre a receita e a despeza, a qual até avolumou um pouco para pintar com as cores mais carregadas até que ponto chegou entre nós o desequilibrio das finanças.

Creio mesmo até que s. exa. de proposito descreveu, sob um ponto de vista demasiadamente aterrador, o nosso estado financeiro, aterrador não só para o contribuinte mas tambem para os credores estrangeiros. Afigura-se-me que s. exa. n'esta parte não fez um grande serviço ao paiz; mas emfim entendeu que assim devia proceder, e de certo foi levado a isso pelo seu patriotismo e desejos de occorrer a um estado inconveniente que é necessario remediar.

Depois apresentou os seus projectos, discutiu-os um por um, e tratou de demonstrar que da approvação d'elles resultaria para a fazenda publica uma situação desafogada. Portanto, nada mais natural que s. exa. calculasse a receita que em especial podia provir de cada um d'esses projectos.

Chegou ao projecto dos emolumentos da alfandega e diz: «este projecto dá em resultado uma receita de 26:000$000 reis.» Um outro projecto dá 30 e tantos contos, um outro dá tanto, e até a respeito do imposto do sêllo, onde se trata de taxas mininas applicadas a certos actos, cuja estatistica é difficil de fazer, e até d'esse calcula a importancia que ha de produzir. Chega-se porém ao real de agua e deduz-se das phrases do relatorio que o sr. ministro não conta com cousa nenhuma, ou pelo menos não conta achar grandes recursos n'este projecto.

Ha quem seja de opinião que a arrematação é preferivel á administração directa, e talvez o sr. ministro seja intimamente d'esta opinião, fundado n'uns factos, que têem na realidade importancia, apontados no excellente, judicioso e modesto relatorio do nosso collega e meu amigo, o sr. José de Mello Gouveia, apresentado ás camaras em 1878, quando era ministro da fazenda. Ha, por exemplo, alguns concelhos em que o imposto de 2 réis ou de 2 1/2 réis em litro de vinho arrematado pela camara municipal rende tanto ou quasi tanto como o imposto de 7 réis cobrado pelo estado.

Ha até um concelho, aliás insignificante, em que o imposto de 1 real em cada meio litro rendeu quasi o dobro do que rendeu para o estado o imposto de 7 réis.

Mas concluir d'estes factos que o imposto dá mais por arrematação que por administração é empregar aquelle antigo argumento, ou antes aquelle antigo sophisma: post hoc, ergo propter hoc. Porque n'alguns concelhos a arrematação para os municipios deu mais do que a administração directa para o estado, está demonstrado que a arrematação é melhor e mais productiva de que a administração directa. Ainda se não conhecessemos outros factos, estes poderiam constituir, quando muito, uma probabilidade.

Mas ha outros factos a que attender, mas nós conhecemos perfeitamente as rasões pelas quaes o imposto do real de agua cobrado directamente pelo estado não tem produzido o que devia produzir, nem talvez metade do que devia produzir. E estes factos e estas considerações lá vem apontados no citado relatorio do sr. Mello Gouveia.

Quando ha quinze ou dezeseis annos se acabou a arrematação do real de agua e passou este imposto a ser cobrado pelo estado, por administração, o imposto, comquanto diminutissimo porque era, de 1 real por canada sobre o vinho, logo no primeiro anno deu mais do que quando era por arrematação. E bom notar este facto, porque tambem é importante. Temos á experiencia dos nossos dias de que o real de agua administrado directamente deu em todos os districtos maior receita do que por arrrematação.

E note-se que o estado não tinha uma fiscalisação competentemente montada, para cobrar este imposto, tinha todavia em todos os concelhos do reino as repartições de fazenda porém estas não tinham sido creadas para a arrecadação dos impostos de consumo, mas principalmente para a cobrança e fiscalisação dos impostos directos.

Na administração do concelho, o escrivão de fazenda com os seus escripturarios dentro do seu escriptorio, de, accordo com as juntas repartidoras, organisa as matrizes, faz os lançamentos e extrahe os conhecimentos que são remettidos ao recebedor. Este na cabeça de comarca, e os seus propostos nos outros concelhos, tambem sem saírem dos respectivos escriptorios, cobram a receita do estado. E cobram-na d'esse modo, porque se annuncia a epocha do pagamento e aquelles que não pagam então, alem de incorrerem no pagamento dos juros da móra, são executados.

Mas isto não se póde dar com o imposto do real de água. Quem compra um litro de vinho não vae á recebedoria pagar 7 réis. Este imposto cobra-se do vendedor a retalho, ou por manifesto ou por avença.

É necessario, portanto, examinar o que entra e o que sae da loja, precisa-se de uma fiscalisação, para assim dizer, externa, fiscalisação que não póde ser feita pelo escrivão de fazenda e seus escripturarios dentro da repartição.

Por consequencia as repartições existentes não eram as mais aptas para fiscalisar. Mas o que fez o governo d'essa epocha?

Fez uma cousa boa para o momento, é tão boa em relação ao que existia, que logo o imposto deu maior rendimento. O governo disse aos escrivães de fazenda: Fiscalisae, cobrae o imposto, e tereis não uma percentagem de alguns decimos ou millesimos, porém 3 a 10 por cento. (Creio que houve alguns concelhos em que se deram 10 por cento.)

Cobrae como quizerdes, nomeae para a fiscalisação os empregados que vos aprouver, e quanto maior cobrança fizerdes, tanto maior será a vossa percentagem.

Como procederam, na maior parte, os escrivães de fazenda? Em primeiro logar é sabido que nem todos os escrivães de fazenda são homens tão illustrados que podessem organisar o melhor systema de fiscalisação, e em segundo, estão sobrecarregados com o trabalho das contribuições directas e pouco tempo lhes restava para se occuparem d'este novo encargo. Que fizeram, pois? Foram ter