DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 121
guezia existisse pelo menos um empregado encarregado de dar cumprimento a esses processos de fiscalisação; mas como d'ahi resultaria necessariamente uma despeza avultadissima, recuei diante d'ella, e resolvi seguir o methodo que adoptei no regulamento de dezembro do anno passado, do qual espero tirar a receita a que me referi no meu relatorio; se bem que, torno a dizer, julguei imperfeito esse methodo.
E por assim o estudar é que me pareceu conveniente lançar mão d'esse meio indirecto de apreciar a elasticidade natural a que o imposto em questão póde attingir entre nós, meio formulado no prejuizo da lei que a camara discute n'este momento.
Disse, porém, o digno par que o systema de arrematação que propuz era uma restauração, e não um melhoramento. Responderei a s. exa., que se nós tratassemos de restaurar os antigos fermiers généraux, os velhos almoedeiros com todos os seus horrores, ou ainda mesmo os mais modestos, mas ainda incommodos arrematantes por districtos, talvez fosse bem cabido o argumento de s. exa.; não se trata, porém, de nada d'isso.
Em primeiro logar, s. exa. sabe que a camara dos senhores deputados modificou, de pleno accordo com o governo, a proposta de lei por mim apresentada, attenuando quanto possivel o que podesse haver n'ella que auctorisasse o receio de abusos analogos aos que o digno par condemnou com rasão, excluindo, por exemplo, a hypothese da arrematação poder ser feita tambem por districtos, como eu estabelecia, e preceituando que ella se verificasse sómente por concelhos em grupos de concelhos, e em condições de assegurar uma melhoria no rendimento do imposto para o estado.
Não tive a menor duvida em acceitar as modificações, assim introduzidas na minha proposta, porque são de accordo com o meu pensamento; que consistia apenas em fazer um ensaio, a fim de ver se por um tal systema era possivel tirar melhores resultados para o thesouro, excluida naturalmente a idéa de crear, por esse facto, vexames para os povos, que de nenhum modo hoje poderiam ser supportados.
Em segundo logar cumpre-me declarar que não se trata aqui de imitar o que se faz na Hespanha, e muito menos de transplantar para Portugal os processos financeiros da Turquia. Sei bem o que é o arrematante turco, porque estive n'aquelle paiz, e conheço como as cousas ali se passam a tal respeito, não porque fosse estudar finanças áquelle imperio, mas porque residindo alguns mezes, aconteceu-me o que succederia a qualquer dos dignos pares, isto é, ser levado por uma natural curiosidade, a querer informar-me do que era a administração de um paiz em condições de vida religiosa, politica, administrativa e civil tão particulares e diversas das de todas as restantes nações da Europa.
Na Turquia o arrematante dos impostos é o pachá, o governador da provincia, a quem se ordena por parte do poder central que extraia d'essa provincia, cuja administração lhe está confiada, e que muitas vezes têem maior area do que a do nosso paiz, uma determinada somma, ou tributo, cuja importancia total elle tem infallivelmente de apresentar, seja qual for o modo por que consiga cobral-a. De facto ali é sobretudo o municipio que paga, porque o municipio conserva n'aquelle paiz notaveis elementos de força e de energia, e essa vitalidade é tamanha que tem podido resistir a todas as transformações politicas, a todas as alterações no predominio do raças, religiões e fórmas de governo por que aquelle imperio tem passado no decorrer dos seculos. Ali, o pachá limita se a dizer aos contribuintes: «Dae-me tanto, e procurae entre vós entender-vos sobre a maneira de levantar as sommas que vos exijo.»
Ora, eu não quero de certo implantar este systema no meu paiz, com o cortejo da arbitrariedade e de vexames de que elle póde ser origem. E ninguem me acompanharia n'esse intento, quando eu o tivesse; nem os meus collegas, nem o parlamento, e muito menos a nação. Deixemos, portanto, a Turquia em paz, e prescindamos, de armar ao effeito evocando o seu nome.
O exemplo da Hespanha, porém, é que me parece não ser tanto para desprezar. A Hespanha é um paiz que se rege por instituições, similhantes ás nossas, onde a instrucção do povo não é inferior á existente em Portugal, e em cujo parlamento têem assento homens eminentes, e que professam os principios mais liberaes. E tanto assim é, que por ninguem poderá ser contestado existirem hoje na legislação economica da Hespanha certos principios que eu bem desejaria ver implantados no meu paiz, e basta para exemplo, referir-me á reforma, da pauta, feita pelo sr. Figuerola em 1869. Um paiz em taes condições não me parece que possa ser facilmente condemnado, quando se trata de escolher nações onde por comparação se procuram elementos de estudo para apreciar problemas de administração.
Por isso, digo a s. exa. o sr. Serpa, que pondo de banda com o digno par o exemplo da Turquia, não engeitaria comtudo, e do mesmo, modo, o da Hespanha. Mas o que eu não careço, de modo algum é sair do meu paiz para discutir a questão do arrematante. E para isso, e em primeiro logar, perguntarei a s. exs. se procurou alguma vez retirar da nossa legislação o principio da avença com as camaras? Não o retirou, antes o deixou subsistir, aproveitando, por exemplo, no concelho de Lamego. E realmente, não sei em que posição ficaria collocado o sr. Serpa, sendo ministro, rejeitando uma avença de que não resultasse inconveniente, antes v vantajem para o thesouro, quando pedida por uma camara municipal.
A avença existe na nossa, legislação, e julgo-a de toda a conveniencia; porque a facilidade de relações entre as corporações municipaes e o contribuinte, dá grandes resultados no sentido de facilitar e suavisar a fiscalisação. Aquellas corporações conhecem os interesses e as necessidades dos povos; entre ellas e o contribuinte existem dependencias reciprocas, contacto permanente, e por isso se explica a nenhuma antipathia para com a avença, e a sua consequencia logica, a arrematação municipal do imposto.
De accordo com estas idéas declarei já na outra casa do parlamento, e repito-o agora, que vi com muito, satisfação algumas camaras municipaes apresentarem-se espontaneamente para se avençarem com o thesouro no imposto do real de agua.
Disse, porém, o sr. Serpa, que não approvava este projecto, porque não dava augmento de receita para o thesouro, e vinha levantar resistencias contra o real de agua e crear attritos para a sua cobrança.
Ora, sr. presidente, é certo que desde o momento em que um governo apresenta um projecto qualquer que se refira ao real de agua, immediatamente apparecem representações contra elle de todos os pontos do paiz. Não digo que o povo se agite; mas a imprensa, pela sua voz auctorisada, e os membros das duas casas do parlamento, vem logo dar força a esse começo de resistencia.
E para me referir unicamente a factos recentes, s. exa. sabe perfeitamente que não conseguiu fazer approvar o projecto que apresentou em 1873, e que estabelecia a subdivisão do imposto e a cobrança de uma parte d'elle no acto da circulação dos generos.
Viu tambem s. exa. que nem sequer lhe foi possivel publicar o regulamento que devia traduzir na pratica as idéas consignadas no projecto do sr. Mello Gouveia.
Ha pois uma resistencia natural todas as vezes que se pensa tocar n'este imposto.
Direi mais. Reduzindo a fiscalisação ás simples proporções a que o fiz, no regulamento de 30 de dezembro de 1879, ainda assim não tem deixado de haver algumas associações commerciaes, como a de Santarem, cidade a que pertence o circulo que eu tenho a honra de representar no